• Nenhum resultado encontrado

Valsa n.º TESTEMUNHOS Procura-se

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "Valsa n.º TESTEMUNHOS Procura-se"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

ANÁLISE Pureza absoluta

“Um ideal de pureza e teatralidade absolutas”eis o que Nelson pretendeu rea- lizar [com “Valsa n.º6]. Quanto ao impulso criador, originou-se da grande simpatia que ele teve em toda a vida pelo adoles- cente, como elemento e valor teatral: ‘A juventude, sobretudo na fronteira entre a meninice e a adolescência, é de integral tragicidade. Nunca uma criatura é tão trágica como nessa fase de transição’.

SOCIEDADE baile de

debutantes

No sentido em que foi criado, o Baile de debutantes é o coroamento de um projecto educativo independente e sui generis. Surgiu no século XVIII junto às cortes europeias, com a finalidade de educar as meninas para a vida social e responsabilidades do lar. O traje, a festa e o objectivo do debutar para descobrir na página 7 .

TESTEMUNHOS Procura-se sônia

Na leveza e na força, na dicção e na corporalidade. Na luz e nas sombras e num piano sozinho. Numa música que nunca é tocada do princípio ao fim e em todas as vozes que a acompanham, que a atormentam, procura-se Sônia. Conheça alguns testemunhos de quem a procurou na página 4 e 5.

CAMINHO nelson

rodrigues e baal 17

Depois de “O Beijo no Asfalto” (inserida nas chamadas “Tragédias Cariocas”), em 2005, e agora “Valsa n.º6” (Psicológica), em 2007, a Baal 17 continuará a sua incursão no mundo de Nelson Rodrigues com uma terceira produção, dentro do universo das peças míticas, em 2009.

Nelson Rodrigues e Baal 17, uma

aproximação Brasil/Portugal para descobrir na página 2.

é um monólogo carregado de

dramaticidade. Sônia é uma menina que acaba de completar 15 anos.

Estudou nos melhores colégios, é educadíssima e tem uma obsessão pela Valsa Nº 6, de Chopin. No desenrolar da história, sempre com a Valsa nº 6 como pano de fundo, a adolescente vai revelando uma teia de assassínio, adultério, dupla personalidade, alucinações e conflitos entre o real e o imaginário.

“Valsa n.º6” é uma produção da Baal 17 em parceria com a Vulpeculae Produções Artísticas (Rio de Janeiro - Brasil) e a Pedra Que Brilha (Minas gerais – Brasil)

€9.99

STOCK ILIMITADO

“Valsa n.º 6”

DIA QUALQUER DE 2007 | Nº5 ou qualquer outro nº serve | €1,00 (duzentos paus, igual a dois cafés... pronto pode tentar regatear)

O CRIME

DE lIONEl sIlVA

(2)

que vivem no limite entre a razão e a loucura compõem a fase que inaugura a obra teatral de Nelson Rodrigues:

“ A mulher sem pecado” – 1941

“Valsa n.º 6” – 1951

“Viúva porém honesta” – 1957

“Anti-Nelon Rodrigues” – 1974 Histórias Mágicas:

Personagens livres, histórias magias e citações mais freudianas compõem a fase menos compreendida da carreira de Nelson Rodrigues:

“Álbum de família” – 1945

“Anjo Negro” – 1948

“Dorotéia” – 1950

“Senhora dos Afogados” – 1954

“As tragédias, unindo a realidade e os impulsos anteriores sintetizam o complexo homem rodrigueano”

– Sabato Mágaldi Tragédias cariocas:

“A Falecida” – 1953

“Perdoa-me por me traíres” – 1957

“O Beijo no Asfalto” – 1961 “Os sete gatinhos” – 1958

“Boca de Ouro” – 1960

“Bonitinhas, mas ordinária ou Otto Lara Rezende” – 1962

“Toda nudez será castigada” – 1965

“A Serpente” – 1980

A bold as peças já produzidas pela Baal 17.

Baal 17 e nelson RodRigues

A BAAL 17 descobriu Nelson Rodrigues em 2006 aquando da montagem de “Beijo no asfalto”. Este autor foi para nós uma surpresa, primeiro pela riqueza da sua escrita, e segundo pelo nosso desconhecimento não só da obra mas também da sua importância no teatro brasileiro. Desde logo decidimos aprofundar o estudo de Nelson Rodrigues no nosso trabalho. Nesse sentido surgiu “Valsa nº6”, uma peça classificada pelo dramaturgo como Psicológica, diferente daquela

outra que já conhecíamos, “Beijo no asfalto” uma Tragédia Carioca. Pretendemos ainda, numa terceira oportunidade visitar uma das suas peças Míticas e assim percorrer, descobrir e dar a conhecer ao nosso público um pouco mais do universo rodriguiano.

A BAAL 17 procurou desde cedo uma atitude interventora e audaciosa que se manifesta pelas escolhas dos autores, pelas produções teatrais, pelos temas abordados e pela actividade em geral. Não foi por acaso que as preocupações sociais ganharam

relevo no nosso percurso originando frequentes trocas de experiências com diversos parceiros nas áreas do Teatro Forum, no Teatro do Oprimido, no Teatro Participativo.

Nelson Rodrigues aparece no nosso trabalho num momento certo com tudo o que o seu teatro tem de social e, não menos importante, com toda essa capacidade em abordar os assuntos, agitar as consciências e chamar à discussão.

BAAL 17

(3)

Aos oito anos, na escola pública, o génio de Nelson Rodrigues co- meça a dar que falar. O espanto terá sido enorme quando, num concurso de “redacção” onde o vencedor teria o privilégio de ler a sua história para o resto da turma, Nelson escreveu uma his- tória de adultério, onde, no final, o marido pega numa faca e mata a mulher. A redacção, apesar do espanto do que causou no corpo docente, não tinha como não ser premiada, muito embora não pu- desse ser lida na sala de aula, o fez com que a professora tenha inventado um empate e lido a ou- tra composição. Ainda em crian- ça, e influenciado pelos irmãos mais velhos, descobriu hábitos de leitura que o fizeram passar rapidamente dos livros infantis para romances mais “pesados”

como o Conde de Monte Cristo e as Memórias de um Médico, de Alexandre Dumas.

Em 1919 descobriu o Fluminen- se e em 1925 inicia a sua carreira jornalística – um ano depois do seu pai, jornalista e director do

“Correio da Manhã”, ter sido preso por ter denunciado usi- neiros pernambucanos e de o Governo ter silenciado o “Cor- reio da Manhã” – tinha 13 anos e meio. Repórter de polícia, cedo começou a impressionar os cole- gas com a capacidade de drama- tizar pequenos acontecimentos,

“especializando-se em descrever pactos de morte entre jovens na- morados, tão constantes naquela época”. 1

Depois de ter sido obrigado a mudar de escola, expulso por rebeldia, Nelson abandonou definitivamente os estudos em 1927 e, um ano depois, garante a sua primeira coluna assinada na principal página do jornal “A Manhã”, onde o seu pai tinha so- ciedade. O sócio maioritário ofe- rece o cargo de director a Mário Rodrigues. “Este aceita, mas fica só um dia. A intervenção do novo dono do jornal nos seus artigos faz com que ele e a família dei- xem o jornal”·. “A Manhã” viria a falir, Mário lança um novo jornal,

“Crítica”, 49 dias após a falência de “A Manhã”.

A família Rodrigues acaba perse- guida sob a alegação de que um deles seria o mandante do assas- sínio de Carlos Pinto, repórter de “A Democracia”. Foram todos

presos, excepto Nelson Rodri- gues por não se encontrar no Rio de Janeiro, mas em viagem pelo Recife, “única forma encontrada pela família para tentar livrá-lo da depressão em que se encon- trava”, vítima das suas paixões assolapadas.

Adolescente “possuído por uma indolência melancólica, fican- do depressivo, suspirando pelos cantos e dizendo: ‘Eu sou um triste’”, Nelson Rodrigues foi pela primeira vez para a cama com uma mulher, prostituta, aos 14 anos de idade. “Ficou fre- guês”. Durante toda a vida terá várias paixões e vários filhos de diferentes mulheres. A primeira esposa seria também aquela com quem passou os últimos dias da sua vida, D. Elza.

Aos 17 anos, Nelson assiste ao assassinato do irmão, morto na redacção por uma mulher em fú- ria pelo seu divórcio ter sido ma- téria do jornal – o tiro era para o pai, Mário, mas ele não estava.

Sessenta e quatro dias depois, Mário Rodrigues morre, aos 44 anos, vítima de uma trombose cerebral.

“A Crítica” viria a ser invadido e destruído (“empastelado”: termo usado à altura) após a Revolução de 1930. Os irmãos começam a procurar emprego, coisa que para eles não estava fácil. Em 1932 Nelson tem carteira assina- da em “O Globo”, onde escreve na página desportiva.

Em 1934, o grande fantasma des- se ano, a tuberculose pulmonar, afecta Nelson Rodrigues, obri- gando-o a uma série de interna- mentos num sanatório, e à perda de 30 por cento da visão. Joffre, seu irmão, viria a falecer vítima da doença. Durante toda a sua vida padecerá de problemas de saúde.

Elza Bretanha viria a ser a pri- meira mulher a trabalhar no “O Globo Juvenil”, em 1937. Três anos depois Nelson Rodrigues casa com ela. Apertado a nível financeiro, e com Elza grávida do seu primeiro filho, Joffre, Nel- son Rodrigues passa em frente ao Teatro Rival e atenta-se numa enorme fila que se formava para assistir a “A Família Lerolero”.

Depois de ouvir o comentário de que a peça estava a render imenso, uma luz acendeu-se:

Nelson decide escrever teatro e,

em 1941, escreve a sua primei- ra peça “A mulher sem pecado”.

Após muita luta conseguiu levá- la à cena, no Rio de Janeiro, mas a mesma, elogiada por alguns críticos e amigos, não teve re- percussão nenhuma junto do público. Em 1943 escreve a sua segunda peça “Vestido de Noi- va”, levada à cena pelo grupo

“Os Comediantes”. “Oito meses de ensaios, oito horas por dia. Às 20.30 h do dia 28 de Dezembro de 1943, os portões foram aber- tos e 2.205 espectadores viram a peça. Duas horas depois a peça chegou ao fim. O silêncio foi to- tal na plateia. Os artistas surgem e o aplauso foi ensurdecedor”.

Grita-se pelo autor. Nelson não aparece, lutava no camarote con- tra a dor provocada por uma úl- cera.

Apesar da fama que a peça lhe deu, Nelson continua a ser mal pago no “O Globo Juvenil”. A busca de melhor pagamento fá- lo director das revistas “Detec- tive” e “O Guri”, mas o muito tempo livre leva-o a continuar a procurar biscates. Nesse sentido, oferece-se para escrever um fo- lhetim para “O Jornal”, com ape- nas três mil exemplares por dia, e daí nasceu o seu pseudónimo feminino Suzana Flag e “O meu destino é pecar”. Uma história com 38 capítulos e um aumento de tiragem para trinta mil exem- plares e que viria a transforma- se na edição de vários romances sob o pseudónimo feminino, Su- zana Flag.

Em 1946, “Álbum de Família”, a sua terceira peça, é submetida à censura. Não passa. Só seria liberada quase vinte anos de- pois, em 1965, é levada à cena pela primeira vez em 1967. “Anjo Negro”, em 1948, e “Senhora dos Afogados”, são as próximas peças escritas por Nelson Ro- drigues e ambas não escapam às malhas da censura. O autor tenta a todo o custo liberá-las, e, não conseguindo, escreve “Doro- teia”, em 1949, “que muitos con- sideram o sue melhor trabalho teatral”. No mesmo ano cria, no jornal “Diário da Noite”, o pseu- dónimo Myrna, a nova máscara feminina do autor que respondia a cartas das leitores. Mas será no

“Última hora” e com a coluna “A vida como ela é…” que Nelson alcança um sucesso estrondoso,

já nem 1950, ano em que escre- ve mais duas peças de teatro,

“Dorotéia para Nonoca” e “Valsa n.º6”. A primeira marca a estreia da irmã Dulcinha, a segunda foi escrita para ela.

Atacado por muitos, políticos so- bretudo, a subida a palco de “Se- nhora dos Afogados”, em 1954, divide a plateia. “Uma parte gri- tava ‘génio’ a outra ‘tarado’. O autor não aguentou e reagiu à plateia, gritando do palco: ‘Bur- ros! Burros”. Um ano depois a família Rodrigues ganha uma ac- ção contra o governo de indem- nização pela destruição do jornal

“A Crítica”. As suas peças conti- nuam ser censuradas e a desper- tar no público emoções intensas, amado por uns e odiado por ou- tros, seguem-se “Perdoa-me por me traíres”, em 1957, que depois de estreada viria a ser proibi- da pela censura, “Viúva, porém honesta”, “Os sete gatinhos” e o

“Boca de Ouro”.

Em 1960 o autor entrega a Fer- nanda Montenegro a aos seu marido a peça “O Beijo no Asfal- to”, que ficou em cartaz durante oito meses, e provocou a saída de Nelson Rodrigues do “A Úl- tima Hora”, pois na peça eram feitas referências pouco positivas ao jornal. Regressa ao “Diário da Noite” com “A vida como ela é” e meses mais tarde, estávamos em 1962, foi para o “O Globo” com a coluna de futebol “À sombra das chuteiras imortais”. Partici- pava de também, desde 1960, no programa desportivo da TV Rio

“Grande Resenha Facit”. Segui- ria-se “Bonitinha, mas ordinária”

e a primeira novela brasileira de todos os tempos “A morte sem

espelho”, que, apesar do grande elenco, não conseguiu o horário nobre. “Ficou claro nesse episó- dio que o problema era o nome do autor” e, por isso, na seguin- te, “Sonho de Amor”, o seu nome não apareceu.

“Toda a nudez será castigada”, em 1965, é um sucesso. Após três anos de representações no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Salvador, a peça é proibida em Natal. Por essas alturas, Nelson Rodrigues muda-se para a TV Globo, onde apresentava o qua- dro “A Cabra Vadia”, dedicado às entrevistas.

Escreve o romance “O Casamen- to”, a pedido de uma nova edito- ra, mas, quando, o editor o leu, assustou-se. “Era um Carnaval de incestos e perversões às vés- peras de um casamento”. Aca- bou por vendê-lo a outra editora e, nas primeiras duas semanas de 1966, vendeu oito mil exem- plares, empatando com o novo romance de Jorge Amado “Dona Flor e seus dois maridos”. O livro acabou por ser proibido, só vol- tando a ser liberado em 1967. In- dignado com o apoio dado pelo jornal “O Globo” à proibição do seu livro muda-se para o “Cor- reio da Manhã” que lhe pede as suas memórias passadas para o papel, causando um estrondoso sucesso.

Depois da morte da morte da irmã Dorinha, com apenas nove meses, e dos irmão Joffre, aos 21 anos, de tuberculose, Roberto, assassinado, e de Mário Filho, Paulinho Rodrigues, a esposa e os filhos morrem soterrados de- vido ao desabamento do prédio onde viviam. Meses depois a vi-

úva do irmão Mário suicida-se.

O ano de 1970 marca o início dos anos duros da ditadura e Nelson Rodrigues, conhecido e admira- do pelos militares, luta para tirar várias pessoas da prisão, entre os quais o filho Nelsinho (Pran- cha, de cognome), apanhado em 1972, como “um dos terroristas mais procurados pelas forças armadas”, e que, apesar de seu pai ter conseguido junto do pre- sidente da República que eles saísse do país, não aceitou o pri- vilégio. Entre 1969 e 1973 Nel- son Rodrigues teve participação activa na localização, libertação ou fuga de diversos suspeitos de crimes políticos.

Depois de “Anti-Nelson Rodri- gues”, em 1973, o dramaturgo es- creve a sua grande e última peça

“A Serpente”, em 1979, pouco tempo antes do Nelsinho iniciar uma greve de fome. Nelsinho se- ria libertado em 1980, mas já não pode ver o pai, inconsciente no hospital.

Nelson Rodrigues faleceu na ma- nhã de 21 de Dezembro de 1980, um domingo. Nesse mesmo dia ao final da tarde faria treze pon- tos na lotaria desportiva. Dois meses depois, D. Elza, a mu- lher para quem acabou sempre por voltar, cumpriu o seu pedido de, ainda me vida, gravar o seu nome ao lado dele na lápide, sob a inscrição: “Unidos para além da vida e da morte. É só”.

1In “Projectos Releituras – Os melhores textos dos melhores escritores”. www.releituras.com Todas as citações

seguintes são retiradas da mesma obra.

Nelson Rodrigues nasceu no Brasil, na cidade de Recife, em 1912,

quinto filho de catorze do casal Maria Esther Falcão e do jornalista Mário Rodrigues. Com quatro anos de idade chega ao Rio de Janeiro com a família, para onde o pai, deputado e jornalista, se havia mudado por problemas políticos.

Nelson Rodrigues ia sendo criado dentro do clima da época: “as

vizinhas gordas na janela, fiscalizando os outros moradores, solteironas ressentidas, viúvas tristes, com as pernas amarradas por causa das varizes. Naquela época os partos eram feitos em casa (...) e os velórios também, usava-se escarradeira e o banho era de bacia. Nelson registrava na sua memória esse cenário. Daí saíram as personagens da sua obra literária”.

1

nelson RodRigues

o homem e a oBRa

(4)

Ao ler “Valsa Nº6” percebi que dentro da sua escrita existia uma clara consciência do poder teatral que ela representaria. Como se existisse um efeito do teatro den- tro do teatro para o teatro. O cená- rio simples, a visão do espaço tea- tral do teatro vazio, as constantes anotações sobre a movimentação da actriz, as entradas e saídas do piano, o som do bombo constante desde o inicio ao fim marcando momentos de tensão… e, uma

única anotação para a luz.

No inicio do texto Nelson Rodri- gues diz: “… a cena está mergu- lhada na sombra. Apenas uma única luz, incidindo sobre o rosto da mocinha.”

Partindo desta imagem trabalha- mos, eu e o encenador Nelson Ro- drigues, filho, sobre o que poderia ser a iluminação deste espectácu- lo. Queríamos que a luz acompa- nhasse os movimentos da actriz e representasse personagens como

os coros, as comadres, o bêbado, e principalmente, a morte e a sua total tragicidade.

Procurei então visualizar esse es- paço vazio onde a actriz sozinha se desdobra percorrendo várias personagens e momentos da sua imaginação. Um espaço teatral enorme, numa escala esmagado- ra à fragilidade da personagem de Sônia. Um espaço sempre presente, imponente, deixando ao espectador a terrível sensação

de angústia pela actriz sozinha, criando uma certa empatia pela personagem, pela história e pelo acto teatral em si.

Resta-me dizer que foi um enor- me prazer conhecer Nelson Ro- drigues, filho, a sua família e companheiros de trabalho e ex- perienciar o seu quotidiano, me- mórias e histórias que tanto aju- daram para a construção deste espectáculo.

MARCO FERREIRA

Desenho de Luz

Valsa nº6

o PRocesso

Trabalhar pela segunda vez o mesmo autor, e sendo ele Nelson Rodrigues, requereu, para mim, uma procura de algo verdadeiramente novo na sua obra, algo que me despertasse uma nova visão do universo Rodrigueano.

Parti para o Rio de Janeiro com a imagem do Miguel Rocha na cabeça, a pensar na sua forma de trabalhar texturas, naquela figura sem braços dançando a morte.

da esqueRda PaRa a diReita: cláudio liRa (contRa-RegRa); maRco FeRReiRa (desenho de luz);

telma saião (inteRPRetação); João schmid (música); nelson RodRigues Filho (encenação).

(5)

Foi feita uma reflexão sobre a morte, a adoles- cência, a loucura, as paixões, naquilo que dá asco, nas culpas, na falta de compreensão. Fiz uma viagem ao interior feminino, pelas trans- formações ao longo dos anos.

Tentei criar um equilíbrio no meu corpo, entre o transe e a lucidez de Sônia, ocupando todo um palco, em que o único elemento cenográ- fico que existe é o piano. Elemento com que a personagem dialoga, onde ela se esconde, onde ela vai buscar as suas memórias, onde descarrega as suas ansiedades, por esse moti- vo o estudo exaustivo da música, ginasticar os

dedos ao ponto de parecer ser uma verdadeira pianista.

Foi um trabalho muito baseado na solidão, por isso um trabalho muito individual e soli- tário. Dois dos aspectos definitivamente im- portantes, foram por um lado a minha estadia durante o período de ensaios na ultima casa onde o autor viveu, por outro lado ser dirigida pelo seu filho.

Uma maravilhosa lição sobre Nelson Rodri- gues.

TELMA SAIãO

Interpretação

soBRe Sônia

Sônia (a grande personagem da história),foi construída para ter bases fortes, nomeadamente em termos vocais, a nível de dicção e criação de flexibilidade na voz para as mais de 14 personagens a interpretar. Tentar manter uma boa forma física, trabalhando a agilidade, a leveza e a força que era sugerida pelo texto.

Foi feita uma interpretação exaustiva de toda as emoções, sentimentos descritos pelo autor.

da esqueRda PaRa a diReita: cláudio liRa (contRa-RegRa); maRco FeRReiRa (desenho de luz);

telma saião (inteRPRetação); João schmid (música); nelson RodRigues Filho (encenação).

Apoio vocal

Paleta de coRes Vocais

Uma das coisas mais fascinantes de apoiar vocalmente um trabalho é que ele tenha em si enunciado uma paleta de cores vocais diversas. Ora este texto, constituiu um enorme desafio nesse sentido. Esta menina-mulher, este anjo-demónio, sempre acompanhado da sua solidão tão rica e cheia de pequenas grandes variações, repleta de personagens, de fantasmas da sua memória ou da sua imaginação que a acompanham e que nos acompanham nesta viagem que é tão envolvente que nos prende a cada momento. Este trabalho, só uma actriz com uma voz grande, com uma vontade grande, com um coração grande, é que poderia fazê-lo, e a Telma foi tudo isso. Lasca a lasca fomos lapidando este texto e as suas nuances e descobrindo cada vez mais pormenores de o tornar som, corpo, imagem, gesto, ideia, sangue e emoção. Esperemos que esta viagem seja tão emocionante para o público como para nós o foi.

SARA BELO

(6)

Tenho evitado tanto pensar em ti, que desta vez propus –me a fazer um texto sobre o tema, para que, finalmente te deixe de encarar como um tabu.

Quando era miúda, acho que o meu problema era pensar que se morresse deixaria de ter alguém que cuidasse de mim.

Querida morte!

caRta PaRa a moRte

Depois tinha um medo terrível que me enterrassem mal morta, o famoso de- sespero, dentro de um caixão, sem ar para respirar, gritar e ninguém nos ou- vir, cheguei a dizer à minha mãe que queria apodrecer no meio do campo, vestida de branco com malmequeres na cabeça a enfeitar-me os caracóis.

As histórias que ouvimos deixam-nos em noites de inSônias, tão desespe- rados pela luz do dia, que eu cheguei a pensar que o meu coração poderia parar.

Depois veio a outra paranóia, que é imaginarmos a morte das pessoas mais queridas, mas isso a psicologia explica, dizendo que as crianças e os adolescentes têm necessidade de cho- rar a morte antecipada dos pais e do primeiro amor. Eu cheguei ao ponto de chorar por avós e alguns amigos, pois é já chorei por muitos vocês, assim es- pero que não me custe tanto quando morrerem.

Depois passei pela fase gótica, paixão pelos cemitérios (estilo Inglês), adorar corvos, mais isso ainda hoje não dei- xei de gostar, enfim quando chegava à hora da verdade, lá estava eu a velar o meu ente querido.

Mas a sociedade, também não tem

grandes explicações, principalmente a religiosa, pelo contrário deixou-nos ao longo dos tempos com muito medo de ti.

Pois, mas no meu percurso de vida e a dada altura tive te a aceitar e conviver contigo no meu dia a dia. E digo-te, compreender-te, levou-me a compre- ender a vida e com isso encontrar a felicidade.

Hoje em dia, e fazendo grandes para- lelismos com a natureza, pois sinto- me parte integrante dela, e por isso me acho um ser tão especial, encaro- te morte com naturalidade. Acredito sem grandes romantismos que como somos seres feitos de matéria e ener- gia, emitindo e recebendo, vamo-nos materializando e desmaterializando, andando muitas vezes em campos de energia que nem imaginamos que existem, não tenho medo de viver por- que tu morte és um estado da nossa longa vida.

E que esta seja cada vez mais harmo- niosa.

Acho que vou estando preparada.

Assim me despeço por agora, esperan- do por ti numa manhã de primavera cheia de sol.

TELMA SAIãO

Sim. Tudo estava diferente. Mas quem mudou naquele espaço de tempo in- definido. O mundo? Ou eu? Voltei a uma terra que não conhecia, mas, se não a conheço, como posso dizer: vol- tei. Se não a conheço é porque nunca lá estive. Aterrei os meus calcanhares num mundo novo. Ou se calhar não, se calhar fui eu que, a flutuar num céu de azul claro sentindo um calor nas faces cada vez mais escaldante, deixei de ser quem era. Tive medo. Rejubilei.

Senti-me sozinha num mundo novo.

Sorri. Uma pessoa nova num mundo novo, assustada com as faces a arder.

Seguimos as duas. Aquela que deixei

de ser e aquela que agora sou, depois de ter saído de casa a correr, sem con- seguir marcar o espaço de tempo que separou a decisão de 1: abrir os olhos 2: saltar da cama.

Lado a lado, percorremos lentamente o caminho que ainda há pouco tinha feito sozinha a correr. Caminhámos em silêncio, calcando fortemente os pés na terra como que para compro- varmos a nós mesmas que uma não era sombra de outra. A convencer- mo-nos que agora éramos duas a vi- ver lado a lado. Cada uma com a sua sombra. Condenadas a caminhar as duas na descoberta do equilíbrio en-

tre o mundo de uma e de outra. Para que ao fincar os pés na terra pudés- semos senti-la sem medo de cair ao precipício.

Seguimos, menina e mulher. Olhan- do-nos de soslaio, esboçando um sorriso, odiando-nos por sermos uma e não outra, a medo numas alturas, noutras permitindo-nos ficar juntas nas pontas dos pés junto a um preci- pício.

Seguimos, menina e mulher a apren- der a caminhar num mundo onde por vezes é tão difícil distinguir o 1: abrir os olhos 2: saltar da cama.

SANDRA SERRA.

Aprendendo a caminhar

seguimos,

menina e mulheR.

Hoje saí da cama a correr. Abri os olhos e saltei da cama. Acto único. Não consigo precisar o ínfimo momento que definiu cada uma das acções. 1: abrir os olhos. 2:

saltar da cama. Vesti rapidamente as calças de algodão e calcei as sapatilhas. T-shirt L e rabo-de-cavalo. Saí em passo largo e pus-me a correr. Primeiro mais devagar, depois mais depressa, e mais, e mais. O coração a querer saltar-me da boca e, enquanto procurava o caminho da saída, a bater-me na cabeça, nos ouvidos, em cada músculo e em cada veia. O peito mais apertado e as pernas que não param, mais depressa, e mais. Parei de repente. Tenho a ponta dos pés estanques frente ao precipício – os braços balanceiam. Deixei de ouvir o meu coração bater. E foi como se o tempo parasse e o mundo fosse silêncio numa nuvem de algodão. A flutuar num céu de azul claro e a sentir um calor nas faces cada vez mais escaldante. A subir-me às fontes. Fecho os olhos por momentos e, ao longe, ouço o meu coração a voltar a bater, timidamente, compassadamente. Concentrei-me nos segundos que separavam a batida. Pum! 1,2,3,4. Pum! 1,2,3,4.Pum! Em movimento câmara lenta, os meus calcanhares iniciam a viagem de regresso à terra firme. Terá mudado durante o tempo em que estive fora dela? Quanto tempo foi?

Imagem: Miguel Rocha

(7)

Na modalidade em que é mais fiel à sua antiga formulação, o Baile das Debutantes é em geral promovido por uma Comissão Organizadora, que convida uma ou várias patronesses, e é pre- cedido por uma etapa de ensino prático. O programa compreen- de, principalmente:

a) Engajamento num tra- balho social caritativo;

b) Lições de Boas Ma- neiras e Etiqueta com a realização de Chás, nos quais as candidatas são observadas e corrigidas pela patronesse ou pelas senhoras da Comissão; e c) Explanações sobre ci- dadania, política e econo- mia, em visitas guiadas à sede dos poderes muni- cipais; a museus e locais históricos.

A formação das debutantes e o baile não se vinculam a nenhum nível do currículo escolar, e sim a uma idade considerada apro- priada para a integração e início

da participação social responsá- vel da mulher, geralmente entre quinze e vinte anos, e antes do ingresso na universidade.

Compromisso de trajes. A mis- tura de classes de variado poder económico e o entendimento diferente do que seja um traje

“passeio completo” tornarão di- fícil de conseguir uma padroni- zação dos trajes entre os homens.

O “Traje a rigor” alugado é a me- lhor solução para esse problema.

Distinguem-se o “black tie” e o

“white tie”.

O par que dançará com a debu- tante depois de seu pai também usa traje a rigor e deve compro- meter-se com ela quanto a esse particular.

O vestido clássico da debutan- te é o branco, e deve ser leve e de corte recatado mas elegante, simples, desprovido de babados, aplicações ou rendas brancas, e sugerindo uma coisa leve, vapo- rosa e alegre, sem nenhum traço de rosa ou amarelo. Usa também luvas brancas, longas até o co- tovelo, e um ramo de flores na mão direita. A pequena tiara de brilhantes (ou de strasse) que foi

um acessório obrigatório da ves- timenta da debutante, vestígio da época em que os bailes acon- teciam nos salões da corte, não tem sido mais uma exigência. Os sapatos de salto alto são de ce- tim, delicados.

O projecto de assistência social.

As jovens irão dedicar apreciável quantidade de tempo em traba- lho voluntário para a comunida- de. O trabalho em hospitais, pro- jectos sociais da Igreja, creches, lares de idosos e junto de outras entidades beneficentes locais, deverá ser documentado com fo- tografias, que serão expostas em locais públicos como a principal biblioteca da cidade, o foyer de um teatro, etc.

O projecto de ensino. O mem- bro ou os membros da comissão responsáveis pela instrução das debutantes fixarão um certo nú- mero de aulas de professores que passarão às debutantes noções de política, história e organiza- ção institucional, e os conheci- mentos indispensáveis de Boas Maneiras e Etiqueta (como falar, como caminhar, como se com-

portar à mesa de refeições, no trabalho, nos encontros sociais) e aulas de dança. Providenciarão também os eventos para a prática das normas ensinadas.

a valsa é a dança que tradicio- nalmente as debutantes dançam com os pais e com o seu par, após a sua apresentação. Na tradição europeia, no Baile de Debutan- tes dança-se a valsa à esquerda, ou seja, nenhum passo é dado à direita. Não importa que outros ritmos sejam dançados depois, a tradição da valsa é sempre man- tida e é para dançá-la que as de- butantes usam longos e os seus pares vestem trajes a rigor Apresentação. No salão de bai- le as debutantes avançam para a pista de braço dado com o pai.

Não é correcto que entre de bra- ço dado com o acompanhante, porque este é um figurante que desempenha seu papel simbóli- co somente após a apresentação, após o debut, simbolizando que a partir de então a jovem está pronta a aceitar um compromis- so afectivo que a conduzirá ao casamento e à constituição da

família.

Um comunicador anuncia ao mi- crofone o nome da debutante e o do seu pai, “Apresentando-se a Senhorita ..., filha do sr...e da senhora....”e lê uma curta biogra- fia escrita pela debutante para a ocasião. Mostra slides do seu trabalho social ou da sua presen- ça no chá na companhia da sua mãe. No final diz-se: “Seu acom- panhante é o jovem ou o Sr... (o nome do seu acompanhante). O pai beija a mão da patroness, e ou da convidada de honra, e a filha recebe dela o chamado “Presen- tinho da dama”. Este é como uma chave ou senha que lhe abre as portas do mundo social. Costuma ser um anel em ouro, simples e leve, não muito dispendioso, mas com qualidade para ser guarda- do como lembrança preciosa pela nova Dama que, nesse momento, acaba de debutar.

A valsa, o jantar e o encerra- mento. Terminadas as apresen- tações, o comunicador anuncia a valsa das debutantes e cada uma delas entra na pista para dançar com o seu pai a valsa de despe- dida da sua condição de tutela-

da pela família. Após um ou dois minutos, a um sinal da mestre de cerimónia, os acompanhantes avançam para a pista para inter- romper os pais e tomar cada um a sua dama. Ainda durante a val- sa, enquanto a debutante dança com o seu par, o seu pai volta à pista dançando com a sua mãe.

Só depois que de algum tempo, terminada a actividade do fotó- grafos que registram o momen- to, o Comunicador interrompe o Baile para que um membro da Comissão faça um breve discur- so apresentando à patronesse os agradecimentos pela seu apoio na promoção do Baile. Após esse pronunciamento inicia-se o jan- tar, e a orquestra faz apenas um fundo musical discreto. Após vinte a trinta minutos, a orques- tra retoma o ritmo de baile, e os casais, à medida que terminam sua sobremesa, encaminham-se para a pista de dança.

A partir de:

Cobra, Rubem Q. - Baile de De- butantes. Site www.cobra.pages.

nom.br, INTERNET, Brasília, 2007.

No sentido em que foi criado, o Baile de Debutantes é o coroamento de um projecto educativo independente e sui generis. Surgiu no século XVIII junto às cortes europeias, com a finalidade de educar as meninas para a vida social e responsabilidades do lar. Esta era praticamente a única alternativa à vida religiosa num mosteiro ou convento. Mas, gradualmente, essa vinculação palaciana desfez-se, e o baile passou a ser promovido por entidades várias, ora associado a um programa educativo bastante disciplinado – quando organizado por igrejas, escolas e entidades filantrópicas –, ora meramente uma festa estelar, promovida por clubes e hotéis de luxo, sem qualquer exigência prévia senão o pagamento de taxas exorbitantes aos seus organizadores. A palavra

“debutante” vem do francês débutante, que significa iniciante ou estreante.

os Bailes de deButantes

Quem diria que o pequeno Fryderyk Franciszek, nasci- do num pedaço escondido da Polónia, se tornaria o célebre Frédéric François Chopin, um dos maiores músicos da Paris do início do século XIX?

Chopin dedicou toda sua obra

ao piano, com excepção de uma ou duas peças para vio- loncelo, um trio de câmara e algumas canções.

Assim, o seu nome ficou imediatamente ligado ao do instrumento, de tal for- ma que é impossível fa-

zer uma história da músi- ca para piano sem Chopin.

A música de Chopin é extre- mamente sedutora para os ouvintes comuns, em espe- cial por causa de suas me- lodias peculiares, que criam imediatamente um ambiente

de devaneio e encantamento.

As mais predilectas do públi- co são as Valsas. Chopin com- pôs dezoito delas. São peças leves e muito elegantes entre as quais a Valsa Nº6 - Opus 64, no. 1, também conhecida como a Valsa do Minuto.

1810 - 1849, Polónia

FRedeRic choPin

No dia 1 de Março de 1810, na cidadezinha de Zelazowa Wola, perto de Varsóvia, Polónia, nascia

Fryderyk Franciszek. A mãe era polonesa e o pai francês. O sobrenome do pai? Chopin.

(8)

É possível que o divórcio da críti- ca e da plateia, que não acompa- nharam a sua ousadia, obrigasse Nelson a tornar-se mais cautelo- so. Essa eventual circunstância, ligada a outras, levou-o a escre- ver, em 1951, o monólogo “Val- sa nº6”. (…) Nelson tinha ainda nova motivação, muito ponde- rável: com um monólogo, de montagem pouco dispendiosa, estaria propiciando o lançamen- to como atriz de sua irmã Dulce Rodrigues.

Em entrevista que me concedeu, publicada no “Diário Carioca”

de 6 de Agosto de 1951 (dia se- guinte à estreia), Nelson contou como nasceu a ideia do monólo- go: “Achei, sempre, que um dos problemas práticos do teatro é o excesso de personagens. Enten- do, no caso, por excesso, mais de uma. Pensei, por isso, há muito tempo, na possibilidade de tal simplificação e despojamento, que o espectáculo se concen- trasse num único intérprete. Um intérprete múltiplo, síntese não só da parte humana como do próprio décor e dos outros valo- res da encenação. Uma pessoa individuada – substancialmente ela própria – e ao mesmo tempo uma cidade inteira, nos seus am- bientes, sua feição psicológica e humana”.

Um ideal de pureza e teatrali- dade absolutas – eis o que Nel- son pretendeu realizar. Quanto ao impulso criador, originou-se da grande simpatia que ele teve em toda a vida pelo adolescente, como elemento e valor teatral: “A juventude, sobretudo na frontei- ra entre a meninice e a adoles- cência, é de integral tragicidade.

Nunca uma criatura é tão trágica como nessa fase de transição.”

(…)

Sobre o título e a participação da música, Nelson afirmou: “Diaria- mente eu lanchava na Alvadia. A partir de certo momento e duran-

te cerca de uma semana, passei a sentir uma euforia completa, um inexplicável bem-estar físico.

Surpreso, procurei explicar-me o fenómeno, até que seis ou sete dias depois descobri que a satis- fação, a felicidade, cuja origem desconhecia, eram provocadas pela música de Chopin, fundo sonoro do filme À noite sonha- mos, na ocasião exibido no Impé- rio. Creio ter nascido aí o desejo de transpor a experiência pesso- al para o palco, atingir no teatro resultado semelhante: o espec- tador, sem saber como e porquê, sentiria profunda tensão e prazer estéticos, mesmo sem compre- ender a peça, nos elementos de lucidez e consciência”.

A preocupação com o envolvi- mento do público, independen- temente do domínio racional do texto, justifica-se em Nelson, em virtude da forma como ele via a personagem: “Valsa nº6” é menos parecida com outro mo- nólogo do que uma máquina de escrever com uma de costura.

“Coloquei uma morta em cena porque não vejo obrigação para que uma personagem seja viva.

Para o efeito dramático, essa premissa não quer dizer nada”.

Aí estava o nó da questão: uma morta em cena, monologando como se estivesse viva. No pro- grama do espectáculo, levado às segundas-feiras, no Teatro Serra- dor do Rio, o dramaturgo infor- mava: “uma jovem de 15 anos, que já morreu, tenta lembrar-se do que aconteceu”.

Ousei discordar da colocação de Nelson, menos por bizantinismo crítico do que por acreditar que a obra de arte muitas vezes es- capa dos intentos expressos pelo autor, adquirindo uma indepen- dência do plano consciente. Para Nelson, Sônia, a protagonista de

“Valsa nº6”, surgia morta no pal- co, e não seria necessário invocar uma crença espiritualista para o

crédito da experiência cénica.

Mecanismos interiores devem ter agido para que o dramaturgo pretendesse impor uma concep- ção nada ortodoxa, evitando ao mesmo tempo parecer repetitivo.

Porque, na verdade, o tempo real de “Valsa nº6” é muito semelhan- te ao de “Vestido de noiva”. Cria- se a trama dessa peça a partir do acidente, até a morte de Alaíde.

Durante toda a ação, ela não sai do estado de choque. No monó- logo, ocorre fenómeno idêntico:

a ação se passa entre o golpe as- sassino sofrido por Sônia e a sua morte. A heroína também não sai do estado de choque e, no delí- rio, recompõe o mundo à volta.

Aqui a realidade se reduz à pre- sença do piano branco em cena, e a protagonista vive os planos da alucinação e da memória.

(…) “Valsa nº6” sintetiza o mun- do no monólogo de Sônia. (…) É Sônia quem dá vida, em seu subconsciente e graças ao de- sempenho mimético da atriz, às personagens que formam o seu universo de adolescente. (…) O primeiro mérito de Valsa nº6 vem de Nelson ter criado um monólogo absolutamente teatral.

Aboliram-se os métodos prosai- cos e habituais da forma. O autor não se serviu de espectaculosi- dade ou complicações aleatórias para atingir o objectivo. Não im- portam a luz, o cenário, o tempo e o espaço. A peça repousa sobre a palavra, trabalhada dramatica- mente. Resultou um poema dra- mático, em que a conclusão do monólogo é poesia. (…)

Logo no início do monólogo, a intérprete chama Sônia: “Quem é Sônia?...” (…) Ela começa a recompor-se: um rosto a acom- panha. Surge a lembrança da loucura. Afirma-se o alheamen- to, a perda no tempo. Vem, após, a recusa do desequilíbrio mental, que a marcou na passagem de menina a mulher. “Depois eu me

lembro de tudo o que eu fui, do que sou”. Sônia é o único nome feminino retido na memória. Em virtude do estado de choque, rompida a lucidez, Sônia prin- cipia a desdobrar-se em outra personagem, a que se opõe, nas sabidas lutas do íntimo.

A seguir, Sônia situa a família. O caso com Paulo, presença que se descobre aos poucos. É registra- da a ausência de fatos. O desejo de matar Paulo. E, antes de en- cerrar-se a primeira parte, já que, sem intervalo o espectáculo, a música de Chopin estabelece a ligação entre dois atos distintos – Sônia, beijada como mulher, se transforma inteiramente em ou- tra personagem, que a menina se recusa a admitir com a própria identidade.

Na segunda parte começam o es- clarecimento e a iluminação da memória, reconstitui-se o crime.

“As lembranças chegam a mim aos pedaços”. “Eu não saio daqui sem saber quem sou e como sou”.

Acentua-se a natureza da me- nina e da mulher. É confessada verdadeira adoração por Paulo.

A revelação de um caso com um homem casado. Aprofundam-se os dados psicológicos, até que a coincidência de um grito identi- fica a personagem e Sônia numa só pessoa, no momento final. Elu- cida-se completamente o crime e o coro, encarnado pela persona- gem, exclama: “Só a morte viu o teu rosto verdadeiro e último”.

(…) A motivação psicológica, de resto, é admirável em todo o monólogo. Com grande fres- cor e doce ingenuidade, Sônia escorre ora para a menina, ora para a moça. Surge o pavor da loucura, típica entre os sintomas da transição. A revolta contra a operação das amígdalas, símbolo de um complexo de castração e terror da experiência sexual. O desgosto por ter perdido a mis- sa, como imagem do pecado. A

descoberta da mulher, que tem vergonha de tudo: dos próprios pés, dos móveis descobertos, ín- dice da adolescente que adquire consciência do próprio corpo. O desejo de matar o nome de Sô- nia, sintoma da autodestruição tentada na idade. O amor por Paulo, o ódio pela decepção, e a entrega sentimental, não obstan- te. O caso com um homem casa- do: a menina, que devia procurar alguém de sua idade, se atrai por um homem mais experiente – complexo de Édipo típico, sem o tom probatório da psicanálise.

(…) O tema está estreitamente vinculado às demais peças do dramaturgo. Quem não reco- nhecerá no assassínio de uma menina por um velho médico um assunto resvalando o melodra- mático, tão do agrado de Nelson Rodrigues? A situação aproxi- ma-se do folhetinesco, de que o texto escapa pela exata dosagem no aproveitamento do conteúdo dramático. Tudo se resgata pelo poder verbal, que revela sutile- zas surpreendentes. Passa-se da tragédia à ironia, do drama ao humorismo e à caricatura – liga-

do à morte está o coro de coma- dres dizendo: “A mãe é bacana.

Teve 15 ataques!”

A sugestão poética não definha um instante. A imaginação febril da adolescente fundamenta os versos que se entremeiam à his- tória: “Quando chove em cima das igrejas, os anjos escorrem pelas paredes”. “Paulo cresce como um lírio espantado”. “E os cabelos rolando pelo silêncio das espáduas”. “Um defunto conta- mina tudo com a sua morte – a mesa e a dália”. “Que teu perfil de morta passe por entre lírios cegos”. Por fim, a própria carac- terização do bêbado como símbo- lo da gratuidade, da evasão poé- tica – um bêbado falando de uma menina morta. Nelson Rodrigues tem o direito de contrabalançar a secura do seu diálogo com o derramamento lírico, nunca sem propósito, desse monólogo.

Louve-se a depuração de “Valsa nº6”, em que um certo hermetis- mo não impede a heroína, pela sensibilidade, de comunicar-se com a plateia. A concepção e a fatura conferem ao monólogo o estatuto de obra de vanguarda.

Valsa n.º6

O êxito de “Vestido de noiva” inspirou a Nelson todas as audácias.

(…) O próprio Nelson confessou: “Vestido de noiva” teve o tipo de sucesso que cretiniza um autor.(…) O teatro é mesmo dilacerante, um abcesso. Teatro não tem que ser bombom com licor”. (…)

*IN MAgALDI, SÁBATO, TEATRO DA OBSESSãO: NELSON RODRIgUES, 2004 NOTA: O TEXTO ENCONTRA-SE NA VERSãO ORIgINAL BRASILEIRA

Ficha técnica: Texto: Nelson Rodrigues | Encenação: Nelson Rodrigues Filho | Interpretação: Telma Saião | Direcção Plástica e Técnica: Marco Ferreira | Direcção Musical: João Schmid | Treino Vocal:

Sara Belo | Execução Musical: Tibor Fittel | Imagem: Miguel Rocha | grafismo: Verónica guerreiro (blocod.com) | Figurinos: Regina Schimtt | Direcção de Produção: Rui garcia | Produção Executiva:

Sandra Serra | Produção Minas gerais: Cléber Camargo Rodrigues | AgRADECIMENTOS : Adenor Simões, António Abernú, Andreia Rocha, Centro Cultural de S. gonçalo de Rio Abaixo (Itabira); Cléber Camargo, D. Elza Rodrigues, Eloísa Montemuza, Escola Estadual de Teatro Martins Penna (Rio de Janeiro), Escola Superior de Teatro e Cinema, Família de Nelson Rodrigues, Funcionários do Parque de Máquinas e Oficinas da Câmara Municipal de Serpa, grupo de Teatro de Serpa, João Canoilas, Pedro Barão/INIPTUS, Prefeitura de S. João D’El Rei, Sara graça.

Baal 17 - Companhia de Teatro na Educação do Baixo Alentejo Apartado 113 - 7830 Serpa - Portugal.

Telf. 284549 488; Telm. 961 363 107 Email: baal.17@mail.telepac.pt;

Web: www.baal17.pt

Vulpeculae Produções Artísticas (Rio de Janeiro - Brasil)

Pedra Que Brilha (Minas gerais – Brasil)

Baal 17 financiado por: e com o apoio de: apoio divulgação:

Região de Turismo da

BEJA

Referências

Documentos relacionados

Ao fazer pesquisas referentes a história da Química, é comum encontrar como nomes de destaque quase exclusivamente nomes masculinos, ou de casais neste caso o nome de destaque

Os estudos originais encontrados entre janeiro de 2007 e dezembro de 2017 foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: obtenção de valores de

Buscando contribuir para a composição do estado da arte da pesquisa contábil no Brasil, a investigação lançou mão de técnicas de análise bibliométrica para traçar o perfil

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

devidamente assinadas, não sendo aceito, em hipótese alguma, inscrições após o Congresso Técnico; b) os atestados médicos dos alunos participantes; c) uma lista geral

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

The case studies show different levels of problems regarding the conditions of the job profile of trainers in adult education, the academic curriculum for preparing an adult

Além do teste de força isométrica que foi realiza- do a cada duas semanas, foram realizados testes de salto vertical (squat jump e countermovement jump), verificação da