• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO HISTÓRICO DA LÍNGUA DE SINAIS NO MUNDO E NO BRASIL História no Brasil Ganho de status X falta de corpus...

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "1 INTRODUÇÃO HISTÓRICO DA LÍNGUA DE SINAIS NO MUNDO E NO BRASIL História no Brasil Ganho de status X falta de corpus..."

Copied!
53
0
0

Texto

(1)

(2)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 3

2 HISTÓRICO DA LÍNGUA DE SINAIS NO MUNDO E NO BRASIL ... 5

2.1 História no Brasil ... 6

2.2 Ganho de status X falta de corpus ... 11

3 IDENTIDADE E CULTURA SURDA ... 13

3.1 Cultura surda ... 13

3.2 Identidade surda ... 15

3.3 A comunidade surda e a ouvinte ... 17

4 CONCEITOS E ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS ... 19

4.1 Metodologia oralista ... 19

4.2 Comunicação total ... 20

4.3 Bilinguismo ... 20

4.3.1 Questões culturais, identitárias e bilinguismo ... 23

5 ASPECTOS GRAMATICAIS DA LÍNGUA DE SINAIS ... 26

5.1 Fonologia ou léxico ... 27

5.1.1 Sinais icônicos... 28

5.1.2 Sinais arbitrários ... 30

5.1.3 Sinais soletrados ... 31

5.2 Morfologia ... 32

5.3 Sintaxe ... 33

6 ESTRUTURA GRAMATICAL: ASPECTOS PRÓPRIOS DA LIBRAS 35 6.1 Expressões não manuais ... 36

(3)

6.2 Advérbios temporais ... 36

6.3 Verbos ... 37

6.4 Tópicos... 37

6.5 Sintaxe espacial ... 38

6.6 Adjetivos... 39

6.6.1 Igualdade, Superioridade e Inferioridade ... 39

7 RECURSOS AUDIOVISUAIS NO ENSINO DE LIBRAS ... 41

8 POSICIONAMENTOS DA COMUNIDADE SURDA ... 45

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 49

(4)

1 INTRODUÇÃO

Nossa sociedade é composta por diversos tipos de pessoas com as mais diferentes manifestações da diversidade cultural. Apesar dessa diversidade, há uma tendência do ser humano em estabelecer um padrão ideal diante das características que são comuns entre os indivíduos. A partir desse padrão, muitas das vezes, por falta de informação, subjugamos, ou seja, desconsideramos as pessoas que se diferenciam em seus hábitos, comportamentos, características físicas e linguagem, daquele padrão estabelecido pela sociedade em que estamos inseridos.

A voz dos surdos são as mãos e os corpos que pensam, sonham e expressam. As línguas de sinais envolvem movimentos que podem parecer sem sentido para muitos, mas que significam a possibilidade de organizar as ideias, estruturar o pensamento e manifestar o significado da vida para os surdos. Pensar sobre a surdez requer penetrar no “mundo dos surdos” e “ouvir” as mãos que, com alguns movimentos nos dizem o que fazer para tornar possível o contato entre os mundos envolvidos, requer conhecer a “língua de sinais”. Permita-se “ouvir” essas mãos, pois somente assim será possível mostrar aos surdos como eles podem

“ouvir” o silêncio da palavra escrita. (Ronice Müller de Quadros, S/D)

A história dos surdos é marcada por preconceitos e julgamentos errôneos.

Por exemplo, os surdos são erroneamente chamados de "mudos" ou "surdos- mudos", já que, em geral, eles não são vocalmente deficientes. Simplesmente não ouvem.

Não é uma história difícil de ser analisada e compreendida, evolui apesar de vários impactos marcantes, no entanto, vivemos momentos históricos caracterizados por mudanças, turbulências e crises, mas também de surgimento de oportunidades.

Este texto tem por objetivo dar início a uma base de conhecimentos referentes à Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, para os futuros profissionais que, eventualmente, prestarão serviços à comunidade surda. Buscando orientar e

(5)

preparar os mesmos para atender aos princípios da inclusão social e às determinações da lei de proteção e amparo a comunidade surda visando o respeito e reconhecimento de sua especificidade linguística e cultural.

Em caso de dúvidas, estamos aqui para ajuda-los.

(6)

2 HISTÓRICO DA LÍNGUA DE SINAIS NO MUNDO E NO BRASIL

Antes de 1750, os surdos eram segregados, pois eram mal compreendidos, se tornando frustrados e revoltados. Por vezes eram tidos como perturbados e afastados do convívio social. Quando adultos, eram forçados a fazer trabalhos desprezíveis, viviam isolados e eram considerados ineducáveis. Muitos surdos de famílias nobres eram forçados a ler e a falar para receber reconhecimento como pessoas da lei, conseguir títulos e herança e até então não havia escolas especializadas para surdos.

Em 1755, na França, o abade Charles Michel de I’Épée inicia um método de aprendizagem para surdos começando a associar palavras a figuras e ensinando surdos a ler, e assim levando acesso à cultura do mundo e para o mundo. Charles Michel Fundou a primeira escola para surdos que teve auxílio público e treinou diversos professores na França e Europa.

Durante esse período houve uma divergência quanto ao método mais indicado para ser adotado no ensino dos surdos, o Método Oral Puro contra o Método Combinado (língua de sinais para o ensino da fala).

Em 1864, é fundada a primeira instituição superior para surdos, a Gallaudet University em Washington D.C. nos Estados Unidos. Utilizavam o Método Combinado com uso da língua se sinais justificado para o ensino do surdo a escrever e a falar, o que não atende aos objetivos, pois os surdos não têm vontade de falar.

Em 1880, ocorre o Congresso Mundial de Professores de Surdos em Milão, Itália. Nesse Congresso é decidido que todos os surdos deveriam ser ensinados pelo Método Oral Puro e que seria proibido a língua de sinais. A partir de então, os professores e fonoaudiólogos deveriam utilizar o oralismo. Calcula-se que levava em média 10 anos para se oralizar um surdo.

Somente em 1960 em que estudiosos, psicólogos e historiadores despertaram para o fracasso do oralismo, e logo foi criado a metodologia da

(7)

comunicação total (sinais, leitura labial e fala). Atualmente é adotado o bilinguismo, a língua de sinais como primeira língua e língua da comunidade local como segunda língua.

Já aqui no Brasil, durante o Império de D. Pedro II, o professor Hernest Huet fundou o Imperial Instituto para Surdos-Mudos no Rio de Janeiro em 1857, e utilizava o Método Combinado. Na época, o Instituto funcionava como asilo, no qual só eram aceitas pessoas do sexo masculino que vinham de todos os lugares do país, muitas delas abandonadas pelas famílias. Os surdos brasileiros passaram a contar com uma escola especializada para sua educação e tiveram a oportunidade de criar a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), mistura da Língua de Sinais Francesa com os sistemas de comunicação já usados pelos surdos das mais diversas localidades. Em 1957, o nome de Imperial Instituto foi mudado para Instituto Nacional de Educação para Surdos (INES). Hoje é um órgão do Ministério da Educação.

Durante as décadas de 70 e 80, iniciou-se um serviço de estimulação precoce para atendimento de bebês de 0 a 3 anos, houve especialização para professores na área da surdez e foi criado a Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos (FENEIDA), mas que em 1986 mudou-se o nome para FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos) e também que o ensino de LIBRAS passa a ser exigido pelos surdos que passam a ser responsáveis pela instituição e por suas decisões.

2.1 História no Brasil

A língua brasileira de sinais (Libras) é utilizada como meio de comunicação sinalizada por surdos e ouvintes. Existe um número expressivo na esfera de brasileiros natos, levando em conta o crescente número de usuários da língua, mesmo que esse número não seja preciso. Inclusive, no ano de 2010, o IBGE constatou que existe aproximadamente 9.722.163 milhões de brasileiros com problemas de audição, sendo que 2,6 milhões são surdos (FUNDAÇÃO DE

(8)

ARTICULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E COM ALTAS HABILIDADES NO RIO GRANDE DO SUL, 2011). A Libras é uma das línguas utilizadas no Brasil e reconhecida nacionalmente pela Lei nº 10.436/2002.

Fonte: www.iped.com.br

Embora seja uma das línguas faladas nacionalmente, ainda há um número relevante de pessoas que vê a Libras apenas como mímica, gestos soltos no ar, movimentos sem nexo ou, ainda, simplesmente uma cópia fiel da língua portuguesa.

Em 2005 ocorreu mais um fato importante para a comunidade surda no Brasil, a regulamentação do Decreto n° 5.626/2005 que regulamenta e oficializa a difusão da língua de sinais e a insere como disciplina obrigatória nas instituições de ensino, para a formação de professores, instrutores de libras. Além disso, esse decreto auxilia na divulgação da língua de sinais brasileira e do português para as pessoas com deficiência auditiva/surdos, nos cursos de formação de tradutores e intérpretes de libras, assim como, garante o direito ao acesso à saúde e à educação para surdos. O Quadro 1 apresenta um resumo da história da Libras no Brasil.

Quadro 1- História da Libras no Brasil.

Ano Acontecimento

1857 Foi fundada a primeira escola de surdos do Brasil, conhecida como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).

(9)

1902/1912 Tivemos a comercialização dos primeiros aparelhos de surdez.

1960 William Stokoe fez o primeiro estudo linguístico sobre língua de sinais utilizada nos Estados Unidos (American Sign Language – ASL).

1978 Ocorreu o III Congresso Internacional (Gallaudet): onde foi divulgado ideias da comunicação total (conhecido no Brasil como português sinalizado), influenciando diversos países.

1980 Nas décadas de 70 e 80, os surdos iniciaram movimentos exigindo mais direitos para os sujeitos surdos, surgiu o termo:

deaf power (poder surdo).

1987 É criada a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – FENEIS.

1991 A Libras foi reconhecida oficialmente pelo governo do estado de Minas Gerais.

1994 É feita a declaração de Salamanca (é um documento extremamente importante no contexto da inclusão social, pois trata dos princípios, das políticas e das práticas em educação especial).

1995 É criado um comitê de luta pela oficialização da língua de sinais (Libras)

2002 É oficializada a Libras pela Lei n° 10.436. Ganha o status de língua por meio da referida lei. A partir disso, instituições públicas devem ofertar acessibilidade em língua de sinais em eventos e pronunciamentos. Os sistemas educacionais passaram a ter a opção de ofertar educação bilíngue, onde a Libras fosse a língua de ensino

2005 Por meio do Decreto n° 5.626, que regulamenta a Lei n° 10.436, considera pessoa surda aquela que por ter perda auditiva compreende e interage com o mundo por meio de experiências

(10)

visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Libras. Também, oficializa a Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de fonoaudiologia. Expõe os requisitos para a formação de professores e instrutores de Libras, cria o PROLIBRAS (Programa Nacional para a Certificação de Proficiência no Uso e Ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras – e para a Certificação de Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras/ Língua Portuguesa), dentre outras garantias.

2006 O MEC cria o primeiro curso de licenciatura em Letras/Libras e o primeiro curso de bacharelado em Letras/Libras (tradutor/intérprete)

2010 A Lei n° 12.319, de 1º de setembro de 2010, regulamenta a profissão de tradutor e intérprete de Libras. Também, aborda sobre os novos exames do PROLIBRAS a serem realizados até ano de 2015 e sobre a formação do tradutor e intérprete de língua de sinais.

2011 O Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Também, foca nas diretrizes para a elaboração de materiais didáticos no contesto da educação especial.

2014 No dia 24 de abril é celebrado o dia nacional da língua brasileira de sinais – Libras, foi oficializado pela Lei nº 13.055, em 22 de dezembro de 2014; a data comemorativa foi prevista no projeto de lei (PL 6.428/09) de autoria do deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG). O dia 24 de abril foi escolhido porque é a data da publicação da Lei 10.436/02, que trata sobre a Libras. O PL n°

(11)

6.428/09 atendeu à reivindicação da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), instituição dedicada à causa das pessoas surdas do Brasil, como parte da luta pelo reconhecimento e definitiva implantação da Libras.

2017 Pela primeira vez, estudantes surdos puderam ter acesso a vídeos com as questões do Enem traduzidas na Libras. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) disponibilizou salas adaptadas e os participantes puderam escolher na inscrição, se desejariam participar da aplicação. Os estudantes que optaram pela tradução através do vídeo, também tiveram acesso a um tradutor por dupla de candidatos, que pode apenas esclarecer dúvidas pontuais de vocabulário. O preenchimento do cartão de respostas é realizado normalmente pelo sujeito surdo. A disponibilização do vídeo foi feita em caráter experimental. A tradução integral do exame para Libras é demanda antiga, sobretudo daqueles que não são inicialmente alfabetizados em português e, pelo menos desde 2014, é discutida no INEP 2018 O curso pedagogia bilíngue na modalidade a distância (EaD) foi

concebido dentro do “Plano Nacional dos Direitos da Pessoal com Deficiência – Viver sem Limites”. A responsabilidade pela implementação do projeto é do Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, assumida a partir de um convite do Ministério da Educação (MEC). Em dezembro de 2017, o curso venceu o Reimagine Education 2018, prêmio que é considerado o “Oscar”

da educação mundial. Além de conquistar o primeiro lugar na categoria “Educação híbrida”, quando o curso é ofertado misturando as duas modalidades: on-line e presencial; o projeto brasileiro alcançou a primeira colocação na categoria geral, com

(12)

a proposta mais inovadora nas áreas de tecnologia e educação do mundo.

Fonte: Adaptado de Libras, Carlos Eduardo Lima de Morais

2.2 Ganho de status X falta de corpus

A partir de 2002, a Libras ganhou status de língua. Contudo, ao fazermos uma analogia com outros países o reconhecimento nem sempre é necessário. A constituição dos EUA não menciona a língua oficial do país como sendo o inglês, mas como a carta ou declaração foi escrita em inglês fica subtendido que na época em que ela foi lavrada, o inglês era a língua oficial do país.

Se o inglês falado não é oficializado, a Língua de Sinais Americana (LSA) também não e, nesse ponto, foi algo muito benéfico para a LSA, já que ela não precisou de legislação específica para ser considerada uma língua e ambas podem ser colocadas no mesmo patamar linguístico. Obviamente, o inglês falado é muito mais reconhecido entre os falantes, mas, o status das duas se equivale no contexto linguístico (não existe uma que seja superior à outra).

Em contrapartida, a situação da Libras foi um pouco mais complicada, visto que nossa Constituição Federal de 1988 especifica que a única língua oficial do país é a língua portuguesa. Nesse ponto, a Libras teve uma enorme desvantagem por longos 14 anos (1988 até 2002), pois durante esse tempo não era considerada como uma língua. A partir da Lei n° 10.436/02, o status linguístico da Libras foi reconhecido; contudo, ela ainda não é considerada uma língua oficial do nosso país.

Somente o português é considerada como língua oficial no Brasil e, apesar do reconhecimento e oficialização como língua, a Libras, assim como as línguas faladas por comunidades de imigrantes e tribos indígenas, não é considerada como língua oficial do Brasil, assim como a ASL poderia ser considerada nos EUA (desde que tivesse quórum para tal), entretanto, a Libras tem status de língua.

Outro ponto importante de ser mencionado é que apesar do reconhecimento da Libras como língua, o que remete a status, ainda assim ela possui carência de

(13)

corpus (palavras que compõem o vocabulário de um idioma). Pense o seguinte, uma língua como o português não tem problema de corpus (vocabulário), visto que nosso dicionário tem aproximadamente 260 mil palavras, abordando ou falando sobre todo o tipo de coisa (química, física, biologia, filosofia, história, entre outros.).

Isso significa que independente do contexto da conversa, o português dá conta. No caso da linguagem de sinais isso não acontece com tanta naturalidade, pois existe a problemática da falta ou existência mínima de corpus para algumas áreas específicas (química, física, mecatrônica, metrologia industrial, entre outras).

Devido a isso, um dos objetivos que a comunidade surda brasileira tem atualmente é a criação de corpus com intuito de tornar a Libras mais acessível a diferentes contextos comunicacionais.

(14)

3 IDENTIDADE E CULTURA SURDA

3.1 Cultura surda

Conforme Behares (1999), os surdos passaram por muitos momentos controversos e difíceis, pois eram proibidos de utilizar a sua língua natural e considerados pessoas com poucas capacidades intelectuais. A história já deixou claro que as sociedades já viveram muitas fases de preconceito e desvalorização.

Apesar de tudo isso, os surdos sobreviveram em sua cultura e identidade. A linguagem de sinais, que, a princípio, foi proibida em ambientes públicos, principalmente nas escolas, manteve-se viva nos corredores e ambientes fechados.

No contexto brasileiro, temos a Libras, que não apenas identifica o surdo, mas desenvolve seu conhecimento de mundo, sua capacidade de valorizar seu modo de vida e fazer com que se sinta participante da vida social.

Com a promulgação da Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002, houve o reconhecimento da Libras como uma língua, e, a partir disso, a consideração, valorização e respeito à cultura surda, porque, até então, os surdos eram considerados incapazes, deficientes e sem condições de trabalhar, de participar de determinados eventos políticos e/ou até mesmo de estudar. Hoje, sabemos que há muitos surdos com graduação, mestrado e doutorado atuando em instituições de ensino superior. A partir dessa lei, muita coisa mudou e muitas pessoas começaram se interessar pelas questões que envolvem a população surda, sua cultura, identidade e seu ensino. Além da Libras, outros elementos fazem parte da cultura surda e são considerados artefatos culturais e tecnológicos como, por exemplo:

TDD (telecomunications device for of deaf, aparelho de telefone para surdos);

aparelho auditivo, closed caption; implante coclear; teatro surdo; piada surda;

literatura surda; artes visuais; alerta luminoso, como as campainhas nas escolas de surdos e em suas residências; despertadores com vibracall; entre outros. De acordo com Strobel (2008):

(15)

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá- lo a fim de torná-lo acessível e habitável ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo.

Portanto, é a forma particular de compreender o mundo e de expressá-lo. É um lugar de construção da subjetividade surda e de assegurar sua sobrevivência, percebendo-se de uma forma diferente e não mais como um deficiente. Os surdos utilizam a experiência visual e uma língua viso-gestual. Eles participam da cultura, sendo sujeitos com expressões identitárias que compartilham das mesmas crenças, valores, ideias, tradições sociointerativas e se comportam como pessoas surdas.

No entanto, é importante salientar que a maioria dos surdos são filhos de pais ouvintes e muitos não conhecem a Libras e nem participam da comunidade surda. Alguns podem entrar em contato com essa cultura tardiamente, dificultando a descoberta de sua identidade. Alguns pais ficam reclusos, pois não se sentem parte da sociedade e, muitas vezes, com o intuito de proteger seus filhos, não oportunizam o contato com outras pessoas surdas e nem os conduzem às escolas.

A cultura surda é compartilhada em escolas, associações e comunidades.

De acordo com Salles et al. (2007), no Brasil, há um local conquistado pelos surdos em que se partilham ideias, concepções, aspectos gerais da cultura surda sem a interferência de ouvintes e que no qual se reflete sobre as peculiaridades da visão surda do mundo e se discute política e assuntos relacionados à surdez e à educação. Esse local é a FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos), que tem sede no Rio de Janeiro e filiais espalhadas em diversos estados brasileiros. Os eventos são organizados em diversas capitais do Brasil para divulgar a arte e a cultura surda, como, por exemplo, os seminários, congressos e festivais abertos à participação de ouvintes. Nesses momentos, a língua de sinais, sendo a língua oficial, é linguagem utilizada.

(16)

3.2 Identidade surda

A constituição da identidade de uma pessoa envolve seu conhecimento de mundo, suas vivências pessoais, educacionais, culturais e formas particulares de interagir com o meio social, bem como características que a tornam única entre seus semelhantes. A identidade se constrói na relação com o outro, em que são estabelecidos critérios de semelhança e diferença, permitindo que cada um encontre seu lugar junto à sociedade. Não é diferente com as pessoas surdas, que formam sua identidade de forma múltipla e multifacetada, tomando uma posição perante os demais. As identidades surdas estão constantemente sendo redefinidas pelo momento histórico e por questões políticas pelas quais a sociedade está passando, alterando o modo de se perceber diante dessas mudanças e de se posicionar frente à sociedade. Assim, em virtude de vários processos vivenciados e mudanças, a identidade surda se constituirá no reconhecimento da surdez como diferença, e não como deficiência. No entanto, essa identidade não tem como referência única e fixa o uso da língua de sinais, fundamental na cultura surda, visto que, dependendo da forma como a pessoa se reconhece, não se utilizará da língua que constitui a principal característica da cultura surda. Nesse sentido, Behares (1999) argumenta:

O “ser surdo” não supõe a existência de uma identidade surda única e essencial a ser revelada a partir de alguns traços comuns e universais. As representações sobre as identidades mudam com o passar do tempo, nos diferentes grupos culturais, no espaço geográfico, nos momentos históricos, nos sujeitos. Neste sentido, é necessário ver a comunidade surda de uma forma ostensivamente plural. O sujeito contemporâneo não possui uma identidade fixa, estática, centrada, essencial ou permanente.

A identidade é móvel, descentrada, dinâmica, formada e transformada continuamente em relação às formas através das quais é representada nos diferentes sistemas culturais.

Nesse contexto, a identidade surda será formada de acordo com sua participação, ou não, na comunidade surda em que ela se desenvolverá e se transformará; por isso, é importante salientar que as identidades surdas não são todas iguais, mas, sim, heterogêneas. De acordo com o contato com seus

(17)

semelhantes, a identidade da pessoa surda se fortalecerá e lhe trará mais segurança. Assim, o encontro surdo-surdo é essencial para a construção da identidade surda. Conforme Perlin (2000), existem quatro principais identidades:

identidade surda: politicamente estabelecida;

identidade surda híbrida: o surdo nasce ouvinte e, com o passar do tempo, torna-se surdo;

identidade surda flutuante: os sujeitos não se reconhecem como surdos;

identidade de transição: identifica o momento de transformação em que os surdos deixam a identidade flutuante e projetam-se na identidade surda.

Dentro dessas identificações, as pessoas com deficiência auditiva que possuem restos de audição não participam da cultura surda; porém, se utilizarem aparelhos auriculares e correção da fala, o som fará parte de suas vidas. A classificação para o grau de surdez, que é medido por unidades chamadas decibéis (db), considera surdez profunda (90 db), moderada (entre 40 e 70 db) e leve (até 40 db).

O papel das famílias tem uma grande influência na construção da identidade dos sujeitos surdos, pois elas podem, ao mesmo tempo, excluir ou incluir. Elas excluem os que não conseguem perceber a diferença e, sim, a deficiência, negando suas potencialidades e privando-os de um convívio com a comunidade surda. É como se fossem seres incompletos e possuíssem uma marca depreciativa e de constrangimento. Por outro lado, incluem as famílias que procuram conhecer a comunidade, escolas, a Libras e estão em constante luta pelo bem-estar de seus filhos, incentivando-os a se desenvolverem.

(18)

3.3 A comunidade surda e a ouvinte

A palavra comunidade, de acordo com o dicionário Michaelis (2018), refere- se a um grupo de pessoas com características comuns. Por exemplo, comunidade europeia, comunidade católica, comunidades de bairros.

Dentre tantas comunidades, existe a comunidade surda, que, mesmo sendo considerada como minoria, apresenta características próprias de pertencimento, pois as pessoas que participam dessa comunidade utilizam a língua de sinais, compartilham suas histórias, possuem o mesmo objetivo e têm um espaço comum de partilha linguística e cultural.

Nesse espaço, participam pessoas surdas e ouvintes unidas por uma série de vínculos e afinidades, tendo como pré-requisito a fluência em língua de sinais.

De acordo com Perlin (1998), a comunidade surda é representada por um grupo que habita um lugar determinado e legitimado por características específicas, porém não isolado, vivendo no meio de pessoas ouvintes, que são a grande maioria.

Nessas características, entram os aspectos antropológicos: história, língua, cultura e arte; porém, também entram outros elementos comuns entre a comunidade surda e a comunidade ouvinte: nacionalidade, religião, governo, raça e etnia.

A comunidade surda, mesmo sendo inserida em um contexto maior, possui um sentimento de ligação intencional a um ambiente de encontro de iguais e de pessoas com os mesmos interesses e objetivos. Ela desenvolve um sentimento de sujeitos culturais e sociais, já que as pessoas não se percebem como deficientes.

É um local de partilha do individual e do coletivo. Dessa forma, surgem, então, as associações, nas quais acontecem debates e lazer, a valorização da língua de sinais e da cultura surda. A partir disso, a cultura surda vai desenvolvendo-se e diversificando-se em hábitos e costumes.

O sujeito surdo começa a se perceber com uma diferença linguística, não mais vendo-se como um ser deficiente. Ao participar da comunidade, há o fortalecimento de sua identidade, visto que, ao interagir com os participantes, a pessoa se identificará e se assumirá como ser surdo. Na comunidade, são

(19)

construídos momentos importantes, nos quais se pode trocar experiências, obter informações, ter apoio, lutar por reconhecimento e valorização diante sociedade.

É importante salientar, no entanto, que participam da comunidade surda diferentes identidades surdas, como os implantados, pessoas com deficiências auditivas, surdos que sabem bem a Libras e outros nem tanto, intérpretes e familiares ouvintes. Há diversidade, respeito e consideração por todos nas diferenças existentes.

A comunidade surda pode ser representada por clubes, associações, igrejas e escolas, ambientes de interação e aproximação nos quais os indivíduos podem reunir-se, compartilhar a cultura surda e constituir-se como cidadãos.

Fonte: www.ifnmg.edu.br/

(20)

4 CONCEITOS E ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS

Quando o aluno surdo ingressa em uma escola comum (regular), ele está adentrando num ambiente cuja língua de instrução é a portuguesa e cujo espaço não foi pensado para recebê-lo e formá-lo enquanto cidadão. É fundamental, nesse sentido, que as práticas, os métodos, as avaliações e os currículos sejam pensados e organizados de modo a contemplar os estudantes surdos em sua totalidade.

4.1 Metodologia oralista

Entre 1930 e 1947, o doutor Armando Paiva Lacerda desenvolveu sua metodologia com base na oralização, a qual nomeou de pedagogia emendativa.

Acreditava-se que a oralização era a única forma de inserir o surdo na sociedade.

O processo pelo qual uma sociedade expulsa alguns de seus membros obriga a que se interrogue sobre o que, em seu centro, impulsiona essa dinâmica (CASTEL, 1998 apud QUADROS, 2006, p. 14).

No INES, ainda na gestão de Lacerda e para o êxito de sua metodologia, os surdos eram submetidos a testes que tinham como finalidade a identificação do nivelamento da inteligência ou a aptidão para o exaustivo processo de oralização.

E, de acordo com as capacidades cognitivas, os surdos eram separados em grupos.

O nivelamento cognitivo era necessário, pois era o meio encontrado para garantir o sucesso do método pela pedagogia emendativa.

Após 100 anos de existência, o INES contou com o primeiro profissional na área da educação, a diretora e professora Ana Rímoli de Faria. Para a época foi uma grande inovação, principalmente com a implantação do curso Normal de formação de professores para surdos. No país o curso tornou-se referência, tinha duração de três anos e sua base era voltada para a metodologia do oralismo.

(21)

4.2 Comunicação total

Em 1970, conheceu-se a terminologia comunicação total. A educadora Ivete Vasconcelos a trouxe para o Brasil, pois lecionava para surdos na universidade de Gallaudet e a utilizava. Algumas décadas após a breve passagem de Vasconcelos pelo território brasileiro, começou a ser difundido no país o bilinguismo. As pesquisas realizadas na área da linguística pelas educadoras Lucinda Ferreira Brito e Eulália Fernandes foram um grande incentivo para o desenvolvimento e a difusão da educação de surdos no Brasil.

Com o passar dos anos, a oralização foi perdendo a força no processo de ensino e aprendizagem dos surdos. Atualmente, nas escolas especiais para surdos não é utilizada a oralização; no entanto, algumas escolas disponibilizam o tratamento com fonoaudiólogo para as técnicas de oralização para aqueles que desejam “falar”. Nas escolas de hoje em dia, a LSB é fundamental para o aprendizado dos surdos, respeitando sempre as peculiaridades da língua e da cultura da comunidade surda.

4.3 Bilinguismo

Em meados da década de 1980, surge o bilinguismo no Brasil. Muitos pesquisadores linguistas começaram a estudar e a discutir sobre esse novo método de ensino para surdos. Esta proposta reconhece o sujeito surdo e seu idioma, a língua de sinais; além disso, essa prática educacional proporciona percepções mentais, cognitivas e visuais e tem capacidade para analisar os conceitos de modo subjetivo e objetivo sobre as informações recebidas, respeitando as caraterísticas e regras gramaticais do idioma.

De acordo com Slomski (2012), quando pretendemos “falar de bilinguismo, em primeiro lugar, faz-se necessário falar sobre dois tipos de bilinguismo”, o bilinguismo e a diglossia, cunhados por Felipe (1989).

(22)

O bilinguismo, segundo Felipe (1989), envolve a competência e o desempenho em duas línguas, enquanto a diglossia é uma situação “linguística em que duas línguas estão em relação de complementariedade”, ou seja, são usadas em momentos e situações diferentes. Em relação à surdez, o bilinguismo e a diglossia podem ocorrer sincronicamente, uma vez que o contato com as pessoas ouvintes os faz, em determinadas situações, usar a língua portuguesa para leitura e escrita.

Pereira et al. (2011) nos apresentam outro conceito de bilinguismo, que traz de forma mais explícita aquilo que procuramos entender em um contexto educacional. Nesse cenário, bilinguismo refere-se ao ensino de duas línguas para os surdos: “a primeira língua, a língua de sinais, e a segunda, a língua majoritária, ensinada preferencialmente na modalidade de leitura e escrita”. É interessante, nesse sentido, destacar que o aprendizado da primeira dará sustentação para o aprendizado da segunda.

Essa é uma das principais questões do bilinguismo: o uso das duas línguas.

Há um grande erro que faz parte do senso comum e que pode atravancar o desenvolvimento e/ou a implementação das escolas bilíngues em nosso país, que é a inclusão de tradutores intérpretes de Libras/língua portuguesa e de professores/

instrutores surdos no quadro de funcionários das escolas comuns, afirmando que a existência desses profissionais constitui ou apresenta um espaço bilíngue de educação (XAVIER et al., 2016).

Slomski (2012) nos apresenta que 95% dos surdos nascem em famílias ouvintes, ou seja, frequentam, dentro de seu ambiente doméstico, uma situação monolíngue, mas o ideal é que esses surdos pudessem usufruir de uma situação bilíngue (Libras/língua portuguesa). Muitos surdos terão acesso tardiamente à língua de sinais, ou seja, somente quando ingressarem na educação básica inclusiva, o que não é suficiente. Veja, no Quadro 2, como Slomski (2012) apresenta o que seria caracterizado como bilinguismo ideal a partir de Jokinen (1999).

(23)

Quadro 2- Bilinguismo ideal Língua de sinais (de modalidade

espaço-visual)

Língua portuguesa (de modalidade escrita)

a) língua básica na comunicação diária;

b) ferramenta básica para adquirir conhecimento e habilidade;

c) usada na comunicação direta com os outros surdos;

d) o estudante desenvolve-se social e emocionalmente.

a) usada, principalmente, no contexto escrito;

b) preenche a função de uma língua escrita (colhendo informações e conhecimento).

Fonte: Slomski (2012)

É importante destacar que o bilinguismo se baseia em pressupostos teórico- metodológicos do modelo sociocultural de surdez (SLOMSKI, 2012) e fundamenta- se em diversas áreas do conhecimento, como a sociologia, a antropologia, a psicologia, a linguística e a educacional, sempre relacionando-se com a cultura e as identidades surdas. Esse fato nos mostra uma proposta educacional que extrapola o uso de duas línguas, envolvendo atores e instituições para além dos muros da escola.

Sá e Sá (2015) destacam, em sua obra “Escolas Bilíngues de Surdos: por que não?”, que os surdos precisam de escolas “linguisticamente específicas”, cujo ambiente lhes traga um conforto linguístico de forma natural. No entanto, isso só será possível se houver um projeto pedagógico estruturado e bem delimitado para atender às suas especificidades em relação ao aprender, de preferência pensado por pessoas que conhecem a surdez (área do conhecimento). Esse ambiente necessita de vivacidade, de pares linguísticos, de modelos identitários e culturais, possibilitando, assim, às crianças surdas um espaço no qual elas naturalmente irão adquirir a língua de sinais.

Segundo Quadros (1997), os objetivos de uma escola bilíngue devem ser:

(24)

▪ criar um ambiente linguístico apropriado às formas particulares de processamento cognitivo e linguístico das crianças surdas;

▪ assegurar o desenvolvimento socioemocional íntegro das crianças surdas a partir da identificação com surdos adultos;

▪ garantir a possibilidade de a criança construir uma teoria de mundo;

▪ oportunizar o acesso completo à informação curricular e cultural.

Fonte: memoria.ifrn.edu.br/

4.3.1 Questões culturais, identitárias e bilinguismo

A cultura surda e a proposta de educação bilíngue são duas questões que não se desassociam, não se separam, sempre caminham juntas, já que a prerrogativa do bilinguismo é a valorização da língua de sinais, da cultura, da comunidade e da identidade surdas.

Karin Strobel (2009), em seu livro “As imagens do outro sobre a Cultura Surda”, aponta-nos oito artefatos que constituem o que ela define como cultura surda: experiência visual; linguístico; familiar; literatura surda; vida social e esportiva; artes visuais; política e materiais.

A experiência visual significa a utilização da visão para perceber o mundo ao seu redor. O surdo usa dessa experiência para ser, estar e se relacionar com o mundo à sua volta. O artefato linguístico traz um “aspecto fundamental” para a formação identitária do sujeito surdo. Segundo Strobel (2009), uma das principais

(25)

marcas do povo surdo é a língua de sinais, por meio da qual os surdos vivem sua cultura, percebem o mundo em que vivem, captam as experiências visuais, transmitem o conhecimento que adquirem e se relacionam.

Esses dois artefatos destacados, experiência visual e linguístico, são os pilares de uma proposta bilíngue. Quando utilizamos uma metodologia visual e ministramos as aulas em língua de sinais, estamos usando e valorizando esses dois artefatos culturais surdos.

Para dar suporte à construção da(s) identidade(s) surda, além do contato precoce com a língua de sinais, outro fator importante é a identificação com um surdo adulto. Na proposta educacional bilíngue, o professor surdo ocupa um lugar de representação, ou seja, modelo linguístico, cultural, social, político e identitário para as crianças que frequentam a escola básica. Como apresentado anteriormente, cerca de 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, de modo que esse contato com surdos adultos é fundamental para o reconhecimento de suas características e para a construção de sua identidade.

As crianças surdas constroem sua subjetividade a partir do contato com o outro, das relações que estabelecem com esse modelo de identificação em

“espaços de interidentificação”. A escola bilíngue é um espaço propício para essa interidentificação, uma vez que facilita o encontro entre pares, descobertas, a subjetivação e as construções identitárias e culturais (MIRANDA; PERLIN, 2011).

Perlin (2010) acrescenta que a identidade surda é construída dentro de uma cultura visual, corroborando com o que foi exposto.

Em um espaço bilíngue, todas as representações surdas acontecem porque o espaço educacional foi pensado por e para surdos. É importante destacar que não defendemos uma separação entre surdos e ouvintes, pelo contrário, Bilinguismo 5 acreditamos que o trabalho em conjunto contribui para uma melhor harmonização das questões relacionadas ao ensinar e ao aprender. Quando há surdos na equipe de gestão de uma escola bilíngue, é possível que sutilezas do “olhar surdo” possam ser melhor exploradas no cotidiano escolar.

(26)

Por longos anos, as práticas, os métodos, as avaliações e os currículos não representavam aquilo que de fato os surdos buscam: a valorização de sua cultura, língua e identidade(s). O currículo foi, e ainda é, instrumento de colonização quando reproduz discursos hegemônicos e práticas ouvintistas. Com a abordagem bilíngue, é possível que estejamos frente a um “currículo surdo”, um currículo organizado para combater essas práticas de dominação e que valorize a cultura do olhar e as experiências visuais. Assim, é necessário que as práticas bilíngues se aproximem de um olhar antropológico e cultural da surdez.

Skliar (2010) apresenta três razões para o fracasso escolar dos surdos. Em primeiro lugar, atribui esse fracasso ao surdo, em decorrência de sua deficiência;

em segundo lugar, há uma culpabilização dos professores ouvintes e, por fim, o fracasso está relacionado aos métodos de ensino. A discussão sobre esse fracasso é recorrente nas rodas de conversas entre professores e pesquisadores da área.

Skliar (2010) atribui uma justificativa para isso, apresentando-a como um fracasso da instituição-escola, das políticas públicas e da responsabilidade do Estado — isso pensado a partir de uma perspectiva inclusiva, de desvalorização de todas as questões que perpassam o sujeito surdo.

Quando trabalhamos numa concepção antropológica, cultural, social, política e bilíngue da surdez, a deficiência dá lugar à diferença e a culpa não será mais dos professores ouvintes e de nenhum outro professor, pois as aulas serão ministradas em língua de sinais e não haverá métodos limitados, uma vez que as orientações, o planejamento e a organização escolar serão pensados por/com e para surdos.

(27)

5 ASPECTOS GRAMATICAIS DA LÍNGUA DE SINAIS

As línguas de sinais se diferenciam das orais, principalmente, devido à modalidade de produção e percepção. Elas são conhecidas pela construção de sua base de sinalização alicerçada em parâmetros próprios, que criam uma estrutura gramatical distinta, mas possuem fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática. Inicialmente, deve compreender brevemente o que cada uma estuda, pensando nas línguas orais, para posteriormente refletir sobre esses aspectos na Libras. Veja (QUADROS; KARNOPP, 2004):

▪ a fonética das línguas orais estuda os sons da fala;

▪ a fonologia estuda os sons e como eles se combinam entre si formando elementos;

▪ a morfologia identifica a estrutura interna das palavras;

▪ a sintaxe busca reconhecer a estrutura da frase;

▪ a semântica tem como objetivo entender o significado das palavras e da frase;

▪ a pragmática estuda a linguagem em uso e os princípios de comunicação.

Nas línguas de sinais, os estudos se concentram basicamente nas áreas de fonologia, morfologia e sintaxe.

Fonte: srq.ifsp.edu.br/

(28)

5.1 Fonologia ou léxico

De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 47), a fonologia tem como objetivo “[...] determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais [...]”

e “estabelecer quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as variações possíveis”. Ou seja, a fonologia se dedica a estudar a composição do sinal. O sinal se compõe a partir de cinco parâmetros: configuração de mão (CM), movimento (M), locação (L), orientação da mão (Or) e expressões não manuais (ENM). Pensar em um sinal sem um desses componentes é praticamente impossível, pois cada um exerce uma função primordial. Separados, eles não apresentam significado, porém quando juntos formam o sinal. A seguir, poderá aprender mais sobre esses parâmetros (QUADROS; KARNOPP, 2004).

Configuração de mão: diz respeito ao formato da mão (Figura 1). As letras também são configurações.

Movimento: é a forma como as mãos se movem no espaço, podendo apresentar formas e direções diferentes.

Locação: é o local onde os sinais são produzidos no espaço; pode envolver uma área como cabeça, troco e braços, mas sem se estender muito.

Orientação da mão: é o modo como as mãos estão organizadas, ou seja, para qual direção a palma fica posicionada — para cima, para baixo, para o corpo, para a frente, para a direita ou para a esquerda.

Expressões não manuais: um dos itens mais importantes da Libras é a expressão dos movimentos da face, dos olhos, da cabeça ou do tronco; é isso que dá sentido ao sinal.

(29)

Figura 1: Brito (1990, p. 24)

5.1.1 Sinais icônicos

A iconicidade, ou sinais icônicos, na fonologia da Libras talvez proporcione mais iconicidade do que as próprias línguas orais, afinal, os objetos no mundo externo tendem a ter associações mais visuais do que auditivas. É importante enfatizar que, embora as línguas de sinais não possam mostrar um vínculo arbitrário entre símbolo e referente ou forma e significado, esse vínculo é tão convencionado quanto nas línguas orais. Também é importante observar que os oralizadores não têm verdadeira ciência do simbolismo sonoro que existe nas palavras e que também

(30)

é importante para os surdos, como “dor”, “choro”, “risada”, etc., de modo que os surdos podem não conhecer as origens icônicas dos sinais.

Conforme Pinto (2018), os sinais icônicos são sinais visualmente parecidos com os “gestos” que estamos acostumados a fazer em nosso dia a dia com qualquer pessoa, sem mesmo saber, os quais são utilizados em Libras. Apesar de serem conhecidos em boa parte do mundo, não são considerados sinais universais, mas transmitem o que estamos habituados.

Posso afirmar com toda a segurança que você, se for um leitor leigo em Libras, consegue entender o significado de diversos sinais em Libras, bem como fazer sinais de palavras com estas características.

Observe e reflita as palavras no quadro a seguir.

Chorar Mau cheiro Roubar Dormir

Beber Correr Bebê Depois

Após essa reflexão, tente idealizar sinais com as mãos e com o corpo que poderiam expressar essas palavras. Tenho certeza de que não encontrou dificuldade para sinalizá-las. De modo simplificado, essas palavras fáceis de sinalizar e que todos entenderiam são os sinais icônicos.

Inverteremos, agora, esses exemplos. Observe os sinais a seguir:

Fonte: Adaptado de Língua Brasileira de Sinais, Daniel Neves Pinto

(31)

Os sinais apresentados são sinais que qualquer pessoa faz no dia a dia, independentemente de ser surdo ou de estar em sinalização em contexto da Libras.

As imagens representam: [NÃO], [CASA] e [BEBER].

5.1.2 Sinais arbitrários

A arbitrariedade na fonologia é uma questão importante para os fonologistas de língua de sinais, pois ela intensifica a questão de legitimidade e autenticidade que a Libras tem sua estrutura própria.

Entendendo melhor os sinais arbitrários, podemos destacar que são o contrário dos sinais icônicos, ou seja, os sinais arbitrários não têm uma analogia com a realidade, e necessita-se, portanto, de um conhecimento de Libras para identificar os sinais no momento de uma sinalização, bem como uma noção para realizá-los.

Pinto (2018, p. 82) diz que os sinais arbitrários “[...] são sinais sem aparência do que estamos acostumados como ‘gestos’ e não possuem formas convencionais. Na verdade, um leigo verá o sinal e não entenderá nada do que está sendo dito [...]”. Se pedir a você (caso seja leigo em Libras) para sinalizar as palavras: voluntário, amigo, computador, difícil, amor, brincar, filho, sábado, mentiroso e água, certamente não conseguirá, devido a essas palavras não terem relação com a realidade. Os sinais arbitrários são a maioria em Libras, daí a necessidade e a importância de conhecer e entender a Língua Brasileira de Sinais.

Tente identificar o significado dos sinais a seguir:

Fonte: Adaptado de Língua Brasileira de Sinais, Daniel Neves Pinto

(32)

5.1.3 Sinais soletrados

Nem sempre uma palavra terá um sinal sistematizado dentro dos cinco parâmetros em Libras, diante disso, este grupo de sinais pode variar devido ao regionalismo. Por exemplo, em Minas Gerais, uma palavra pode ser feita por meio da soletração, ao passo que, em Sergipe, há um sinal específico para ela.

É importante destacar que um sinal soletrado não é a mesma coisa que a datilologia de uma palavra. A datilologia pode ser feita com qualquer palavra quando não se sabe o sinal, já o sinal soletrado é o próprio sinal da palavra, sendo uma minoria entre os vocabulários.

Podemos citar:

Fonte: Adaptado de Língua Brasileira de Sinais, Daniel Neves Pinto

Conforme citado anteriormente, é importante considerar o regionalismo, uma vez que as línguas de sinais também oferecem oportunidades únicas para testar ideias sobre a natureza da própria linguagem, ideias geralmente formuladas exclusivamente a partir de observações na língua oral. De todos os itens da lista de diferenças e semelhanças entre as línguas orais e sinalizadas, as áreas que apresentam as divergências mais marcantes ocorrem na morfofonética e na fonologia. A interface entre morfologia e fonologia é, de fato, diferente, dadas as liberdades e restrições disponíveis para cada sistema.

Diante dos exemplos apresentados entre os vocabulários lexicais e fonológicos, creio que as diferenças entre eles ficaram esclarecidas, porém é importante buscar outras leituras para aprimorar seus conhecimentos.

(33)

5.2 Morfologia

Em relação à morfologia, Quadros e Karnopp (2004, p. 86) afirmam ser o

“[...] estudo da estrutura interna das palavras ou dos sinais, assim como das regras que determinam a formação das palavras [...]”. Portanto, existem as palavras base e outras que vão sendo criadas a partir delas. É possível formar um novo sinal ou criar um a partir da união de outros.

Os classificados são um importante recurso na Libras. Normalmente, são usados para indicar movimento de pessoas ou objetos, para posicionar pessoas e objetos na situação enunciativa, ou ainda para descrever aspectos de forma mais clara. Nem sempre existe um sinal que pode ser usado para descrever um objeto.

Por exemplo, no caso do português, pode-se dizer “uma jarra oval”, mas na Libras ficaria muito estranho sinalizar “um jarro oval”. Assim, recorre-se ao uso de um classificador que dê conta desses três sinais e deixe visível a indicação de como é o jarro.

Para sinalizar uma música ou poesia, que são gêneros que exploram muito as emoções, também se costumam usar os classificadores. Eles transmitem sentido e significado para quem recebe a informação de forma mais compreensível.

Os movimentos são importantes pois a partir deles é possível mudar uma palavra de classe gramatical. Por exemplo, o verbo “sentar” apresenta movimento repetitivo, já o substantivo “cadeira” não necessita do movimento. O verbo “ouvir”

também é uma palavra com movimento de repetição, enquanto o substantivo

“ouvinte” é feito apenas uma vez. A partir de algumas regras morfológicas, novas palavras são criadas:

▪ regra de contato (por exemplo, “acreditar”);

▪ regra de sequência única (por exemplo, “pai” + “mãe” = “pais”);

▪ regra da antecipação da mão não dominante (por exemplo, “bom dia”).

(34)

No caso dos numerais e negativos, na maioria das vezes, eles podem ser incorporados ao sinal que está sendo feito inicialmente, então não é preciso utilizar dois sinais. Por exemplo, no caso de “um dia” e “dois dias”, é possível fazer o sinal

“dia” já com o número incorporado. No caso de “muitas pessoas”, não é preciso usar os sinais para “muitas” e para “pessoas”; pode-se usar um classificador que dê conta dessas duas informações. Em relação ao “ter” e ao “não ter”, usa-se o sinal incorporado ao movimento facial negativo. Ou seja, não são feitos dois sinais (“não”

e “ter”), mas um único que dá conta da informação por completo.

5.3 Sintaxe

A sintaxe, segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 127), se refere ao “[...]

espaço em que são realizados os sinais, [então] o estabelecimento nominal e o uso do sistema pronominal são fundamentais para tais relações sintáticas [...]”. Ou seja, é possível posicionar pessoas e elementos no espaço e retomá-los durante o discurso sem ter de mencioná-los novamente, usando apenas um movimento corporal ou o apontamento. Costuma-se iniciar a explicação colocando os personagens em locais do espaço.

Inicialmente, a sinalização conta com a distribuição dos objetos e pessoas na cena. Depois, enquanto a conversa ou tradução vai acontecendo, recorre-se ao recurso de apontamento, que costuma ser muito utilizado durante qualquer situação, pois evita que os sinais se sobreponham um ao outro. Por exemplo, quando se está contando a história dos três porquinhos, inicialmente se distribuem as casas e os personagens no espaço. O porco com a casa de palha poderia ficar mais à direita; o porco com a casa de madeira, mais no meio; e o porco com a casa de tijolos, mais à esquerda. Coloca-se o lobo no enredo e a narração se inicia. Cada vez que um porco for retomado, não é preciso sinalizar quem ele é, apenas apontar e usar alguma característica, talvez. Mas a história será melhor compreendida se for feita dessa forma, sem confundir quem assiste.

(35)

Por exemplo, no caso de um diálogo entre uma mãe e um filho, é possível posicionar um à esquerda e outro à direita. Cada vez que um tomar o turno de fala, pode-se apontar ou fazer um leve movimento de corpo, virando-se para o lado em que o falante está.

Fonte: brasilescola.uol.com.br/

(36)

6 ESTRUTURA GRAMATICAL: ASPECTOS PRÓPRIOS DA LIBRAS

A Libras segue alguns dos princípios básicos de qualquer outra língua no que diz respeito à sua estrutura gramatical. Porém, como conta com diferentes recursos, como classificadores e expressões não manuais, algumas mudanças são possíveis e aceitáveis.

É importante levar em conta que existe uma ordem básica para a narrativa ser estabelecida; os sinais tendem a ser feitos seguindo essa ordem. Costuma-se sinalizar iniciando pelo sujeito (S), seguido pelo verbo (V) e pelo objeto (O). Porém, mudanças são possíveis, dados todos os aspectos mencionados anteriormente. Na língua portuguesa, algumas frases são consideradas agramaticais e não pronunciáveis, mas na Libras, dependendo dos recursos utilizados, essas frases podem ser aceitas e até melhor compreendidas. Considere os exemplos a seguir.

▪ “Ele gosta de futebol” (português) — SVO

▪ “Ele futebol gostar” (Libras) — SOB

Ambas as frases são possíveis e permitidas, cada uma na sua língua. Caso a primeira frase seja sinalizada da forma como está escrita, tem-se o caso do português sinalizado. Porém, quando a segunda é sinalizada, respeita-se o uso geral da Libras.

Em alguns casos, é necessário repetir um sinal para que ele seja compreendido e reforçado: “futebol João gostar futebol”. Nesse caso, a palavra

“futebol” possui um significado muito importante e a sua repetição oferece essa ideia ao interlocutor que recebe a mensagem. Mas isso depende da situação comunicativa e da intenção da frase; esta pode ser afirmativa, negativa ou interrogativa.

Como ordem dominante, tem-se: SOV, SVO e VSO. De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 135), “A língua de sinais brasileira apresenta certa

(37)

flexibilidade na ordem das palavras [...]”, sendo, portanto, aceitáveis outras possibilidades de formação. Porém, tais possibilidades precisam ser compreendidas por quem sinaliza e por quem recebe a mensagem. A ideia é que a comunicação não vire bagunça.

6.1 Expressões não manuais

Quadros e Karnopp (2004) apresentam algumas considerações a respeito do uso de expressões não manuais e das mudanças na ordem da frase que elas podem ocasionar, proporcionando assim a compreensão por parte do receptor da mensagem. Considere a frase “Filme ele assiste”. No caso, o sinal de “filme” será feito e posicionado no espaço mais à frente ou ao lado do falante; em seguida, os sinais de “ele” e “assiste” serão feitos por meio de um direcionamento de olhar (expressão não manual) para “filme”, posicionado anteriormente. Aqui se tem um exemplo da estrutura da frase em OSV.

6.2 Advérbios temporais

O uso de advérbios temporais também permite algumas mudanças. Eles podem estar antes ou depois da oração. Por exemplo: “Felipe comprar casa amanhã” ou “Amanhã Felipe comprar casa”. Essas duas possibilidades de frases são aceitas na Libras. Porém, o advérbio de frequência pode ocorrer na frase de três formas diferentes:

▪ “Eu como alface algumas-vezes” (note que o advérbio é formado por duas palavras, porém sinalizadas com um único sinal, por isso estão separadas por um traço);

▪ “Eu algumas-vezes como alface”;

▪ “Algumas-vezes eu como alface”.

(38)

6.3 Verbos

Para se referir a tempos verbais na estrutura da Libras, são usadas algumas marcas: passado, presente e futuro, ontem, hoje e amanhã. Por exemplo:

▪ “Ontem ir casa avó” (ontem eu fui à casa da minha avó);

▪ “Ir casa avó ontem” (fui à casa da minha avó ontem).

Veja outro exemplo:

▪ “Passado brincar boneca” (brinquei de boneca);

▪ “Trabalhar casa futuro” (trabalharei em casa).

Os verbos sinalizados não possuem uma diferenciação quanto ao tempo verbal em que estão sendo pronunciados, ou seja, o sinal não muda de acordo com pretérito, presente ou futuro. Porém, essas marcas são necessárias e fundamentais para que a mensagem seja compreendida corretamente; assim, são usados sinais indicando o tempo verbal.

Existem diferentes tipos de verbos: simples, com concordância e espaciais.

Segundo Quadros e Karnopp (2004), os verbos simples não apresentam flexão de pessoa e número e não incorporam afixos locativos. Por sua vez, os verbos com concordância são flexionados quanto a pessoa, número e aspecto e também não incorporam afixos locativos. Já os verbos espaciais possuem afixos locativos.

6.4 Tópicos

Nas sentenças com tópico, a ordem da frase pode variar. Considere, por exemplo, a frase “Pesquisar ela não-gostar”. A palavra “pesquisar” aqui entra como um tópico que logo em seguida será explicado pelo comentário “ela não-gostar”.

Esse tipo de construção costuma favorecer o entendimento de quem recebe a

(39)

informação. Primeiro se informa sobre o que será dito e em seguida vem a informação propriamente dita em Libras.

Alguns casos apresentam outra estrutura, por exemplo, o verbo “convidar”.

Sinaliza-se “Você convidar ele”, porém as marcações de “você” e “ele” não são feitas pelo apontamento, mas por um movimento das mãos de um lado em direção ao outro.

6.5 Sintaxe espacial

Quadros e Karnopp (2004) apresentam alguns mecanismos usados para explicar como a Libras se organiza espacialmente, ou seja, como os sinais são organizados a fim de favorecer a compreensão por parte de quem os vê. Tais mecanismos incluem:

▪ fazer o sinal em um local específico;

▪ direcionar a cabeça e os olhos (e talvez o corpo) em direção a uma localização particular simultaneamente com o sinal de um substantivo ou com o apontamento para o substantivo;

▪ usar o apontamento ostensivo antes do sinal de um referente específico;

▪ usar um pronome (o apontamento ostensivo) em uma localização particular quando a referência for óbvia;

▪ usar um classificador (que representa o referente) em uma localização particular;

▪ usar um verbo direcional (com concordância) incorporando os referentes previamente introduzidos no espaço.

Esses mecanismos ajudam a compreender a organização espacial da frase em Libras. Quem sinaliza pode usar referentes presentes ou não. Para isso, localiza-os no espaço e pode retomá-los ao longo do discurso.

(40)

6.6 Adjetivos

São sinais que formam uma classe específica na Libras, ficando sempre na forma neutra, por isso, não marcam o gênero (masculino e feminino), e número (singular e plural).

Muitos adjetivos são descritivos e classificadores e apresentam iconicamente uma qualidade do objeto. São normalmente desenhados no ar ou mostrados a partir do objeto ou do corpo do emissor.

Se compararmos com o português, ao se referir a um objeto arredondado, quadrado, listrado, os falantes desta língua, também, estão descrevendo e classificando. Já em Libras esse processo é mais “transparente” porque o formato ou textura são traçados no espaço ou no corpo do emissor, em uma tridimensionalidade permitida pela modalidade da língua. Na frase, os adjetivos geralmente vêm após o substantivo que qualifica.

6.6.1 Igualdade, Superioridade e Inferioridade

As qualidades em Libras podem ser comparadas a partir de três situações:

superioridade, inferioridade e igualdade.

Nos comparativos de superioridade e inferioridade, usam-se os sinais MAIS ou MENOS antes do adjetivo comparado, seguido da conjunção comparativa DO- QUE:

▪ comparativo de superioridade: X MAIS --- DO-QUE Y;

Fonte: biblioteca.virtual.ufpb.br/

(41)

▪ comparativo de inferioridade: X MENOS ---- DO-QUE Y;

Fonte: biblioteca.virtual.ufpb.br/

Para o comparativo de igualdade, usam-se dois sinais: IGUAL (dedos indicadores e médios das duas mãos roçando um no outro) e IGUAL (duas mãos com configuração em B, viradas para frente encostadas lado a lado, com leve movimento de bater). Geralmente usados no final da frase.

Fonte: biblioteca.virtual.ufpb.br/

(42)

7 RECURSOS AUDIOVISUAIS NO ENSINO DE LIBRAS

A Libras tem um valor inestimável para os surdos e para aqueles que crescem na comunidade surda. É uma língua que permite adentrar e participar de um grupo: o grupo de surdos (QUADROS, 2017). A Libras se constitui como primeiro artefato da comunidade surda e, além de ser uma forma de comunicação, ela expressa a identidade de quem se considera uma pessoa com surdez. Pensar no aprendizado da Libras exige refletir sobre como essa comunidade se constitui e principalmente sobre como usar a língua de forma correta.

No ensino da Libras, o uso de recursos visuais é fundamental, tanto considerando o caso de ouvintes que aprendem a língua quanto a situação dos próprios surdos, que precisam aprendê-la de forma mais sistemática. Para os dois grupos, é necessário buscar metodologias diferenciadas e que sejam muito visuais.

No caso do ouvinte, o português é aprendido desde os seus primeiros contatos com a língua, quando ouve palavras simples e inicia a sua reprodução.

Pais e mães ficam atentos às primeiras palavras pronunciadas; mesmo quando elas não parecem ter um significado compreensível por qualquer pessoa, eles as compreendem. Conseguem diferenciar quando um “papa” quer dizer “comida” e quando quer dizer “papai”. É difícil explicar, mas quem está na situação e faz parte do contexto consegue entender os significados que as palavras apresentam. Para o surdo, isso acontece da mesma forma, porém visualmente e com o uso de gestos.

Costumam-se chamar as primeiras formas de comunicação da criança surda de

“sinais caseiros”, pois eles possuem significado, mas não são compreensíveis por qualquer pessoa. Pais, mães e cuidadores vão estabelecendo formas para se comunicar, fazendo combinações e, assim, possibilitando à criança compreender e ser compreendida.

A escola serve como um espaço para aperfeiçoar o aprendizado da língua, seja oral ou sinalizada. Nela, é possível conhecer e identificar os recursos que a língua oferece para estabelecer uma comunicação mais rica e que seja entendida

(43)

por muitas pessoas. Assim, aos poucos, ocorre o aprendizado de classes gramaticais, regras de estrutura e funcionamento da língua. Os alunos aprendem o que pode ser dito e aquilo que não pode ser compreendido.

Por volta do 1º ano do ensino fundamental, quando o aprendizado começa a se formalizar, a criança ouvinte comete muitos erros de fala e escrita, pois utiliza palavras que nem sempre existem ou seriam possíveis. Recorrendo ao vocabulário que possui e unindo os conhecimentos já adquiridos, ela vai fazendo novas combinações, acreditando que as palavras que cria já existem ou são facilmente compreensíveis. Uma criança pode dizer, por exemplo, “donaviaria” em vez de

“rodoviária”. Mas esse é um processo necessário e que acontece com todas as crianças ouvintes, que precisaram passar por diferentes etapas de ensino até compreender que existem regras que devem ser seguidas, que algumas vezes é possível criar novas palavras, mas outras vezes, não.

Já as crianças surdas, em sua maioria, não têm contato com a Libras desde que nascem, principalmente se forem de uma família de ouvintes. Pense na situação de uma criança com 4 anos, idade na qual hoje é obrigatório estar numa escola, que nunca teve contato com a sua língua. Ao chegar à escola, a sua primeira aprendizagem precisa ser dos sinais; é necessário construir um vocabulário ao qual a criança possa recorrer para organizar e criar frases. Quando estiver no 1º ano, ela terá quatro anos de atraso em relação ao léxico que uma criança ouvinte possui, o que trará consequências significativas para o seu desenvolvimento.

Veja o que afirma Fernandes (2007, documento on-line):

[...] embora brasileiras, as crianças surdas necessitam de uma modalidade linguística que atenda às suas necessidades visuais espaciais de aprendizagem, o que significa ter acesso à Libras, assim que for diagnosticada a surdez, para suprir as lacunas que a oralidade não preenche em seu processo de desenvolvimento da linguagem e conhecimento de mundo. Essa situação configura o bilinguismo dos surdos brasileiros: aprender a língua de sinais, como primeira língua, preferencialmente de zero a três anos, seguida do aprendizado do português, como segunda língua.

(44)

Dessa forma, quanto mais cedo a criança com surdez for colocada em contato com a sua língua e receber estímulos visuais, mais fácil e rapidamente se desenvolverá. O ideal seria a existência de espaços de educação infantil que dessem conta desse contato inicial que a criança surda precisa ter, usando recursos e materiais audiovisuais que facilitassem o seu desenvolvimento.

Falkoski e Witchs (2010) apresentam uma proposta de trabalho voltada a crianças da educação infantil, mas que poderia ser utilizada em diferentes momentos do desenvolvimento do sujeito surdo. Note que os aspectos mencionados não são difíceis de serem colocados em prática em sala de aula:

▪ atendimento na sala de aquisição de língua, com jogos e brinquedos adaptados para o ensino da Libras (como dominó de sinais), palavras em português, cores e seus sinais, histórias em DVD, entre outros;

▪ atendimento às professoras das turmas das crianças surdas, com ensino de Libras e esclarecimento de dúvidas relacionadas aos alunos;

▪ ensino da Libras a todos os funcionários da escola, para que se comuniquem com os alunos surdos;

▪ encontros com familiares das crianças surdas para estudo de Libras e também para sanar dúvidas relacionadas ao desenvolvimento dos alunos (nesse momento, os pais poderiam expor seus sentimentos e dificuldades);

▪ atividades com as turmas da escola, juntamente aos alunos surdos, para exploração de novos sinais por meio de jogos e brincadeiras, a fim de ativar a comunicação;

intermediação da comunicação nas turmas regulares para o incentivo do uso da Libras como língua principal pelos alunos surdos.

Na experiência descrita por Falkoski e Witchs (2010), a professora contava com dois espaços de trabalho: a sala de aquisição da linguagem, frequentado apenas por alunos surdos durante um período de tempo do dia; e a sala de aula regular, onde os alunos estudavam com seus colegas ouvintes. Disponibilizar esses

Referências

Documentos relacionados