• Nenhum resultado encontrado

VENDA DE COISA ALHEIA RESTITUIÇÃO PREÇO ÂMBITO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "VENDA DE COISA ALHEIA RESTITUIÇÃO PREÇO ÂMBITO"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 06B2141

Relator: SALVADOR DA COSTA Sessão: 29 Junho 2006

Número: SJ200606290021417 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA.

Decisão: NEGADA A REVISTA.

VENDA DE COISA ALHEIA RESTITUIÇÃO PREÇO ÂMBITO

Sumário

O proveito do comprador a que alude o nº 2 do artigo 894º do Código Civil, a abater ao preço a restituir, é o que resulta da própria perda ou diminuição do valor da coisa vendida, por exemplo de indemnização obtida de terceiro em virtude dessa circunstância, não abrange a mera desvalorização do seu valor derivada da sua mera utilização ou das vicissitudes do mercado de referência.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

"AA" propôs, no dia 27 de Outubro de 2000, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Empresa-A, BB, CC e DD, pedindo a condenação da primeira a pagar-lhe 15 000 000$ ou, subsidiariamente, para o caso de vir a ser demonstrada a responsabilidade dos réus, a condenação destes em tal pagamento, em qualquer caso acrescidos de juros de mora à taxa legal anual de 7% desde a citação.

Afirmou, para tanto, ter adquirido à ré, em Julho de 1994, no estado de usada, identificada viatura automóvel, por 15 000 000$, tê-la pago por cheque

emitido em nome do gerente daquela -,CC - tê-la vendido a Empresa-B, ter sido apreendida pela Polícia Judiciária em virtude haver sido roubada e ter devolvido à compradora o respectivo preço.

Em contestação, os réus Empresa-A, BB e DD afirmaram, por um lado, que a

(2)

alienação da viatura foi feita em nome individual pelos dois últimos e por CC, a quem pertencia, nunca em nome a primeira e, por outro, que se ao autor assistisse qualquer direito de restituição do preço, a desvalorização da viatura sempre haveria de correr por conta dele.

"CC" afirmou, por seu turno, em contestação, além de não ter tido contacto com o autor ao tempo da venda da viatura, ela estava legalizada, pagos os respectivos impostos, com os correlativos documentos de legalização,

devidamente inspeccionada, e que, em caso de procedência da acção, haveria que reduzir o valor indemnizatório pedido pelo autor ao valor real da viatura.

Na réplica, o autor negou alguns dos factos articulados pelos réus, na tréplica os três primeiros réus invocaram o excesso de réplica, e, realizado o

julgamento, foi proferida sentença, no dia 31 de Janeiro de 2005, por via da qual, Empresa-A foi condenada a pagar ao autor € 74 819,68 e juros

moratórios à taxa legal.

Apelou Empresa-A, e a Relação, por acórdão proferido no dia 15 de Dezembro de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:

- a viatura sofreu deterioração e desvalorização entre a data em que o recorrido a adquiriu e aquela em que foi apreendida, em razão de a ter usufruído;

- o seu valor de mercado em 1999 cifrava-se em € 30 526,43

- o enriquecimento injusto que o nº 2 do artigo 894º do Código Civil pretende evitar abrange a normal utilização do veículo, por ser esse o proveito último que se pretende retirar da compra de uma viatura;

- a lei não se reporta apenas aos proveitos obtidos pelo comprador por ganhos anormais, devendo imputar-se ao recorrido a desvalorização pela utilização que ele fez da viatura, por traduzir a medida do proveito que ele tirou da diminuição do valor do veículo;

- essa desvalorização corresponde ao proveito retirado pelo recorrido, que usufruiu da viatura, como se fosse seu proprietário, dela retirando as vantagens decorrentes da sua normal utilização;

- o proveito retirado da normal utilização do veículo, que constitui o

fundamento essencial de celebração do contrato, deve ser considerado por via do desconto no preço a restituir pelo vendedor;

- ao limitar os benefícios obtidos pelo comprador a eventuais ganhos monetários auferidos, o acórdão recorrido esvazia a ratio do preceito;

- deverá a recorrente apenas ser condenada a restituir ao recorrido € 34 915,85.

(3)

Respondeu o recorrido em síntese de conclusão:

- o valor médio proposto pela recorrente para o veículo automóvel constitui matéria nova de que o tribunal não pode conhecer - artigo 721º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil;

- fica, por isso, prejudicada a possibilidade de se apreciar a alegada violação da lei substantiva, mormente o erro de interpretação do nº 2 do artigo 894º do Código Civil;

- a venda de bens alheios confere ao comprador o direito a ser restituído integralmente do preço que pagou, ainda que os bens tenham diminuído de valor por qualquer causa;

- o proveito do nº 2 do artigo 894º do Código Civil, que foi correctamente interpretado, não abrange a mera utilização do bem adquirido, porque apenas se reporta ao benefício derivado de eventual indemnização por dano ou

pagamento de seguro por virtude de perda ou deterioração.

II

É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:

1. Em Julho de 1994, o autor adquiriu à ré Empresa-A, no estado de usada, a viatura Mercedes Benz, modelo 300 SL-24, matricula ..., que se encontrava exposta para venda no estabelecimento stand da segunda.

2. O autor foi recebido por um vendedor da ré no mencionado stand e satisfez o preço da viatura por meio de cheque, no gabinete da gerência da ré, na presença do réu CC, que, no momento do pagamento, pediu que ele fosse emitido em seu nome.

3. Foi dada ao autor a quitação de 15 000 000$ pela satisfação do preço do veículo, em cujo recibo tem aposta a firma social da ré, e de 100 000$, verba esta entregue para sinalizar a compra no mesmo estabelecimento de outra viatura.

4. As chaves, o livrete e o título do registo de propriedade da viatura foram entregues ao autor directamente pela gerência da ré

5. O cheque entregue pelo autor para pagamento do preço do veículo foi depositado no Empresa-C, numa conta comum dos réus BB, CC e DD.

6. A referida viatura foi objecto de inspecção periódica em 1998 e o autor declarou vendê-la e representantes de Empresa-B, em nome desta, declararam comprá-la.

7. A aquisição do direito de propriedade sobre a referida viatura foi registada no dia 26 de Maio de 1999 em nome de Empresa-B.

8. A Polícia Judiciária procedeu, no dia 29 de Setembro de 1999, à apreensão do veículo mencionado por se encontrar falsificado no que concerne ao seu número de quadro e, por conseguinte, ao seu número de matricula e se tratar

(4)

de viatura furtada.

9. Face à apreensão mencionada sob 8, o autor restituiu à Empresa-B o valor por esta satisfeito pela venda.

III

A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrente deve ou não pagar ao recorrido € 74.819,68 e juros moratórios à taxa legal desde a data da sua citação para a acção.

Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e do recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a

análise da seguinte problemática:

- natureza e efeitos dos contratos celebrados entre a recorrente e o recorrido e entre este e Empresa-B;

- legitimidade ou não de alienação e respectivos efeitos;

- âmbito da restituição do preço;

- síntese da solução para o caso decorrente dos factos provados e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.

Comecemos pela análise da natureza e dos efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido e entre este e Empresa-B.

Expressa a lei que a compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (artigo 874º do Código Civil).

Dir-se-á estar envolvida neste tipo contratual uma dupla transmissão

prestacional, por um lado, de um direito de propriedade ou outro, e, por outro, do efectivo meio de pagamento correspondente ao preço (artigo 879º do

Código Civil).

Trata-se, assim, de um contrato oneroso, bilateral, com recíprocas prestações e eficácia real ou translativa.

Tendo em conta a factualidade mencionada sob II 1 e 2, a recorrente, como vendedora, e o recorrido, como comprador, celebraram um contrato de

compra e venda cujo objecto mediato foi o veículo automóvel com a matrícula nº ...

Além disso, revela a mencionada factualidade que cada um dos referidos sujeitos contratuais cumpriu a respectiva obrigação, ou seja, a recorrente entregou o mencionado veículo automóvel ao recorrido, e este àquela o dinheiro correspondente ao respectivo preço.

(5)

Ademais, revela a mencionada factualidade que o recorrido e Empresa-B celebraram, cerca de cinco anos depois da data do mencionado contrato, um contrato de compra e venda que teve por objecto mediato o mesmo veículo automóvel.

2.

Atentemos agora na sub-questão da legitimidade ou não de alienação do referido veículo automóvel e dos concernentes efeitos.

Conforme resulta de II 8, a recorrente não era titular do direito de propriedade sobre o referido veículo automóvel, pelo que o contrato de compra e venda acima referido, celebrado entre ela e o recorrido, se consubstancia em venda de coisa alheia,

Em consequência, também o contrato de compra e venda do mesmo veículo automóvel celebrado entre o recorrido e Empresa-B se consubstancia em venda de bens alheios.

Expressa a lei, além do mais que aqui não releva, ser nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar (artigo 892º do Código Civil).

O contrato de compra e venda de coisa alheia é ineficaz em relação ao

respectivo proprietário, mas este pode pedir a declaração da sua nulidade no confronto do vendedor e do comprador, além de que a declaração desse vício pode operar oficiosamente (artigo 286º do Código Civil).

A declaração de nulidade tem efeito retroactivo e implica, em regra, a restituição do que tiver sido prestado (artigo 289º, nº 1, do Código Civil).

Assim, declarada a nulidade de um contrato de compra e venda, por exemplo de um veículo automóvel, em simultâneo, deve o comprador restituí-lo ao vendedor e este entregar àquele o respectivo preço (artigos 289º, nº 1, 290º, 874º e 879º do Código Civil).

No caso em análise, porém, revela-se impossível a restituição do veículo automóvel por Empresa-B ao recorrido e por este à recorrente porque apreendido por uma autoridade de polícia criminal em razão de furto.

3.

Vejamos agora o âmbito da restituição do preço do mencionado veículo automóvel.

Por virtude de o recorrido e Empresa-B haverem usufruído o referido veículo automóvel e deste tirado proveito durante cerca de cinco anos, entende a recorrente, ao invés do recorrido, dever a restituição do preço ser reduzida na medida da respectiva desvalorização.

No tribunal da 1ª instância assim se considerou resultar da lei, mas a

(6)

mencionada desvalorização não foi tida em linha de conta por virtude de a recorrente não haver articulado factos que permitissem a sua quantificação.

Na realidade, não foi articulado pelas partes e, consequentemente, não pôde ser provado cifrar-se em € 44 293, 25 a desvalorização do referido automóvel nos cinco anos que decorreram entre a sua aquisição pelo recorrido e a sua apreensão pela autoridade policial que a recorrente invocou nas alegações de recurso.

Não se trata, ao invés do que o recorrido afirmou, de uma questão nova, porque a recorrente a suscitou-a, embora sem a necessária concretização, no instrumento de contestação.

Na Relação considerou-se que não relevava no caso a alegada desvalorização do veículo automóvel e que a recorrente deveria restituir ao recorrido o montante integral do preço.

Expressa a lei, por um lado, que sendo nula a venda de bens alheios, o

comprador que tiver procedido de boa fé tem o direito de exigir a restituição integral do preço, ainda que os bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuído de valor por qualquer causa (artigo 894º, nº 1, do Código Civil).

E, por outro, que se o comprador tiver tirado proveito da perda ou da

diminuição do valor dos bens, será o proveito abatido no montante do preço e da indemnização que o vendedor tenha de pagar-lhe (artigo 894º, nº 2, do Código Civil).

Não está provada a má fé por parte do recorrido, ou seja, que ele soubesse não ser o veículo automóvel da recorrente, pelo que importa considerar, para todos os efeitos, que ele estava de boa fé.

O artigo 894º, nº 1, do Código Civil prevê a situação do comprador de boa fé no caso de venda de bens alheios e estatui que ele tem direito a exigir a restituição integral do preço, independentemente da perda, deterioração ou diminuição do valor daqueles bens.

Assim, por virtude do disposto neste normativo, só no caso de o comprador ter agido de má fé é que não tem direito à exigir a restituição integral do preço, embora, nesse caso, possa exigir do vendedor aquilo com que este

injustamente se locupletou, no quadro do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473º do Código Civil).

O artigo 894º, nº 2, do Código Civil, normativo especial em relação ao do seu nº 1, prevê a situação de o comprador ter obtido proveito da perda ou da diminuição de valor dos bens, e estatui, para essa hipótese, que o valor do referido proveito é abatido no montante do preço e da indemnização que o vendedor tenha de pagar-lhe.

Interpretando este último normativo, à luz do seu elemento literal e finalístico,

(7)

no confronto com o disposto no nº 1 do mesmo artigo, o proveito do

comprador a que se reporta há-de resultar da própria perda ou diminuição do valor da coisa vendida.

Isso significa que o referido proveito há-de derivar de causa diversa da mera desvalorização do valor da coisa vendida derivada da sua utilização ou das vicissitudes do mercado de referência, por exemplo de indemnização obtida de terceiro em virtude da referida perda ou diminuição de valor.

Assim, embora, pela própria natureza das coisas, a declaração da nulidade do contrato de compra e venda da coisa alheia não possa implicar a eliminação da utilização dela pelo comprador, não opera, na espécie, a restituição a que se reporta a parte final do nº 1 do artigo 289º do Código Civil.

Em consequência, ainda estivessem provados factos reveladores de que o veículo automóvel em causa havia sido afectado, entre o momento do primitivo contrato de compra e venda e o da sua apreensão pela autoridade policial, da desvalorização de € 44 293, 25, esta não podia aproveitar à recorrente.

4.

Atentemos, finalmente, na síntese da solução para o caso decorrente dos factos provados e da lei.

A recorrente, na posição de vendedora, e o recorrido, este na posição de comprador celebraram, em Julho de 1994, um contrato de compra e venda de veículo automóvel, que não era pertença da primeira, cujo preço foi o

equivalente a € 74.819,68.

O recorrido agiu de boa fé, porque não sabia que a recorrente não era a titular do direito de propriedade sobre aquele veículo automóvel.

Cerca de cinco anos depois, o recorrido alienou a favor de Empresa-B o mencionado veículo automóvel, que poucos dias após foi apreendido pela autoridade policial em virtude de ter sido objecto de furto e de falsificação material de elementos de identificação, e o primeiro devolveu à última o respectivo preço.

O recorrido tem o direito de exigir à recorrente a restituição do preço relativo ao mencionado veículo automóvel que lhe entregou, sem qualquer dedução relativa à sua utilização ou desvalorização, porque o artigo 894º, nº 2, do Código Civil a não comporta.

Improcede, por isso, o recurso.

Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código Civil).

(8)

IV

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 29 de Junho de 2006 Salvador da Costa

Ferreira de Sousa Armindo Luís

Referências

Documentos relacionados

1 - A entidade que decida o recurso à greve deve dirigir ao empregador, ou à associação de empregadores, e ao ministério responsável pela área laboral um aviso com a antecedência

Com base nos resultados alcançados, conclui-se neste momento que desenvolver um currículo em Pedagogia da Alternância e no contexto moçambicano ganha razoabilidade

Monte a chapa perpendicular com quatro parafusos sextavados internos M5 e anilhas de pressão, de forma solta na chapa de apoio, e aparafuse a mesma com dois perfis em U de modo

Qual o cuidado, esta fórmula olha apenas para dentro do negócio e seu desejo de margem, e preço de venda não é apenas isso é muito mais amplo?. Esta fórmula é usada para avaliar

[r]

 Uma parte dos recursos necessários para a produção varia diretamente em função do volume produzidos e são chamados de Recursos Variáveis..  Ex: Matéria Prima e

A resposta passa por preços maiores para quem estiver disposto a pagar por melhores serviços, e com essa margem adicional financiando o mercado de preços baixos para mais

limitada à devolução, quando aplicável: (i) do valor relativo ao sinal e parcelas do preço pagos pelo imóvel até a data da restituição; (ii) das despesas relativas à