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Direito Constitucional

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DIREITO CONSTITUCIONAL:

1 Direitos e garantias fundamentais: direitos e deveres individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políti-cos; partidos políticos.

2 Poder Executivo: atribuições e responsabilidades do presidente da República.

3 Defesa do Estado e das instituições democráticas: segurança pública; organização da segurança pública.

4 Ordem social: base e objetivos da ordem social; seguridade social; meio ambiente; família, criança, adolescente, idoso e índio.

DIREITO CONSTITUCIONAL: NATUREZA, CONCEITO E OBJE-TO;

Segundo José Afonso da Silva (1998, p. 36), o Direito Constitucional pertence ao ramo do Direito Público e, ainda, distingue-se dos demais ramos do Direito Público pela natureza específica de seu objeto e pelos princípios peculiares que o informam. Configura-se como Direito Público

Fundamental por referir-se diretamente à organização e ao funcionamento

do Estado, à articulação dos elementos primários deste e ao estabeleci-mento das bases da estrutura política. E assim o conceitua: “é o ramo do

Direito Público que expõe, interpreta e sistematiza os princípios e normas

fundamentais do Estado”.

J. Cretella Júnior (1998, p. 11), procura definir da seguinte forma: [...] é o ramo do Direito Público interno que tem como objeto a forma e a estrutura do Estado, os sistemas de governo, a organização, o funcio-namento, as atribuições e as relações entre seus órgãos superiores, o Poder Legislativo e o Poder Executivo e, por fim, a participação ativa do povo, no governo, cuja importância é cada vez mais acentuada, nos mo-dernos Estados de direito.

Por sua vez, segundo Maurice Hauriou, o Direito Constitucional tem por objeto a constituição política do Estado. Hoje, entende-se por objeto do Direito Constitucional o estudo sistemático das normas que integram a constituição do Estado. José Afonso da Silva (1998, p. 36) complementa: Mas esse estudo sistematizado não há de ser tomado em sentido estrito de mera exposição do conteúdo dessas normas e regras fundamentais. Compreenderá também a investigação de seu valor, sua eficácia, o que envolve critérios estimativos de interpretação, sempre correlacionando os esquemas normativos escritos, ou costumeiros, com a dinâmica sociocultu-ral que os informa. Otávio Piva

O direito constitucional tornou-se disciplina jurídica no século XIX, quando, na esteira da revolução francesa, surgiram constituições escritas em vários estados nacionais europeus. Desde sua origem o direito consti-tucional dependeu do fenômeno do poder, que dificilmente se deixa en-quadrar em normas jurídicas.

Direito constitucional é o estudo da constituição e da estrutura institu-cional, política e jurídica do estado, de suas normas fundamentais, da definição e do funcionamento dos seus órgãos, dos direitos públicos indivi-duais, além de outros assuntos consignados ou não no texto da constitui-ção.

O estado é o principal objeto do direito constitucional. A palavra estado foi usada pela primeira vez, em relação a assuntos do governo, na Itália, em princípio do século XVI, em O Príncipe, de Maquiavel. A noção jurídica de estado apóia-se em quatro elementos básicos: território, povo, governo e soberania. Território é a base geográfica do estado; juridicamente, é o espaço físico dentro do qual o estado exerce sua soberania e sobre o qual o governo tem competência. Povo é a população do estado, excluídos os estrangeiros e, no estrito sentido jurídico, a comunidade habilitada ao exercício dos direitos políticos. O governo, considerado sociológica ou historicamente, é um grupo de pessoas que toma decisões obrigatórias para a coletividade. A soberania é exercida pelo governo, agindo por meio da autoridade, que é a investidura e a limitação impostas pela lei.

São fontes do direito constitucional as leis constitucionais relativas à organização e funcionamento dos poderes e aos direitos e garantias indivi-duais, às leis complementares, às leis ordinárias, além das normas que não se revestem da forma de leis e os usos e costumes relacionados com a vida política.

Parte fundamental do direito constitucional é a que se refere às liber-dades individuais, entendidas essas como limitações impostas ao poder dos governantes, em salvaguarda dos direitos atribuídos genericamente ao homem.

Evolução. No pensamento político da antiguidade, a teoria das liber-dades individuais não chegou a se desenvolver, uma vez que a própria noção de liberdade pessoal não existia, seja pela presença da escravidão, seja pela excessiva vinculação e integração do indivíduo ao estado. Com o surgimento e a ampliação da produção econômica e das relações sociais, o papel do estado foi-se alterando, e deu ensejo a duas tendências: a primeira, que nega a possibilidade de qualquer direito contra o estado, está presente nas doutrinas políticas totalitárias; a segunda, adotada pela democracia moderna, prega a limitação do poder do estado, com a preser-vação dos princípios integrantes da personalidade humana.

Do começo do século XVI ao fim do século XVIII, autores como Ma-quiavel, Jean Bodin, Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau dedicaram estudos diversos aos problemas do estado. O aparecimento do direito constitucional como ciência autônoma deu-se no fim do século XVIII com a adoção das constituições escritas. A primeira obra sobre a matéria foi The Federalist (O federalista). Elaborada por Alexander Hamilton, James Madi-son e John Jay, representantes do estado americano de Nova York, foi apresentada na convenção da Filadélfia, que votou, em setembro de 1787, a constituição dos Estados Unidos. Esse livro influenciou a sistematização do pensamento jurídico constitucional na França, Itália e outros países.

O estudo do direito constitucional iniciou-se na Itália, em 1797, e na França, em 1819. Somente na segunda metade do século XIX o direito constitucional emancipou-se como ciência jurídica, destacando-se entre os principais formuladores o francês Benjamin Constant e o italiano Pellegrino Rossi.

À medida que as tarefas do estado moderno se foram multiplicando, também o direito constitucional passou por inovações consideráveis. A maior e mais profunda intervenção do estado nas relações econômicas e sociais corresponde à incorporação, nos textos de direito constitucional, de normas reguladoras da atividade econômica privada e das condições de trabalho.

Democracia ocidental. A democracia chamada convencionalmente o-cidental não é característica do Ocidente, onde vários países são governa-dos por ditadura; além disso, o Japão, país do Extremo Oriente, pratica a democracia representativa. Assim, considera-se a democracia ocidental como a democracia do mundo desenvolvido, cujo sistema corresponde ao grau mais elevado da civilização humana. Isso significa que em tais países o direito constitucional tem ampla e cabal aplicação; ou, em outras pala-vras, existe a efetiva racionalização do estado de direito.

Essa condição parte de dois pontos: primeiro, a certeza da diferença entre estado e governo; segundo, a segurança de que a função governati-va é sempre exercida dentro de uma competência legal. O estado tem seu poder definido e organizado pela constituição, a qual também estabelece os processos mediante os quais os representantes daquele poder (gover-no) e seus agentes (administração) exercem suas funções. Mas ao mesmo tempo em que a constituição estabelece o poder do estado, traça também seus limites e diz quem tem competência para julgar e decidir se o poder está sendo exercido de acordo com as normas constitucionais ou se fere a constituição.

O estado de direito coexiste, no direito constitucional, com a profunda modificação operada nas atribuições do estado, modificação que repercu-tiu na nova conceituação da democracia, caracterizada pela introdução do elemento social. A democracia política, desde o século XVIII, estruturou-se sobre os conceitos de legitimidade e limitação do poder.

O primeiro conceito diz respeito à estabilidade da administração dos negócios públicos, por meio de sua sujeição ao critério da legalidade. A limitação refere-se à proteção dos indivíduos contra o arbítrio da autorida-de, tanto nos seus direitos privados quanto nos seus direitos públicos

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individuais. Mas tão logo se definiram as instituições da democracia políti-ca, verificou-se que elas por si só não cobriam todas as obrigações do estado; e que havia necessidade de complementá-las com a justiça social.

A segurança individual parecia suficientemente assegurada. Mas o po-vo, tomado em conjunto, vivia fora dos benefícios reais da democracia política, por força das condições econômicas e de trabalho adversas. A preocupação dos tratadistas do século XIX é a permanência da injustiça dentro do estado de direito e a necessidade de mudar tal situação. Essa mudança só se concretiza quando tais preocupações se traduzem para o direito positivo. Daí a progressiva intervenção do estado no domínio eco-nômico, da regulamentação da economia e das condições de trabalho. As garantias ao trabalho do menor, da mulher, dos que trabalham em condi-ções insalubres etc., foram incorporadas ao direito positivo e mudaram a concepção geral do direito constitucional. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

Conceito de Direito Constitucional (Manoel Gonçalves Ferreira Fi-lho):

Como ciência, é o conhecimento sistematizado da organização jurídica fundamental do Estado, isto é, o conhecimento sistematizado das regras jurídicas relativas à forma do Estado, à forma de Governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos e aos limites de sua ação.

Conceito (José Afonso da Silva):

Direito Constitucional é ramo do Direito Público que expõe, interpreta e sistematiza os princípios e normas fundamentais do Estado. Seu conteúdo científico abrange as seguintes disciplinas:

1) Direito Constitucional Positivo ou Particular: é o que tem por objeto o estudo dos princípios e normas de uma constituição concreta, de um Estado determinado; compreende a interpretação, sistematização e crítica das normas jurídico-constitucionais desse Estado, configuradas na consti-tuição vigente, nos seus legados históricos e sua conexão com a realidade sócio-cultural.

2) Direito Constitucional Comparado: é o estudo teórico das normas ju-rídico-constitucionais positivas (não necessariamente vigentes) de vários Estados, preocupando-se em destacar as singularidades e os contrastes entre eles ou entre grupo deles.

3) Direito Constitucional Geral: delineia uma série de princípios, con-ceitos e de instituições que se acham em vários direitos positivos ou em grupos deles para classifica-los e sistematizá-los numa visão unitária; é uma ciência, que visa generalizar os princípios teóricos do Direito Constitu-cional particular e, ao mesmo tempo, constatar pontos de contato e inde-pendência do Direito Constitucional Positivo dos vários Estados que ado-tam formas semelhantes do Governo. http://www.passei.org/

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS 1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fun-damentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a esprai-ar-se por cima de um sem-número de outras normas.

O reflexo mais imediato disto é o caráter de sistema que os princípios impõem à Constituição. Sem eles a Constituição se pareceria mais com um aglomerado de normas que só teriam em comum o fato de estarem juntas no mesmo diploma jurídico, do que com um todo sistemático e congruente. Desta forma, por mais que certas normas constitucionais demonstrem estar em contradição, esta aparente contradição deve ser minimizada pela força catalisadora dos princípios.

Outra função muito importante dos princípios é servir como critério de interpretação das normas constitucionais, seja ao legislador ordinário, no momento de criação das normas infraconstitucionais, seja aos juízes, no momento de aplicação do direito, seja aos próprios cidadãos, no momento da realização de seus direitos.

Em resumo, são os princípios constitucionais aqueles valores alberga-dos pelo Texto Maior a fim de dar sistematização ao documento constitu-cional, de servir como critério de interpretação e finalmente, o que é mais importante, espraiar os seus valores, pulverizá-los sobre todo o mundo jurídico.

1.1. República

A república no início teve um sentido bastante preciso; tratava-se de um regime que se opunha à monarquia. Nesta, tudo pertencia ao rei, que governava de maneira absoluta e irresponsável. Além disto, é característi-ca das monarquias a vitaliciedade do governante e, via de regra, a transfe-rência do poder por força de laços hereditários. A república surgiu, portan-to, em oposição ao regime monárquico, uma vez que retirava o poder das mãos do rei passando-o à nação. Não há que se pensar, no entanto, que o povo passou, efetiva e diretamente, a governar, muito embora esta seja a primeira ideia de república, ou seja, a “coisa do povo”.

Hoje, no entanto, o conceito de república perdeu muito de seu conteú-do. Isto se deu na medida em que as monarquias foram cedendo parcelas de seus poderes até — contemporaneamente — encontrarem-se quase que totalmente destituídas de qualquer prerrogativa de mando efetivo. As monarquias da Europa ocidental em nada diferenciam-se de suas vizinhas Repúblicas, à exceção da figura decorativa do monarca que nominalmente exerce as funções de chefe de Estado. Assim, em termos de regimes políticos, os conceitos de monarquia e república estão bastante esvazia-dos. Talvez por esta razão a nova Constituição reforce o seu significado falando de Estado Democrático de Direito e ainda enumerando alguns fundamentos de nossa República. Resumindo, ao termos que interpretar o princípio republicano, devemos ter em mente, fundamentalmente, a neces-sidade da alternância no poder, por certo sua característica mais acentua-da.

1.2. Federação

Ao lado do termo “República”, inserto no art. 1º da Constituição de 1988, encontra-se a palavra “Federativa”, ou seja, o Brasil adere à forma Federativa de Estado.

1.2.1. Histórico

A ideia moderna de Federação surge em 1787, na Convenção de Phi-ladelphia, onde as treze ex-colônias inglesas resolveram dispor de parcela de suas soberanias, tornando-se autônomas, e constituir um novo Estado, este sim soberano. Assim, a Constituição de 1787, que deu surgimento aos Estados Unidos da América, criou também uma nova forma de Estado, o federativo.

No Brasil, embora as coisas tenham ocorrido um pouco às avessas, a forma federativa surgiu em 15 de novembro de 1889, junto com a Repúbli-ca, por força do Decreto n. 1. Dizemos por que às avessas: na experiência norte-americana, tínhamos treze países independentes, que, através de um acordo, cederam parcela de seu poder ao novo ente que surgiu, res-guardando assim muito do que antes era seu. No caso brasileiro, ao invés de diversos Estados, tínhamos um só; o Brasil todo respondia ao domínio do imperador. Depois de proclamada a República e a Federação é que se viu a necessidade de criarem-se os Estados-Membros, aos quais delega-ram-se algumas competências. Esta talvez seja uma das razões pelas quais o Brasil nunca chegou a ter uma verdadeira Federação, onde os Estados alcançam autonomia real.

Outro dado para o qual se deve alertar no novo Texto é o fato de ele ter incluído o município como componente da Federação. Como sabemos o município é uma realidade em nossa história. Mesmo antes de existir o país Brasil já tínhamos municípios, os quais eram importantes locus de poder. Inclusive tendo a Constituição do Império que passar pelo crivo das

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Câmaras municipais para que chegasse a ser aprovada. Portanto, corrige o constituinte, ao incluir o município como componente da Federação brasileira, o erro das Constituições anteriores.

1.2.2. Princípio Federativo

A federação é a forma de Estado pela qual se objetiva distribuir o po-der, preservando a autonomia dos entes políticos que a compõem. No entanto, nem sempre alcança-se uma racional distribuição do poder; nestes casos dá-se ou um engrandecimento da União ou um excesso de poder regionalmente concentrado, o que pode ser prejudicial se este poder estiver nas mãos das oligarquias locais. O acerto da Constituição, quando dispõe sobre a Federação, estará diretamente vinculado a uma racional divisão de competência entre, no caso brasileiro, União, Estados e Municí-pios; tal divisão para alcançar logro poderia ter como regra principal a seguinte: nada será exercido por um poder mais amplo quando puder ser exercido pelo poder local, afinal os cidadãos moram nos Municípios e não na União.

Portanto deve o princípio federativo informar o legislador infraconstitu-cional que está obrigado a acatar tal princípio na elaboração das leis ordinárias, bem como os intérpretes da Constituição, a começar pelos membros do Poder Judiciário.

1.2.3. Características da Federação

Poderíamos, aqui, elencar inúmeras características da Federação; a-bordaremos, entretanto, apenas aquelas que se nos demonstram mais importantes:

1.ª) uma descentralização político-administrativa constitucionalmente prevista;

2.ª) uma Constituição rígida que não permita a alteração da repartição de competências por intermédio de legislação ordinária. Se assim fosse possível, estaríamos num Estado unitário, politicamente descentralizado;

3.ª) existência de um órgão que dite a vontade dos membros da Fede-ração; no caso brasileiro temos o Senado, no qual reúnem-se os represen-tantes dos Estados-Membros;

4.ª) autonomia financeira, constitucionalmente prevista, para que os entes federados não fiquem na dependência do Poder Central;

5.ª) a existência de um órgão constitucional encarregado do controle da constitucionalidade das leis, para que não haja invasão de competên-cias.

Quanto à divisão de competências, que talvez seja o tema mais rele-vante no tratamento da Federação, será abordada oportunamente quando tratarmos da Federação brasileira.

1.3. Estado Democrático de Direito

É em boa hora que a Constituição acolhe estes dois princípios: o De-mocrático e o do Estado de Direito. Pois, como visto, o princípio republica-no, por si só, não se tem demonstrado capaz de resguardar a soberania popular, a submissão do administrador à vontade da lei, em resumo, não tem conseguido preservar o princípio democrático nem o do Estado de Direito.

Antes, porém, de analisarmos estes preceitos, uma questão nos salta aos olhos: estabeleceu a Constituição dois princípios ou na realidade o Estado Democrático e o Estado de Direito significam a mesma coisa? Daremos esta resposta através das seguintes palavras de Canotilho e Vital Moreira: “Este conceito é bastante complexo, e as suas duas componentes — ou seja, a componente do Estado de direito e do Estado democrático — não podem ser separadas uma da outra. O Estado de direito é democrático e só sendo-o é que é de direito; o Estado democrático é Estado de direito e só sendo-o é que é Estado de direito” (Constituição da República Portu-guesa anotada, 2. ed., Coimbra Ed., 1984, v. 1, p. 73). Esta íntima ligação

poderia fazer-nos crer que se trata da mesma coisa, no entanto, os autores complementam o pensamento da seguinte maneira:

“Esta ligação material das duas componentes não impede a conside-ração específica de cada uma delas, mas o sentido de uma não pode ficar condicionado e ser qualificado em função do sentido da outra” (Constitui-ção, cit., p. 73). Concluímos, então, tratar-se de um conceito híbrido, e para que possamos melhor compreendê-lo, necessitamos percorrer, preli-minarmente, cada um deles.

O Estado de Direito, mais do que um conceito jurídico, é um conceito político que vem à tona no final do século XVIII, início do século XIX. Ele é fruto dos movimentos burgueses revolucionários, que àquele momento se opunham ao absolutismo, ao Estado de Polícia. Surge como ideia força de um movimento que tinha por objetivo subjugar os governantes à vontade legal, porém, não de qualquer lei. Como sabemos, os movimentos burgue-ses romperam com a estrutura feudal que dominava o continente europeu; assim os novos governos deveriam submeter-se também a novas leis, originadas de um processo novo onde a vontade da classe emergente estivesse consignada. Mas o fato de o Estado passar a se submeter à lei não era suficiente. Era necessário dar-lhe outra dimensão, outro aspecto. Assim, passa o Estado a ter suas tarefas limitadas basicamente à manu-tenção da ordem, à proteção da liberdade e da propriedade individual. E a ideia de um Estado mínimo que de forma alguma interviesse na vida dos indivíduos, a não ser para o cumprimento de suas funções básicas; fora isso deveriam viger as regras do mercado, assim como a livre contratação.

Como não poderia deixar de ser, este Estado formalista recebeu inú-meras críticas na medida em que permitiu quase que um absolutismo do contrato, da propriedade privada, da livre empresa. Era necessário redina-mizar este Estado, lançar-lhe outros fins; não que se desconsiderassem aqueles alcançados, afinal eles significaram o fim do arbítrio, mas cumprir outras tarefas, principalmente sociais, era imprescindível.

Desencadeia-se, então, um processo de democratização do Estado; os movimentos políticos do final do século XIX, início do XX, transformam o velho e formal Estado de Direito num Estado Democrático, onde além da mera submissão à lei deveria haver a submissão à vontade popular e aos fins propostos pelos cidadãos. Assim, o conceito de Estado Democrático não é um conceito formal, técnico, onde se dispõe um conjunto de regras relativas à escolha dos dirigentes políticos. A democracia, pelo contrário, é algo dinâmico, em constante aperfeiçoamento, sendo válido dizer que nunca foi plenamente alcançada. Diferentemente do Estado de Direito — que, no dizer de Otto Mayer, é o direito administrativo bem ordenado — no Estado Democrático importa saber a que normas o Estado e o próprio cidadão estão submetidos. Portanto, no entendimento de Estado Democrá-tico devem ser levados em conta o perseguir certos fins, guiando-se por certos valores, o que não ocorre de forma tão explícita no Estado de Direi-to, que se resume em submeter-se às leis, sejam elas quais forem.

2. FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL A Constituição traz como fundamentos do Estado brasileiro a sobera-nia, a cidadasobera-nia, a dignidade da pessoa humana, a crença nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Esses fun-damentos devem ser entendidos como o embasamento do Estado; seus valores primordiais, imediatos, que em momento algum podem ser coloca-dos de lado.

Soberania é a qualidade que cerca o poder do Estado. Entre os roma-nos era denominada suprema potestas, imperium. Indica o poder de man-do em última instância, numa sociedade política. O advento man-do Estaman-do moderno coincide, precisamente, com o momento em que foi possível, num mesmo território, haver um único poder com autoridade originária. A soberania se constitui na supremacia do poder dentro da ordem interna e no fato de, perante a ordem externa, só encontrar Estados de igual poder. Esta situação é a consagração, na ordem interna, do princípio da subordi-nação, com o Estado no ápice da pirâmide, e, na ordem internacional, do princípio da coordenação.

Ter, portanto, a soberania como fundamento do Estado brasileiro signi-fica que dentro do nosso território não se admitirá força outra que não a

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dos poderes juridicamente constituídos, não podendo qualquer agente estranho à Nação intervir nos seus negócios. No entanto, o princípio da soberania é fortemente corroído pelo avanço da ordem jurídica internacio-nal. A todo instante reproduzem-se tratados, conferências, convenções, que procuram traçar as diretrizes para uma convivência pacífica e para uma colaboração permanente entre os Estados. Os múltiplos problemas do mundo moderno, alimentação, energia, poluição, guerra nuclear, repressão ao crime organizado, ultrapassam as barreiras do Estado, impondo-lhe. desde logo, uma interdependência de fato.

À pergunta de que se o termo “soberania” ainda é útil para qualificar o poder ilimitado do Estado, deve ser dada uma resposta condicionada. Estará caduco o conceito se por ele entendermos uma quantidade certa de poder que não possa sofrer contraste ou restrição. Será termo atual se com ele estivermos significando uma qualidade ou atributo da ordem jurídica estatal. Neste sentido, ela — a ordem interna — ainda é soberana, porque, embora exercida com limitações, não foi igualada por nenhuma ordem de direito interna, nem superada por nenhuma outra externa.

Portanto, se insistiu o constituinte no uso do termo “soberania”, deve-mos ter em mente o seu conteúdo bastante diverso daquele empregado nos séculos XVIII e XIX.

A cidadania, também fundamento de nosso Estado, é um conceito que deflui do próprio princípio do Estado Democrático de Direito, podendo-se, desta forma, dizer que o legislador constituinte foi pleonástico ao instituí-lo. No entanto, ressaltar a importância da cidadania nunca é demais, pois o exercício desta prerrogativa é fundamental. Sem ela, sem a participação política do indivíduo nos negócios do Estado e mesmo em outras áreas do interesse público, não há que se falar em democracia.

Embora dignidade tenha um conteúdo moral, parece que a preocupa-ção do legislador constituinte foi mais de ordem material, ou seja, a de proporcionar às pessoas condições para uma vida digna, principalmente no que tange ao fator econômico. Por outro lado, o termo “dignidade da pessoa” visa a condenar práticas como a tortura, sob todas as suas moda-lidades, o racismo e outras humilhações tão comuns no dia-a-dia de nosso país. Este foi, sem dúvida, um acerto do constituinte, pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não como simples meio para alcançar certos objetivos, como, por exemplo, o econômico.

Quanto aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, destaca-se, em primeiro lugar, que o trabalho deve obrigatoriamente ter seu valor reconhecido; e de que forma? Através da justa remuneração e de condi-ções razoáveis para seu desenvolvimento. Por outro lado, o livre empreen-dedor, aquele que se arriscou lançando-se no duro jogo do mercado, também tem que ter seu valor reconhecido, não podendo ser massacrado pelas mãos quase sempre pesadas do Estado.

Por fim, é fundamento de nosso Estado o pluralismo político. A demo-cracia impõe formas plurais de organização da sociedade, desde a multi-plicidade de partidos até a variedade de igrejas, escolas, empresas, sindi-catos, organizações culturais, enfim, de organizações e ideias que têm visão e interesses distintos daqueles adotados pelo Estado. Desta forma, o pluralismo é a possibilidade de oposição e controle do Estado.

3. TRIPARTIÇÃO DOS PODERES

Também arrola-se entre os princípios fundamentais a chamada tripar-tição dos poderes, que poderia ter sido melhor chamada de tripartripar-tição de funções, uma vez que o poder ao povo pertence. O Legislativo, o Executi-vo e o Judiciário são meras funções desempenhadas pelo Estado, que exerce o poder em nome do povo.

O traço importante da teoria elaborada por Montesquieu não foi o de identificar estas três funções, pois elas já haviam sido abordadas por Aristóteles, mas o de demonstrar que tal divisão possibilitaria um maior controle do poder que se encontra nas mãos do Estado. A ideia de um sistema de “freios e contrapesos”, onde cada órgão exerça as suas compe-tências e também controle o outro, é que garantiu o sucesso da teoria de Montesquieu.

Hoje, no entanto, a divisão rígida destas funções já está superada, pois, no Estado contemporâneo, cada um destes órgãos é obrigado a realizar atividades que tipicamente não seriam suas.

Ao contemplar tal princípio o constituinte teve por objetivo — tirante as funções atípicas previstas pela própria Constituição — não permitir que um dos “poderes” se arrogue o direito de interferir nas competências alheias, portanto não permitindo, por exemplo, que o executivo passe a legislar e também a julgar ou que o legislativo que tem por competência a produção normativa aplique a lei ao caso concreto.

Além destes conceitos básicos, outros serão trazidos quando entrar-mos no estudo da organização dos poderes propriamente ditos.

4. OBJETIVOS FUNDAMENTAIS

A ideia de objetivos não pode ser confundida com a de fundamentos, muito embora, algumas vezes, isto possa ocorrer. Os fundamentos são inerentes ao Estado, fazem parte de sua estrutura. Quanto aos objetivos, estes consistem em algo exterior que deve ser perseguido. Portanto, a República Federativa do Brasil tem por meta irrecusável construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

5. O BRASIL NA ORDEM INTERNACIONAL

Apesar da importância que têm alcançado as relações internacionais privadas, os Estados ainda são seus agentes mais importantes. O incre-mento da comunidade internacional e a cada vez maior interdependência entre os Estados têm gerado, também, um incremento do sistema normati-vo internacional. Talvez seja esta a razão pela qual o constituinte preocu-pou-se em trazer os princípios fundamentais que regerão nossas relações internacionais, à Constituição.

O primeiro destes princípios é o da independência nacional, que pode-ria resumir-se no poder de autodeterminação do Estado brasileiro. E inte-ressante notar que ao prever tal dispositivo o Brasil não o fez olhando apenas para si mesmo, uma vez que previu o princípio da não-intervenção, o que significa admitir a independência das outras nações. No que tange à autodeterminação dos povos, algumas vezes se faz confusão. Embora a ordem internacional reinante repouse sobre a noção de soberania do Estado, o constituinte pretendeu indicar que nossa política internacional respeita também, ao lado da independência estatal, a autodeterminação dos povos específicos. Isto se dá pelo fato de que muitas vezes um povo não é independente, mas se submete a imposições de outros povos. Era o caso das colônias. Porém, após a Segunda Guerra Mundial, o conceito perdeu bastante valor, uma vez que aquelas colônias tornaram-se inde-pendentes. No entanto, é importante notar que ainda hoje, na própria Europa, povos há que não conseguiram sua independência, caso do Povo Basco, que vive em constante conflito com o Estado espanhol.

Além destes princípios que têm por objetivo o respeito à independên-cia nacional e das outras nações e povos, o Brasil adere à luta pelos direitos humanos, luta esta multissecular. Assim fica obrigado a dar guari-da, por exemplo, à Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948; e por con-sequência fica também obrigado a repudiar toda violação a estes direitos. No mesmo passo impõe-se o repúdio ao terrorismo e ao racismo. A con-cessão de asilo político também encontra-se arrolada no art. 4º.

Numa terceira ordem de princípios temos a solução pacífica dos confli-tos e a defesa da paz, do que resulta a exclusão da guerra, como medida razoável para a decisão de conflitos; porém, não faz o Texto qualquer menção a uma hierarquia na procura dos meios pacíficos que deverão ser trilhados na busca da paz. E é sabido que há uma variedade destes, a começar dos jurisdicionais, que compreendem o recurso à Corte Interna-cional de Justiça e à arbitragem, até os não-jurisdicionais, que implicam os bons ofícios, na conciliação e na mediação.

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Outro princípio proclamado pelo Texto diz respeito à cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Este dispositivo parece-nos estar predominantemente voltado ao intercâmbio de conhecimento científi-co.

Direitos e Garantias Fundamentais: Direitos e Deveres

Individuais e Coletivos

Fonte: Direito Constitucional Didático – Kildare Gonçalves

Carvalho – DelRey - MG

A Constituição de 1988 ampliou consideravelmente o catálogo dos di-reitos e garantias fundamentais, desdobrando-se o art. 5º em 77 incisos, quando, pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969, a matéria era tratada em 36 parágrafos, que integravam o art. 153. A razão do aumento de disposições acerca do tema resulta, sobretudo, da constitucionalização de valores penais que se achavam previstos na legislação penal ou processu-al penprocessu-al.

Outro aspecto que deve ser salientado é o de que a declaração dos di-reitos fundamentais foi deslocada para o início do texto constitucional (Título II), rompendo assim a Constituição vigente com a técnica das Constituições anteriores, que situava os direitos fundamentais na parte final da Constituição, sempre depois da organização do Estado. Essa colocação topográfica da declaração de direitos no início da Constituição, seguindo modelo das Constituições do Japão, México, Portugal, Espanha, dentre outras, tem especial significado, pois revela que todas as institui-ções estatais estão condicionadas aos direitos fundamentais, que deverão observar. Assim, nada se pode fazer fora do quadro da declaração de direitos fundamentais: Legislativo, Executivo e Judiciário, orçamento, ordem econômica, além de outras instituições, são orientados e delimita-dos pelos direitos humanos.

Esclareça-se, ainda, que a expressão “estrangeiros residentes no Pa-ís”, constante do art. 50 da Constituição, “deve ser interpretada no sentido de que a Carta Federal só pode assegurar a validade e o gozo dos direitos fundamentais dentro do território brasileiro.

Em consequência, mesmo o estrangeiro não residente no Brasil tem acesso às ações, inclusive mandado de segurança, e aos demais remé-dios judiciais”; é o que entende José Celso de Mello Filho.De fato, os direitos fundamentais têm, como vimos, caráter universal, e deles serão destinatários todos os que se encontrem sob a tutela da ordem jurídica brasileira, pouco importando se são nacionais ou estrangeiros.

Abrangência

O Título II da Constituição compreende cinco Capítulos. Neles são mencionados os direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I), os direitos sociais (Capítulo II), a nacionalidade (Capítulo III), os direitos políticos (Capítulo IV) e os partidos políticos (Capítulo V). Portanto, os direitos fundamentais, na Constituição de 1988, compreendem os direitos individuais, os direitos coletivos, os direitos sociais e os direitos políticos.

Os direitos individuais são aqueles que se caracterizam pela autono-mia e oponibilidade ao Estado, tendo por base a liberdade - autonoautono-mia como atributo da pessoa, relativamente a suas faculdades pessoais e a seus bens. Impõem, como vimos acima, ao tratarmos da sua classificação, uma abstenção, por parte do Estado, de modo a não interferir na esfera própria dessas liberdades.

O direitos políticos têm por base a liberdade-participação, traduzida na possibilidade atribuída ao cidadão de participar do processo político, vo-tando e sendo votado.

Os direitos sociais referidos no art. 60 da Constituição (educação, sa-úde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados) são direitos que visam a uma melhoria das condições de existência, mediante prestações positivas do Estado, que deverá assegurar a criação de serviços de educação, saúde, ensino, habitação e outros, para a sua realização. A maioria dos direitos sociais vem enunciada em normas programáticas que demandam inter-venção legislativa para se tornarem operativas e aplicáveis, pelo que não podem os seus destinatários invocá-los ou exigi-los imediatamente.

Há autores que reconhecem a existência, na Constituição, além dos direitos sociais, de direitos econômicos, que, contidos em normas de conteúdo econômico, visam proporcionar, através de uma política econô-mica, v.g., a que trata do planejamento de metas e de financiamento para a consecução do pleno emprego (direito econômico), a realização dos demais direitos humanos, no caso, o oferecimento do salário mínimo (direito social) e o suprimento das necessidades humanas, conferindo ao homem uma vida digna (direito individual). Os direitos econômicos envol-vem, desse modo, normas protetoras de interesses individuais, coletivos e difusos. Nesse sentido, posiciona-se José Luiz Quadros de Magalhães, que classifica os direitos econômicos em: I — direito ao meio ambiente; II - direito do consumidor; III - função social da propriedade rural e urbana; IV - transporte (como meio de circulação de mercadorias); V - pleno emprego (direito ao trabalho); VI - outras normas concretizadoras de direitos sociais, individuais e políticos).

Fala ainda a Constituição em direitos coletivos, entendendo-se como tais aqueles cujo exercício cabe a uma pluralidade de sujeitos, e não a cada indivíduo isoladamente. Entende José Carlos Vieira de Andrade que “o elemento coletivo integra o conteúdo do próprio direito - este só ganha sentido se for pensado em termos comunitários, pois estão em causa interesses partilhados por uma categoria ou um grupo de pessoas”. Esses direitos coletivos se apresentam às vezes como “direitos individuais de expressão coletiva”, em que o coletivo não é sujeito de direitos (direito de reunião e de associação), e outras vezes se confundem com os direitos das pessoas coletivas (direito de organização sindical). Como direitos fundamentais coletivos previstos no art. 50 são mencionados: o direito de reunião e de associação, o direito de entidades associativas representarem seus filiados, os direitos de recebimento de informações de interesse coletivo, dentre outros.

Finalmente, relacionados com os direitos fundamentais, apresentam-se os deveres fundamentais, referidos no Capítulo I, do Título II, da Consti-tuição, sob a rubrica de deveres individuais e coletivos. Por deveres, em sentido genérico, deve-se entender as situações jurídicas de necessidade ou de restrições de comportamentos impostas pela Constituição às pesso-as.

Vale lembrar, a propósito, que os direitos individuais foram revelados na História como aquisição de direitos diante do Poder e não como sujei-ção a deveres.

Daí não existir, no Capítulo dos Direitos Fundamentais, nenhum pre-ceito dedicado a um dever, de forma específica e exclusiva. Os deveres se acham sempre ligados ou conexos com os direitos fundamentais (dever de votar, relacionado com o direito de voto - art. 14, § 1º, I; dever de educar os filhos, relacionado com o direito à educação - art. 205; dever de defesa do meio ambiente, conjugado com o direito correspondente — art. 225, etc.).

Direito à vida

O primeiro direito do homem consiste no direito à vida, condicionador de todos os demais. Desde a concepção até a morte natural, o homem tem o direito à existência, não só biológica como também moral (a Constituição estabelece como um dos fundamentos do Estado a “dignidade da pessoa humana” - art. 1º, III).

No sentido biológico, a vida consiste no conjunto de propriedades e qualidades graças às quais os seres organizados, ao contrário dos orga-nismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções, tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução e outras.

A vida humana se distingue das demais, seja pela sua origem, vale di-zer, pelo processo de sua reprodução a partir de outra vida, seja pela característica de sua constituição genética: 46 cromossomos para as células diploides (respectivamente, 23 para as células haploides ou game-tas).

Assim, o embrião é protegido, sendo ilícito o aborto, porque, enquanto dura o processo fisiológico do feto no útero, o homem tem direito à vida embrionária. O aborto é atualmente considerado ilícito pelo nosso Direito,

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salvo nos casos especiais previstos na legislação penal. Tem sido polêmi-ca, contudo, a tipificação penal do aborto.

Há também controvérsia sobre a eutanásia ou homicídio piedoso, em que a morte é provocada para evitar o sofrimento decorrente de uma doença havida como incurável. A Constituição brasileira não acolheu a eutanásia. De fato, não a recomendam o progresso da medicina e o fato de que a vida é um bem não só individual, mas também social, e o desinte-resse por ela, pelo indivíduo, não há de excluí-la da proteção do Direito.

A pena de morte foi proibida pela Constituição de 1988, salvo em caso de guerra declarada (art. 5º, XL VII, a). O Brasil é ainda parte na Conven-ção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de San José de Costa Rica”), de 1969, cujo art. 4º menciona o direito à vida como um direito fundamental e inderrogável. Por força também do art. 4º, 2 e 3, há proibi-ção absoluta para estender, no futuro, a pena de morte para toda classe de delitos, bem como de seu restabelecimento nos Estados que a hajam abolido, como é o caso do Brasil, que aderiu a convenção em 25 de se-tembro de 1992.

O Brasil se obrigou, portanto, ao não-estabelecimento da pena de mor-te no País. Na hipómor-tese de violação dessa obrigação convencional, estaria configurada a responsabilidade internacional do Brasil.

O debate sobre a licitude e a oportunidade da pena de morte remonta ao Iluminismo, no século XVIII, com Beccaria, que examinou a função intimidatória da pena, ao dizer que “a finalidade da pena não é senão impedir o réu de causar novos danos aos seus concidadãos e demover os demais a fazerem o mesmo”.

Neste contexto é que trata da pena de morte com relação e outras pe-nas.

No parágrafo intitulado “Doçura das penas”, Beccaria sustenta que os maiores freios contra os delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade e, consequentemente, a vigilância dos magistrados e a seve-ridade de um juiz inexorável.

Assim, “não é necessário que as penas sejam cruéis para serem dis-suasórias. Basta que sejam certas. O que constitui uma razão (aliás, a razão principal) para não se cometer o delito não é tanto a severidade da pena quanto a certeza de que será de algum modo punido.” Portanto, conclui Beccaria, além da certeza da pena, há um segundo princípio: a intimidação que nasce não da intensidade da pena, mas de sua extensão, como, por exemplo a prisão perpétua. A pena de morte é muito intensa, enquanto a prisão perpétua é muito extensa. Então, a perda perpétua da própria liberdade tem mais força intimidatória do que a pena de morte.

Este argumento de ordem utilitarista poderia, contudo, ser ultrapassa-do caso se demonstrasse que a pena de morte preveniria os chamaultrapassa-dos crimes de sangue, com mais eficácia do que as outras penas.

Neste caso, ter-se-ia que recorrer à instância de ordem moral, a um princípio ético, derivado do imperativo moral “não matarás”, a ser acolhido como um princípio de valor absoluto. Mas como?

Se o indivíduo tem o direito de matar em legítima defesa, por que a co-letividade não o tem?

Responde então Norberto Bobbio:

“A coletividade não tem esse direito porque a legítima defesa nasce e se justifica somente como resposta imediata numa situação onde seja impossível agir de outro modo; a resposta da coletividade é mediatizada através de um processo, por vezes até mesmo longo, no qual se conflitam argumentos pró e contra. Em outras palavras, a condenação à morte depois de um processo não é mais um homicídio em legítima defesa, mas um homicídio legal, legalizado, perpetrado a sangue frio, premeditado. O Estado não pode colocar-se no mesmo plano do indivíduo singular. O indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, em defesa própria. O Estado responde de modo mediato, reflexivo, racional.”

O saudoso Prof. Lydio Machado Bandeira de Mello, ao se insurgir

con-tra a pena de morte, o fez admiravelmente em página insuperável: “O Direito Penal é um direito essencialmente mutável e relativo. Logo, deve ficar fora de seu alcance a imposição de penas de caráter imutável e absoluto, de total irreversibilidade e irremediáveis quando se descobre que foram impostas pela perseguição, pelo capricho ou pelo erro. Deve ficar fora de seu alcance a pena que só um juiz onisciente, incorruptível, absolu-tamente igual seria competente para aplicar: a pena cuja imposição só deveria estar na alçada do ser absoluto, se ele estatuísse ou impusesse penas: a pena absoluta, a pena de morte. Aos seres relativos e falíveis só compete aplicar penas relativas e modificáveis. E, ainda assim, enquanto não soubermos substituir as penas por medidas mais humanas e eficazes de defesa social”.

Note-se, finalmente, que o direito à saúde é outra consequência do di-reito à vida.

Direito à privacidade

A vida moderna, pela utilização de sofisticada tecnologia (teleobjetivas, aparelhos de escutas), tem acarretado enorme vulnerabilidade à privacida-de das pessoas. Daí a Constituição privacida-declarar, no art. 50, X, que “são invio-láveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano moral decorrente de sua violação”. Portanto, o direito de estar só e o direito à própria imagem, às vezes tão impiedosamente exposta pelos meios de comunicação de mas-sa, ganham eminência constitucional, protegendo-se o homem na sua intimidade e privacidade. O dano moral decorrente da violação desses direitos, além do dano material, será indenizado, encerrando assim a Constituição a polêmica até então existente no Direito brasileiro sobre a indenização do dano moral.

O direito à honra alcança tanto o valor moral íntimo do homem como a estima dos outros, a consideração social, o bom nome, a boa fama, enfim, o sentimento ou a consciência da própria dignidade pessoal refletida na consideração dos outros e no sentimento da própria pessoa. Envolve, portanto, a honra subjetiva e a honra objetiva, a primeira tendo por núcleo o sentimento de auto-estima do indivíduo, o sentimento que possui acerca de si mesmo, e a honra objetiva significando o conceito social que o indiví-duo possui.

O direito à imagem envolve duas vertentes: a imagem-retrato e a ima-gem-atributo. No primeiro sentido significa o direito relativo à reprodução gráfica (retrato, desenho, fotografia, filmagem, dentre outros) da figura humana, podendo envolver até mesmo partes do corpo da pessoa, como a voz, a boca, o nariz, as pernas, etc. No segundo sentido, é entendida como a imagem dentro de um determinado contexto, é dizer, o conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos pelo meio social.

Distingue-se ainda o direito de privacidade do direito de intimidade. Considere-se que a vida social do indivíduo divide-se em pública e privada. Por privacidade deve-se entender os níveis de relacionamento ocultados ao público em geral, como a vida familiar, o lazer, os negócios, as aventu-ras amorosas. Dentro, contudo, dessa privacidade há outaventu-ras formas de relações, como as que se estabelecem entre cônjuges, pai e filho, irmãos, namorados, em que poderá haver abusos ou violações. Assim, na esfera da vida privada há um outro espaço que é o da intimidade. Há, portanto, uma noção de privacidade em que as relações inter-individuais devem permanecer ocultas ao público e existe o espaço da intimidade, onde pode ocorrer a denominada “tirania da vida privada”, na qual o indivíduo deseja manter-se titular de direitos impenetráveis mesmo aos mais próximos. Enfim, dir-se-ia que o espaço privado compreende o direito à privacidade e o direito à intimidade, sendo exemplo de violação deste último o ato do pai que devassa o diário de sua filha adolescente ou o sigilo de suas comuni-cações telefônicas.

A inviolabilidade do domicílio constitui manifestação do direito à priva-cidade de que cuidamos acima. A Constituição diz, no art. 5º, XI, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial”. Valem as seguintes observações.

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I - o termo “casa” empregado no texto constitucional compreende qualquer compartimento habitado, aposento habitado, ou compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (Código Penal, art. 150, § 40). É a projeção espacial da pessoa; o espaço isolado do ambiente externo utilizado para o desenvolvimento das atividades da vida e do qual a pessoa pretenda normalmente excluir a presença de terceiros. Da noção de casa fazem parte as ideias de âmbito espacial, direito de exclusividade em relação a todos, direito à privacidade e à não -intromissão. De se considerar, portanto, que nos teatros, restaurantes, mercados e lojas, desde que cerrem suas portas e neles haja domicílio, haverá a inviolabilidade por destinação, circunstância que não ocorre enquanto abertos;

II - o conceito de noite é o astronômico, ou seja, o lapso de tempo en-tre o crepúsculo e a aurora;

III - as exceções constitucionais ao princípio da inviolabilidade do do-micílio são: a) durante o dia, por determinação judicial, além da ocorrência das hipóteses previstas para a penetração à noite; b) durante a noite, no caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro.

Liberdades constitucionais Vários são os sentidos de liberdade.

A liberdade, em sentido geral, consiste no estado de não estar sob o controle de outrem, de não sofrer restrições ou imposições, tendo aqui sentido negativo. Mas significa também “a faculdade ou o poder que a pessoa tem de adotar a conduta que bem lhe parecer, sem que deva obediência a outrem”.José Afonso da Silva diz que a “liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal.”Já Ylves José de Miranda Guimarães entende que “a liberdade, conceitualmente, é a força eletiva dos meios, guardada a ordem dos fins.” E Harold Laski entende por liberdade “a

ausência de coação sobre a existência daquelas condições sociais que, na civilização moderna, são as garantias necessárias da felicidade individual”.

A liberdade, assim, é inerente à pessoa humana, condição da indivi-dualidade do homem.

A Constituição estabelece várias formas de liberdade, que passaremos a examinar.

Liberdade de ação: é o ponto de contato entre a liberdade e a legali-dade - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II), base do Estado de Direito: um “governo mais das leis do que dos homens”. O sentido de lei aqui é formal, ou seja, aquela espécie normativa elaborada pelo Congresso Nacional, segundo tramitação constitucional.

Considere-se ainda que, embora o Executivo exerça a função legislati-va, ela é efetivada em caráter excepcional e exige a participação do Con-gresso Nacional em seu aperfeiçoamento, para que o ato legislativo se transforme em lei. Excluem-se, então, a nosso juízo, do conceito de lei a que se refere o dispositivo constitucional, as medidas provisórias, pois que, embora tenham força de lei (art. 62) desde a sua edição, não são leis, somente passando a sê-lo após o processo de conversão que depende do voto da maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional.

De resto, vale ressaltar que a Constituição instituiu para determinadas matérias o princípio da reserva da lei, que coincide com a reserva de lei parlamentar, ou seja, matérias como criação de tributos, tipificação de crimes, restrição a direitos fundamentais, dentre outras, som ente poderão ser disciplinadas em lei elaborada pelo Poder Legislativo, segundo tramita-ção própria.

Liberdade de locomoção: trata-se de liberdade da pessoa física, se-gundo a qual “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (art. 5º, XV). O direito de ir, vir e ficar é protegido pelo habeas corpus (art. 5º LXVIII). O direito de circulação no território nacional, em tempo de paz, é livre, observando-se, no entanto, que, se a

circulação envolver meios de transporte (bicicleta, automóvel, motocicleta e outros), caberá ao poder de polícia estabelecer o controle do tráfego, sem que isso importe restrição ao direito. No caso de estrangeiros, a lei poderá estabelecer limitações para a entrada e saída do País com os seus bens, e, em tempo de guerra, poderá esse direito sofrer mais limitações, não excedentes, contudo, as previstas para o estado de sítio.

Liberdade de pensamento: enquanto mera cogitação, o pensamento é livre, em termos absolutos, pois não se pode penetrar no mundo interior. José Cretella Jr. diz que “o ser humano pode pensar o que quiser (pensiero

non paga gabella), não recebendo, por este ato, tão-só, qualquer espécie

de punição (nemo poenam cogitationis patitur). Aliás, o pensamento, mau ou bom, que pode preocupar a religião, a qual recrimina o primeiro e exalta o segundo, é estranho às cogitações do mundo jurídico. No entanto, o próprio pensar tem sido objeto da ação administrativa, havendo regimes, em nossos dias, que preconizam e praticam a própria mudança do pensa-mento, mediante a lavagem cerebral.

Liberdade de consciência ou de crença: é assegurada pela Consti-tuição (art. 5º VI, parte inicial) “A liberdade de consciência é a liberdade do foro íntimo, em questão não religiosa. A liberdade de crença é também a liberdade do foro íntimo, mas voltada para a religião.”A Constituição decla-ra ainda que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religi-osa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar prestação alternativa, fixada em lei” (inciso VIII). Esse dispositivo se refere à escusa ou objeção de consciência, nomeadamente em se tratando de serviço militar (art. 143, §1º), em que poderá ser invocada, em tempo de paz, a fim de que o indiví-duo seja excluído de atividades essencialmente militares, sujeitando-se, contudo, a outros encargos que a lei estabelecer, em caráter de substitui-ção.

Liberdade de manifestação do pensamento: o homem não se con-tenta com o pensamento interiorizado. Projeta o seu pensamento através da palavra ou oral ou escrita, ou outros símbolos que sirvam de veículo exteriorizador do pensamento. A Constituição declara que “é livre a mani-festação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (art. 5º,IV), notando-se que a vedação do anonimato é para que notando-se possa tornar efetivo o direito de resposta, proporcional ao agravo, com indenização por dano material ou moral à imagem (art. 5º, V).

A Constituição, para garantir a livre manifestação do pensamento, de-clara que “e inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (art. 5º, XII). Note-se que o sigilo das comunicações poderá ser suspenso na vigência de estado de defesa e estado de sítio (art. 136, § 1º, I, b e c, e art. 139, III).

Há nesse ponto que examinar as noções de interceptação telefônica e

gravação clandestina.

A interceptação telefônica consiste na captação e gravação de conver-sa telefônica, no mesmo momento em que ela se realiza, por terceira pessoa sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores.

A gravação clandestina é aquela em que a captação e gravação da conversa pessoal, ambiental ou telefônica se dá no momento em que a mesma se realiza, sendo feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores (Alexandre de Moraes).

A distinção entre as duas modalidades de quebra do sigilo de conver-sa telefônica está em que, enquanto na interceptação telefônica nenhum dos interlocutores tem ciência da gravação, na segunda um deles tem pleno conhecimento de que a gravação se realiza.

Note-se que a Constituição Federal prevê exceção apenas relativa-mente à interceptação telefônica ( art. 5º, XII), desde que presentes os seguintes requisitos: a) ordem judicial ; b) para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; c) nas hipóteses e na forma que a Lei

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estabelecer. A matéria se acha regulada pela Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996. Anote-se que a adoção da escuta telefônica é permitida apenas, como se viu, no âmbito penal, para o exercício da investigação penal ou com vistas à instrução criminal. Assim, em princípio, seria incabível postu-lar a escuta para outras finalidades, sendo, pois, impertinente sua utiliza-ção no processo civil, pois seria uma prova ilícita vedada pelo inciso LVI do art. 5º da Constituição. A propósito, o Supremo Tribunal Federal, em caso líder, não admitiu prova de adultério obtida por gravação clandestina em fita magnética, em ação de antigo desquite (RTJ 84/609). Em outro julga-mento, e reforçando esse entendijulga-mento, deixou consignado, em voto do Ministro Celso de Mello, que:

“A gravação de conversação com terceiros, feita através de fita mag-nética, sem o conhecimento de um dos sujeitos da relação dialógica, não pode ser contra este utilizada pelo Estado em juízo, uma vez que esse procedimento precisamente por realizar-se de modo sub-reptício, envolve quebra evidente de privacidade, sendo, em consequência, nula a eficácia jurídica da prova coligida por esse meio. O fato de um dos interlocutores desconhecer a circunstância de que a conversação que mantém com outrem está sendo objeto de gravação atua, em juízo, como causa obstati-va desse meio de proobstati-va. O reconhecimento constitucional do direito à privacidade ( CF, art. 5º, X) desautoriza o valor probante do conteúdo de fita magnética que registra, de forma clandestina, o diálogo mantido com alguém que venha a sofrer a persecução penal do Estado. A gravação de diálogos privados, quando executada com total desconhecimento de um de seus partícipes, apresenta-se eivada de absoluta desvalia, especialmente quando o órgão da acusação penal postula, com base nela, a prolação de um decreto condenatório” (Ação Penal 307- DF).

Realmente, não se deve desconhecer que as gravações telefônicas apresentam possibilidades de manipulação, através de sofisticados meios eletrônicos e computadorizados, em que se pode suprimir trechos da gravação, efetuar montagens com textos diversos, alterar o sentido de determinadas conversas, realizar montagens e frases com a utilização de padrões vocais de determinadas pessoas, o que leva à imprestabilidade de tais provas.

Advirta-se, no entanto, que a rigidez da vedação das provas ilícitas vem sendo abrandada, mas em casos de excepcional gravidade, pela aplicação do princípio da proporcionalidade, caso em que as provas ilíci-tas, verificada a excepcionalidade do caso, poderão ser utilizadas. Para tanto é necessário, contudo, que o direito tutelado seja mais importante que o direito à intimidade, segredo e privacidade.

Enfim, a regra geral é a da inadmissibilidade das provas ilícitas, que só excepcionalmente poderiam ser aceitas em juízo, restrita ainda ao âmbito penal, pois a razão nuclear das normas que imponham restrições de direitos fundamentais não é outra senão a de assegurar a previsibilidade das consequências derivadas da conduta dos indivíduos. Toda intervenção na liberdade tem de ser previsível, além de clara e precisa.

Anote-se que a censura foi proscrita da Constituição, mencionando o inciso IX, do art. 5º, que “é livre a manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, e o art. 220, § 2º, que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Acentue-se, contudo, que a Cons-tituição institui como princípios orientadores da produção e programação das emissoras de rádio e televisão, dentre outros, os seguintes (art. 221, I e IV): I — preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e infor-mativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estimulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV — respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Segundo o disposto § 3º do art. 220 da Constituição, compete à lei fe-deral estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem tais princípios, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Compete, ainda, à lei federal regular as diversões e espetáculos

públi-cos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que se recomendam, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990) dispõe que nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado em emissora de rádio ou televisão, sem aviso de sua classificação, antes de sua transmissão, apresentação ou exibição, constituindo infração admi-nistrativa, sujeita a multa, o descumprimento desta obrigação. Em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias (arts. 76, parágrafo único, e 254, do Estatuto).

Liberdade de informação jornalística: está dito na Constituição que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” (art. 220), sendo livre a expres-são de comunicação (art. 5º, IX). Assim, a liberdade de informação jornalís-tica, referida no § 1º do art. 220, não se restringe à liberdade de imprensa, pois alcança qualquer veículo de comunicação (rádio, cinema, televisão, dentre outros). Mas a liberdade de informação jornalística se relaciona com o direito ao acesso à informação (art. 5º, XIV), ou seja, como direito indivi-dual, a Constituição assegura o direito de ser informado corretamente não só ao jornalista, mas ao telespectador ou ao leitor de jornal. O habeas data é o instrumento que protege o acesso à informação. O sigilo da fonte é resguardado, quando necessário, ao exercício profissional. A Constituição garante o direito de resposta proporcional ao agravo, bem como a indeni-zação pelo dano moral decorrente da violação da intimidade, vida privada, honra ou imagem da pessoa (art. 5º, V e IX).

Anote-se que a informação jornalística se compõe pela notícia e pela crítica. A notícia traduz a divulgação de um fato cujo conhecimento tenha importância para o indivíduo na sociedade em que vive, e a crítica denota uma opinião , um juízo de valor que recai sobre a notícia.

Desse modo, o direito de informação jornalística deve ser exercitado segundo esses requisitos, considerando-se ainda que o fato a ser noticiado seja importante para que o indivíduo possa participar do mundo em que vive.

O direito à informação jornalística, para que seja considerado

prefe-rencial aos demais direitos da personalidade, deve atender aos requisitos

acima referidos, é dizer, versar sobre fatos de real significado para o sociedade e a opinião pública. Versando sobre fatos sem importância, normalmente relacionados com a vida íntima das pessoas, desveste-se a notícia do caráter de informação, atingindo, muitas vezes, a honra e a imagem do ser humano.

A respeito do assunto, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo deixou consignado que:

“No cotejo entre o direito à honra e o direito de informar, temos que este último prepondera sobre o primeiro. Porém, para que isto ocorra, necessário verificar se a informação é verídica e o informe ofensivo à honra alheia inevitável para a perfeita compreensão da mensagem.

Nesse contexto, que é onde se insere o problema proposto à nossa solução, temos as seguintes regras:

1.ª)o direito à informação é mais forte do que o direito à honra; 2.ª)para que o exercício do direito à informação, em detrimento da

honra alheia, se manifeste legitimamente, é necessário o aten-dimento de dois pressupostos:

a)a informação deve ser verdadeira;

b)a informação deve ser inevitável para passar a mensagem. “ Considere-se ainda que, como qualquer direito fundamental, a liberda-de liberda-de informação jornalística contém limites, pelo que, mesmo verdaliberda-deira, não deve ser veiculada de forma insidiosa ou abusiva, trazendo contornos de escândalo, sob pena de ensejar reparação por dano moral (RT 743/381).

Liberdade religiosa: a liberdade religiosa deriva da liberdade de pen-samento. É liberdade de crença e de culto e vem declarada no art. 5º, VI:

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