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Justiça restaurativa como espaço de humanização no tratamento das relações conflituosas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA EDUARDA MEDEIROS DA SILVEIRA

JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ESPAÇO DE HUMANIZAÇÃO NO TRATAMENTO DAS RELAÇÕES CONFLITUOSAS

Florianópolis 2012

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MARIA EDUARDA MEDEIROS DA SILVEIRA

JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ESPAÇO DE HUMANIZAÇÃO NO TRATAMENTO DAS RELAÇÕES CONFLITUOSAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Dilsa Mondardo, Msc.

Florianópolis 2012

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MARIA EDUARDA MEDEIROS DA SILVEIRA

JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ESPAÇO DE HUMANIZAÇÃO NO TRATAMENTO DAS RELAÇÕES CONFLITUOSAS

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

_________________, ____ de _______ de 20___. Local dia mês ano

__________________________________ Profª e orientadora Dilsa Mondardo, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

__________________________________ Professor

Universidade do Sul de Santa Catarina

__________________________________ Professor

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ESPAÇO DE HUMANIZAÇÃO NO TRATAMENTO DAS RELAÇÕES CONFLITUOSAS

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado deste trabalho.

Florianópolis, 4 de junho de 2012.

__________________________________ Maria Eduarda Medeiros da Silveira

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Dedico esta Pesquisa aos meus pais, que possibilitaram e oportunizaram minha formação em uma Instituição de Ensino Superior, ao meu namorado, Robson Barreiros, pelos ouvidos atentos às minhas tagarelices jurídicas, à minha orientadora, Dilsa Mondardo, quem me apresentou à Justiça Restaurativa, e a todos aqueles que acreditam na Justiça Restaurativa como a Justiça do futuro, através da humanização na resolução dos conflitos de toda ordem.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, por todo apoio, seja ele financeiro ou moral, e por acreditarem em todos os meus projetos e perspectivas profissionais.

Ao meu namorado, Robson Barreiros, pela pessoa que é e pela companhia acalentadora em todos os meus dias de ansiedade estressante, por sempre me ouvir, cuidar e por todo o crédito que deposita em mim e em minhas ideias e propósitos.

À minha querida orientadora, por ser a Mestre que terei como exemplo durante toda a vida, e por ser a pessoa responsável por abrir os olhos quanto ao meu papel como futura operadora jurídica, sempre com o olhar crítico e voltado ao futuro, desapegada de formalismos desnecessários e ideias preconcebidas e, principalmente, por me apresentar a temática da Justiça Restaurativa, foco do presente e de futuros trabalhos.

Ao amigo Marcos Bayer, pelos vários dias de debates e contribuições intelectuais, pela ajuda com as traduções e pela mente fértil e aberta, sempre me inspirando e instigando.

A Deus, por me proporcionar esta experiência de vida, de aprendizado, amadurecimento e evolução moral e intelectual.

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RESUMO

A presente monografia tem por objetivo discutir a Justiça Restaurativa como espaço de humanização no tratamento das relações conflituosas. Utiliza o método dedutivo auxiliado pela técnica da pesquisa bibliográfica. Privilegia a definição do conflito e a discussão de sua interrelação com o direito, especificamente o tratamento dos conflitos no âmbito do sistema jurídico brasileiro. Descreve o modelo judicial de resolução de controvérsias, apontando seus limites, que estão caracterizados especialmente no procedimento de resolução adjudicada dos conflitos, ou seja, a através da sentença prolatada pelo juiz. Aponta os mecanismos alternativos de resolução de conflitos: mediação, conciliação e arbitragem, como complementares ao modelo judicial. Por fim conceitua, analisa e discute a Justiça Restaurativa como um espaço em que os envolvidos nos conflitos participam ativamente do processo de justiça, sendo este um meio de busca para a cura e cicatrização de feridas, bem como um caminho para o autoconhecimento e transformação das relações humanas.

Palavras-chave: Conflito. Processo judicial brasileiro. Mediação. Conciliação. Arbitragem. Justiça Restaurativa.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 O CONCEITO DE CONFLITO E A SUA INTER-RELAÇÃO COM O DIREITO .... 13

2.1 O TRATAMENTO DOS CONFLITOS NO DIREITO BRASILEIRO ATRAVÉS DO ESTUDO DO QUE SE ENTENDE POR JURISDIÇÃO ... 18

2.2 O CONCEITO DE CONFLITO SOB A ÓTICA DA JUSTIÇA RESTAURATIVA ... 24

3 MODELO JUDICIAL DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: SEUS LIMITES ... 26

3.1 O PROCESSO COMO MÉTODO JURISDICIONAL DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ... 30

4 OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS ... 45

4.1 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS ... 52

4.2 CONCILIAÇÃO DE CONFLITOS ... 57

4.3 ABRINDO UM PARÊNTESES PARA UMA VISÃO DIFERENCIADA: HÁ CONTRADITÓRIO NA JUSTIÇA CONSENSUAL? ... 63

4.4 ARBITRAGEM ... 65

5 O MODELO RESTAURATIVO ... 67

5.1 JUSTIÇA RESTAURATIVA EM SEU NASCEDOURO ... 67

5.2 JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL ... 75

6 CONCLUSÃO ... 82

REFERÊNCIAS ... 85

ANEXOS ... 88

ANEXO A- Tramitação do Projeto de Lei nº 94/2002 no Senado Federal ... 89

ANEXO B- Parecer da Comissão de Constituição e Justiça sobre o Projeto de Lei nº 94/2002 ... 95

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1 INTRODUÇÃO

A presente monografia abrange saberes colhidos da análise de seu objeto, qual seja, os meios alternativos de resolução de conflitos, com ênfase no instrumento da denominada Justiça Restaurativa, inserindo-se, pois, no grande tema do acesso à justiça.

A pesquisa se desenvolveu com o objetivo de analisar e discutir o atual sistema de realização da justiça, no que se refere ao fim principal do Direito que é o de dirigir condutas, prevenindo ou solucionando “conflitos”, um fenômeno inerente ao convívio dos seres humanos em sociedade.

Uma reflexão dessa natureza se torna inviável e inócua sem debruçar-se sobre a compreensão aprofundada e multidisciplinar do conceito, da essencialidade e das implicações dos conflitos na própria subsistência das relações em sociedade, ainda mais numa sociedade complexa que assim sempre foi, mas que mais claramente se mostra nas primeiras décadas do século XXI.

O tratamento das relações conflituosas, produzidas pelo embate entre interesses sociais, tem-se ancorado no modelo de solução adjudicada dos conflitos, preponderantemente por meio de sentença proferida pelo juiz. Daí a importância do advento dos meios alternativos de resolução de conflitos, uma opção que vai se incorporando na cultura da atividade judicante brasileira.

A partir de referenciais teóricos e experiências de outros países, descreve-se os meios alternativos para a resolução de conflitos, especialmente a mediação, a conciliação e a arbitragem, com algumas pinceladas quanto aos resultados de sua aplicação no meio judicial brasileiro, mesmo porque já se encontram institucionalizados.

Entenda-se o presente estudo sob um ponto de vista analítico, uma vez que é decorrente das reflexões ocorridas durante a realização de estágio da pesquisadora no âmbito da Justiça Comum Estadual, experiência esta que serviu para a elaboração de duas hipóteses perseguidas ao longo da pesquisa, quais sejam: a) O sistema de justiça brasileiro não contempla as necessidades reais da maior parte da sua população, nem resolve, com eficácia, as demandas conflituosas que lhe chegam para resolução, em boa parte, porque esse sistema funciona sobre a falácia entre o que prega (escopo social da jurisdição) e o quê e como aplica (excesso de burocratização/sistematização, tecnicismo jurídico). E b) O sistema de justiça suplantará aquela falácia, se promover a disseminação de uma cultura jurídica e social da humanização dos conflitos e o fará por meio da efetiva utilização dos métodos alternativos de resolução de conflitos, já institucionalizados, bem como por meio da implantação de um novo

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instrumento como espaço de humanização no tratamento das relações conflituosas: a Justiça Restaurativa.

O método dedutivo utilizado indica os alicerces da sistematização jurídica, uma vez que, partindo de premissas, chega a uma conclusão preconizada. Por este caminho, utiliza-se conceitos jurídicos para identificar situações típicas caracterizadas por elementos que são comuns na apreciação do objeto estudado.

Quanto à natureza, a pesquisa tem caráter exploratório pois busca tão somente levantar informações sobre o seu objeto, com o auxílio da técnica de pesquisa documental e bibliográfica, encontrada em regulamentações, leis e doutrinas concernentes ao assunto em foco.

Inúmeros autores nacionais e estrangeiros permeiam o trabalho e estão devidamente referenciados. Destaca-se que a opção por eles, dentre tantos existentes, fundamenta-se na intenção de se dar visibilidade às diferentes concepções da seguinte operação: conflito↔sistema judicial↔meios não adversariais de solução de conflitos↔Justiça Restaurativa-como espaço de humanização das relações conflituosas.

Para organizar o conhecimento obtido com a pesquisa, o trabalho desdobra-se em cinco partes interdependentes, quais sejam:

A Introdução que descreve o cenário e os elementos da pesquisa.

O capítulo primeiro que se dedica ao levantamento das diferentes concepções do termo conflito, aprofunda a reflexão para que se compreenda a complexidade na qual ele está inserido e como é tratado no sistema de justiça brasileiro.

No segundo capítulo faz-se, por um lado, uma descrição e análise do aparato judicial e do sistema de administração da justiça, apontando os seus limites, especificamente no que diz respeito ao principal procedimento utilizado pelo Poder Judiciário brasileiro, qual seja, o da solução adjudicada dos conflitos, por meio da decisão sentenciada pelo juiz, que mostra claramente a prevalência do paradigma de herança romano-germânica. Por outro lado, mostra-se resumidamente, a percepção diferenciada do conflito, quando julgado nas Cortes dos países de língua inglesa, onde predomina o paradigma do sistema da Common Law. Esta discussão voltará no último capítulo.

Complementarmente ao capítulo três, no quarto capítulo são apresentados e analisados os métodos alternativos de resolução de conflitos, já institucionalizados e que se mostram eficazes na minimização dos efeitos das formalidades da atividade judicante tradicional.

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O quinto capítulo se dedica à apresentação e análise da Justiça restaurativa, um novo modelo de resolução de conflitos, desde o seu nascedouro, apontando elementos que o caracterizam como espaço mais adequado para a humanização no tratamento das relações conflituosas.

Por fim, a conclusão, na qual se sintetiza os aportes teóricos trazidos ao estudo e que demonstram a verificação das hipóteses inicialmente levantadas como pressupostos para que se estude e se compreenda que a incorporação desse mecanismo, com observância das peculiaridades que o caracterizam, abrir-se-á um espaço mais humano e multidisciplinar no tratamento de tantas e cada vez mais complexas relações humanas e sociais, capilarizadas pelo conflito.

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2 O CONCEITO DE CONFLITO E A SUA INTER-RELAÇÃO COM O DIREITO

No presente capítulo será abordado o conceito de conflito e a sua inter-relação com o direito, considerando o tratamento dos conflitos no direito brasileiro através do estudo do que se entende por jurisdição e, por último, estudar-se-á o conceito de conflito sob a ótica da Justiça Restaurativa, ponto central da presente pesquisa. Para tanto, buscar-se-á amparo na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mais especificamente em seu artigo 5º, incisos XXXV e XXVII e artigo 93, bem como no Código Penal, citando-se o artigo 345. Além disso, serão utilizadas como referências as contribuições teóricas de Cândido José Dinamarco, José de Albuquerque Rocha, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover, Luiz Rodrigues Wambier, dentre outros.

Em princípio, é de suma importância esclarecer o que se entende por conflito, já que, a partir da existência deste é que este estudo começa a se delinear.

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009, p. 520), conflito, em sua significância gramatical, ou literal é:

1.Profunda falta de entendimento entre duas ou mais partes. 2. Choque, enfrentamento. 3. Discussão acalorada; altercação. 4. Ato, estado ou efeito de divergirem acentuadamente ou de se oporem duas ou mais coisas. [...]. 6. Ocorrência concomitante de exigências impulsos ou tendências antagônicas e mutuamente excludentes e o estado daí decorrente. [...]c. de interesses. JUR. [...]. 2. Aquele que ocorre quando dois ou mais indivíduos têm interesse sobre um mesmo objeto, do que pode resultar uma ação judicial, entre pessoas de direito privado. [...] ETM lat. Conflictus, us, choque, embate, combate, luta; [...].

Do ponto de vista subjetivo, o conflito pode ser compreendido como sendo “a ruptura da harmonia que existe entre as inter-relações humanas, expressando uma subversão dos papéis estabelecidos nos relacionamentos (contratualmente, tácita ou explicitamente)”. (MENDONÇA, 2006, p.88).

Dinamarco ressalta que o conceito de conflito não está muito claro na doutrina. A mais aceita tentativa em definí-lo está focada na ideia de lide, descrita como “conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida”, conceituação consagrada de Carnelutti (apud DINAMARCO, 2005.p.136, grifos do autor).

Para o autor, o conflito, essencialmente o formador da lide, é composto por interesses de duas ou mais pessoas sobre um bem incapaz de satisfazer seus interessados. O elemento formal, ou o conflito exteriorizado, é o próprio ponto crítico formado entre a pretensão de um e a oposição do outro. O citado autor acrescenta que, na vida em sociedade, a

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maior problemática dos conflitos entre as pessoas não está na variedade de interesses opostos sobre um determinado bem, mas sim, nas exigências ou interesses não atendidos. São esses os conflitos que o processo se propõe a solucionar. (DINAMARCO, 2005, p. 136).

Portanto, para Dinamarco, conflito pode ser compreendido como uma pretensão de dois ou mais sujeitos ou grupos a um bem ou a uma situação de vida, sem que essa pretensão possa ser satisfeita por quem poderia fazê-lo, ou porque não o quer espontaneamente, ou porque o ordenamento jurídico prevê que só pode ser satisfeita pela via judicial. Característica chave do conflito é o choque de interesses entre duas ou mais pessoas, surgindo, a partir disso e para o doutrinador, a necessidade do uso do processo. (DINAMARCO, 2005, p. 136).

O conceito de conflito pode também ser dado a partir do entendimento do ser humano como um “ser social”, considerando a necessidade de os indivíduos reunirem-se e viverem em sociedade, de modo a administrarem suas ações privadas para que desempenhem seu papel social “no sentido de que devem servir à realização de um processo social determinado.” (ROCHA, 2007, p.11).

Neste ínterim surge o Direito, tendo como uma de suas funções o de dirigir condutas. Sabe-se que o direito, desde o momento em que as pessoas se agregaram para viver em sociedade, em todas as épocas, de diferentes formas, esteve presente. A partir do instante em que as pessoas começaram a relacionar-se, surgiu, portanto, a necessidade de criação das regras que tratam, regulam a convivência dos indivíduos em grupo, ou de suas relações sociais. (ROCHA, 2007, p.10).

Aqui a importância do Direito é ressaltada, porque, além de dirigir condutas, ditando as regras para gerenciar os conflitos, tem também como função tratar os conflitos, quando estes já foram instalados. Ele se faz necessário porque no cerne da sociedade não só os fatores de concórdia incidem, mas também os fatores de discórdia e desunião. Isso ocorre porque a sociedade é constituída por indivíduos diferentes entre si, capazes de emitir suas vontades e de formular críticas, formada, portanto, de indivíduos não previamente programados, motivo pelo qual o conflito é elemento inseparável da vida social. (ROCHA, 2007, p.11).

Conforme expresso anteriormente, o direito tem como uma de suas funções dirigir condutas, o que, nada mais é do que a capacidade do direito em prescrever normas que sirvam como modelos de comportamentos, que devem ser aceitos e seguidos por um dado grupo social. Essa função deduz-se da própria essência do direito, que é regulativo por definição, já

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que determina um “dever ser”, que, conforme se depreende da expressão que faz uso de um verbo deôntico1, determina a observância da norma para que não se aplique uma sanção pelo seu descumprimento. A partir daí, a expressão “Ordenamento Jurídico” ou “Ordem Jurídica” teve origem, designando a característica dessa função primária do direito, que é a de emitir ordens, como uma ação social específica destinada a dirigir as condutas. (ROCHA, 2007, páginas 10-11).

No entanto, a existência do direito não é suficiente para que o conflito não ocorra. O direito não é capaz de inibi-lo. Além da função diretiva, descrita acima, cita-se também a função de tratamento dos conflitos sociais, que, segundo Rocha, é a incidência do direito quando o conflito já existe, posterior a ele. Percebe-se que o direito, a partir de sua função diretiva incide, ou deve incidir, antes que o conflito ocorra. “Isso mostra que o conflito nasce da inefetividade das normas de direção das condutas, ou seja, o conflito nasce quando falha a função de direção das condutas”. (ROCHA, 2007, p.11, grifo nosso).

Fagundéz (2007, p. 299) acrescenta que o direito precisa ser repensado e novos métodos para a solução dos conflitos precisam ser aplicados e criados. Salienta a importância da compreensão do conflito e diz que este faz parte do interior do indivíduo e se exterioriza. Além disso, “existe na sociedade e passa a habitar as entranhas do ser humano”. (FAGUNDÉZ, 2007, p.301).

Entendê-lo, portanto, é ter a clara visualização deste acontecimento. Também com uma visão mais subjetivista, o autor conceitua o conflito de modo a identificá-lo como fenômeno indissociável da sociedade. O têm como “crises permanentes” existentes nos indivíduos e nas sociedades. A partir daí, pode-se dizer que os conflitos não são apenas individuais, sofríveis por uma pessoa apenas. Podem também ser coletivos, ou seja, sem que sejam determináveis as pessoas em conflito, dada a abrangência deste. (FAGUNDÉZ, 2007, p. 301).

O autor defende a ideia de que os conflitos patológicos devem ser controlados. Atribui bastante dificuldade no diagnóstico, ou tratamento desses chamados conflitos patológicos e diz que a administração dos conflitos só pode ocorrer quando se consegue fazer a distinção entre conflitos patológicos e não patológicos. Essa diferenciação deve estar bem traçada, porque, por serem os conflitos expressões da própria vida, ou seja, naturais, não devem inicialmente serem tidos como algo negativo, que deva ser eliminado. O autor entende

1

De acordo com o que preceitua Dimoulis (2008, p. 74, grifo do autor): “a norma jurídica prescreve algo aos seus destinatários, ou seja, um mandamento. Para tanto utiliza um verbo que indica u dever ser (verbo deôntico).” Descreve o autor que são três os tipos de prescrição que recorrem aos verbos dêonticos: proibir, permitir e obrigar.

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o conflito como um sintoma, como uma “tensão necessária para a existência da vida”, e por isso ele não deve ser acabado, sob pena de se negar essa “tensão necessária”. (FAGUNDÉZ, 2007, p. 302).

Ao contrário de eliminar o conflito, acredita o autor que eles devem ser compreendidos, e isso só ocorre através de uma educação voltada para a paz e com uma abordagem multidisciplinar do conflito, por que os problemas humanos são de variadas ordens, não apenas jurídicos, mas também existenciais, psicológicos, psicanalíticos, políticos, sociais, econômicos [...]. (FAGUNDÉZ, 2007, p. 302).

No mesmo sentido, Sales e Rabelo (2009, p.75) corroboram ao afirmarem que o conflito faz parte do dia-a-dia dos sujeitos e deve ser entendido e interpretado como algo positivo, necessário para a evolução das relações interpessoais e sociais. Por esse motivo a adequação das formas de resolução das controvérsias deve ser levada em consideração, de modo a permitir que o sentimento de satisfação e as próprias pessoas envolvidas no conflito sintam-se participantes na resolução de suas lides.

Assim, para cada tipo de conflito existe uma solução que mais se enquadra a ele, o que denota a existência de variados mecanismos de resolução dos conflitos, e também a necessidade de avaliação e percepção do conflito para que lhe seja aplicado o mecanismo de solução certo. (SALES E RABELLO, 2009, p.75).

A partir deste entendimento, ressaltam as autoras a importância de se criar um novo olhar, desapegado das velhas crenças consistentes na existência de um único caminho para a resolução das controvérsias, ou seja, através do processo, e por assim dizer, com a intervenção estatal, para que se tenha a noção de que a eficiência na resolução dos conflitos só existirá quando as instituições e procedimentos preocuparem-se não apenas em resolver as controvérsias, mas resolvê-las e preveni-las tendo como ponto central as necessidades e interesses das partes. (SALES E RABELLO, 2009, p.75).

Neste contexto, é importante que se tenha a noção do que é o interesse, tão comentado entre essas linhas. Para Rodrigues (2003, p. 42), interesse mais se intui do que define. É uma terminologia que não se define apenas com uma palavra, porque emana o sentido de relação entre dois entes. Sua origem semântica, inclusive, denota que seu sentido está ligado à ideia de estar entre. Acrescenta o autor que seu significado está dentro da noção de ligação entre um indivíduo e um objeto. “O vocábulo não é intransitivo, não basta em si mesmo e pede, necessariamente, uma complementação que possa identificar o bem sobre o qual recai o empenho, a vontade, enfim, o interesse.” (RODRIGUES, 2003, p. 43).

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Para Carnelutti (1999 apud RODRIGUES, 2003, p. 43), interesse pode ser definido como uma “situação favorável à satisfação de uma necessidade.” Conforme explicitado anteriormente, o interesse “é uma relação entre um sujeito e um objeto. Relação essa que tem por ponto de contato a aspiração do homem acerca de determinados bens que sejam aptos à satisfação de uma exigência sua”. (RODRIGUES, 2003, p. 43).

Dinamarco (2005, p. 136, grifos do autor), dentro do contexto da conceituação de conflito, ensina que:

Interesse, nessa linguagem e nesse sistema, é uma relação de complementariedade entre a pessoa e o bem- aquela dependendo deste para satisfazer necessidades, este sendo potencialmente hábil a satisfazer necessidades das pessoas. Interesse, nesse sentido objetivo, não é ideia que guarda necessária relação com as aspirações dos sujeitos, ou seja, com a postura mental destes em relação ao bem.

Os motivos para que as pessoas se envolvam em conflitos são das mais variadas ordens: podem estar relacionados a bens materiais, situações desejadas ou não, em que não se chega a um resultado negociado. Podem ser resultantes de interesses ou pretensões resistidas pela pessoa a quem caberia a satisfação e não o faz. Isso ocorre no campo dos direitos disponíveis, especificamente em matéria obrigacional ou real, entre privados. Podem também ser oriundos de pretensões que o próprio ordenamento jurídico prescreve não poderem ser satisfeitas pelo indivíduo envolvido, o que ocorre no direito de família, como por exemplo, no caso de anulação de casamento. É hipótese de pretensão ou direito indisponível. (DINAMARCO, 2005, p. 53).

Em qualquer dos casos, se não ocorrer a exoneração espontânea do sujeito em relação ao bem da vida que forma o fundamento da pretensão, o único caminho civilizado e autorizado para a tentativa de resolução será o processo, já que não se permite a autotutela. É, de todo modo, indiferente para que ocorra o processo que se descubra quem está com a razão: se é o autor ou o réu. (DINAMARCO, 2005, p.54).

Corroboram com este entendimento, Cintra, Grinover e Dinamarco (2008, p.26), para quem os conflitos são marcados por situações em que um indivíduo encontra-se insatisfeito. Essa insatisfação pode ser oriunda da impossibilidade de se obter um determinado bem, seja porque aquele que poderia satisfazer a pretensão não o faz, ou mesmo por proibição de atendimento voluntário da pretensão, expressa no ordenamento jurídico, conforme salientado anteriormente.

Os autores enxergam a insatisfação, ou o próprio conflito, como algo negativo, anti-social, que não está associado à razão de uma parte ou de outra, ao direito de ter ou não

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determinado bem pretendido. O que gera angústia, tensão social e individual é “a indefinição das situações das pessoas perante outras, perante os bens pretendidos e perante o próprio direito”. (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2008, p.26).

A eliminação do conflito, por sua vez, pode ocorrer quando um ou todos os indivíduos conflitantes concordam em ceder total ou parcialmente o seu próprio interesse (através da autocomposição), ou quando apenas um deles impõe ao outro a renúncia ao seu interesse mediante o uso da força (autodefesa ou autotutela). Quando um terceiro imparcial se coloca à disposição para resolver a lide, há a defesa de terceiro, a conciliação, a mediação e o processo, que pode ser arbitral ou estatal. (CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO, 2008, p.26).

Dinamarco (2005, p.55), apesar de dizer que o processo é o único caminho para que se obtenha uma solução, aduz existirem outras possibilidades de resolução de conflitos, também por ato de terceira pessoa, mas sem a imperatividade estatal. Através dos meios alternativos de solução de conflitos, tendo como exemplos a arbitragem, a conciliação e a mediação o direito moderno foi incrementado e a sua utilidade social fortificou-se. “O direito estimula a autocomposição2 por ato de boa-vontade de ambos os evolvidos (transação) ou de um deles (renúncia, submissão).”

Se através desses mecanismos, no entanto, não se alcançar uma resolução final, o doutrinador afirma que não há como não submeter o conflito ao processo. (DINAMARCO, 2005, p.55).

Isto posto, resta agora tecer considerações sobre as formas, ou a forma como o conflito é tratado no direito brasileiro.

2.1 O TRATAMENTO DOS CONFLITOS NO DIREITO BRASILEIRO ATRAVÉS DO ESTUDO DO QUE SE ENTENDE POR JURISDIÇÃO

A organização judiciaria no sistema jurídico nacional, ou seja todo o sistema de órgãos por meio do qual a atividade jurisdicional é prestada, atividade esta pública e monopólio estatal, prevê que, em havendo conflito entre duas ou mais pessoas, seja ele

2

A autocomposição, por sua vez, pode ser entendida como técnica que leva os sujeitos conflitantes a alcançarem uma resolução conciliativa do litígio, de modo que o terceiro atua somente como mediador, ou intermediário que auxilia os indivíduos a se ajustarem. Os instrumentos da autocomposição, portanto, não seguem a técnica adversarial. (GRINOVER, 2008, p.22).

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caracterizado por uma pretensão resistida ou por uma vedação jurídica à satisfação voluntária, o direito brasileiro prescreve que, para que o conflito acabe, o Estado-juiz deve ser provocado, para declarar o direito ao caso concreto, e dependendo da hipótese, fazer com que as coisas aconteçam na realidade prática, de acordo com a vontade do ordenamento jurídico (execução). (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. 2008, p.26).

Explicam Cintra, Grinover e Dinamarco (2008, p. 147) que através da jurisdição, o Estado se sub-roga no lugar dos titulares conflitantes, para, de forma imparcial, alcançar a pacificação do conflito, com o arbítrio da justiça. “O poder estatal hoje, abrange a capacidade de dirimir os conflitos que envolvem as pessoas (inclusive o próprio Estado) decidindo sobre as pretensões apresentadas e impondo decisões”. (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. 2008, p.30).

A pacificação social, escopo magno da jurisdição, em tese, ocorre com a aplicação do direito objetivo que regula o caso concreto. Isso ocorre dentro de um processo, pelo qual se expressa de modo imperativo um preceito (por meio de uma sentença de mérito), ou realizando no mundo das coisas o que o preceito prescreve (execução forçada). (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. 2008, p.147).

Sobre a jurisdição, diz-se que é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. O primeiro designa a imperatividade do estado, na medida em que impõe suas decisões. O segundo significa o dever dos órgãos jurisdicionais estatais de buscar a pacificação dos conflitos, através da aplicação do direito pelo uso do processo. O terceiro determina a atividade do juiz, ou seja, o conjunto de atos do julgador dentro do processo, no exercício de sua função e poder concedidos pela lei. Esse caráter tridimensional só se perfaz através do Devido Processo Legal, ou seja, através do processo devidamente encadeado. (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. 2008, p.147, grifos do autor).

Dinamarco (2005, p. 136, grifos do autor), assegura que:

A jurisdição só tem caráter secundário em relação a pretensões que poderiam ser satisfeitas pelo outro sujeito: quanto a elas, o primeiro instrumento preordenado à satisfação das pretensões é o próprio sistema de deveres e obrigações, que deve motivar o obrigado, levando-o a satisfazer. Não satisfazendo, eis o conflito. No tocante às pretensões que só por via processual podem ser atendidas, a jurisdição tem caráter primário e não secundário. Em ambas as hipóteses, há sempre algum conflito como causa determinante da necessidade da jurisdição.

O mesmo autor discorre que é o direito material que atribui bens da vida a indivíduos e grupos, e também é ele quem prescreve um dever ser de suas relações em sociedade. É ele que rege as condutas de pessoas e grupos ao firmarem relações com os bens

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da vida ou com outros indivíduos ou agrupamentos, ao respeitarem obrigações ou imporem condutas alheias ou bens a que desejam. O direito material não resolve os conflitos, mas é dele que derivam as soluções, já que define os critérios para a resolução. (DINAMARCO, 2005, p.165).

As resoluções prescritas pelo direito material variam a depender da natureza e circunstância dos conflitos apresentados. Os diversos tipos de situações regidas pelo direito material correspondem à variedade de meios processuais pertinentes a resolver a insatisfação de modo efetivo, sempre através da imposição de regras jurídico-substanciais adequadas. Assim, o processo, como mecanismo do direito material, deve ser capaz de dar a cada um aquilo que é seu. Ou seja, “deve dar a quem tem razão precisamente aquilo que segundo este [o processo] ele tem o direito de obter (bens da vida, materiais ou imateriais)”. A diversidade de meios processuais reflete a variedade das soluções prescritas no direito substancial. (DINAMARCO, 2005, p. 166).

Por essa indissociável relação entre a diversidade de meios processuais e soluções correspondentes encontradas no direito material e, levando em consideração a experiência antiguíssima do processo, o legislador cria inúmeros provimentos jurisdicionais, procedimentos e processos, para que se dê a solução adequada e fidedigna ao direito substancial em questão. Dentro dessa diversidade de provimentos, procedimentos e processos há ainda uma enorme variedade de maneiras de outorga de tutela jurisdicional. Vale dizer que “as soluções estão no direito substancial, os meios de impô-las são processuais”. (DINAMARCO, 2005, p. 166).

A jurisdição é então, função que precipuamente soluciona os conflitos apresentados a ela pelas pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas (bem como os entes despersonalizados, tais quais o espólio, a massa falida e o condomínio), substituindo os interessados, através da aplicação de uma solução existente no ordenamento jurídico. Por solução do sistema, entende-se (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2006/2007, p. 40):

Aquela prevista pela função normatizadora do direito, consistente em regular a apropriação dos bens da vida pelas pessoas, mediante o uso de um sistema de comandos coativos ou de medidas de incentivo, de sorte que seja possível alcançar soluções compatíveis com a necessidade de manutenção da paz social. Isso não significa que a jurisdição atue apenas aplicando sanções. Por vezes, bastam decisões meramente declaratórias (que eliminem dúvidas das partes sobre qual é, no caso concreto, a solução dada pelo sistema jurídico) ou outras providências que não constituem propriamente sanção.

A função dos órgãos jurisdicionais (juízes e tribunais) é essencialmente aplicar a lei, na condição de terceiro estranho, alheio, ao caso concreto.

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Wambier, Almeida e Talamini (2006/2007, p. 41), elucidam que, para que as funções da jurisdição se concretizem, o Estado brasileiro, através do seu sistema jurídico positivo, ou ordenamento jurídico, estabelece inúmeras garantias, presentes na Constituição Federal de 1988, que servem de alicerce e estabelecem um mínimo necessário a ser respeitado pelo legislador infraconstitucional, que criará todo o sistema processual.

O direito ao acesso às decisões judiciais, ou ao judiciário, é garantido e previsto na Constituição Federal por meio de princípios como o do devido processo legal, do juiz natural, da indelegabilidade e indeclinabilidade da jurisdição, da ampla defesa, da fundamentação das decisões judiciais, do contraditório e o da razoável duração do processo. (WAMBIER, ALMEIDA, TALAMINI, 2006/2007, p. 42).

Destarte, a jurisdição, tida como a atividade do Estado que visa a aplicação das leis previstas no ordenamento jurídico e à solução dos conflitos, está assegurada na Carta Magna e nela se encontram os princípios aos quais o legislador ordinário deve obediência. Assim, somente dentro dos limites estabelecidos pela CRFB/1988 com total observância dos princípios nela instituídos é que se pode sistematizar o aparato legislativo infraconstitucional. (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2006/2007, p. 42).

A função jurisdicional do Estado é una e indivisível, já que este tem apenas uma função jurisdicional. No entanto, esta unidade é consequência do fato de ser uma atividade fundamental do Estado desempenhada por ele exclusivamente, por meio, preponderantemente, dos órgãos judiciários. A unidade da jurisdição está prevista no artigo 345, do Código Penal3 e nos artigos 5º, incisos XXXV4 e XXXVII³ e 93, da Constituição Federal5, que determinam os órgãos aos quais cabe o exercício da jurisdição (Poder Judiciário), proibindo os juízos e tribunais de exceção. (ROCHA, 2007, p. 78).

Mas, ainda assim, pode-se falar em espécies de jurisdição que designam a pluralidade das matérias sobre as quais se aplica a jurisdição, que obrigam a divisão das

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Art. 345, Código Penal- Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:

Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa. (BRASIL, 1940).

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Art. 5º, CRFB/1988- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...]

XXVII- não haverá juízo ou tribunal de exceção.

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Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (BRASIL, 1988).

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atribuições jurisdicionais entre diferentes órgãos. Isso, no entanto, não atinge a afirmação da unidade da jurisdição, já que em todas essas situações e ramos a jurisdição tem sempre a mesma função soberana do estado de proteger os direitos no caso concreto, em última instância, de maneira definitiva e irrevogável. (ROCHA, 2007, p. 78).

A jurisdição, portanto, pode sofrer distinções e classificações operadas em razão de diferentes critérios, sob formas diversas, atuada por meio de órgãos distintos. Assim, seguindo a classificação de Rocha (2007, p. 78-81), divide-se a jurisdição em:

I) Comum e Especial: essa classificação se funda sob o critério da exclusão. A Jurisdição comum é geral, que cuida da generalidade de direitos pelos quais não se ocupa a jurisdição especial. Já a jurisdição especial é aquele que cuida de matérias que são expressamente delegadas à ela por força de lei. Só atua, portanto no que concerne a determinados interesses, em razão de sua natureza, a qualidade de seus titulares etc. A jurisdição comum, no Brasil, é exercida pelos Judiciários dos Estados, do Distrito federal e Territórios, e a jurisdição especial compete às Justiças da União, que subdivide-se em Justiça do Trabalho, Justiça Penal Militar, Justiça Eleitoral e Justiça Federal. Ressalta-se que alguns doutrinadores classificam esta última como pertencente à Justiça Comum, no entanto, trata-se de justiça especializada, levando-se em consideração a qualidade dos titulares dos interesses em conflito. (ROCHA, 2007, p. 78);

II) Jurisdição penal e civil: são divididas em razão da qualificação jurídica da matéria de que trata o conflito. A primeira está relacionada aos conflitos tutelados pelo direito penal comum e especial, e a segunda é aplicada a todos os conflitos que não são do âmbito penal, por exclusão. Em sentido amplo, portanto, a jurisdição civil é formada pelas jurisdições trabalhista e eleitoral, em sentido estrito, é apenas formada pela civil. (ROCHA, 2007, p. 79).

III) Jurisdição superior e inferior: essa subdivisão se dá levando-se em consideração a posição vertical dos órgãos judiciários dentro da estrutura orgânica do Poder Judiciário. Para melhor entender este tipo de classificação, Rocha (2007, p. 79) faz o uso de uma pirâmide, na qual, em seu topo estão os órgãos do 2º e 3º graus, e na base, os diversos órgãos de 1º grau. Estes são formados pela jurisdição inferior, e aqueles de jurisdição superior. Isso se dá em decorrência do princípio do Duplo Grau de Jurisdição, que estabelece que toda decisão judicial é recorrível a outro órgão que tem como função precípua, conhecer os recursos e julgá-los.

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As qualificações de inferior e superior dadas aos órgãos do primeiro e segundo graus da jurisdição não deveriam ter conotação hierárquica, por ser incompatível com a função jurisdicional. Deveriam significar, tão-só, a distribuição do trabalho entre os órgãos, tendo em vista suas funções específicas, o que constitui a chamada competência funcional vertical [...]. (ROCHA, 2007, p. 79/80).

IV) Jurisdição contenciosa e voluntária: essa classificação é pertinente à natureza do objeto da jurisdição, que pode se dar dentro de uma relação conflituosa, ou não. Corroborando com o entendimento de Dinamarco (2005, p. 136), citado anteriormente, que discorre sobre o caráter secundário da jurisdição, Rocha (2007, p. 80), define jurisdição a partir de sua finalidade como sendo a “função estatal encaminhada a garantir a eficácia do direito em última instância”. Isto significa dizer que existem outras instâncias anteriores de garantia do direito, ou seja, instâncias primárias, que são os próprios interessados. Assim, conforme dito anteriormente, é pressuposto intrínseco da atuação da jurisdição contenciosa a ocorrência de um ato ilícito, de uma transgressão ou ameaça de transgressão a um direito, ou seja, de um conflito propriamente dito.

A partir disso, afirma o multicitado doutrinador Rocha (2007, p.80), que se pode “deduzir outras características da jurisdição contenciosa, como a posição de imparcialidade do juiz, sua inércia inicial e a coisa julgada, a qual qualifica os efeitos de seus provimentos de mérito”.

Tendo claro o que se entende por jurisdição contenciosa, a compreensão de jurisdição voluntária ficou facilitada, podendo-se defini-la como aquela que pode ser exercida de ofício pelo julgador, quando não houver a violação potencial iminente de um direito. Salientando-se que as decisões tomadas sob a jurisdição voluntária não são cobertas pela coisa julgada, e por assim dizer, não são responsáveis por dizer o direito, em última instância, de modo finalístico.(ROCHA, 2007, p. 80).

Adverte o autor, por oportuno, que o modo de abordagem da Jurisdição Voluntária, disciplinada pelo Código de Processo Civil, nem sempre se amolda àquele perfil traçado. Isto porque, conforme Rocha (2007, p.80): “a jurisdição voluntária é um dos conceitos mais obscuros do direito processual”.

V) Jurisdição de direito e de equidade: Rocha (2007, p. 81), a respeito da Jurisdição de direito e de equidade, preceitua que, quando o juiz, no uso de sua atividade jurisdicional, aplica o direito objetivo, ou seja, prescrito no ordenamento jurídico, ao caso concreto apresentado a ele, se está diante da jurisdição de direito. Quando, no entanto, o julgador utiliza como critério, como fundamento de suas decisões a equidade, caracterizada pela autorização atribuída por lei ao juiz, para que este aplique ao caso concreto a decisão

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oriunda de sua própria noção do que é justo, ou mais adequado à hipótese que lhe foi apresentada, seguindo-se a sua própria consciência normativa, têm-se a jurisdição por equidade, ou equidade substitutiva.

Divide-se a jurisdição de equidade em duas: a integrativa e a supletiva e a formativa ou substitutiva. A primeira é aplicada em conjunto com o que prescreve o direito objetivo, fazendo o julgador as complementações a que está autorizado a fazer através do uso do juízo de equidade, e a segunda ocorre quando o juiz, em substituição ao direito objetivo, aplica ao caso concreto somente a jurisdição de equidade. (ROCHA, 2007, p.81).

Ressalta o autor que no sistema jurídico pátrio o juiz só pode aplicar a jurisdição por equidade, ou seja, só pode criar normas, a partir de seu próprio entendimento, nos casos expressamente prescritos em lei, ou seja, no Brasil, a equidade é de direito estrito. (ROCHA, 2007, p.81).

A partir desta explanação, percebe-se que, quando se trata de jurisdição por equidade, a discricionariedade do juiz encontra barreiras, já que, seguindo-se o princípio da legalidade, só pode o magistrado aplicar o direito ao caso concreto seguindo a sua consciência, nas hipóteses previstas em Lei.

2.2 O CONCEITO DE CONFLITO SOB A ÓTICA DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Para os efeitos da presente pesquisa, a categoria conflito terá o conceito operacional baseado na Justiça Restaurativa.

Em consonância com muito do que foi exposto nos itens anteriores, também para a Justiça restaurativa os conflitos são tidos como expressão normal à condição humana, intrínsecos entre seres que vivem em sociedade, dada a diferença existente entre cada indivíduo: diferenças de personalidades, de caráter, de anseios e de interesses. Por assim dizer, é o conflito intrínseco à condição humana. (ELLIOT, 2011).

A nova proposta trazida pela Justiça Restaurativa não se refere ao conflito em si, mas sim na forma de tratamento dos sujeitos conflitantes. Portanto, o que está em foco são as pessoas atingidas por um conflito, seja qual for a ordem deste- criminal, familiar, trabalhista, econômico etc-, as consequências deste conflito e as formas pelas quais serão buscadas as responsabilidades das pessoas as quais cabem restaurar e reparar o dano causado. (ELLIOTT, 2011).

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A partir, disso, por meio de um processo inclusivo sobre o qual este trabalho versará mais à frente, busca-se a cicatrização das feridas abertas, o encontro entre as partes conflitantes, através do estímulo pela busca de valores como o respeito, a compaixão, o perdão, a compreensão, dentre outros, a ocorrer entre os conflitantes e a comunidade na qual estão inseridos.

Assim estudar o conflito sob a ótica da Justiça Restaurativa é considerar o que levou à ocorrência dele, quais pessoas estão envolvidas, as consequências causadas pelo conflito e as possíveis formas de restaurar as relações atingidas por ele.

Neste Capítulo foi abordado o conceito de conflito e a sua inter-relação com o Direito, assim como o modo de tratamento dos conflitos no direito brasileiro através do estudo do que se entende por jurisdição e, por último, o conceito de conflito sob a ótica da Justiça Restaurativa, ponto central da presente pesquisa.

No próximo capítulo analisar-se-á a crise existente no Poder Judiciário Brasileiro e as atuais necessidades humanas no que tange às formas de resolução dos conflitos. Ademais, serão estudados os métodos não adversarias de resolução de conflitos mais difundidos no Brasil, com uma explanação sobre a mediação, a conciliação de conflitos e a arbitragem.

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3 MODELO JUDICIAL DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: SEUS LIMITES

No atual capítulo será abordado o modelo judicial de solução de conflitos, com o apontamento de seus limites, considerando o processo como o método jurisdicional de resolução de controvérsias mais utilizado em âmbito nacional. Para tanto, serão tomados como referenciais legais os artigos 22 e seguintes, 92 a 135, 101 a 103, 128, incisos I e II, e 144 todos da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como o artigo 4º do Decreto Lei nº 4.657/1942- Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, e o artigo 12 do Código de Processo Civil, dentre outros. Além disso, serão tomadas como ponto de partida as contribuições teóricas de Ada Pelegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Plauto Faraco de Azevedo, Osvaldo Gripino de Castro Júnior, Cássio Scarpinella Bueno, Aury Lopes Jr. e outros.

Não é de hoje que se ouve falar, de modo crescente, sobre a denominada “Crise do Judiciário”. Sabe-se que, apesar da evolução científica do Direito Processual, o aparato judicial e a administração da Justiça não seguiram os mesmos passos. (GRINOVER, 2008, páginas 71/72).

Existem diversos fatores que contribuem para o afastamento entre o Judiciário e os seus jurisdicionados, bem como inúmeras ocorrências que acarretam no abalroamento das vias de acesso à Justiça. Cita-se, dentre as principais problemáticas encontradas, a morosidade processual, o alto custo do processo e a burocratização na sua administração, procedimento nada simplificado, magistrados que nem sempre fazem uso dos poderes e atribuições que a lei lhes confere, grande falta de orientação e informação aos jurisdicionados- àqueles com interesses em conflito- grandes deficiências na defensoria dativa e defensoria pública, dentre tantos outros. (GRINOVER, 2008, p.72).

Todos estes problemas, que, ressalta-se, não são de hoje, geram desconfiança na Magistratura e em outros operadores do Direito, mas têm efeito, sobretudo, “no incentivo à litigiosidade latente, que frequentemente explode em conflitos sociais”. (GRINOVER, 2008, p.72).

Isso faz com que as pessoas conflitantes, não raras as vezes, optem por meios alternativos violentos e degradantes, sempre inadequados para resolverem seus conflitos, através do uso, por exemplo, da autotutela, conhecida como a justiça feita pelas próprias mãos. (GRINOVER, 2008, p.72).

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O alto grau de conflituosidade, característica da sociedade atual, e a jurisdição rumo à uma universalidade6- que pode ser entendida como a abrangência do judiciário frente ao número crescente de pessoas e variados tipos de causas que o alcançam- são causas que geram a grande sobrecarga dos juízes e tribunais. E a solução para esta situação não é nada simplista, e não se dará com o aumento do número de julgadores. Isso porque, quanto mais facilitado for o acesso à justiça e quanto maior for a universalidade da jurisdição, maior ainda será o número de demandas, o que culminará em uma grande bola de neve, sem fim. (GRINOVER, 2008, P.73).

Corroborando com os ensinamentos de Grinover, Watanabe (2011), também ponderou sobre o atual estágio do Judiciário, que passa por um período em que enfrenta uma grande conflituosidade, conforme explicitado anteriormente, além do número gigantesco de processos, o que acarreta em um desempenho abaixo das expectativas, e que, por via de consequência, desemboca numa perda de credibilidade.

Um dos motivos para isso advém das mudanças sofridas pela população brasileira, marcada pela característica da elevada litigiosidade, resultante de diversos fatores, dentre os quais, o autor cita a economia de massa. Muitos desses conflitos são levados ao judiciário ainda em sua forma embrionária, através de ações coletivas ou individuais, o que gera, em determinados tipos de litígio, processos repetitivos e desnecessários em sua maior parte e o excesso de serviços no Judiciário. (WATANABE, 2011).

Outro fator que contribui para a citada crise advém “da falta de uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses que ocorrem na sociedade”. Falta, portanto, uma política nacional abrangente, que vai além da adoção dos meios alternativos de resolução dos conflitos, mais especificamente, a conciliação e a mediação, pelos Estados, Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Conselho Nacional de Justiça. Defende o autor uma política imperativa, de tratamento adequado das controvérsias, que implique a observância obrigatória por todos os órgãos do Judiciário. (WATANABE, 2011, grifos do autor).

Sabe-se que o principal procedimento utilizado pelo Poder Judiciário brasileiro é o da solução adjudicada dos conflitos, através da sentença prolatada pelo juiz. A cultura da sentença, altamente difundida no Brasil, é fruto da utilização daquele mecanismo, o que gera, por sua vez, um crescente número de recursos interpostos, o que, para o autor, explica a

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A universalidade também podes ser entendida como a universalidade da jurisdição, com previsão expressa no inciso XXXV , do artigo 5º da Constituição Federal, na medida que veda que a lei exclua de apreciação pelo poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. (CASTRO JUNIOR, 2004, p.585).

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sobrecarga não só das instâncias de primeiro grau, mas também dos Tribunais Superiores, inclusas aí as instâncias Especial e Extraordiária. Outrossim, acarreta o aumento das execuções judiciais, tidas por Watanabe como o “calcanhar de Aquiles da Justiça”, tamanha lentidão na sua tramitação e ineficácia de seus provimentos. (WATANABE, 2011, grifo do autor).

Azevedo (2000, p.24) discorre que é necessário que se mude a “concepção e a diretriz metodológica imperantes, advindas do positivismo”, para que as problemáticas levadas ao judiciário tenham suas soluções repensadas de modo diferente da atual metodologia, para que estes problemas jurídicos possam ser resolvidos da melhor forma possível.

Para tanto, alerta o autor que é elementar a utilização da técnica jurídica como aparato destinado a criar e aplicar adequadamente o direito. A visão puramente instrumental da técnica jurídica “impedirá de privilegiá-la ao ponto de abstrair sistematicamente os interesses em jogo, substituindo-os pela realidade conceitual”. (AZEVEDO, 2000, p. 24).

Defende o autor, que o foco deve ser o do contexto humano, porque o que está para se formar é a ordem jurídica, de modo que o que deve ser aplicado não é pura e simplesmente a lei, mas sim o direito. (AZEVEDO, 2000, p. 24).

O retorno à situação fática que levou a problemática ao judiciário não deve ser evitado ou temido, do contrário, o que se tem é uma análise dos fatos sem minúcia, sem observação. De nada vale a “escusa do zelo epistemológico positivista”, já que a visão totalmente instrumentalista da técnica jurídica “impede que se desvinculem as doutrinas e teorias jurídicas de suas condicionantes sociais e políticas”. (AZEVEDO, 2000, p. 24).

Torres acrescenta que, até mesmo a forma dos edifícios em que os serviços jurisdicionais são prestados, com tamanha imponência, fora a complexidade dos ritos processuais, também são fatores que afastam a população do Poder Judiciário. (TORRES, 2005, p. 19).

O sentimento de inconformidade que macula o cidadão comum é fruto da morosidade procedimental, além do alto custo e complicação do processo, o que faz da Justiça meio inacessível e que não responde à rapidez necessária que reclama o direito do jurisdicionado. Afora disto, a própria linguagem forense, truncada e ainda muito utilizada pelos operadores, acaba por “elitizar” o direito, o que dificulta, em muito, a compreensão da população em geral acerca dos atos praticados dentro do processo. (TORRES, 2005, p.19).

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Infelizmente, não é difícil notar que muitos operadores jurídicos, de diversas áreas, ostentam certo ar de superioridade, expressado no título de doutores sem doutorado, e no linguajar que, longe de expressar erudição e conhecimento, somente denotam que não querem ser entendidos por todos e o tamanho de seus egos.

O citado autor diz que o Poder Judiciário, por estar à serviço do cidadão, deve estar preparado para atender aos anseios deste, através do combate às problemáticas estruturais, como é exemplo a morosidade. A sociedade moderna não comporta mais um processo burocrático, complexo, em uma jurisdição em que o provimento jurisdicional é tardio, e, portanto, ineficaz, tornando o ideal de Justiça rápida e eficiente cada vez mais distante da realidade. (TORRES, 2005, p.20).

Por burocratização da Justiça, que será muito discutida neste trabalho, entende-se a “realização de atos procedimentais marcados pelo excessivo formalismo, não só na legislação processual, mas também na interpretação mais formal, que se efetiva no dia-a-dia forense”. Este fato é resultante de uma visão equivocada, que torna ainda mais lento o tramitar do processo, e que invariavelmente, corroborando neste ponto em particular com o que expressou Watanabe, citado em linhas anteriores, ocasiona uma imensidão de recursos interpostos contra as mais variadas sentenças, decisões e acórdãos. Conclui o autor, ao afirmar que o que o cidadão busca é a solução de sua controvérsia, e por este motivo, a distinção entre processo e procedimento para ele não importa saber quais são, devendo, portanto, serem exterminados estes procedimentos que retardam a prestação jurisdicional. (TORRES, 2005, p.20).

Ao tratar sobre o tão controverso conceito de justiça, Torres (2005, p.24) faz importantes considerações no que tange à Justiça e as mudanças na sociedade. Aduz que a dinâmica social, caracterizada pelas constantes transformações na sociedade, resulta em excessos e desigualdades. Diante disto, o ordenamento jurídico, com toda a sua estrutura legal, não consegue seguir o mesmo ritmo das mudanças que ocorrem em meio à sociedade, e por isso, não abarca todos os problemas, em todos os campos em que ocorrem. Por isso se recorre ao direito, para que exerça suas funções de controle social e de ditar o direito, na busca da solução dos litígios.

Adverte o autor, no entanto, que nem sempre é possível alcançar a solução de todos os conflitos, “porque as expectativas se alimentam, a todo o momento, das reformulações e novidades sociais, políticas, jurídicas e econômicas, enfim, de todos os setores”. Destarte, o que quer o cidadão, é que o seu direito seja reconhecido e efetivado no

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campo prático. O conjunto legal e jurídico se distancia da sociedade na medida em que não se moderniza de modo a atender as mudanças ocorridas, e aí então surgem as desconfianças e descréditos depositados na Justiça, já que esta não atende, de modo satisfatório, os interesses que se visam alcançar. (TORRES, 2005, p.24).

É pela busca constante à igualdade nas relações sociais que providências devem ser tomadas pelo Poder Judiciário, e também pela sociedade como um todo, para que o problema do acesso à Justiça dentre tantos outros, sejam solucionados, aproximando-se o cidadão ao Judiciário, a partir da criação de novas soluções, novos mecanismos para apaziguar os conflitantes e para que seja alcançada a harmonia entre eles. O sistema legal não acompanha o dinamismo da sociedade, e por isso as instituições responsáveis pela prestação jurisdicional devem atuar de forma mais clara, limpa e objetiva. Só assim poderá se falar em uma efetiva “pacificação social”, já que esta somente será alcançada quando o direito e os órgãos jurisdicionais atuarem, realmente, em favor das pessoas e para as pessoas. (TORRES, 2005, p. 24).

Não basta dizer que os mecanismos de resolução de conflitos utilizados no Brasil são inadequados, é preciso, contudo, que se tenha uma visão clara do que são e de como funcionam esses mecanismos, para que, a partir daí, uma conclusão possa ser alcançada e soluções possam ser traçadas. Por isso, será estudado adiante o processo, como método jurisdicional de solução de conflitos, através de uma visão crítica sobre ele, o sistema jurídico nacional e aplicação do direito por meio da atividade jurisdicional.

3.1 O PROCESSO COMO MÉTODO JURISDICIONAL DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Antes de adentrar propriamente no subitem processo e procedimento, bem como todos os demais itens correlatos a eles, importante tecer considerações a respeito do sistema judicial brasileiro.

O sistema judicial brasileiro é de natureza híbrida, já que sofreu influência do sistema judicial norte- americano, bem como, e de modo preponderante, do sistema jurídico romano-germânico. Sua estrutura é tratada basicamente nos artigos 92 a 135 e 144 da CRFB/1988, e também na legislação federal que regulamenta a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, Estatuto do Ministério Público da União, Estatuto da Advocacia Geral da União,

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Lei da Defensoria Pública da União e Estatuto da Advocacia. (CASTRO JUNIOR, 2004, p.583).

A estrutura do sistema judicial brasileiro também está alicerçada no que dispõem as Constituições Estaduais, no que se refere aos órgãos que fazem parte do sistema judicial em nível estadual. Ressalta o autor sobre o fato de ser o sistema judicial brasileiro alvo de inúmeras denúncias, a despeito de sua ineficiência e corrupção, observada por diversos setores da sociedade, Executivo e Legislativo, que, em função do “corporativismo dos membros que fazem parte das instituições do sistema e do desconhecimento da sociedade civil, em face da complexidade dos temas tratados”, acabam por adiar a tão salutar reforma do sistema judicial brasileiro. (CASTRO JUNIOR, 2004, p.583).

O particular sistema híbrido estabelecido no Brasil tem origem que remonta à Proclamação da República, sem participação popular, em 1889, tendo como característica o latente dualismo oriundo da influência dos sistemas jurídicos europeu e norte-americano, o primeiro por meio do sistema romano-germânico e o segundo através do sistema jurídico da common law, sistemas estes que interferiram diretamente na estrutura e no modo de realização do direito no sistema judicial nacional, tendo, inclusive, o direito público brasileiro se inspirado nas instituições norte americanas, e o direito privado foi altamente influenciado pelo sistema codificado da Europa Continental. (CASTRO JUNIOR, 2004, p. 583-584).

O autor faz uma importante consideração: atribui, como sendo uma das causas do engessamento do sistema, o fato de serem as leis processuais aplicadas nos sistemas judiciais estaduais, federais, o que gera uma grande inflexibilidade na legislação. Algo extremamente negativo, diante das particularidades culturais e judiciais de cada ente federado. Outra característica do sistema judicial nacional é a previsão legal de grande número de recursos processuais e a possibilidade de um único processo poder ser julgado em quatro instâncias distintas. Isso interfere profundamente na funcionalidade do sistema, agravada após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a titularidade a diversos autores políticos e jurídicos para o ajuizamento de ações individuais e coletivas, assim como alargou a previsão de legitimados ativos para a função de controlar a constitucionalidade das leis. (CASTRO JUNIOR, 2004, p. 584).

Quanto à sua estrutura, na cúpula do sistema judicial brasileiro situa-se o Supremo Tribunal Federal (artigos 101 a 103 da CRFB/1988), abaixo dele encontra-se o Superior Tribunal de Justiça. Fazem parte também desta estrutura as Justiças Especiais Federais, compostas pelas Justiças do Trabalhos, Justiças Militares e Justiças Eleitorais, tendo cada uma

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seu respectivo Tribunal Superior e órgãos regionais. Dentre a Justiça Comum, há a Estadual e a Federal. O Ministério Público da União, formado pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Ministério Público Militar e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Há também os Ministérios Públicos dos Estados (art. 128, I e II, CRFB/1988), bem como a Advocacia Geral da União e dos Estados, os advogados, as Polícias Federal, Militar e Civil, os peritos judiciais e tradutores juramentados. (JUNIOR, 2004, p. 587). O Conselho Nacional de Justiça, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, órgão que não tem funções legislativas ou judicantes, mas de toda forma, passou a fazer parte da Organização Judiciária Nacional, e por assim dizer, do sistema jurídico brasileiro. (BUENO, 2008, p. 188).

Feitas estas sintéticas considerações iniciais, adiante, passará a ser abordado o tema principal do subitem em questão: processo e procedimento no Estado brasileiro. Ressalta-se que, por não ser assunto central desta monografia, apenas os pontos relevantes e tratados com preponderância pela doutrina nacional serão trazidos.

Saber o que significa processo, como assinala Bueno (2008, páginas 376/377) é uma das tarefas mais difíceis, polêmicas e interessantes do direito processual. É importante considerar, em princípio que, ao se fazer um estudo sobre processo, deve-se ter em mente o contexto jurídico em que ele está compreendido, bem como o tratar como uma figura existente e que faz parte de uma opção política de um Estado. Logo, para entender o processo da melhor forma possível e, consequentemente sua natureza jurídica, deve-se entendê-lo, ou contextualizá-lo dentro das particularidades do ordenamento jurídico vigente, analisadas e incluídas, neste ponto, suas características e opções políticas.

Portanto, nesta pesquisa, para um breve estudo do que se entende por processo, será levada em conta sua definição pela ótica de um Estado Democrático de Direito, como é o Brasil. Sua natureza jurídica- “o que ele é ou deixa de ser juridicamente”- será analisada em uma perspectiva Constitucional, já que é nela que se encontra o modelo de Estado e a capacidade de interferência deste modelo na forma de exercício de seu poder. Serão tidas como base, as considerações de Bueno (2008, p. 377-378).

Sob a perspectiva da Constituição Federal de 1988, o processo pode ser compreendido como sendo:

Método inafastável de atuação do Estado, atuação no sentido de produzir determinado ato, de externar, perante os destinatários imediatos do ato e os mediatos (toda a sociedade) a vontade do Estado, vontade esta que, diferentemente do que se dá no campo do direito privado, não é livre, mas total e completamente regulada. (BUENO, 2008, p.378, grifos do autor).

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Destarte, em complementação ao expressado acima, a vontade do Estado, contida no Direito Público, é sempre voltada para que se alcance as finalidades públicas. Por isso os publicistas- estudiosos do direito público- dizem que a “vontade do Estado” é uma “vontade funcional”, vinculada, desde sua origem, a finalidades públicas. (BUENO, 2008, p. 378). Assim, na noção de processo derivada de uma opção política feita pela Constituição Federal, a partir do modelo criado por ela, qual seja, de um Estado Democrático de Direito, o Estado só poderá agir, desempenhando suas funções na busca pela finalidade pública, agindo como o autor descreve “processualmente”, ou seja, de modo a coadunar com e de acordo com o modelo preestabelecido, de forma a exercitar seu poder de maneira correta, poder este que será legitimado somente quando visar, através dele, o atingimento de uma finalidade específica, ou seja, um dever. (BUENO, 2008, p. 378-379).

A função jurisdicional, ou o Estado-juiz, também devem obedecer a uma premissa fixada no âmbito do direito administrativo, na medida em que detém um “dever-poder”, característica do ato regido pelo direito público como um todo. Isto porque, em um Estado Democrático de Direito, a licitude de um ato praticado pelo Estado advém do que está contido em lei, e, sobretudo na Constituição Federal. Outrossim, o processo deve ser entendido como a exteriorização da vontade do Estado, “sua vontade funcional”, ou o “método de atuação” dos Estados Democráticos de Direito. (BUENO, 2008, p. 379).

Já no âmbito privado, abarcando poucas exceções, tanto a manifestação da vontade quanto o meio de exercício de um ato, são livres. Na esfera do Direito Público, ao contrário, os atos devem seguir seus princípios e regras impositivos, mas também, e principalmente, as formas e os meios que se darão estes atos previstos na Constituição Federal, já que vinculados ao atingimento de determinadas finalidades. Cada fase de formação da vontade do Estado- do processo, por assim dizer-, não é um fim por si só, mas é um “fim-meio”, porque visa à concretização de um ato final. No processo jurisdicional o ato final é aquele que imuniza de forma suficiente e adequada, a lesão ou ameaça a direito, quando já identificados, após a provocação do Estado-juiz. (BUENO, 2008, p.379, grifos nossos).

Seja no Estado como um todo seja no Estado representado pelo juiz, o exercício da função jurisdicional é sempre motivado pela imprescindível “proteção dos direitos dos cidadãos e o atingimento de finalidades do próprio Estado”. (BUENO, 2008, p. 379).

Referências

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