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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes Das Zonas Periféricas de São Vicente

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Departamento de Psicologia e

Educação

Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes

Das Zonas Periféricas de São Vicente

Arlinda Ivette Lopes

Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre em

Psicologia Clínica e da Saúde

(2º Ciclo de estudos)

Orientador: Prof. Doutor Henrique Pereira

Mindelo, Outubro de 2013

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Dedicatória

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À memória do meu muito amado pai, Belgrano Lopes (1939-1999).

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Resumo

Resiliência descreve a relativa resistência à experiências de risco psicossocial. O presente trabalho procurou descrever fatores de vulnerabilidade e proteção relacionados a resiliência que poderão caracterizar mecanismos de adaptação em adolescentes das zonas periféricas de São Vicente. Na medida em que a resiliência parece se caracterizar por ampla variação contextual, o presente estudo tenta conciliar a recolha e o tratamento qualitativo e quantitativo dos dados. Partindo de uma abordagem mais ecológica e próximo à população em estudo procurou-se, através de uma técnica qualitativa (o grupo focal), obter um amplo conjunto de dados para posterior análise mediante métodos de análise quantitativa. Um questionário de autoadministração construído a partir dos dados dos grupos focais foi respondido anonimamente e sob base voluntaria por 218 alunos das zonas periféricas de São Vicente, sorteados aleatoriamente nas escolas públicas do Mindelo. Na análise dos dados, para além da análise descritiva, foram utilizados o teste t e a Analise de Variância (ANOVA) para localização de valores significativos ao nível de 5% na comparação dos grupos distintivos da amostra.

Os resultados obtidos evidenciam que esses adolescentes dispõem de adequados recursos individuais, familiares e comunitários que podem ser mobilizados para fazer face as adversidades que enfrentam num contexto onde a instabilidade económica e as dificuldades de acesso a saúde e educação representam desafios constantes ao desenvolvimento. Foram encontradas diferenças significativas nos potenciais fatores de risco e proteção identificados relativamente ao sexo, idade, escolaridade e comunidade de proveniência.

Discuta-se a relevância destes dados para a reflexão sobre a promoção de resiliência na população estudada, atendendo as particularidades contextuais e culturais dos adolescentes e suas comunidades.

Palavras-Chave: Resiliência; fatores de risco; fatores protetores; Zonas periféricas de São Vicente.

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Abstract

Resilience is the resistance to high risk psycho-social experiences. This thesis describes factors of vulnerability and protection related to resilience and that are adopted by the adolescents residing in Mindelo’s peripheral zones.

Given the fact that the phenomenon of resilience is characterized by a wide range contextual variation, this study is an attempt to combine the qualitative and quantitative treatment of data. Based on the ecologic, closely related to the target population approach, this research has aimed to collect an extensive set of data for the following quantitative analysis.

A self-applicable questionnaire that had been constructed on the basis of focal groups was anonymously and voluntarily responded by 218 pupils in randomly chosen state schools in the peripheral São Vicente zones. In data analysis, besides descriptive analysis, the test t and the ANOVA test were applied in order to identify significant values at 5% level while comparing distinctive groups of the sample.

The results show that the adolescents have adequate individual, familiar and community resources that could be mobilize in order to tackle problems they face in the context where economic instability and difficult access to education and health services are a constant challenge for development.

The importance of the present data and findings is analysed within a wider context in order to trigger discussion of how, given contextual and cultural particularities of their communities, the resilience could be promoted among the adolescents.

Key words: resilience, risk factors, protection factors; peripheral São Vicente zones

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Agradecimentos

Porque este é um trabalho que recebeu o contributo de várias pessoas, as quais de distintas formas estiveram presentes no percurso da sua realização, gostaria de lhes deixar uma palavra de sincero agradecimento.

Assim, em primeiro lugar queria agradecer ao meu orientador, o Professor Doutor Henrique Pereira, pela prontidão, disponibilidade e paciência, com que pôs a minha disposição todo a sua experiência e saber.

Em segundo lugar, um agradecimento muito especial ao Caplan Neves, pelo apoio incondicional, pela companhia serena e atenta com que veio preencher os meus dias, tornando tudo possível. À Universidade do Mindelo e a Universidade de Beira Interior que, no âmbito do acordo entre as duas instituições, tornaram possível a realização deste Mestrado.

Às minhas professoras do segundo ciclo de estudos, pelos ensinamentos que nos proporcionaram. A professora Paula Carvalho que me enviou de Portugal vários artigos de referência.

Às direções e funcionários das escolas secundárias de São Vicente, que de forma muito atenciosa permitiram e auxiliaram na recolha dos dados.

Ao Doutor Manuel Faustino que, muito amavelmente, me disponibilizou o estudo “Saúde e Estilos de

Vida dos Adolescentes Cabo-verdianos Frequentando o Ensino Secundário”.

A Dra Dominika, professora da Universidade do Mindelo, pelo apoio na tradução do resumo para o inglês.

À avó dos meus filhos, minha querida sogra, pelos esforços e sacrifícios consentidos.

Uma palavra de apreço aos meus familiares, em especial a minha mãe Paulina Rocha, meus filhos Hélio, Azaergal e Criséle, irmãos e sobrinhos.

Um agradecimento muito especial para todos os alunos que partilharam comigo suas histórias de vida e se disponibilizaram para participar na presente pesquisa.

E a todos os outros que durante este percurso, deixaram em mim a marca da sua gentileza.

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Índice

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Introdução

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Desde a conferência internacional sobre Cuidados de Saúde primários realizada em Alma -Ata (WHO, 1978), tem-se enfatizado a necessidade de alicerçar as intervenções no âmbito da saúde pública em dados específicos, em oposição a definição de programas baseados em dados gerais nem sempre ajustados a realidade visada.

Em 1993, na sua revisão do Programa de Saúde do Adolescente e projetos afins, a OMS (WHO, 1993) salientou a necessidade de uma melhor compreensão do contexto cultural e dos sistemas sociais que afetam a juventude. Em Cabo Verde esta necessidade constitui ainda um amplo desafio. O presente estudo parte deste desafio e pretende ser um pequeno contributo no sentido de ampliar o ainda muito limitado conhecimento objetivo do panorama da juventude em Cabo Verde, tendo como alvo uma realidade muito específica: a das zonas periféricas de São Vicente.

Os problemas enfrentados pelos jovens dessas comunidades contextualizam-se no âmbito de uma realidade geográfica, social e política muito específica. A organização da Ilha de São Vicente a partir do Porto Grande e a sua natureza essencialmente urbana resultaram numa efetiva marginalização destas comunidades periféricas de caráter mais rural e campestre. Arredadas da lógica urbana com que São Vicente se organiza(ou), foram continuamente negligenciadas no contexto das políticas de desenvolvimento direcionadas para a ilha, tanto a nível dos governos centrais como das administrações locais, colocando desafios constantes para o desenvolvimento de suas crianças, adolescentes e jovens pelo amplo encadeamento de fatores de risco psicossocial a que estão expostos.

No entanto existe evidências de enorme variação na resposta de crianças e jovens à experiências de adversidades. Contrapondo-se a visão tradicional segundo a qual as pessoas que cresciam em contextos adversos estavam fadadas a desenvolverem múltiplos problemas, desde de perspetivas mais atuais considera-se que as pessoas possuem recursos que os permitem atravessar com sucesso situações adversas ou traumáticas. Essa capacidade de resistência a experiencias de risco psicossocial traduz o conceito de resiliência.

Integrada na perspetiva salutogénica de saúde, que no âmbito da psicologia evoca o movimento da psicologia positiva, o conceito de resiliência comporta um enorme potencial no âmbito da promoção da saúde, nomeadamente por se constituir num constructo que, pela sua amplitude e diversidade de manifestações, permite ampla aplicação à populações muito diferenciadas. A resiliência apresenta assim um modelo abrangente que enfatiza os fatores e processos de proteção que podem inverter o efeito de fatores de risco.

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A identificação do que protege e do que aumenta o risco dentro de cada contexto específico permite a elaboração de programas de saúde empiricamente fundamentados e adaptados a especificidades culturais e sociais de cada comunidade.

No presente estudo procura-se descrever fatores psicossociais ligadas a resiliência nos adolescentes das zonas periféricas de São Vicente, partindo de variáveis identificadas a partir de relatos dos próprios adolescentes.

No Capítulo 1 é apresentado uma discussão sobre a mudança do enfoque centrado no risco para uma perspetiva voltada para pesquisa, compreensão e promoção dos aspetos sadios (secção 1.1 –

“Rompendo o viés Negativo”). As conceções da psicologia positiva são analisadas enquanto

movimento de reavaliação das potencialidades e virtudes humanas (subsecção 1.1.1 – “Psicologia

Positiva”) e sua relação com o movimento precursor, a Psicologia Humanista, é discutido (Subsecção

1.1.2 – “Uma Psicologia Humanista Positiva?”).

As interlocuções e aproximações teóricas e conceituais entre a Psicologia Positiva e a psicologia comunitária, sobretudo nos moldes em esta última que se estabeleceu na América Latina são analisadas, enfatizando entre os dois movimentos a valorização das “extraordinárias forças e virtudes inerentes a viver numa posição social, económica, cultural, entendida como deficitária e marginal” (subsecção 1.1.3 – “Psicologia Comunitária e Positividade”). Por fim o conceito de Resiliência é definido a partir deste “horizonte de representação da mudança e dos seres humanos baseado nas forças e no positivo” (Subsecção 4 - “Resiliência e Positividade”).

No final do primeiro capítulo procura-se organizar e analisar as distintas conceções e definições de resiliência (Secção 1.2 – “Resiliência: Operacionalização do Conceito”) e busca-se uma operacionalização do conceito através de um posicionamento em relação a elas (subsecção 1.2.1 – “Definindo Resiliência”). Finalmente são apresentados diferentes modelos e métodos de medição do processo resiliente e variáveis associadas (secção 1.3 – “Modelos e Métodos de Medição do Processo

Resiliente”).

No Capítulo 2 é apresentado uma reflexão sobre o compromisso da “psicologia cabo-verdiana” com o desvendar da complexa identidade cabo-verdiana e o seu papel na resolução da problemática do desenvolvimento e bem-estar das suas populações, nomeadamente através da ampliação do seu campo de atuação ao campo da intervenção social e promoção da saúde no âmbito comunitário (subsecção 2.1 – “Justificação (Para uma Psicologia das Virtudes em Cabo Verde”). É apresentado o estudo, seus objetivos e natureza.

No Capítulo 3 encontra-se a descrição do método utilizado no presente trabalho, o qual tenta conciliar a recolha e o tratamento qualitativo e quantitativo dos dados. Descreve-se o estudo preliminar (a abordagem qualitativa com grupos focais) e os principais resultados encontrados, bem

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como o processo de construção do instrumento utilizado para a recolha dos dados estatísticos, método de amostragem, características da amostra utilizada e procedimentos de recolha dos dados. Nos Capítulos 4 e 5, respectivamente, é explicado o tratamento estatístico dos dados e apresentados os resultados encontrados. No Capitulo 6 discute-se as suas implicações para a elaboração de programas ou intervenções que visem a promoção da resiliência entre os adolescentes das comunidades estudadas, analisa-se as limitações do presente estudo e possíveis caminhos para futuros trabalhos.

Esse trabalho constitui uma abordagem inicial num campo onde quase tudo está ainda inexplorado. Um fascinante trajeto poderá ser traçado no caminho do desvendar dos processos por detrás da resiliência “no cabo-verdiano”. É que a resiliência é um conceito caro para Cabo Verde, um país que chegou a ser considerado inviável devido a escassez de recursos e é hoje apontado como exemplo de desenvolvimento, um povo em que as adversidades são dançadas ao som das coladeiras1.

1Música e dança tradicionais cabo-verdiana, caracterizado por um ritmo rápido, que aborda sátiras, críticas

sociais, relatos jocosos e temas alegres e lúdicos (Wikipédia).

xiv

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Capitulo 1 - Resiliência

1.1 - Rompendo o Viés Negativo

Podemos hoje afirmar que um pressuposto básico relativamente consensual em relação a saúde dos adolescentes, é que ela não é alheia às experiências de vida. À esse pressuposto está muitas vezes subjacente a premissa de que não é previsível que adolescentes que atravessem situações fortemente adversas ou se encontrem em condições de vida de marcada desvantagem social, vivenciem bons resultados de saúde a nível físico e psicológico, apresentem bom ajustamento académico ou conduta socialmente esperada. Essa premissa representa o antecedente lógico da conclusão de que o ajustamento pode ser equacionado em função do risco.

Esse enfoque no risco, embora possa ser útil para prever e intervir sobre resultados negativos, encontra muitos problemas quando se trata de explicar prognósticos negativos falsos e pouco nos diz sobre os recursos e processos subjacentes ao ajustamento e a superação.

Se por um lado esse enfoque terá permitido acumular conhecimentos sobre formas de intervenção consideravelmente eficazes e cientificamente válidas sobre as mais diversas perturbações, disfunções e sofrimentos humanos, por outro lado terá demovido a psicologia do estudo sistemático do normal e do virtuoso na natureza humana.

É nesta orbita de ideias que emerge a discussão da reversão do panorama negativo focado no risco para um olhar direcionado a pesquisa, compreensão e promoção dos aspetos sadios.

1.1.1 - Psicologia Positiva

Tal tendência evoca atualmente a psicologia positiva, movimento científico convencionalmente ligado a assumpção da presidência da American Psychological Association (APA) pelo psicólogo Martin Seligman em 1998, no âmbito do qual salientou a necessidade de redirecionar o foco das contribuições da psicologia2.

2Seligman vincula a sua convicção na necessidade de uma psicologia positiva à uma história pessoal ocorrida a

alguns meses antes da sua eleição à presidente da APA. A inversão dos interesses do autor dos aspetos patológicos para aspetos positivos da vida é no entanto algo anterior. Ver por exemplo Learn Optimism: How

to change yuor mind and your live (1991, New York: Pocket Books). Nesta obra em contraposição ao desamparo

aprendido que focalizou os seus interesses desde a década de 70 aparece no âmbito da noção de estilo explicativo e do desenvolvimento do otimismo o termo otimismo aprendido. Quando assume a presidência da APA, faz dessa inversão de interesses a sua missão.

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O mote deste movimento é a constatação de que a ciência psicológica vinha negligenciando o lado positivo da natureza humana, uma vez que não produzia conhecimento suficiente sobre os seus aspetos virtuosos e suas forças pessoais (Seligman & Czikszentmihalyi, 2003). Segundo esses autores, aspetos como a esperança, criatividade, coragem, sabedoria, espiritualidade, felicidade, foram relegados para segundo plano por uma psicologia direcionada preferencialmente ao estudo do funcionamento anormal e patológico.

Assim, o enfoque no patológico descurava o indivíduo realizado e a comunidade desenvolvida, negligenciando a necessidade de compreender os fatores que contribuem para o desenvolvimento saudável (Seligman & Czikszentmihalyi 2003).

Mudando o foco e rompendo com o viés negativo, a psicologia positiva propõe-se, mais do que reparar o que está errado, identificar e fortalecer o que está bom, reconstruir qualidades positivas, valorizar o estudo rigoroso de fatores quotidianos e comuns (Seligman, citado por Paludo & Koller, 2007). Mais do que remediar aspetos negativos, propõe-se uma psicologia focalizada numa perspetiva preventiva e promocional, centrada na construção de qualidades positivas (Seligman & Czikszentmihalyi, 2003).

Trata-se, como sintetizam Paludo e Koller (2007), de uma reavaliação das potencialidades e virtudes humanas, por meio do estudo das condições e processos que contribuem para a prosperidade. A conceção subjacente é a de que o conhecimento das forças e virtudes poderia propiciar o “florescimento” (flourishing) das pessoas, comunidades e instituições, é dizer, assegurar as condições para o desenvolvimento pleno, saudável e positivo dos aspetos psicológicos, biológicos e sociais dos seres humanos (Keyes e Haidt, citado por Paludo & Koller, 2007). Neste sentido Seligman e Czikszentmihalyi (2003) apontam como campos de atuação da psicologia positiva o bem-estar subjetivo positivo; o caráter positivo; e as instituições positivas.

a) O bem-estar subjetivo refere-se à exploração da satisfação com o passado (experiências e emoções positivas na história pessoal), sentimentos de transcendência e felicidade com o presente e aspetos relacionados a esperança e otimismo face ao futuro.

b) O caráter positivo refere-se ao estudo de características individuais positivas – forças pessoais e virtudes como o afeto, o perdão e a compaixão, a espiritualidade, o talento, a sabedoria, o autocontrole, criatividade, coragem, liderança, integridade.

c) “Grupos positivos” refere-se ao estudo do funcionamento positivo dos grupos: escolas efetivas, bairros comunitários, família saudável, fenómenos de altruísmo, tolerância ou consciência ética em contexto laboral. Trata-se de explorar o meio em que se movem os indivíduos não apenas pela sua influência negativa, pelas características patogénicas historicamente enfatizadas nas ciências

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sociais, mas como adjuvantes ao desenvolvimento, promotoras de saúde e provedoras de apoio nos momentos difíceis.

Seligman e Czikszentmihalyi (2003) estabelecem assim como desafios futuros da psicologia, desenvolver equitativamente os segmentos complementares da prevenção e alívio das doenças e a vertente da promoção do bem-estar e da felicidade; redirecionar a psicoterapia para a identificação e criação de forças e virtudes positivas; conceber um currículo para uma psicologia pedagógica positiva; investir fortemente na pesquisa científica do lado positivo dos seres humanos.

1.1.2 - Uma Psicologia Humanista Positiva?

Essa “mudança de perspetiva” (que surge num contexto privilegiado3), não é no entanto, como aliás

ressalvam Seligman e Czikszentmihalyi (2003), exclusiva da Psicologia Positiva, tratando-se efetivamente menos de conceções inovadoras na Ciência Psicológica do que um resgate de aspetos antes considerados secundários.

A crença na orientação positiva dos seres humanos, ademais da simples adaptação ao mundo é, com vernaculidade, uma conceção comum em psicologia, constituindo o tema fundamental de várias correntes e vários teóricos associados por exemplo à designações como neo-freudianos, existencialistas ou humanistas.

É no entanto em relação a estes últimos, que as semelhanças são mais evidentes. É notável que os princípios subjacentes a conceção de uma ciência humana são praticamente coincidentes com aquilo que defende a psicologia positiva. Por exemplo Maslow (citado por Hernandez, 2003), dissertando sobre a necessidade de uma “psicologia da Saúde” afirma que Freud abriu o caminho para a investigação da metade doente da psicologia, e que o desafio era agora preencher a outra metade, a sadia. Isto é, precisamente aquilo que a corrente da psicologia positiva afirma hoje sobre a evolução atual da psicologia4.

3 Numa entrevista apresentada por Eduardo Salvador (http://www.psicologia-positiva.com/entrevista.html) o

ex-presidente da APA, Seligman, expõe o êxito extraordinário que em pouco tempo a psicologia positiva alcançou no mundo académico americano. Em apenas cinco anos os cursos de psicologia positiva em grandes universidades americanas passaram de um para cem aproximadamente; as conferências de Seligman, antes “um tipo alternativo e pouco convencional”, provocam autenticas ovações; em torno da psicologia positiva gera uma invulgar mobilização de fundos.

4 Num seminário sobre psicologia positiva apresentada pela TED (11ͭ ͪ Reason to be Optimistic, disponível em

http://www.ted.com/talks/lang/eng/martin_seligman_on_the_state_of_psychology.html) seligman discorre sobre o estado atual da psicologia: numa palavra “good” (referindo-se aos avanços da psicologia no diagnóstico e tratamento de doenças mentais); em duas palavras “not good” (referindo-se a viés negativo na ciência psicologia); e em três palavras “not good enough” (referindo-se ao desafio da construção de uma psicologia voltada para a “metade sadia” dos seres humanos assim como a “metade doente”).

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Neste sentido, como o expõe Hernandez (2003), os humanistas contemporâneos chegam a reclamar para o humanismo o conceito de psicologia positiva afirmando que a novel proposta de Seligman “não passa de uma reinvenção da roda”, tendo sido há mais de quarenta anos antes, proposta por Abraham Maslow e Carl Rogers.

Hernandes (op cit) nota que Seligman pareceu muitas vezes simplesmente ignorar a terceira corrente. Por exemplo na sua obra de 19915 não obstante as semelhanças entre as suas conceções e

os pressupostos humanistas, e não obstante passear pela década de 60 revisando a mudança de pensamento na psicologia no sentido da valorização de aspetos positivos, não faz qualquer referência à estes autores.

Percebe-se neste sentido a reação inconformada, muitas vezes indignada, de alguns autores (Berezdivin; Carlstedt, citado por Hernadez, 2003), ante o que consideram uma postura desinformada de Seligman face a origem das ideias que defende.

A contraposição habitual é de que a diferença fundamental entre os dois movimentos seria a importância atribuída a ciência empírica (Hernadez, 2003). Seligman e Czikszentmihalyi (2003), não obstante reconhecerem que a psicologia positiva não constitui efetivamente uma ideia nova ou particularmente original, citando “muitos e distintos antecessores”, pensam que até então se falhara de alguma forma na construção de um corpo teórico empiricamente fundamentado em pesquisas rigorosas.

Efetivamente a psicologia humanista não conseguiu muitas vezes conciliar a construção de modelos não deficitários do ser humano (portanto abordagens mais “humanas” de ciência) com a necessidade de pesquisa empírica, chegando muitas vezes, como observa Sollod (citado por Hernadez, 2003),a deprecia-la como “desumana”6.

Para Seligman e Czikszentmihalyi (2003), futuros debates determinarão em que medida o facto de o humanismo não conseguir acumular suficiente base empírica resultou do facto de estarem a frente do seu tempo, porque a despreocupação com a orientação empírica fosse inerente as suas ideias, ou devido à influencia negativa de muitos entusiastas mais radicais.

A este respeito é interessante notar que quer Maslow quer Rogers, não se opuseram ao experimentalismo, chegando a empreender, abertamente, esforços no sentido de incluir a psicologia positivista no âmbito do movimento humanista. Maslow teve uma fase behaviorista e Rogers seria um dos pioneiros na investigação empírica à psicoterapia. Os humanistas assumiam dar os primeiros passos no sentido da construção de um corpo de conhecimentos que até então não

5 Ver referência (1) em nota de roda pé

6 O próprio Rogers (2009) descreve o conflito que viveu entre o positivismo lógico e o pensamento existencial

orientado subjetivamente que parecia adequar-se mais perfeitamente a sua experiencia terapêutica.

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existia, a partir de crenças provisórias sobre a conceção de que a natureza humana vinha sendo desvalorizada pela então ciência psicológica (Rogers, 2009).

No entanto como observam Paludo e Koller (2007), talvez simplesmente porque esses autores estivessem à frente do seu tempo, esta crença não pareceu ser suficientemente atrativa naquele momento e, consequentemente, não produziu dados empíricos suficientes para dar força a uma visão mais positiva do ser humano.

Seligman e Czikszentmihalyi (2003), sugerem que terá finalmente chegado o tempo certo para uma psicologia positiva. Efetivamente, a contar pela ampla disseminação da pesquisa em psicologia positiva, coloca-se em evidência que a comunidade psicológica começa a compreender que a psicologia deve ser também dirigida à “outra metade” (Ramos 2006).

É neste sentido que Sallod (citado por Hernadez, 2003) sugere que mesmo que se considere a psicologia positiva como “vinho velho em garrafa nova”, é válido reconhecer que tem muito a oferecer a sociedade contemporânea.

À modo de remate, é valido ressaltar que enquanto um dos “três pilares” em que se assenta a psicologia positiva seria a importância da investigação dos grupos positivos, a psicologia humanista muitas vezes, principalmente através das diversas encarnações de correntes terapêuticas e pedagógicas que se produziram no seu seio, enfatizavam uma visão individualista do mundo e a independência em relação ao meio.

1.1.3 - Psicologia Comunitária e Positividade

Nesta orientação, parece-nos, que um outro possível campo de interlocuções e aproximações teóricas e conceituais com a psicologia positiva poderá ser a psicologia comunitária.

Numa resenha dos quinze anos do aparecimento da psicologia na comunidade, Shelton J. Korchin (citado por Andery, 1984, pag 205-206) caracterizava assim os principais temas que marcavam esse então emergente campo da psicologia aplicada (grifos nossos):

1) “Os fatores ambientais são muito importantes na determinação e modificação de comportamentos.

2) “As intervenções sócio-comunitárias (intervenções orientadas para o sistema em

contraste com intervenções orientadas para as pessoas) podem ser eficientes tanto para

tornar as instituições sociais (por exemplo, a família, a escola) mais saudáveis, quanto

para reduzir o sofrimento individual.

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3) “Essas intervenções deveriam visar mais a prevenção do que o tratamento ou a reabilitação de desordens emocionais. Não só a pessoa necessitada mais também a

população-em-risco é a genuína preocupação da psicologia comunitária.

4) “Essas intervenções deveriam ter como objetivo a melhoria da competência social, mais do que a simples redução do sofrimento psicológico. Programas orientadas para o

comunitário deveriam acentuar mais o que é adaptativo do que o patológico na vida

social.

5) “A ajuda é mais eficaz quando obtida na proximidade dos ambientes em que os problemas aparecem. Portanto, os clínicos da comunidade deveriam trabalhar em

ambientes familiares próximos as pessoas necessitadas, antes que em locais social e geograficamente afastados delas.

6) “As clínicas da comunidade deveriam ir ao encontro dos clientes, antes que ficar à

espera de que eles o procurem profissionalmente […] A ajuda deveria ser acessível àqueles que dela necessitam e não só aos que a procuram.

7) “A fim de empregar recursos de fácil acesso e aumentar o seu ímpeto potencial, o

profissional deveria colaborar com os recursos humanos da comunidade […].

8) “[…] O exercício da profissão na comunidade exige uma programação mais imaginosa e

novos modelos conceptuais; as inovações devem ser estimuladas.

9) “A comunidade deveria, se não controlar, ao menos participar do desenvolvimento e

execução dos programas formulados, levando em conta as necessidades e preocupações dos membros da comunidade.

10) “Problemas de saúde mental deveriam ser encarados de maneira mais abrangente que

restrita, desde que eles se entrelaçam com muitas outras facetas do bem-estar social tais como emprego, habitação e educação [...]

11) “A educação do público para compreender a natureza e as causas dos problemas

psicossociais e os recursos disponíveis para lidar com esses problemas é uma tarefa valiosa.

12) “Desde que muitos problemas de saúde mental se relacionam com uma ampla faixa de

carências sociais, tais como pobreza, racismo, densidade urbana e alienação […], o psicólogo deveria ser orientado para a promoção e facilitação de reformas sociais.

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13) Para desenvolver o conhecimento necessário para uma intervenção com o adequado

conhecimento de causa, a psicologia da comunidade requer a contribuição das abordagens e pesquisas ao natural e ecológicas”.

As semelhanças entre a forma como a psicologia comunitária é aqui descrita por Korchin e as aceções do movimento da psicologia positiva são flagrantes.

(i) importância atribuída aos aspetos positivos como fator fundamental na conceção de prevenção;

(ii) Ênfase na importância dos contextos socioeconómicos e culturais específicos no desenvolvimento das pessoas e comunidades;

(iii) Conceção de uma psicologia mais preocupada com a saúde do que com o sofrimento e a doença;

(iv) adoção de uma abordagem menos centrada nos problemas e mais preocupada com a construção de melhores qualidades de vida para as pessoas e instituições;

(v) valorização das virtudes e da capacidade das pessoas para serem agentes ativos na definição positiva de suas próprias existências.

No entanto, na aceção de Marujo e Neto (2010), propondo o conceito de Psicologia Comunitária Positiva 7, é relativamente à uma questão mais básica que o movimento da psicologia positiva vem

resgatar e expandir o que era terreno próprio da psicologia comunitária: a questão dos valores e do reconhecimento da impossibilidade de uma ciência neutra. A conceção de que ciência e descompromisso político e ideológico não são de modo nenhum inconciliáveis, aliás muito pelo contrário, a tomada de posições em ciência é inevitável, quer dela se tenha ou não consciência. Nesta perspetiva um dos maiores interesses da psicologia positiva seria a assumpção de uma perspetiva reflexiva e crítica acerca dos enviesamentos das escolhas científicas em psicologia (Marujo, Neto, Caetano & Rivero, 2007).

Subjacentes as escolhas científicas estão sempre posições morais que moldarão diferentes práticas (Marujo & Neto, 2010). Como diria Laing (1927 - 1989) diferentes ângulos resultam em descrições

7 O conceito de “Psicologia Comunitária Positiva”, no sentido de uma “integração paradigmática” entre os dois

movimentos é um conceito algo excessivo na medida em que parece forçar uma relação, talvez não tão pacífica (considerando os métodos e as conceções de ciência subjacente aos dois movimentos), assento no “reconhecimento das extraordinárias forças e virtudes inerentes a viver numa posição social, económica, cultural, entendida como deficitária e marginal”, uma conceção que de facto, já não era estranha a psicologia comunitária, podendo neste sentido dispensar esta relação. No entanto, é neste âmbito que a discussão nos parágrafos seguintes deve ser compreendida.

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inteiramente diversas, que originam teorias inteiramente diferentes, que moldarão padrões de ação totalmente diversos.

Assim, anuindo com Marujo e Neto (2010) a orientação para o estudo dos aspetos fundamentalmente negativos de uma população em detrimento dos aspetos sãos, é o reflexo de uma tomada de posição que está em consonância com uma visão denegrida desta população. É neste sentido, por exemplo, que Yunes (2003) analisa a atenção de alguns pesquisadores americanos dirigida especialmente a populações de imigrantes pobres de grupos étnicos minoritários. Não seria essa tendência, o

reflexo

de uma preocupação social com a “ameaça” que estes grupos poderiam representar para as camadas dominantes? Para Yunes (op cit),é com esta conotação que muitas vezes essas populações têm sido denominadas “populações em situações de risco” (isto é, “risco para quem?”).

Assim Marujo e Neto (2010) veem na orientação da pesquisa sempre uma conotação política. Quando se decide conhecer estudantes universitários (mais acessíveis e socialmente bem posicionados) em vez de populações marginalizadas, há uma posição tácita sobre quem se concede a voz.

O mesmo seria válido em relação a forma como se decide colher informação – transformando as pessoas em números estatísticos8 ou dando voz direta aos intervenientes. Como se escolhe intervir?

Com o objetivo de melhorar o bem-estar para que as pessoas lidem melhor (se conformem) com as suas dificuldades, ou o bem-estar deve ser uma consequência de mudanças sociais das condições subjacentes à essas dificuldades? Por fim, sobre o que se conclui – sobre o que dá vida e fortalece, mesmo nas piores circunstâncias, ou sobre o que enfraquece e torna vulnerável? (Marujo e Neto 2010).

Afirma Csikszentmhihalyi (citado por Marujo & Neto 2010) a perspetiva da psicologia positiva revela uma reação, tanto ao posicionamento de neutralidade valorativa das abordagens experimentais, quer relativamente à orientação patologista que permeou muita da psicologia clínica. Não se pode deixar de notar que o que Csikszentmhihalyi adjudica a psicologia positiva, não poderia constituir uma definição mais adequada a psicologia comunitária.

A psicologia comunitária, conforme descreve Weisenfeld e Sánchez (citado por Arendt, 1997), emerge no contexto dos países do terceiro mundo como uma reação à abordagem experimental produtora de um conhecimento importado e estranho a dramática realidade desses contextos, voltando-se para a solução dos problemas concretos. Questiona-se assim as conclusões da “ciência importada” e parte-se para uma observação próxima e empática dessas realidades nas suas organizações mais espontâneas e representativas, considerando-o em seus aspetos culturais e

8 Novamente, agora no contexto da psicologia comunitária, o anseio por uma ciência mais humana parece

opor-se à objetividade científica. É interessante notar que não obstante estes autores identificarem as posições morais como a fonte dos enviesamentos subjacente as escolhas, persiste uma desconfiança, talvez algo romântica, em relação a medição.

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históricos em seus reais contextos socioeconómicos e culturais (Andery, 1984). Realiza uma visão pragmática da psicologia, mais preocupada com a aplicação prática dos achados da psicologia a situações sociais concretas do que com questões de natureza teórica e científica (Gomes, 1999). Como descreve Marin (citado por Gomes, 1999) a Psicologia Comunitária desenvolvida na América Latina acaba por se constituir assim numa aproximação multidisciplinar para a solução de problemas sociais. No entanto a problematização da psicologia social a partir de referenciais antropológicos, políticos e históricos teria, segundo Arendt (1997), conduzido à duas reduções concomitantes: (i) a redução do psicológico ao antropológico, histórico e político; (ii) e a redução do próprio contexto da psicologia ao processar-se uma perda de objeto.

O psicólogo comunitário latino-americano face a complexa realidade humana, sentiu a necessidade de abandonar a “visão unilateral” da psicologia experimental, em favor de uma visão mais abrangente e mais próxima da sua realidade. Arendt (1997), nota que em consequência desta necessidade, muitas intervenções dos psicólogos comunitários acabaram revelando-se na prática como atuações mais ligadas a sociologia, a política, a antropologia (isto sem formação para tal) do que propriamente a psicologia.

Defende Arendt (1997), embora um contexto humano complexo não pode naturalmente ser abarcado por uma única disciplina, isso não deverá no entanto pressupor uma perda de objeto e da especificidade de cada disciplina. É na conjugação de olhares, perspetivas e esforços, dentro de uma visão integrada que valoriza a função e papel de cada disciplina, que se constitui a interdisciplinaridade.

Assim a rejeição do experimentalismo e do positivismo lógico pelo psicólogo que atuava na complexa realidade comunitária, em função de uma atuação direta sobre os problemas sociais, resultaria num viés inverso ao do “psicólogo neutro” que ignorava a problematização antropológica, política e histórica da realidade vivida nesses contextos.

Assim, observa Arendt (1997) contrastando-se do psicólogo social experimental empírico-analítico “neutro” e alheio a realidade dos seus contextos, o psicólogo comunitário atento as metodologias qualitativas e a crítica política, histórica, antropológica e social perdeu no entanto a clareza do seu objeto de estudo. Neste sentido a máxima da psicologia comunitária segundo a qual “objetividade científica não significa descompromisso político”, constituiria uma crítica válida a própria psicologia comunitária.

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A busca por abordagens metodológicas e conceptuais alternativas9, como forma de inaugurar uma

nova interação do psicólogo com as classes desprivilegiadas, renunciando categoricamente ao positivismo lógico, considerada neutra ou mesmo ao serviço das classes dominantes resultaria, segundo Arendt (1997) de uma confusão entre a instancia controladora da psicologia e a própria psicologia.

Como ressalva Yunes (2003, pag 76), “postular uma ciência que focalize potencialidades e qualidades humanas exige tanto esforço, reflexão, seriedade conceitual, teórico e metodológico quanto o estudo de distúrbios e desordens humanas”. A psicologia positiva remetendo à importância dos rigorosos métodos da Ciência “tradicional”, para a investigação dos fatores que dão significado a vida humana, alia à uma visão positiva do ser humano, o rigoroso controlo metodológico, baseado no positivismo lógico10.

Neste sentido a conceção da psicologia positiva segundo uma perspetiva reflexiva e crítica acerca dos enviesamentos nas escolhas científicas (Marujo et all, 2007), estabeleceria a originalidade da psicologia positiva em relação a psicologia comunitária, ao constituir-se numa proposta explicitamente valorativa em relação as forças e virtudes humanas, mas baseada no exigente controlo metodológico da “ciência tradicional”, delineada pela visão de uma realidade objetiva e mensurável e pela necessidade de uma teoria ideológica unificadora (Leontiev, citado por Marujo et all, 2007).

Assume-se assim, que não se trata do método adotado que conduz à uma visão seletiva da realidade mas, como já vimos, as posições que se toma consciente ou inconscientemente na orientação da pesquisa.

Neste sentido, como o afirma Freitas (citado por Arendt, 1997) apreciando o trabalho da pesquisadora Venezuelana Maritza Montero, é efetivamente possível estudar por exemplo os efeitos da colonização, da pobreza, da dependência, da miséria, da violência e da opressão sobre a identidade e a consciência das pessoas, num quadro de rigorosa exigência metodológica, sem deixar de se comprometer politicamente com a transformação social materializada nas relações da vida quotidiana.

1.1.4 - Resiliência e Positividade

9 A pesquisa-ação, oriunda da Educação Popular e da Antropologia Social, através de autores como Paulo Freire

e Orlando Fals Borda seria elegido a metodologia privilegiada na atuação do psicólogo comunitário latino-americano.

10 Não se assume aqui, necessariamente, um ponto de vista estritamente quantitativo sobre o processo de

investigação em psicologia. Acreditamos no valor dos métodos qualitativos, quando rigorosamente elaborados, constituindo-se nos mais adequados dependendo dos objetivos do investigador. No entanto o esforço por englobar a diversidade humana, não pode opor-se a busca de regularidades, sem o qual, não se pode efetivamente falar de ciência.

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A positividade em psicologia, independentemente das correntes que o encarnam, apresentou-se, como diria Rappaport (citado por Marujo e Neto 2010, pag 519), em contra corrente enquanto “movimentos críticos e corajosos em relação ao status quo da psicologia, intentando um horizonte de representação da mudança e dos seres humanos baseado nas forças e no positivo […]”.

Assim, como refere Bermejjo (2010) contrariamente a conceção tradicional de que ante uma situação adversa ou traumática, o natural seria que os indivíduos desenvolvessem alguma patologia em reação a essa vivência, desde perspetivas mais otimistas, se considera que as pessoas são fortes e ativas, com uma capacidade natural para resistir e readaptar-se apesar das adversidades. Como afirmam Silva, Elsen e Lacharité (2003, pag 151), “é justamente na vigência de situações adversas que o ser humano revela potencialidades extraordinárias”.

A dimensão de positividade inscrita na reação do ser humano ante as contingências e desafios da existência, traduz o conceito de resiliência: a adaptação com sucesso às tarefas da vida, em condições de desvantagem social ou em situações fortemente adversas (Windle, citado por Simões, 2008).

A noção de resiliência emerge do campo da física e da engenharia como módulo de elasticidade, compreendendo a razão entre a tensão exercida sobre um corpo e a deformação resultante dentro de um limite elástico em que o material retorna completamente ao seu formato original uma vez retirada a carga aplicada.

Assim e em analogia, conforme o coloca Staudinger (citado por Simões, 2008), a plasticidade fornece um índice através do qual se pode medir o grau de mudança [tensão] e a flexibilidade de uma pessoa para lidar com ela. A presença de pressão ou risco representa deste modo, um dos princípios básicos na definição de resiliência, não se podendo falar de resiliência na ausência de risco ou experiencias stressantes num determinado período da vida do sujeito (McGloin & Widom, citado por Simões, 2008).

Deste modo no contexto da resiliência, embora a exposição ao risco esteja associado ao desajustamento, não determina o desenvolvimento de patologia ou desajustamento, na medida em que as consequências negativas dependerão de uma série de outros fatores, entre os quais a própria forma como se processa o risco (Yunes & Szymanski, citado por Taboada, Legal & Machado, 2006). Assim, admitindo como no início fizemos, que a saúde dos adolescentes não é independente das experiências de vida, isso de modo nenhum representa o antecedente lógico da inevitável conclusão de que o ajustamento pode ser equacionado em função do risco. Isso porque subjacente ao risco não estão presentes apenas processos negativos ligados ao desajustamento, mas igualmente fenómenos positivos ligados a resiliência.

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Entretanto, a aproximação de pesquisadores aos chamados “contextos de risco”, assume muitas vezes, como afirma Freitas (1998), uma realidade comunitária inquestionável e imutável, produzindo explicações que fortalecem o conformismo e a passividade, chegando a ponto de, cientificamente, identifica-las como incapazes, conformistas e sem futuro. No entanto, como explica Slap (2001), é como consequência do fracasso desses modelos em explicar aqueles adolescentes que, contra todas as expectativas, evitavam comportamentos prejudiciais e vivenciavam bons resultados de saúde, que surge o interesse dos pesquisadores pela resiliência nos jovens.

Um dos primeiros estudos que potenciariam o surgimento do conceito de resiliência terá sido um estudo longitudinal de cerca de 40 anos realizado em Havai por Werner, Smith e outros colaboradores (Yunes, 2003; Simões, 2008; Bermejo, 2010). Este estudo, que terá surgido num marco teórico alheio ao conceito de resiliência (de facto procurava-se investigar os efeitos cumulativos de vários fatores de risco em desfechos como desenvolvimento físico, social e emocional), terá surpreendido os investigadores ao demonstrar que apenas um quinto das crianças expostas a vários fatores de risco apresentaram desfechos negativos. Uma porção significativa dos participantes desse estudo eram crianças provenientes de famílias cujos pais eram alcoólatras ou apresentavam distúrbios mentais. Não obstante, a maioria havia evoluído positivamente, convertendo-se em adultos competentes e bem integrados.

O conceito de resiliência representa assim, mais do que meramente sobreviver à situações adversas ou de privação, uma contraposição à ideia que os sujeitos que crescem em ambientes adversos estão fadados a se tornarem em adultos problemáticos (Walsh, citado por Silva, Elsen, Lacharité, 2003). Assim, a resiliência aporta uma perspetiva promissora em termos de saúde e desenvolvimento humano, principalmente frente à populações que vivem em condições psicossociais desfavoráveis (op cit), apresentando um modelo de análise abrangente que enfatiza especialmente os fatores e processos de proteção que podem inverter o percurso de fatores de risco (Simões, 2008).

Neste âmbito, como aponta Bermejjo (2010), os estudos sobre resiliência podem revelar-se uma fonte muito útil para o desenho e implementação de programas educativos e de intervenção social, através da identificação de variáveis pessoais e contextuais que aumentam a probabilidade de êxito das pessoas que vivem em situações de risco ou de exclusão no processo de desenvolvimento e normalização.

1.2 - Resiliência: Operacionalização do Conceito

A resiliência, não obstante abrir amplas possibilidades ao campo da promoção da saúde, não possui ainda uma definição consensual, um parâmetro inquestionável ou medida uniforme (Bermejjo,

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2010; Simões, 2008; Slap, 2001, Taboada, Legal & Machado, 2006; Yunes, 2003; Silva, Elsen e Lacharité, 2003).

No entanto, asseveram Taboada, Legal e Machado, (2006), é precisamente a clareza e a objetividade na definição do constructo que permitirá um diálogo construtivo entre pesquisadores e a criação de uma agenda em comum que possibilita reunir esforços para efetivar estudos que testam as hipóteses formuladas.

Entretanto, segundo Slap (2001), aparentemente tem sido mais fácil concordar sobre o que resiliência não significa, do que sobre o que ela significa. Assim definido pelo seus opostos, parece haver consenso em que a resiliência não é apenas o oposto de risco, não é o sinónimo de algum fator protetor em particular e não é um aspeto específico de alguns adolescentes, mas algo presente em cada um de nós ditas “pessoas normais”.

Deslandes e Junqueira (2003), descrevem um modelo que organiza as distintas definições de resiliência em três pólos temáticos, compreendendo (i) Adaptação versus Superação; (ii) Inato versus Adquirido; (iii) Circunstancial versus Permanente.

(i) A resiliência deverá ser compreendido como um processo através do qual a pessoa conserva o equilíbrio apesar da adversidade/risco, ou deverá ser compreendido como um processo de superação, através da adversidade/risco?

Este pólo temático denota a forma distinta como a resiliência tem sido definido por diferentes autores. Por um lado a resiliência tende a aparecer relacionado ao conceito de crescimento pós-traumático (de facto englobando-o), entendida simultaneamente como capacidade de resistência e superação.

Por outro lado, e numa perspetiva mais restrita, o conceito de resiliência é identificada como resistência a adversidade ou retorno homeostático a condição anterior a ela, diferenciando-se de conceitos como crescimento pós-traumático ou florescimento, que compreenderiam a obtenção de mudanças benéficas após, e através da adversidade.

Outra distinção evidencia-se nesta segunda perspetiva, nomeadamente a de se a resiliência seria a capacidade de recuperar o padrão de funcionamento apôs uma situação adversa, sem no entanto deixar de ser atingido, (por exemplo Gamezy, citado por Silva, Elsen e Lacharité, 2003), ou se por outro lado, refletiria a capacidade para manter o equilíbrio estável durante todo o processo (por exemplo Bonano, citado por Bermejjo, 2010).

(ii) Embora o clássico debate hereditariedade/meio não seja levantado de modo direto nos estudos sobre resiliência, Taboada, Legal e Machado, (2006), pensam surpreender a

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questão relativa aos fatores propiciadores de resiliência, na ênfase colocada ora no contexto, ora no indivíduo. Seriam estes fatores intrínsecos aos indivíduos, de natureza inata, hereditária, ou seriam função da organização do meio?

Segundo Taboada, Legal e Machado, (2006), as pesquisas que focam as capacidades e habilidades individuais de forma descontextualizada estariam mais propensas a identificar fatores inatos, enquanto as que têm o foco no contexto social tendem a caracterizar a resiliência enquanto habilidade social que pode ser aprendida e deverá ser promovida. Como notam estes autores (op cit) há no entanto um relativo consenso quanto a importância fundamental do meio e das relações sociais no processo de resiliência, que muito provavelmente possuirá igualmente fatores inatos.

(iii) A resiliência decorrerá de fatores estáveis que estariam ou não presentes nas pessoas ou representariam recursos, forças, estratégias e habilidades específicas utilizadas em contexto de uma adversidade específica?

Dada a importância desta distinção nas opções metodológicas adotadas no presente trabalho deter-nos-emos mais demoradamente neste ponto. Embora, tal como o pólo temático anterior, provavelmente não se tratarão de extremos mutuamente exclusivos, a análise da evolução do constructo nos poderá revelar muito sobre a natureza das orientações adotadas.

Como relata Yunes (2003) atribui-se ao psiquiatra infantil E. J. Antony, a introdução do termo invulnerabilidade ao descrever as crianças que apresentavam saúde mental e alta competência, não obstante estarem expostas a períodos prolongados de adversidade e stress.

A crescente aplicação do termo sugeria que haveriam crianças que apresentariam uma espécie de imunidade a qualquer tipo de desordem, independentemente das circunstâncias vividas (op cit). No entanto, como explica Simões (2008), não é exatamente isso que acontece. Citando Ralha-Simões, assevera que a capacidade de resistir à circunstancias menos favoráveis não se processa por um bloqueio à entrada de estímulos do meio, mas de adaptação e ajustamento às circunstancias de vida, inclusive as mais adversas.

No mesmo sentido Rutter (citado por Yunes, 2003) aponta que as pesquisas têm indicado que a resistência ao stress é relativa, de caráter circunstancial, e que suas bases são tanto constitucionais como ambientais. Portanto um tanto arredado do termo invulnerabilidade que transmite a noção de uma característica intrínseca do individuo “intocável e sem limites para suportar o sofrimento”. Beauvais e Oetting (citado por Simões, 2008), explicam a perspetiva algo “fantástica e transcendente” da capacidade de ultrapassar as dificuldades e manter-se saudável, pelo desconhecimento dos processos e recursos subjacentes ao sucesso em situações desfavoráveis. Segundo Simões (2008) os progressos na identificação de alguns desses processos teria favorecido, o

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surgimento de um termo, como diriam Masten e Garmezy (citado por Yunes, 2003), “menos olímpico”.

No entanto, a conceção de uma “capacidade excecional”, ligado à termos como “sobreviventes”, “heróis”, “pessoas modelo”, “crianças de ouro”, “invulneráveis, ainda utilizados como sinónimos de resiliência (Simões, 2008), permanecem, segundo Yunes (2003) orientando a produção científica de muitos pesquisadores na área.

Como observam Taboada, Legal e Machado (2006), quando entendemos a resiliência enquanto característica permanente, estamos lidando com um traço de personalidade estável que permitiria a pessoa resiliente recuperar rapidamente de qualquer experiência traumática. Para Martineau (1999), é essa perspetiva que terá dado lugar a um conceito de resiliência definida como um conjunto de traços que podem ser replicados.

Assim, a resistência ao stress seria função de características permanentes e replicáveis, como por exemplo sociabilidade, criatividade na resolução de problemas, e senso de autonomia e de projeto, ou outros (Martineau, 1999). Perante situações de stress, o resiliente atuaria de acordo com um conjunto constante de competências e habilidades definidas como típicas da resiliência, protegendo-o do impacto da situação vivida.

Nesta perspetiva, podemos situar por exemplo os estudos psicométricos como a escala de resiliência desenvolvida por Wagnild & Young, adaptada para o português por Pesce, Assis, Avanci, Santos, Malaquias e Carvalhaes (2005).

Visando medir níveis de adaptação psicossocial positiva em face de eventos de vida importantes, Wagnild & Young, (citados por Assis, Avanci, Santos, Malaquias e Carvalhaes, 2005) realizaram um estudo qualitativo com 24 mulheres adultas previamente selecionadas por se adaptarem com sucesso à adversidades, às quais se solicitava que descrevessem a forma como se organizavam ante vivências negativas. Foram assim identificados cinco fatores para a resiliência, nomeadamente a serenidade, perseverança, autoconfiança, sentido de vida e autosuficiência.

Wagnild e Young teriam encontrado bons indicativos de confiabilidade e validade do instrumento, corroborados em adaptações transculturais, nomeadamente com imigrantes russos adultos (Aroian et al, citado por Pesce, Assis, Avanci, Santos, Malaquias & Carvalhaes, 2005), e adolescentes brasileiros (Pesce et al, 2005).

Estes autores descrevem relações significativas entre os escores da escala e outros constructos teoricamente ligados ao comportamento resiliente, nomeadamente a satisfação com a vida, autoestima, supervisão familiar e apoio social (op cit). Correlações entre índices de resiliência medida pela escala e indicadores de baixa somatização e depressão, maior saúde física,

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determinação, sensação de bem-estar e habilidade para lidar com problemas, foram igualmente relatadas (Aroian et al, citado po Pesce et al, 2005).

Indicariam estes resultados que indivíduos identificados como resilientes pela escala de Wagnild e Young, ou outras medidas psicométricas similares, reagiriam positivamente a quaisquer vicissitudes da vida, sejam elas quais forem? Isto está longe de ser uma hipótese consensual.

Por exemplo, Martineau (1999) critica tais estudos psicométricos, ao pretenderem identificar características e traços que distinguiriam a criança resiliente, em lugar de considerar a resistência ao stress enquanto fenómeno contingente/provisório imprevisível e dinâmico.

Um aspeto a ressaltar em relação a conceção dos traços é que, como já vimos, o conceito de resiliência está atrelada a presença de uma situação adversa11 (McGloin & Widom, citado por

Simões, 2008), sendo em rigor confuso falar de resiliência na ausência de risco ou experiencias stressantes. Como advertem Masten e Coatsworth (citado por Silva, Elsen e Lacharité, 2003), o termo deve ser usado somente para os casos onde há resposta positiva em presença de risco significativo, devendo ser evitado quando a resposta é positiva na ausência desta exposição. Neste sentido tais medidas psicométricas não seriam em rigor medidas de resiliência, mas mediriam traços individuais que teoricamente estariam relacionados a uma maior probabilidade de superação ante contingências adversas, independentemente dos fatores do meio, e da natureza do risco.

Uma das principais evidências opostas a conceção dos traços, são os estudos referentes ao risco acumulado (Cumulative risk). A investigação na área de resiliência tem mostrado que a coocorrência de fatores de risco, está associada a uma diminuição da capacidade de resistência ao stress e que a presença de múltiplos fatores de proteção estão associados a uma maior probabilidade de resistência e ajustamento face a adversidade. No fundo a resiliência requereria um equilíbrio entre fatores de risco e fatores de proteção (Werner e Smith, citado por Simões, 2008). É interessante notar por exemplo que os escores da escala de resiliência de Wagnild e Young, centrado exclusivamente em componentes psicológicos individuais, têm correlações significativas com supervisão familiar e apoio social, sendo fácil entender que estas variáveis do contexto social desempenham um papel significativo nas correlações encontradas entre os índices de resiliência medidas pela escala e indicadores de baixa somatização e depressão, maior saúde física, sensação de bem-estar.

Rutter (1999) adverte para a importância crucial de múltiplos fatores de risco e de proteção envolvidas no processo de resiliência. Um dos exemplos elucidativos que apresenta a este respeito é-nos dado pelos resultados do estudo longitudinal da Cristchurch (Fergunsson e Lynskey, citado por

11 Como refere Windle (citado por Simões, 2008), a definição provavelmente mais consensual de resiliência seja

a adaptação com sucesso ante condições de desvantagem social ou em situações fortemente adversas.

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Rutter, 1999). Estes autores desenvolveram uma escala de adversidade baseada em trinta e nove indicadores de vida familiar, nomeadamente desvantagem económica, interações disfuncionais pais-filhos, conflitos conjugais e divórcio, entre outros. Adolescentes em idade compreendidas entre 15-16 anos foram avaliadas com base em múltiplos resultados de medidas de comportamento antissocial e de abuso de drogas/álcool.

Adolescentes que apresentavam resultados de indicadores de risco familiar igual ou inferior à seis pontos, apresentavam baixa probabilidade de risco de múltiplos problemas (apenas 0.2 %). No entanto adolescentes que apresentavam indicadores de risco familiar igual ou superior aos 19 pontos, apresentavam probabilidade cem vezes maior de apresentar múltiplos problemas.

A hipótese do risco acumulado (cumulative risk), foi segundo Simões (2008), levantado pela primeira vez por Rutter, ao verificar que a combinação de quatro fatores de stress quadruplicava a possibilidade de desajustamento em relação à combinação de três fatores de stress. A hipótese do risco acumulado pressupõe assim que quanto maior o numero de stressores, menor a possibilidade de que os indivíduos se mantenham ajustados. Como observa Simões (2008), a questão crucial reside no número de fatores de risco e não propriamente no tipo ou grupo particular desses fatores. Na verdade, o número quatro parece constituir uma espécie de número mágico na teoria do risco acumulado.

Forehand et al. (1998) acompanhando um grupo de adolescentes durante seis anos, examinou a influência de fatores de risco familiar sobre três áreas de ajustamento psicossocial, nomeadamente problemas de internalização, problemas de externalização e realização académica. Entre os fatores de risco examinados encontravam-se o divórcio e conflitos conjugais entre os pais, problemas de saúde física das mães, depressão nas mães, e dificuldades relacionais mães-adolescentes. Verificou-se um aumento acentuado em dificuldades de adaptação quando o número de fatores de risco aumentava de três para quatro.

Segundo Forehand et al. (1998) o quarto fator de risco acumulado parecia manifestar-se como “a palha que partiu as costas do camelo” ou a “gota de água que transbordou o copo”. Assim, um único fator de risco familiar, independentemente da sua gravidade ou tipo, pode ter um efeito pequeno, enquanto que a presença de múltiplos fatores parecem ter um efeito decisivo no ajustamento social dos jovens.

Em analogia a forma como a resiliência é concebida nas ciências exatas12, encontramos a noção de

que tensões posteriores vão desgastando a capacidade de resistência e plasticidade do indivíduo.

12No contexto das ciências exatas a resiliência não representa igualmente a invulnerabilidade de um material. Com efeito, o

acúmulo de tensões vai acarretando um escoamento macromolecular com rompimento de ligações secundárias entre as cadeias subjacentes, resultando em deformações permanentes.

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Naturalmente a acumulação de stressores poderá não ter um efeito aditivo simples. A acumulação de riscos poderá ter um efeito negativo na medida em que vai desgastando os recursos do indivíduo e do envolvimento (Garmezy, citado por Simões, 2008). Neste contexto Forehand et al. (1998), descrevem aquilo que denominam “de efeito adiado”, isto é, um efeito a longo prazo em consequência do desgaste de recursos e iniciação de outros processos relacionados a dificuldades de ajustamento.

Assim, por exemplo uma criança pode lidar mais ou menos de modo ajustado com um fator de risco como conflitos conjugais constantes entre os pais. No entanto, com a entrada para a adolescência e a consequente renegociação do seu papel, da sua relação com a família e da relação com os pares, esse ambiente familiar pode refletir-se como fator de vulnerabilidade face a dificuldades de ajustamento quando aliadas por exemplo, a pares desviantes.

Mas o mais interessante em relação a importância crucial de múltiplos fatores no processo de resiliência é que, como já vimos, não só os fatores de risco se acumulam, influenciando significativamente a capacidade do indivíduo resistir. Também a coocorrência de múltiplos fatores protetores influencia positivamente a resiliência. Em ambos os casos, como observa Rutter (1999), é a combinação de variáveis que parece ter maior efeito do que qualquer fator isolado, independentemente do tipo. Assim, porque a maior parte dos estudos tendem a se focar no desajustamento, os mecanismos associados a reações positivas são menos conhecidas, mas está claro que tais mecanismos estão presentes.

Neste sentido, é pertinente a distinção enfatizada por Luthar e cols. (citados por Yunes, 2003) entre processo e traço. Neste sentido não haveria com rigor “criança resiliente” (isto é atributos ou traços pessoais resilientes), mas condições de resiliência (isto é, um processo), designadamente, relativo a presença de risco ao bem-estar da criança, com adaptação positiva desta criança apesar das adversidades.

1.2.1 – Definindo Resiliência

A definição de resiliência assumida no presente trabalho resulta de um posicionamento relativamente a cada um dos pólos temáticos anteriormente discutidos, de acordo com a discussão apresentada. Assim:

1. Adaptação versus Superação

Em relação ao primeiro pólo, para maior delimitação do constructo assumiremos um conceito de resiliência restrita a capacidade de adaptação, distinguindo-o do conceito de crescimento pós-traumático. Por outro lado pensamos ser importante distinguir resiliência de recuperação,

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assumindo a resiliência enquanto equilíbrio relativamente estável durante todo o processo, isto é, enquanto uma reação adequada e satisfatória ao stress, sem implicar obviamente em invulnerabilidade.

Esquematicamente teríamos um contínuo de reações distintas mais ou menos adaptativas em relação ao stress e a adversidade:

a) Recuperação - o desenvolvimento de transtornos e perturbações em relação a uma vivência adversa, com posterior recuperação com retorno gradual,

b) Resiliência - a resistência com equilíbrio relativamente estável durante o processo de adversidade e;

c) Crescimento pós-traumático – Melhora no funcionamento e mudança positiva após situação traumática ou adversa.

2. Inato versus Adquirido;

Em relação a este pólo, assume-se a resiliência enquanto atributo que, embora provavelmente possua componentes inatos, é determinado fundamentalmente pelas circunstâncias especificas da adversidade, nomeadamente da dimensão da adversidade, os fatores de risco associados e os recursos protetores disponíveis.

3. Circunstancial versus Permanente.

Coerentemente ao exposto, concebemos a resiliência como um processo de caráter eminentemente circunstancial, oposta a conceção dos traços.

Em síntese, concebemos a resiliência como se segue:

Resiliência – Processo de adaptação positiva ante condições de desvantagem social ou no decurso de situações adversas, circunstancial a dimensão da adversidade, fatores de risco associados e recursos protetores disponíveis.

1.1.4 – Modelos e Métodos de Medição do Processo Resiliente

A medição do processo resiliente fundamenta-se essencialmente em dois modelos. Por um lado os modelos centrados no indivíduo e por outro, os modelos centrados nas variáveis (Levano, 2005, Bermejjo, 2010; Taboada, Legal & Machado, 2006). Alguns estudos poderiam ser classificados como mistos, na medida em que tentam conciliar esses dois modelos.

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Os modelos centrados em variáveis procuram estudar a resiliência medindo o grau de adversidade e analisando os recursos utilizados pelas pessoas para superá-la. Esses estudos proporcionam informação acerca do efeito de fatores de risco e fatores protetores no comportamento adaptativo (resiliente), fornecendo informação relevante para projetos de intervenção, sobretudo ao nível contextual.

Entre os modelos centrados em variáveis existem diversos tipos, nomeadamente:

a) os que pretendem explicar as conductas resilientes como função da soma entre fatores de risco e fatores protetores através de um modelo aditivo simples;

b) os modelos que propõem a interação qualitativa entre os fatores de risco e protetores e entre indivíduos e ambiente. Nestes, um mesmo fator pode revelar-se como protetor ou de risco conforme a pessoa ou a situação específica.

c) Existem ainda modelos que assumem não existir uma influência direta dos fatores de risco ou de proteção, mas que estas atuariam através das suas consequências sobre o encadeamento da situação vivida.

Os modelos centrados no indivíduo, por seu lado procuram encontrar diferenças individuais que distinguiriam pessoas resilientes dos não resilientes.

Entre os estudos centrados no indivíduo estariam fundamentalmente em:

a) os estudos de casos, que buscam descrever pessoas identificadas a priori como resilientes e estudar as suas características e a forma como se organizam ante vivências negativas;

b) os que procuram comparar subgrupos de pessoas, visando identificar diferenças individuais entre pessoas que se adaptaram positivamente ante situações adversas e outras que, não obstante vivenciarem situações semelhantes as primeiras, demonstram condutas consideradas inadaptadas ou inadequadas.

Vários instrumentos têm sido concebidos para medir a resiliência. Por exemplo Levano (2005) elenca os seguintes:

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