Introdução
Quem surgiu primeiro: a ciência Matemática ou a aplicação da Matemática? Pode-mos dizer que a atividade de aplicar matemática é tão antiga quanto a própria Ma-temática. Muitas ideias matemáticas surgiram a partir de problemas práticos, assim como a Matemática já desenvolvida passou a ser usada em situações novas e diversas. A habilidade de empregar matemática em situações concretas e em outras áreas do conhecimento humano consiste em tomar um problema prático relativamente com-plexo, transformá-lo em um modelo matemático, ou seja, traduzir a questão na lin-guagem de números, gráficos, tabelas, equações etc., e procurar uma solução que possa ser reinterpretada em termos da situação concreta original.
Um esquema simples deste processo é dado por McLone: a partir de um tema (ou problema), é feita uma pesquisa à procura de dados que serão traduzidos em linguagem matemática, compondo um modelo que, em seguida, será submetido à validação.
Entretanto, esse esquema não explica como alguém pode desenvolver habilidades de matemático aplicado. De fato, percebemos que nem todas as pessoas que estu-dam as teorias matemáticas e conhecem bem a Matemática pura estão habilitadas a empregá-las concretamente e resolver questões ligadas às áreas de Biologia, Química, Ciências Sociais, História, Medicina, Psicologia, Agronomia, entre outras. Mesmo as-sim, a Matemática tem sido crescentemente solicitada por outros campos do conheci-mento a ponto de se esperar que ela resolva situações de todos os tipos. Isso nos leva a perguntar: é possível ensinar modelagem matemática?
Acreditamos muito que sim, desde que se enfrente o desafio de uma mudança pe-dagógica condizente com as necessidades dessa nossa época de alto desenvolvimento científico-tecnológico, que exige de nós criatividade, sensibilidade, dinamismo e par-ticipação ativa capazes de gerar inovação e provocar mudanças no mundo em que vivemos.
Notamos, contudo, que a maior dificuldade encontrada pelos professores que de-cidem adotar a modelagem matemática em seus cursos é a de transpor a barreira do ensino tradicional em favor de uma opção mais criativa e consequente. No ensino tra-dicional, o objeto de estudo se apresenta quase sempre bem delineado, obedecendo a uma sequência predeterminada, com um objetivo final muito claro que, muitas vezes, nada mais é que “cumprir o programa da disciplina”! Ora, ensinar a pensar matema-ticamente é muito mais do que isso. Portanto, é imprescindível mudar métodos e buscar processos alternativos para transmissão e aquisição de conhecimentos.
Nos últimos tempos, diversos pesquisadores, em especial nas universidades, têm buscado caminhos para a renovação pedagógica ao criar ambientes de ensino e apren-dizagem favoráveis à capacitação de pessoas com perfil adequado aos novos tempos. O ensino-aprendizagem com modelagem matemática é um dos frutos mais ricos e promissores dessa busca.
Este livro, assim como o outro que publicamos também pela Editora Contexto (Ensino-aprendizagem com modelagem matemática), tem como objetivos apresentar a
modelagem matemática ao leitor e inspirá-lo para que consiga construir seus pró-prios modelos. Por isso, o conteúdo matemático utilizado nos exemplos dados ao longo da obra é bastante simples e considerado básico em qualquer curso de Ciências Exatas ou mesmo de Biológicas. Os modelos tratados aqui são frutos de cursos de es-pecialização dados para professores dos ensinos médio e fundamental. Salientamos, entretanto, que a estratégia de modelagem pode ser adotada em qualquer situação ou ambiente educacional, desde que se use, evidentemente, um conteúdo compatível
com o estágio de desenvolvimento dos alunos. De fato, embora com um grau bem maior de dificuldade e sofisticação de problemas e modelos, no ensino superior, o uso da modelagem segue os mesmos passos que nos outros níveis de ensino: medir e/ou contar, analisar os dados, formular hipóteses, propor modelos e validá-los.1
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O uso da modelagem no processo de ensino-aprendizagem propicia a oportunidade de exercer a criatividade não somente em relação às aplicações das habilidades mate-máticas, mas, principalmente, na formulação de problemas originais uma etapa tão estimulante quanto a da resolução.
O processo se inicia com a escolha do tema de estudo (nesse momento, ainda não se tem ideia do conteúdo matemático que será utilizado para resolver as questões colocadas por ele). A partir daí, dizemos aos iniciantes: quando não tiver ideia do que fazer para lidar com o tema, comece “contando” ou “medindo”, pois, com esse procedimento, é fatal surgir uma tabela de dados. A disposição desses dados em um sistema cartesiano e um bom ajuste dos seus valores facilitarão a visualização do fenô-meno em estudo, propiciando a elaboração de questões, as propostas de problemas e o desenvolvimento de conjecturas que podem levar à elaboração de leis de forma-ção. A formulação de modelos matemáticos é simplesmente uma consequência da transposição dessas etapas.
Entretanto, o aprendizado de modelagem não se restringe à compreensão e ao uso de técnicas padronizadas ou procedimentos sequenciais que seguem um protocolo. Na verdade, da mesma forma que só se pode aprender a jogar futebol jogando, só se aprende modelagem modelando! O técnico do time pode aprimorar as ações de um jogador e ensaiar com ele jogadas mais efetivas, mas o resultado dependerá muito da habilidade deste jogador; e, ainda assim, em cada partida, sua atuação e seu rendi-mento poderão ser distintos de acordo com o comportarendi-mento da equipe adversária. Da mesma forma, o professor de Matemática pode apenas fornecer a seus alunos fer-ramentas matemáticas e estimulá-los a empregá-las em situações concretas usando a
1A modelagem como processo de ensino-aprendizagem pode ser utilizada de maneiras diversas se
o ambiente de ensino for diferenciado. Assim, se estamos num ambiente de Iniciação Científica ou cursos de Especialização para professores de Matemática, o programa de conteúdos não causa grandes problemas. Entretanto, se o curso for regular com um programa a ser cumprido, o pro-cesso de modelagem deve ser adaptado, considerando temas dirigidos que tenham modelos com características próprias do conteúdo a ser tratado no curso. Neste caso, também não se pode deixar de fazer a formalização contínua dos objetos matemáticos que aparecem nos modelos e é desejá-vel que o professor já tenha trabalhado anteriormente com o tema para que o desenvolvimento do curso flua normalmente.
imprescindível criatividade e uma grande capacidade de adaptação a situações e pro-blemas novos. Saber trabalhar com modelagem matemática é quase como conseguir pintar bons quadros, no sentido de que não basta conhecer as técnicas (de misturar as tintas ou obter efeitos com o pincel) ou reproduzir alguma obra de outro pintor, é preciso aliar às habilidades técnicas uma boa dose de talento.
A postura aberta dos professores é fundamental para o sucesso de um curso de Matemática Aplicada que faça os estudantes se sentirem interessados e motivados pelas aplicações. O professor, nesse caso, é aquele sujeito mais experiente que facilita o processo de aprendizagem da modelagem matemática, já que a melhor maneira de saber usar a modelagem matemática é praticando modelagem, de preferência, junto com alguém que já lidou com situações concretas aplicando a matemática.
Para aqueles que se dispõem a trabalhar com modelagem matemática, é importante ter claro seus objetivos e estabelecer alguns critérios de qualidade adequados a esses objetivos. Por exemplo, se a modelagem matemática vai ser utilizada em sala de aula com a finalidade de motivar os alunos a incorporar certos conteúdos matemáticos ou a valorizar a própria matemática, muitas vezes, a validação dos modelos não é um critério fundamental para sua qualificação. Por outro lado, se o interesse recai nos resultados fornecidos pelo modelo, então a sua validação é indispensável.
Aplicar a matemática a questões de Biologia ou de Humanas, por exemplo, não é muito diferente do que tradicionalmente se tem feito com a Física. A matematização de uma realidade pode começar com o uso de modelos conhecidos modificados para se adaptar ao novo tema ou área, introduzindo variáveis ou hipóteses de acordo com as necessidades do novo desafio.
Neste livro, o leitor encontra alguns recursos básicos para a iniciação à modela-gem, não perdendo de vista nosso objetivo principal que é o ensino-aprendizagem de matemática. A parte computacional adequada para introdução à modelagem no ensino fundamental ou médio se restringe à confecção de gráficos e ao ajuste de cur-vas. Propomos então a utilização de programas bastante simples que se encontram disponíveis em quase todas as máquinas, tais como Excel (da Microsoft) ou BrOffice Calc, que é uma planilha eletrônica de livre acesso e compatível com a anterior. Esta restrição computacional se deve exclusivamente à necessidade de simplificação do processo de modelagem. Em um ambiente de ensino-aprendizagem mais favorável, outros programas mais sofisticados podem ser utilizados.
Procedimentos básicos para modelagem
Neste capítulo, vamos introduzir algunsrecursos básicos para a iniciação à
modela-gem, não perdendo de vista nosso objetivo principal que é o ensino-aprendizagem de matemática.
A parte computacional adequada para introdução à modelagem no ensino funda-mental ou médio se restringe, invariavelmente, à confecção de gráficos e ao ajuste de curvas. Para esse fim, propomos utilizar programas bastante simples que se en-contram disponíveis em quase todas as máquinas, como o Excel da Microsoft ou o BrOffice Calc, que é uma planilha eletrônica de livre acesso e compatível com a ante-rior.
Esta restrição computacional se deve exclusivamente à simplificação do processo de modelagem. Em um ambiente de ensino-aprendizagem mais favorável, outros programas mais sofisticados podem ser utilizados.
O início de alguma mudança pedagógica é quase sempre marcado por euforismos e/ou frustrações. A busca de processos alternativos para aquisição de conhecimentos tem sido uma constante nos últimos tempos:
Um dos grandes desafios deste início de século, em que um panorama de alto desenvolvimento científico-tecnológico está presente, é tornar o homem capaz de utilizar sua criatividade para gerar inovação e provocar mudanças no cenário em que está inserido. Isso implica uma postura sensível, dinâmica, responsável, independente e participativa. A universidade, na tentativa de enfrentar esta questão, tem buscado caminhos de reestruturação/renovação de seus projetos pedagógicos, voltados à instauração de um ambiente de ensino-aprendizagem favorável à construção do perfil deste novo homem.[2]