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Vila Bela da Santissima Trindade - MT : sua fala, seus cantos / \ c Jose Leonildo Lima

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José Leonildo Lima

VILA BELA DA SANTÍSSIMA TRINDADE - MT: SUA FALA, SEUS CANTOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Lingüística.

Orientadora: Profa. Dra. Tânia Maria Alkmim

Campinas

Instituto de Estudos da Linguagem

2000

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA

BIBLIOTECA IEL- UNICAMP

Lima, José Leonildo

Vila Bela da Santíssima Trindade- MT: sua fala, seus cantos I José Leonildo Lima-- Campinas, SP: [s.n], 2000.

Orientador: Tânia Maria Alkmim

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

1. Sociolingüística. 2. Língua e cultura. 3. Festas populares- Mato Grosso MT. 4. Negro - Canções e música. 5. Memória. I. Alkmim, Tânia Maria. I!. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

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Esta dissertação foi apresentada e defendida perante a seguinte banca examinadora:

Pro f" Dra. Dra. Tânia Maria Alkmim

Prof. Dr. Eduardo Roberto Junqueira Guimarães

Prof." Dra. Maria Laura Mayrink-Sabinson

Data da aprovação

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8 aprovada oala ,,

(4)
(5)

Os signos circulam, tudo circula, e a luta para repousar numa diferença em meio a uma equalização geral é enorme. Não é algo alegre. Nem triste. Entusiasma.

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AGRADECIMENTOS

Vários foram os lares que visitei em Vila Bela da Santíssima Trindade. V árias foram as pessoas com quem conversei. Vários foram os depoimentos que ouvi daquela gente amiga, alegre e hospitaleira sobre os mais diferentes aspectos de Vila Bela. Todos, com quem conversei, acrescentaram um pitadinha de saber ao meu trabalho. Em síntese, todos colaboram para que eu pudesse levar avante o meu trabalho. O que posso dizer aqui agora é: muito obrigado a todos.

Além dessa colaboração dada espontaneamente por dezenas de pessoas, algumas colaboraram de forma mais direta, como excelentes informantes, respondendo, não as perguntas de um questionário previamente elaborado, como também prestando as mais sólidas informações acerca da comunidade. Assim, externo o meu muito obrigado às seguintes pessoas: Aldamiro, Agripino, Astrogilda, Carmem, Dirce, Dona Cota, Elísio, Ismael, Joaquim das Neves (o poeta da cidade), Nemésia, Lélis, Leopoldo Frazão, Modesta, Nazário, Tia Mati, Urbano e Zeferino.

Sou grato à minha esposa Erica que, com muita paciência e tolerância, soube entender as minhas ausências.

Um agradecimento especial a quem, com muita paciência, segurança e disponibilidade soube me conduzir pelas veredas da produção científica: Pro f:

Dra. Tânia Maria Alkmim.

Um agradecimento carinhoso às dezoito pessoas que me ajudaram Ir avante: meus colegas de mestrado.

Quero externar também o meu smcero agradecimento à Profa. Dra. Yeda Pessoa Castro pela valiosa colaboração a mim prestada, ajudando-me na

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busca do significado de várias palavras africanas e de origem africana em funcionamento em Vila Bela da Santíssima Trindade.

Agradeço também à Universidade do Estado de Mato Grosso -UNEMA T pelo afastamento concedido para a realização do Mestrado em Lingüística e à Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior - CAPES pela bolsa de estudos concedida através do Programa de Mestrado Interinstitucional, celebrado entre a UNEMAT e a UNICAMP.

(8)

SUMÁRIO

SE

RESUMO 13

INTRODUÇÃO 15

1. VILA BELA DA SANTÍSSIMA TRINDADE: ASPECTOS

HISTÓRICOS, CULTURAIS E LINGÜÍSTICOS 21

1.1. ASPECTOS HISTÓRICOS 21

1.1.1. Localização 21

1.1.2. Fundação 22

1.1.3. População 26

1.1.4. Quilombos 28

1.1.5. Decadência de Vila Bela 3 O

1.1.6. Vila Bela Hoje 32

1.2. ASPECTOS CULTURAIS 34 1.2.1. Lazer e educação 34 1.2.2. Lendas 35 1.2.3. Feitiçaria 37 1.2.4. Ritual do nascimento 38 1.2.5. Ritual da morte 38 1.2.6. Culinária 39 1.3. ASPECTOS LINGÜÍSTICOS 41 2. FESTAS 43 2.l.Festança 43

2.2. Festa do Divino Espírito Santo 44

2.2.1. A preparação 44

2.2.2. A peregrinação 45

2.2.3. Rituais da festa no espaço urbano 49

2.2.4. Os festeiros 52

2.2.5. Festa do Divino e escolha dos festeiros 54 2.3. O negro é a festa: São Benedito, Congo e Chorado 58

2.3.1. A festa de São Benedito 58

2.3.2. A festa de São Benedito: os festeiros 60

2.3.3. A missa 60

2.3.4. A dança do Chorado: sua origem 61

(9)

2.3.6. A dança do Congo: sua origem 64

2.3.7. Os personagens da dança do Congo 67

2.3.8. A indumentária 69

2.3.9. Os instrumentos 70

2.3.10. Festa do Congo: a embaixada- primeiro dia 70

2.3 .11. A festa do Congo: o des:file 79

2.3.12. A festa do Congo: segundo dia 82

2.4. A festa da Santíssima Trindade 85

3. VILA BELA: SUA FALA, SEUS CANTOS, SUA MEMÓRIA 89

3.1. Os cantos e a memória 90

3.2. As festas do Congo e de S. Benedito: montagem da festa negra 91

3.2.1. Primeiro momento 91

3.2.2. Segundo momento 93

3.2.3. Terceiro momento 94

3.2.4. Quarto momento 95

3.2.5. A moldura 95

3.3. Vila Bela da Santíssima Trindade: seus cantos 96

3.4. Vila Bela da Santíssima Trindade: sua fala 122

3.5. A festança 137 CONCLUSÃO 157 ABSTRACT 161 BIBLIOGRAFIA 163 ANEXOS 169 Anexo I 171 Anexo 2 177 Anexo 3 185 Anexo 4 195 Anexo 5 203 Anexo 6 207 Anexo 7 213 Anexo 8 219 Anexo 9 221 Anexo 10 223

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RESUMO

Este trabalho é o resultado de um estudo sobre a memória do povo de Vila Bela da Santíssima Trindade - MT, a partir de certas marcas lingüísticas presentes nos cantos da dança do Chorado e nos cantos e texto da embaixada do Congo.

No primeiro capítulo discutimos alguns aspectos históricos, culturais e lingüísticos de Vila Bela da Santíssima Trindade. Quanto ao aspecto histórico, enfocamos a sua localização, fundação, população, quilombos, ciclo do ouro, sua decadência e a cidade hoje. Sobre o aspecto cultural demos ênfase ao lazer e á educação, às lendas, à feitiçaria, aos rituais do nascimento e da morte. E por último, fizemos breves considerações a respeito de aspectos lingüísticos manifestos na comunidade.

No segundo capítulo discutimos, inicialmente, o conceito de Festança.

A partir deste conceito, fizemos uma descrição da festa do Divino Espírito Santo, contemplando o seu ritual: a preparação da festa, a peregrinação dos foliões, os rituais da festa nos espaços rural e urbano, os festeiros e a sua escolha. Em seguida, apresentamos uma descrição da dança do Chorado. O texto tem sua seqüência com uma descrição também das festas de São Benedito e do Congo. E por último, fizemos uma caracterização da festa da Santíssima Trindade.

No terceiro capítulo temos a análise de algumas marcas lingüísticas previamente selecionadas dos cantos do Chorado e dos cantos e do texto da embaixada do Congo, a partir das quais discutimos alguns aspectos da memória do povo de Vila Bela da Santíssima Trindade.

(11)

E por último, o trabalho mostra-nos que a festa do Congo, de caráter profano, ainda exerce a sua soberania sobre as festas de caráter religioso e, que diante das marcas lingüísticas analisadas, várias evidências apontaram para a origem dos vila-belenses, curiosidade latente até hoje na comunidade.

(12)

INTRODUÇÃO

A presente dissertação resulta de uma pesquisa que teve como objetivo principal, uma abordagem sobre a memória do povo Vila Bela da Santíssima Trindade, a partir dos cantos do Divino Espírito Santo, Chorado e dos cantos e texto da embaixada do Congo. Assim, a partir deles, foi possível fazermos um estudo da memória do povo vila-belense, partindo de certas palavras africanas ou de origem africana e nos atendo também a outras que caracterizam historicamente o lugar, reconstruindo, assim, um pouco do seu passado. Foi também uma forma de entendermos a comunidade, pois os cantos funcionam como o elemento agregador e exteriorizador das raízes culturais, sociais, históricas e lingüísticas do povo.

Para podermos tomar ciência de alguns aspectos da comunidade, fizemos, primeiramente, uma visita ao lugar. Em contato com as pessoas da cidade, observamos que alguns aspectos lingüísticos caracterizam a comunidade. À guisa de exemplo, temos o alongamento dos segmentos nasais tônicos, ainda observado em falantes mais idosos. Segundo depoimentos de várias pessoas do lugar, essa característica, durante muito tempo, foi de ocorrência coletiva entre todos os vila-belenses, isto é, entre aqueles que nasceram e se criaram nessa cidade. Dizemos isso porque, sempre que falarmos no texto sobre o vila-belense, é ao negro, nascido e crescido em Vila Bela da Santíssima Trindade, que estamos nos referindo.

Avançando um pouco mais na observação dos aspectos lingüísticos manifestos na comunidade, tivemos a oportunidade de tomarmos conhecimento acerca de cantos que circulam no período da Festança

(13)

(conjunto das principais festas da comunidade realizadas numa determinada época do ano). A partir do conhecimento de alguns deles, optamos por fazer um estudo sobre algumas marcas lingüísticas presentes neles, que julgávamos ser africanas ou de origem africana.

Sendo uma comunidade em que os cantos são uma marca registrada do seu povo, optamos por um estudo sobre os principais cantos veiculados nas festas do Divino Espírito Santo, do Congo e Chorado e sobre o texto da embaixada do Congo. Assim, estava delimitado o nosso objeto de pesquisa, para, a partir desse lugar, fazermos o resgate de um pouco da história do vila-belense, a partir de palavras e/ou expressões africanas ou de origem africana contidas nesses textos.

Ao decidirmos pelo estudo da memória desse povo, o que nos chamou a atenção é que a comunidade tem a sua história viva não nos livros, mas na tradição oral. E um exemplo claro dessa tradição diz respeito à pesquisa que empreendemos para coletar o texto da dança do Congo e os cantos das danças e festas da comunidade. Valemo-nos do oral para traduzirmos em escrita o que circula livremente na comunidade. E essa tradição, ainda mantida pela comunidade, está sendo sepultada à medida que morre um vila-belense. Assim, registrar o que ainda está latente na memória do povo e do que está lavrado nos parcos textos escritos sobre Vila Bela da Santíssima Trindade, é uma forma de contermos o avanço do apagamento da história desse povo.

Se a história pouco registrou, de forma escrita, a vida do povo vila-belense, certas marcas lingüísticas que circulam nos cantos do Chorado e do Congo e no texto da embaixada, nos proporcionam condições para um resgate de alguns aspectos da história desse povo. São algumas dessas marcas presentes nos textos atuais que refletem o universo cultural da comunidade em epígrafe.

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Para que essa pesquisa se efetivasse, nos preparamos para ir a campo em busca de informações sobre o objeto escolhido. Primeiramente, preparamos um questionário com trinta perguntas. Com este questionário, almejávamos obter algumas informações do tipo: quais a festas tradicionais, comidas e bebidas típicas, palavras ou expressões, supostamente, de origem africana, costumes, entre outras. De posse desse questionário, nos dirigimos à comunidade para uma permanência de 20 dias (do dia 06/07 a 26/07/99), com a finalidade de entrevistarmos algumas pessoas. A escolha dessa data, foi em razão de ser esse o mês em que ocorrem todos os preparativos e a realização das festas na cidade.

Para a realização das entrevistas selecionamos 1 O informantes, sendo 5 do sexo masculino e 5 do sexo feminino. Dentro das variedades devidas ao falante não levamos em conta a questão da idade, grau de escolaridade e profissão. Na escolha do informante, consideramos apenas se ele participava ou não das festas. Assim, foram selecionados 5 informantes que participavam das festas e 5 que não.

Estabelecidos esses critérios, passamos à realização das entrevistas, gravando-as em fita cassete. Durante as entrevistas foi também o momento em que conseguimos coletar a maioria dos cantos. Somente os cantos do Divino é que tivemos acesso a eles através do registro escrito. Os do Chorado, os da festa do Congo e o próprio texto da embaixada do Congo, foi necessário contatarmos com vários participantes da festa, para conseguirmos registrá-los em fita cassete e depois realizarmos as transcrições. Esse foi o procedimento, tendo em vista que esses textos só circulam de forma oral na comunidade.

Todos os preparativos para a Festança bem como a realização das festas, foram registrados através de filmagens e fotografias, para posterior análise.

(15)

De posse de todo esse material, passamos à etapa de audição das fitas cassetes, para a obtenção de informações sobre a comunidade, com o objetivo de confrontar com outras informações obtidas sobre Vila Bela, através de bibliografia específica. Para compreendermos melhor as danças, ocupamos uma parcela de tempo também par examinar várias fotos que foram tiradas das festas, bem como assistir a oito horas de filmagens feitas durante a nossa permanência na comunidade. Após a observação e a análise desse material, vários aspectos sobre o objeto de pesquisa que pareciam estar claros, suscitaram muitas dúvidas. Listamos as principais dúvidas surgidas e retomamos à comunidade, no mês seguinte, com a finalidade elucidá-las.

Sanadas as dúvidas, passamos à escritura do texto, contemplando, inicialmente, os aspectos históricos, culturais e lingüísticos de Vila Bela da Santíssima Trindade, descrição das festas e suas realizações e análise dos cantos e texto da parte dramática do Congo.

O primeiro capítulo deste trabalho traz algumas considerações sobre os aspectos históricos, culturais e lingüísticos de Vila Bela da Santíssima Trindade - MT. Quanto aos aspectos históricos, foram contempladas as

seguintes informações: localização, fundação, população, quilombos, ciclo do ouro, decadência e Vila Bela hoje. No tocante aos aspectos culturais, abordamos questões sobre o lazer e a educação, as lendas, a feitiçaria e os rituais do nascimento e da morte. Sobre os aspectos lingüísticos, elencamos uma característica ainda presente no falar do vila-belense: o alongamento dos segmentos nasais tônicos.

No segundo capítulo, fizemos uma descrição das festas do conjunto denominado Festança. Inicialmente, tecemos algumas considerações sobre o conceito de Festança para os vila-belenses. Após este conceito, apresentamos uma descrição da festa do Divino Espírito Santo, destacando os principais

(16)

momentos ritualísticos da festa: a preparação, a peregrinação dos foliões, rituais da festa nos espaços rural e urbano, os festeiros e a escolha dos deles.

O capítulo tem sua seqüência com uma abordagem sobre a festa do Congo e a sua relação com a festa de São Benedito. As primeiras considerações que fizemos foram sobre os festeiros e o ritual religioso. Em seguida, procedemos a uma descrição sobre a dança do Chorado, caracterizando a sua origem e sua apresentação. O texto prossegue com uma abordagem sobre a origem da. dança do Congo, os personagens, a indumentária e os instrumentos. E ainda sobre o Congo, apresentamos o texto sobre a embaixada e como é o ritual da festa no primeiro e segundo dias da sua realização. O capítulo é concluído com uma caracterização da festa da Santíssima Trindade, que é a festa de encerramento da Festança.

O terceiro capítulo é introduzido com um breve comentário sobre os cantos e a memória do povo vila-belense. Em seguida, fazemos uma apresentação sobre a montagem das festas do Congo e de São Benedito. O texto tem sua continuidade com a análise de algumas marcas lingüísticas manifestas nos cantos do Chorado e do Congo e no texto da embaixada. E por último, uma análise do calendário festivo da Festança.

(17)

HISTÓRICOS, CULTURAIS E LINGÜÍSTICOS

1.1. ASPECTOS HISTÓRICOS

1.1.1.

Localização

O município de Vila Bela da Santíssima Trindade, segundo informações que obtivemos junto ao INCRA e a pessoas da comunidade, está localizado a oeste do estado de Mato Grosso, ocupando uma área de 13.679 km2. Limita-se ao norte com o município de Comodoro, a leste com os municípios de Pontes e Lacerda e Nova Lacerda e ao sul e a oeste com a República da Bolívia. Está situado na bacia amazônica, a 198 metros acima do nível do mar.

O relevo é marcado por urna extensa superfície sedimentar, dando origem a extensos chapadões. Destacam-se, aqui, a Chapada dos Parecis, as serras de Santa Bárbara, de São Vicente e Ricardo Franco. Esta última encontra-se na divisa do município de Vila Bela com a República da Bolívia, estendendo-se no sentido norte/sul. Na serra de Santa Bárbara nascem os principais rios formadores da bacia do Guaporé, como o rio Alegre, o rio Barbado, o rio Sararé, entre outros.

Quanto ao clima, predomina, no municipio, o do tipo quente e semi-úmido, com dois fatores marcantes: temperatura elevada e a existência de uma estação muito chuvosa e outra de seca prolongada. Cada uma tem a duração aproximada de seis meses. A estação seca vai de maio a outubro e a chuvosa, de novembro a abril.

Sobre a vegetação, a região é caracterizada como zona de transição entre o cerrado e a floresta amazônica. Esta última é composta por árvores

(18)

altas, troncos finos e copas pouco desenvolvidas com o predomínio do guanandi, do jatobá, da peroba, da cerejeira, do cedro, do ipê, da aroeira e do mogno. O cerrado é caracterizado por árvores baixas, com troncos bastante tortos. As árvores mais encontradas são a lixeira, o pequi e o cambará.

A hidrografia está ligada à bacia amazônica, marcada pelo rio Guaporé, principal artéria fluvial do município. É um rio todo navegável desde Vila Bela até sua embocadura no rio Mamoré, já no estado de Rondônia.

1.1.2. Fundação

Em 1719, deixou São Paulo uma bandeira chefiada por Paschoal Moreira Cabral e que, chegando ao rio Cuiabá, sobe por este, depois entra pelo Coxipó-Mirim e, finalmente, passa a percorrer uma trilha de índios. Neste percurso descobre ouro e, imediatamente, manda um emissário levar a boa nova ao capitão-general D. Rodrigo Cesar Menezes, governador da província de São Paulo.

Divulgada a notícia da descoberta das minas de ouro, muitas pessoas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais deslocaram-se para Cuiabá. Com a descoberta do ouro neste lugar, a região ficou conhecida como as "Minas do Cuiabá".

No ano de 1721, o sertanista Miguel Sutil, natural de Sorocaba, mandou dois índios carijós à procura de mel no mato. À noite, ao retomarem da missão que lhes fora dada, mostraram a ele algumas pepitas de ouro que encontraram num lugar não muito distante de onde haviam partido.

(19)

No dia seguinte, Sutil e outros bandeirantes seguiram para o local onde fora encontrado o ouro, e ali os mineradores construíram uma ermida, sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário. Nascia assim o arraial de Cuiabá.

A visado do fato, o governador da província de São Paulo, dirige-se às novas minas. Chegou ao local no dia 15 de novembro de 1726. No dia 01 de janeiro de 1727, elevou o povoado à categoria de vila, sob o nome de Vila

Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, pertencente à província de São Paulo. A partir de I 73 1, os moradores de Cuiabá começaram a penetrar a região oeste. Chegaram ao chapadão dos índios pareci, região de mata pujante e densa. Essa região passou, a partir de I 731, a receber o nome de Mato Grosso, dando origem ao nome do estado.

Segundo Joaquim da Costa Siqueira, um cronista de Cuiabá, (..) no ano de 1733, descobriu-se, naquela região de Mato Grosso, ouro abundante num local que recebeu o nome de São Francisco Xavier (FERREIRA, 1960:

31).

No ano seguinte, 1734, foi descoberta outra mina no local denominado Santana. Assim, havia uma região aurífera, no oeste da província, que a partir de 1736 passou a ser denominada de "Minas do Mato Grosso".

Essas minas eram tão prósperas que SIQUEIRA (apud FERREIRA 1960:32), assim escreveu:

Despovoou-se nesta ocasião esta povoação do Cuiabá, ficando sítios, casas lavras, tudo deserto; somente ficaram na vila sete brancos, entre seculares e clérigos, e alguns (índios) carijós; gente preta só algum pajem que servia a seu senhor.

(20)

No relato deste cronista, a quase totalidade de população de Cuiabá se deslocou para as Minas do Mato Grosso.

O atual estado de Mato Grosso pertencia à província de São Paulo. Com a descoberta das minas de ouro e pela extensão da área dessa província, o governo português, sentiu, então, a necessidade de desmembrá-la em uma área menor, como estratégia de segurança e soberania do território de domínio português.

Diante desse quadro, em Lisboa, o Rei D. João V resolve cnar uma nova unidade administrativa no Brasil, englobando os dois distritos auríferos: Cuiabá e Mato Grosso. Assim, no dia 03 de maio de 1748, foi criada a província de Mato Grosso.

Mas antes disso, no dia 05 de agosto de 1746, D. João V assina, em Lisboa, uma Carta Régia com as instruções para fundar uma cidade no distrito das Minas do Mato Grosso, com a finalidade de ser a sede administrativa da nova província.

Rolim de Moura, de posse dessa carta enviada por D. João V a D. Luiz Mascarenhas, governador da Província de São Paulo, contendo as instruções para a fundação de Vila Bela da Santíssima Trindade - MT, veio ao Brasil para desempenhar tal incumbência. Além das instruções, trouxe também a planta da cidade, elaborada em Portugal e os projetos das casas, feitos no Rio de Janeiro. As instruções sobre como deveria ser a nova cidade, de acordo a decisão do Conselho Ultramarino de 30 de janeiro de 1741, constam no Anexo

7.

No dia 19 de janeiro de 1749, foram entregues a D. Antônio Rolim de Moura outras "Instruções" sobre como devia proceder no governo da província de Mato Grosso. Ver essas instruções no Anexo 8.

(21)

No dia 17 de janeiro de 1751, D. Antônio Rolim de Moura tomou posse, em Cuiabá, do cargo de governador da província de Mato Grosso. Durante dez meses, período em que ele permaneceu em Cuiabá, esta cidade funcionou como a capital da nova província.

No dia 03 de outubro, Rolim de Moura deixou Cuiabá com destino às Minas do Mato Grosso, para fundar a capital da nova província. Lá chegando, percorreu vários pontos à margem do rio Guaporé, com a finalidade de encontrar o lugar ideal para erigir a capital da nova província.

Depois de vários meses de procura, Rolim Moura escolheu o sítio, à margem direita do rio Guaporé, denominado Pouso Alegre, para ali fundar a capital da província, no dia 19 de março de 1752, sob a denominação de Vila Bela da Santíssima Trindade.

Com a edição do Alvará de 24 de outubro de 1818, Vila Bela da Santíssima Trindade tem seu nome alterado para Matto Grosso (sic), denominação que foi mantida até 1978. A lei nr. 4.014, publicada em 29 de novembro de 1978, devolve-lhe o antigo nome, conservado até hoje.

Em 1820, o nono governador da província, capitão-general Francisco de Paula Magessi Tavares de Carvalho, desencadeou um movimento de mudança da capital para Cuiabá. Entre os vários motivos, que fundamentavam este movimento, estava a questão da insalubridade da região e questões político-econômicas. Nesse mesmo ano, o governador requereu, do Governo Central, a mudança da capital. A questão só foi resolvida, definitivamente, em 28 de agosto de 183 5, com a publicação da Lei nr. 19, declarando Cuiabá como a nova sede do governo.

Durante o período compreendido entre 1752 e 1800, a cidade viveu momentos de glória e de esplendor. Mas ao lado desse lado positivo, havia o lado negativo. Este diz respeito às doenças que eram muito comuns na região.

(22)

As que ma1s assolaram a população foram as sezões e o maculo1 ou

corrupção, também chamada de mal-de-bicho.

1.1.3. População

Três anos depois de constituída, em tomo de 1755, Vila Bela tinha cerca de quinhentos habitantes.

Em 1780, a sua população somava 5.199 habitantes, passando para 5.805 em 1791.

No ano de 1800, o quadro demográfico da região era assim constituído: 5.163 negros, 1.307 pardos, 504 brancos e 131 índios, totalizando 7.105 habitantes.

Até aqui as informações são acerca da população do município. Nos documentos em que pesquisamos, só encontramos as primeiras informações sobre a população urbana a partir de 1816. Segundo os registros das fontes consultadas, a população urbana era assim distribuída: 1.497 negros, 642 pardos e 206 brancos.

1 Sobre o maculo, o geógrafo francês Francis Castelnau, que esteve em Vila Bela em 1845, assim

escreveu: Esta doença (maculo), diz o sr. Weddell, que é conhecida na zona pelo de corrupção, é uma febre ataxo-dinâmica. Manifesta-se principalmente no começo e no fim da estação chuvosa, atacando de

preferência a classe miserável da população; passa por um per fado de incubação longo de oito a quinze dias,

após o qual subitamente se manifesta, pelos seguintes caracteres: forte dor na região occipital, febre

contínua, pulso duro e cheio, sintomas a que finalmente se segue uma profunda letargia que pode ir até à perda dos sentidos e de qualquer capacidade de movimento. Durante esta fase final o esfincter anal se relaxa de tal maneira, que é possível introduzir a mão dentro do intestino. Nos casos fatais estes sintomas persistem, sobre vindo a morte do paciente geralmente no terceiro dia da moléstia.

O tratamento usado é exclusivamente local, consistindo em introduzir no reto excitantes enérgicos. Se durante a aplicação destes últimos, o doente não dá mostras de sensibilidade, tem-se a morte como certa; se, pelo contrário, durante uma das três aplicações, o paciente mostra algum sinal de dor, pode-se garantir a sua cura. Começa-se por administrar um clister de cozimento de erva de bicho, a que se adicionou um pouco de pimenta esmagada, suco de limão e açúcar; introduzem-se depois pela mesma via vários quartos de limão mergulhados numa mistura de pólvora e cachaça.

(23)

Segundo o Mapa Geral da população de Vila Bela e seus arra1ars, organizado pelo sargento-mor engenheiro Luiz D' Alincourt, em 1828, o município contava com 5.316 habitantes. Desse total, 915 negros, 502 pardos,

124 brancos e 54 índios moravam na área urbana.

Entre 1828 e 1849, a população do município sofreu uma redução de 48%. Desse modo, a população estimada, em 1849, era de aproximadamente 2.700 habitantes.

Em 1862, a população de Vila Bela era de 2.640 habitantes.

A partir de 1872, a população branca está presente em número muito reduzido em Vila Bela. Tanto assim que o historiador João d'Oliveira Mens (apud BANDEIRA, 1988:61) afirma que, quatro anos mais tarde, a população de Vila Bela era classificada como ( ... ) toda preta, excepção feita de umas quatorze pessoas de cores. Acreditamos que o historiador, ao se referir a pessoas de cores, esteja considerando as pessoas pardas.

De 1862 a 1960, o quadro demográfico em Vila Bela da Santíssima Trindade permaneceu praticamente inalterado. O longo período de isolamento que marcou a comunidade, foi um empecilho notável no tocante ao crescimento populacional. A população do município, em 1960, era de 2.712 pessoas.

O crescimento populacional só ocorreu de fato no final da década de 60 e na década de 70, em decorrência das correntes migratórias. Assim, em 1970, segundo dados do IBGE, a população do município era de 8.988 pessoas. Essa mudança significativa do quadro populacional foi mais marcante na zona rural, pois os migrantes vinham para o município com o propósito da conquista da terra. Na zona urbana a alteração foi insignificante.

Desde a fundação, a população, de modo especial a escrava, esteve envolvida com a extração do ouro. Com a mudança da sede do governo para

(24)

Cuiabá, essa população passou a concentrar suas atividades no extrativismo: extração da poaia (planta da família rubiaceae, produtora da substância denominada emitina, empregada no combate a doenças do aparelho digestivo, respiratório, disenteria e vômitos) e da borracha.

Os negros herdaram uma cidade em ruínas. Eles mesmos se encontraram arruinados e dispersos pelas condições em que foram deixados pelos brancos que se mudaram para Cuiabá. Gradativamente, foram se apropriando da cidade, dos seus espaços, da sua liberdade, da sua vida social e cultural, da sua visão de mundo e reelaborando suas relações com a natureza e entre si. Assim, Vila Bela da Santíssima Trindade se torna uma comunidade essencialmente negra.

Entre os anos 60 e 80, do presente século, em função de novos fatores econômicos, ou seja, dos incentivos dados pelo governo federal para a ocupação do interior do Brasil, muitos brancos migraram para a região, provocando mudanças no quadro demográfico. Essas mudanças afetaram também os usos, os costumes, a cultura e a língua. Conforme depoimento de um morador da comunidade, Sr. Zeferino, a população de Vila Bela, hoje, é constituída de mais ou menos 70% de negros. E ressalta: Isso está dessa

maneira por causa dos migrantes.

1.1.4. Quilombos

A população negra de Vila Bela traz, na sua memória, as marcas ferozes do período atroz da escravidão. Tais marcas são o resultado de trabalhos pesados nos garimpos e em outras atividades desenvolvidas na região. Vivendo em condições difíceis, os escravos, como acontecia em todo o Brasil,

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tentavam todas as alternativas para escapar do regime de trabalho a que estavam submetidos. Eles lutavam pelo resgate da liberdade e do seu corpo. Para a conquista da liberdade, eles se valiam de dois meios: a alforria ou a fuga. A alforria era um mecanismo legal adotado pelo branco para libertar os escravos. A fuga era o outro mecanismo usado mais amiúde pelos negros, como forma de escapar o mais rápido possível do regime ora em vigor.

Durante o período da escravidão, que funcionou até 1888, os negros articularam várias lutas como forma de pôr fim a tal regime. As práticas mais constantes foram o suicídio, o assassinato, a fuga e a organização de quilombos. Os quilombos foram a forma mais organizada, de que se tem notícia até hoje no Brasil, que os negros encontraram para escapar do regime de escravidão.

A população dos quilombos era constituída não só de negros e de escravos, mas também de índios e de outras pessoas excluídas pela sociedade como, por exemplo, criminosos e desertores. Como estratégia de segurança, os quilombos eram localizados em lugares de dificil acesso.

Dos muitos quilombos que foram organizados em Mato Grosso (c f. ASSIS, 1988), em seu trabalho Contribuição para o estudo do negro em Mato Grosso, destacaram-se o do Quariterê e o do Piolho. O quilombo do Quariterê foi o primeiro quilombo organizado em Mato Grosso, mais precisamente na região de Vila Bela da Santíssima Trindade, no século XVIII.

A população aquilombada no Quariterê era composta por 109 pessoas. Este quilombo era governado pela rainha Teresa, mais tarde denominada Teresa de Benguela. A sua população vivia da agricultura (plantação de milho, feijão, cará, mandioca, algodão), da criação de gado, porco e ave e de tendas para a fabricação de pequenos instrumentos e utensílios de ferro. Esse quilombo foi destruído, parcialmente, em 1770, pela bandeira comandada pelo

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Sargento-Mor João Leme do Prado. A chacina culminou com a fuga de 54 pessoas e o suicídio da rainha Teresa de Benguela. Os fugitivos do quilombo Quariterê formaram o quilombo do Piolho.

O poder constituído destruiu, entre 1770 e 1879, todos os quilombos existentes em Mato Grosso.

1.1.5. Decadência de Vila Bela

A decadência rondou Vila Bela a partir de 1820, com o declínio da extração do ouro na região. A partir desse ano o governador residia em Cuiabá e de lá governava a província.

Em 1821, ocorreram as transferências da Junta da Real Fazenda e da Casa de Fundição. Aos poucos, os moradores começavam a mudar-se para Cuiabá.

Com a mudança da capital para Cuiabá, a população branca, na sua maioria ligada à maquina administrativa do Estado, mudou-se para a nova capital. Permaneceram em Vila Bela da Santíssima Trindade os descendentes dos escravos africanos.

Sobre a decadência de Vila Bela, cabe lembrar a imagem que ficou da cidade para muitas pessoas. Segundo TA UNA Y, s/d:81, Vila Bela se encontrava de tal jeito que

daqui a poucos anos, a continuar no mesmo decrescer, há de o viajante penetrar de machado em punho para poder abrir um trilho e certificar-se de que foi aí a grande

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cidade de Mato Grosso, pelas pedras que encontrar com preciosos lavares.

Ainda sobre a decadência, Joaquim Ferreira Moutinho (apud TAUNAY, s/d: 82) também tem algo a dizer:

A cidade perfeitamente edificada, com ruas muito iguais e bem alinhadas, riquíssimas igrejas, excelente palácio, quartel, uma boa cadeia, paço da câmara, casas de muito gosto e maiores que as de Cuiabá, é hoje invadida pelo mato, que vai abrangendo tudo, crescendo nas ruas a uma altura incrível, por onde se anda numa vereda estreita, que dentro em pouco desaparecerá talvez.

O escritor Joaquim Ferreira Moutinho visitou Vila Bela em 1855, tendo registrado suas impressões sobre a cidade no livro Notícia sobre a província

de Mato Grosso. Entre os relatos que ele fez sobre a cidade e sobre o povo, cabe destacarmos o seguinte:

O povo de Mato Grosso (ex-Vila Bela) é extremamente humilde e obsequioso. Encontramos ali muita sinceridade. ( ... )

É tal a decadência de Mato Grosso, que os seus habitantes, morando em casas muito espaçosas, vão fechando as salas à medida que nelas aparecem goteiras, até que, não tendo mais quartos, onde habitarem, se

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mudam para uma outra casa, porque custa ali muito menos uma grande propriedade, do que um pequeno conserto MOUTINHO (apud FERREIRA, 1960:57-59).

Decadente e abandonada, Vila Bela da Santíssima Trindade com sua população basicamente constituída de negros, pôde então construir a sua originalidade histórica e cultural.

1.1.6. Vila Bela hoje

Com a decadência, a população de Vila Bela valeu-se da solidariedade para sobreviver e garantir uma identidade própria. E a solidariedade é uma marca visível, pois a maioria das pessoas negras de Vila Bela, oriunda de escravos, forma a sua comunidade e se identifica como unida por laços de parentesco. Ao constituírem famílias, garantiram relações sociais estáveis. As principais famílias são Profeta da Cruz, Leite Ribeiro, Fernandes Leite e Ferreira Coelho.

Com o processo de interiorização, Vila Bela foi palco da manifestação dos "grilos" (posse ilegal da terra). Até então, a terra era comunitária, era coletiva, era de quem nela trabalhasse. Os migrantes, que se dirigiam para o novo "eldorado", se dirigiam com o afã da prosperidade, da ganância. Isso fez com que enormes áreas fossem invadidas de forma ilegal, às custas da violência. Esse foi um momento da história de Vila Bela em que muitas vidas foram tiradas em nome do capitalismo selvagem emergente na região.

Assim, grandes áreas tomadas pelos "grileiros" (pessoas que se apossaram de forma ilegal das terras alheias) fizeram com que a região se

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constituísse, hoje, numa grande área de latifúndios. Essas grandes áreas são mais aproveitadas para a criação de gado. A agricultura ocupa uma parcela muito insignificante no panorama econômico do município.

A cidade conta, atualmente, segundo levantamento que fizemos em julho de 1999, com 953 residências e 120 estabelecimentos comerciais.

Em 1999, segundo dados do IBGE, a população do município de Vila Bela era de 11.131 habitantes, assim distribuída: 4.230 na zona urbana e 6.901 na zona rural.

Apesar de a maioria das ruas, com largura média de 12 m, não contar com pavimentação asfáltica, encontram-se em regular estado de conservação uma vez que a cidade está localizada num terreno plano, o que impede a formação de grandes erosões. A cidade conta apenas com 05 (cinco) quarteirões de ruas pavimentadas com lajotões. Nas suas ruas correm, a céu aberto, os dejetos das fossas das residências, pois a cidade não conta nem com rede de esgoto nem com galerias de águas pluviais.

O comércio é matizado por pequenas lojas, com parco estoque. Conta apenas com dois supermercados de estoques regulares. Os vila-belenses encontram, nos estabelecimentos comerciais locais, o suficiente para as necessidades mais urgentes do dia-a-dia de qualquer família.

No tocante à indústria, segundo dados fornecidos em 1999 pelo IBGE, a que predomina na região é a de beneficiamento de madeira (serrarias).

Quanto ao setor da saúde, o atendimento é precário em Vila Bela da Santíssima Trindade. Sendo uma cidade que já teve até escola de ensinamentos médicos, encontra-se marginalizada nesse setor. A cidade é atendida por apenas um médico residente na cidade e pelos médicos residentes em Pontes e Lacerda. Por isso, muitas famílias ainda adotam, na cura de muitas doenças, a prática do tratamento homeopático e dos benzimentos.

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Vila Bela é uma cidade que apresenta um cenário próprio das pequenas cidades do interior do Brasil. As marcas mais características desta cidade são a amizade, a espontaneidade e a solidariedade.

1.2. ASPECTOS CULTURAIS

1.2.1. Lazer e educação

Em termos de lazer, as opções são poucas na cidade, como em qualquer cidade do interior. O lazer do vila-belense está reservado a poucos lugares. Nos finais de semana, a população se mobiliza em tomo do futebol, banhos no rio Guaporé, pescaria, passeios de barco e visita à cascata dos Namorados, na serra Ricardo Franco, ponto turístico importante de Vila Bela.

Outro lugar de encontro dos vila-belenses é o clube Dois Irmãos, onde acontecem, nos finais de semana, os principais bailes da cidade. Fora essas opções, a população se concentra nas poucas lanchonetes e bares da cidade para um bate-papo.

O setor da educação, em Vila Bela, está marcado por uma série de dificuldades, como ocorre com todo o sistema de ensino no Brasil. Entre elas destacamos a falta de profissionais capacitados, parcos recursos financeiros, falta de bibliotecas nas escolas, biblioteca pública municipal com um acervo reduzidíssimo etc.

A rede de ensmo do município absorve, aproximadamente, 3.200 alunos, dos quais mais ou menos 1.500 freqüentam a Escola Estadual de Primeiro e Segundo Graus "Verena Leite de Brito", a única escola estadual do

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município. Os demais estudam nas outras 57 pequenas escolas mumClpais urbanas e rurais.

Por não ter na cidade um curso supenor, os JOVens que concluem o segundo grau e pretendem freqüentar um curso superior, deslocam-se para os mais diferentes pontos do país ou mesmo para alguns países da América Latina, em busca de uma qualificação profissional. Os que optam pelo curso de Letras, têm a oportunidade de freqüentá-lo na cidade de Pontes e Lacerda, onde funciona o curso de Letras da Universidade do Estado de Mato Grosso -UNEMAT. De 1997 até hoje, ingressaram, no curso de Letras, cerca de 20 jovens.

1.2.2. Lendas

Vila Bela é palco de várias lendas. Para os negros de Vila Bela, além das lendas conhecidas, há três espécies de seres encantados (pessoas que viram bicho no período da quaresma, assumindo a forma de lobo, porca ou pássaro): o lobisomem, a porca e a bruxa.

O lobisomem é o homem que vira lobo à meia-noite, sempre às sextas-feiras da quaresma. Ele ataca as pessoas que andam pela rua, após a meia-noite, e vai também até o cemitério pa~a comer defunto.

A porca é uma mulher que, por razões diversas, não aceita uma gravidez e aborta o feto, transformando-se, como conseqüência, em porca durante a quaresma. Ela sai após a meia-noite, durante a quaresma, acompanhada de leitões, conforme o número de abortos praticados. Se uma pessoa for atacada por ela, e não conseguir fugir, será massacrada até a morte, pois ela é muito violenta. Para saber quem é a pessoa, é só atirar uma pedra na cabeça da porca

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e observar a casa onde ela entra. No dia seguinte, a mulher que estiver com um ferimento na cabeça, é a que estava circulando pela cidade como porca.

A bruxa, segundo informação corrente na comunidade, é aquela que vira pássaro. O seu papel é chupar o sangue das crianças recém-nascidas até levá-las à morte. Ela só transita em lugares distantes da cidade. Assim descreve BANDEIRA, 1988:202, mostrando como a bruxa age:

Quando vai atacar um recém-nascido, assenta na cumeeira da casa e desenrola a língua como uma fita comprida. Para defender a criança é só cortar a língua em cruz, com tesoura e luz acesa.

Entre as lendas que circulam na região, destacamos as seguintes: mono, pé-de-garrafa, lagoa do encanto, mãe d'água entre outras. Apenas a título de ilustração, apresentaremos a do pé-de-garrafa, narrada por um vila-belense, com as devidas adaptações da oralidade para a escrita.

Os poaieíros afirmam que no seio da floresta, onde penetram em busca da poaia, escutam seres misteriosos com forma humana. Os seus corpos, são cobertos de longos pêlos negros. Possuem só uma perna que termina em forma de um casco semelhante ao de um fundo de garrafa. Na hora melancólica do crepúsculo, ao terminar o dia, o poaieiro já na picada que o conduz a sua volta, cansado do trabalho do longo dia, com o seu bornal cheio da preciosa poaia, ouve nitidamente um forte grito, semelhante ao do homem. Assustado, pára e presta atenção. Ouvindo novo grito, responde e segue

naquela direção, certo de atender ao chamado de um companheiro. Chegando ao suposto local nada vê e os gritos se repetem por todos os lados. Por mais

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que procure nada vê e nada encontra, a não ser a marca no chão, bem nítida de um rastro em forma de fundo de garrafa, do bicho que tende a atrair os poaieiros para o interior da floresta. Se o poaieiro perder a calma, ele se perde na mata e não encontra mais a saída.

1.2.3. Feitiçaria

As doenças, conforme acreditam os vila-belenses, são sempre causadas por ações externas ao corpo. Os agentes naturais ou sobrenaturais é que são os responsáveis pela introdução das doenças no corpo. Os principais agentes naturais, causadores de doenças, são os calores, as friagens, a água e o vento. Quanto aos agentes sobrenaturais, temos os decorrentes do não cumprimento de resguardos e de feitiço. Este é um poderoso agente de doenças em que a comunidade acreditou por longos anos. Hoje esta crença está reduzida a uma parcela menor da comunidade, pois esta já não tem mais a presença do feiticeiro.

O feiticeiro, homem ou mulher, já nasce com essa força. Caso desperte o interesse em desenvolvê-la mais, os efeitos se tornam mais eficazes. O feiticeiro é classificado como novato e pesado e se distingue, respectivamente, pela pouca ou larga experiência nos rituais. O feiticeiro pesado é capaz de pôr e tirar um feitiço. O novato só é capaz de pôr um feitiço, mas não é capaz de tirá-lo.

Quanto aos feitiços, estes são classificados em dois tipos: a simpatia e o feitiço propriamente dito. A simpatia está mais relacionada aos casos de enrabichamento amoroso ou atraso de vida, ao passo que o feitiço tem o objetivo de destruir uma pessoa.

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Há também as rezas e as benzeduras. São empregadas em caso de mau-olhado (poder de certas pessoas para transmitirem azar àqueles a quem olham), quebranto (abatimento, morbidez), feridas (as mais diversas), etc. As rezas e as benzeduras são aprendidas por qualquer pessoa, ao passo que o feitiço, não.

1.2.4. Ritual do nascimento

Quando as pessoas da comunidade tomam conhecimento de que uma mulher está grávida, a alegria toma conta de todos. A expectativa pela chegada do novo ser é ímpar.

Era costume, num passado não muito distante, um ritual de anúncio da criança que nascia. Para que a comunidade soubesse o sexo da criança, era costume o pai da criança soltar um ou dois foguetes. Se a criança fosse do sexo masculino, o pai soltava dois foguetes; se do sexo feminino, um. Assim, toda a comunidade já se preparava para fazer a vista ao recém-nascido, sabendo o tipo de presente que poderia levar.

Com o avanço da medicina, este costume praticamente inexiste, pois já é possível identificar, numa mulher com poucos meses de gravidez, o sexo da criança.

1.2.5. Ritual da morte

Quando alguém adoece na comunidade, o espírito de solidariedade sempre é manifestado. Toda a comunidade se mobiliza para fazer o melhor

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pelo doente. Caso se perceba que o doente morrerá, o cônjuge ou parente mais próximo permanece ao lado do doente, pois para os vila-belenses o doente deve morrer nos braços de alguém.

Para o sepultamento, é comum a vestimenta do cadáver masculino ser temo preto. Se for criança, é usada camisola rosa ou azul e se for mulher, geralmente, é uma camisola azul com um manto branco ou azul.

Orações e cantos, sob a responsabilidade da rezadeira, são uma constante nos velórios como uma forma de bem guiar a alma rumo ao paraíso. Além das orações, toda a atenção da comunidade está voltada também para as quatro velas que estão acesas ao redor do caixão. Se uma delas apagar-se é sinal que a alma não irá para o céu.

Além da rezadeira, há também o animador de velório. Ele é o encarregado de contar piadas ou histórias muito engraçadas para provocar a alegria durante o período em que o morto está sendo velado.

O hábito de servir vários tipos de alimentos durante os velórios, ainda é uma prática muito viva na comunidade.

O período do luto é uma outra tradição presente ainda entre alguns vila-belenses. Nos primeiros oito dias, após a morte de alguém, a casa do morto permanece fechada para o exterior. No sétimo dia, a família vai ao cemitério levar flores, acender velas e colocar a cruz na sepultura. Após o oitavo dia, a casa é aberta e a família volta à vida normal.

1.2.6. Culinária

Com relação à culinária, os pratos ma1s típicos da região são os seguintes: arroz com carne, osso no feijão, mandioca assada, canjica, farofa de

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ovo, massaco (banana verde, torresmo e banha de porco), angu, sarapatel de tracajá, feijoada, sopa de quiabo, tucunaré assado, feijão com couro de porco e arroz sem sal.

Diante dessa enorme quantidade de opções gastronômicas, algumas bebidas merecem destaque. As mais consumidas na região são o kanjinjin, o aluá e licores feitos das mais variadas frutas da região. Cabe destacarmos aqui o kanjinjin e o aluá. O kanjinjin é a bebida mais consumida no período da

Festança. Os seus ingredientes principais são a cachaça, o cravo, a canela, o mel, o gengibre e outros ingredientes que os fabricantes não revelam. Na região, ela é tida como uma bebida afrodisíaca. Inclusive é linguagem corrente, atualmente, na comunidade, que a bebida é o "viagra de Vila Bela".

De origem africana, o aluá é uma bebida feita de farinha de milho torrado com água adoçada, ou também bebida refrigerante de fubá de milho ou de arroz cozido, açúcar e sumo de limão, segundo depoimentos de pessoas da comunidade e conforme também registra o Dicionário da Escravatura. O aluá, preparado em Vila Bela, contém os seguintes ingredientes: fubá de milho torrado, gengibre, água adoçada e cravo. Essa bebida recebe também, em Vila Bela, o nome de chicha. Tal denominação deve-se ao fato de na Bolívia existir uma bebida preparada com os mesmos ingredientes, variando apenas o preparo do ingrediente básico: o milho. Os bolivianos preparam a chicha usando o processo de mastigação do milho seguido da fermentação. Após a fermentação, são adicionados os mesmos ingredientes do aluá. Portanto, convivem, harmoniosamente, os dois termos em Vila Bela.

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1.3. ASPECTOS LINGÜÍSTICOS

Quanto aos aspectos lingüísticos, teceremos um breve comentário a respeito da fala dos vila-belenses. Durante o nosso período de permanência na comunidade, observamos que a fala deles apresenta-se marcada por características fonéticas muito peculiares. Como a caracterização da fala não é nosso objeto de pesquisa, destacaremos apenas um exemplo dos muitos

manifestos na comunidade.

Um traço lingüístico muito presente no falar dos vila-belenses é o

alongamento dos segmentos nasais tônicos. Ao ouvirmos a fala do povo dessa

comunidade, encontramos articulações fônicas que ilustram este traço: muuiito [mui::trn] A cidade está mui::tUI abandonada; caannto [kn::trn]

Estamos aqui num ku::tUI du país; saannto [su::tUI] São Benedito é o nosso

su::tUI.; praannto [pru::tUI] O menino chegou em casa num pru::trn só;

graannde [gru::di] Ele (São Benedito) é o nosso gru::diprotetor; entre outras. É uma ocorrência manifesta em situação normal de fala, e não como um recurso constitutivo de ênfase. É um traço lingüístico que, embora já tenha sido uma marca verificada entre todos os falantes da comunidade, hoje está restrito a uma pequena parcela da comunidade, ou seja, às pessoas mais velhas.

Um outro aspecto que cabe lembrarmos aqui, diz respeito ao léxico. Neste sentido, apresentaremos algumas expressões ou palavras constitutivas do falar atual dos vila-belenses. Eis algumas delas:

Anhá não meá sinhá: expressão negativa; Aquá: expressão negativa;

Bezéque: lanche de confraternização oferecido após alguma cerimônia;

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Gana: prontidão; lmbicioneiros: ambiciosos; Lambido: pessoa extrovertida; Lavores: pinturas; Muquá: palavra de ordem; Quadrarias: painéis; Sebo:

desprezo; Sirimão(ã): seu/sua irmão(ã); Tijuco: lama; Trabucadores: trabalhadores ativos, mas com má fé; Vai é!: espanto; Vôte!: espanto.

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2.1. Festança

Em Vila Bela sempre existiu um ciclo de festas denominado Festança.

Esta denominação, na sua origem, referia-se às celebrações relativas ao início do calendário agrícola, quando a terra era preparada para a semeadura. A

Festança era sempre realizada entre a segunda quinzena de setembro e a primeira de outubro, pois são os dois últimos meses da estação seca e a chegada da estação chuvosa.

O objetivo da sua realização estava centrado no agradecimento externado pelos vila-belenses, aos santos, pela proteção dada à colheita anterior. Aproveitando esse momento de agradecimento, realizavam também as festas de São Benedito e do Congo. Era o período em que se faziam grandes refeições comunitárias, com um grande consumo de alimentos.

Como era um momento de festa, os padres, aproveitando o grande número de pessoas reunidas, realizavam as suas visitas anuais para ministrar os principais sacramentos da Igreja Católica como, por exemplo, batizados, casamentos, confissões etc.

Além da Festança, outras festas eram realizadas também em Vila Bela, ao longo do ano, de acordo com o calendário católico, tais como: Divino Espírito Santo, Santíssima Trindade, Nossa Senhora do Rosário e Mãe de Deus.

Gradativamente, estas outras festas e a dança do Chorado, foram sendo agregadas ao conjunto denominado Festança. E ao serem agregadas, os responsáveis pela sua organização resolveram mudar a data da realização do evento para a segunda quinzena de julho (entre o 3° e o 4° domingo). A

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justificativa dos organizadores é que, por ser o período de férias, o fluxo de pessoas à cidade aumenta consideravelmente.

É uma semana reservada mesmo para comemorações, po1s nas repartições públicas municipais decreta-se feriado por uma semana. Só para se ter uma idéia, na Festança de 1999, o prefeito decretou uma semana de

feriado.

Hoje, a idéia original do agradecimento ainda permanece, aliada à de a comunidade manter viva a tradição de seus cultos, tanto religiosos como profanos, manifestando publicamente suas raízes culturais.

Os responsáveis pela realização da Festança são os festeiros. Para cada festa, do conjunto denominado Festança, há os festeiros com as atribuições que lhes são pertinentes. Quanto à escolha dos festeiros e o que lhes compete, descreveremos adiante.

A preparação do ciclo da Festança tem início com o levantamento dos mastros de São Benedito e do Divino Espírito Santo, três dias antes do início da festa do Divino Espírito Santo. Consta também do ritual da preparação as rezas cantadas nas casas dos festeiros e a coleta de alimentos e/ou dinheiro para o custeio da alimentação, durante uma semana, servida a toda a

comunidade.

Em seguida, faremos uma breve descrição das principais festas realizadas na comunidade, durante o período da Festança.

2.2. A festa do Divino Espírito Santo

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A festa do Divino Espírito Santo é a que dá início à Festança. A preparação da festa tem início a partir da festa de Pentecostes, constante do calendário da Igreja Católica, realizada em maio ou junho, pois é uma festa móvel. A partir desta data, todos os integrantes da Irmandade do Divino iniciam os preparativos para a realização da festa, que acontecerá no terceiro domingo do mês de julho.

Após a missa ou rezas dirigidas por pessoas da comunidade - isso ocorre quando o padre não se faz presente -, no domingo de Pentecostes, tem início a peregrinação da bandeira do Divino Espírito Santo, com a finalidade de arrecadar ofertas/esmolas para a realização da festa.

A festa do Divino compreende duas seqüências rituais: os rituais preparatórios caracterizados pela peregrinação da folia, as rezas, o

levantamento do mastro e a alvorada dançante; e os rituais propiciatórios que

são a reza solene ou a missa, o sorteio dos novos festeiros e os banquetes (almoço e jantar).

A folia é o cortejo com um ritual padronizado de visita às famílias, tanto na zona rural como na urbana. A peregrinação da folia é sempre marcada por um ritual, que descreveremos a seguir.

2.2.2. A peregrinação

A peregrinação da bandeira inicia sempre no domingo de Pentecostes, acompanhada pela folia do Divino. A peregrinação da bandeira inicia-se pela zona rural e termina na zona urbana. Na zona urbana, a bandeira circula durante os quinze últimos dias que antecedem a realização da festa.

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A festa do Divino Espírito Santo está sob a responsabilidade de dois grupos: o dos festeiros (Imperador, Imperatriz, Capitão do Mastro, Alferes da Bandeira, Mordomos e Procuradora da Irmandade) e a folia do Divino. Esta

é composta por seis foliões (adolescentes de 13 a 17 anos responsáveis pelos

cantos), um mestre que é o responsável pela iniciação dos foliões no grupo e

pela execução do violão, um sanfoneiro e um fogueteiro, pessoa incumbida de

soltar foguetes durante todo o período da peregrinação da bandeira até o dia da festa. Um dos foliões é o responsável pela execução da caixa. Os instrumentos utilizados pelos foliões são os seguintes: 01 violão, 01 caixa e 01 sanfona.

Além dos instrumentos, fazem parte da folia também duas bandeiras (uma rica e uma pobre). A bandeira pobre é caracterizada por trazer na extremidade do suporte uma pombinha branca de madeira ou gesso, como símbolo do Divino Espírito Santo. Já a bandeira rica é caracterizada também por uma pombinha, mas confeccionada em prata. A bandeira pobre é a que abre o cortejo do santo durante a folia, isto é, durante o período de visita às famílias, tanto na zona rural como urbana. Esta bandeira, tanto no espaço rural como urbano, é introduzida nas casas dos devotos do Divino ou nas casas em que os moradores aceitam-na, para que os foliões possam cantar e pedir esmolas. Ela é sempre conduzida pelo Alferes da Bandeira.

Já a bandeira rica só circula no espaço urbano. É a bandeira que também acompanha os foliões até a periferia da cidade, quando estes estão se dirigindo à zona rural. Quando os foliões retomam à cidade, depois da peregrinação pela zona rural, a bandeira rica se dirige novamente à periferia da cidade, num lugar previamente combinado, para acolher a bandeira pobre.

Na caminhada da folia pela cidade, o Alferes da Bandeira, com a bandeira pobre, entra na casa do devoto do Divino Espírito Santo, e o Capitão do Mastro, portando a bandeira rica, aguarda do lado de fora da casa. Após a

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entrada da bandeira pobre na casa do devoto, os foliões cantam alguns cantos. Entre eles está o canto de solicitação de esmola ao dono da casa, para a realização da festa do Divino:

Divino pede a esmola Não pede por carecer Pede por experimentar

A quem seus devotos quer ser.

Os demais cantos, consultar o Anexo 4.

A entrada da bandeira rica na casa só ocorre quando o morador doa alguma esmola e solicita a sua entrada. Caso contrário, ela fica fora da casa, aguardando o cerimonial dos cantos de agradecimento. Em seguida, os foliões cantam um canto de agradecimento, pela esmola recebida.

Em muitas casas é cantado também um canto de despedida. Isso acontece nas casas em que os devotos do Divino convidam as pessoas que acompanham a folia para uma confraternização, regada sempre com as bebidas aluá e kanjinjin e biscoitos.

Em seguida, todos os foliões se dirigem para uma outra casa, onde o mesmo ritual se repete.

O cortejo se dirige às casas dos devotos do Divino sempre na seguinte ordem: à frente vai a bandeira pobre, seguida da Imperatriz, com a efígie representativa do Divino Espírito Santo, e do Imperador com a coroa. Logo atrás do Imperador e da Imperatriz estão um violeiro, um sanfoneiro, um caixeiro e os seis foliões, seguidos da bandeira rica. Atrás da bandeira rica seguem as pessoas que acompanham o cortejo.

É importante destacar que o ritual de visita da bandeira do Divino na zona rural é diferente do ritual da zona urbana. Na zona rural, os foliões

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percorrem as casas, durante todo o dia, cantando e pedindo donativos, com uma parada para o almoço. O almoço, normalmente, é oferecido pelo dono da casa onde os foliões chegam para cantar, na hora do almoço. Após a refeição, recomeçam a caminhada até o fim do dia. A peregrinação diária, para a coleta das esmolas, encerra-se sempre antes do pôr do sol, pois à noite a bandeira não circula, nem no espaço urbano nem no rural. A última casa, onde cantam em cada dia, é o lugar de permanência da bandeira até o dia seguinte, quando retomam a peregrinação. Nesta mesma casa, todos os foliões jantam e pernoitam. Esse é o ritual que se repete todos os dias na zona rural.

Na zona urbana, o ritual difere um pouco. Às 7 horas, o caixeiro inicia o ritual de convite dos foliões. Estando todos reunidos, se dirigem até a casa do Imperador ou da Imperatriz para o café da manhã. Cabe destacar que, durante uma semana, o café é servido na casa do Imperador e durante outra, na casa da Imperatriz. Após o café, o Alferes da Bandeira, de posse da bandeira pobre, juntamente com os foliões, iniciam a caminhada até a casa da Imperatriz, para que o Capitão do Mastro possa pegar a bandeira rica. Com as duas bandeiras integrando o cortejo, todos se dirigem até a igreja matriz para saudar o Divino Espírito Santo. Ao se aproximarem da igreja, às 8 horas, todos são saudados pelo repicar dos sinos e queima de fogos. Na porta da igreja, antes de entrarem, cantam o canto:

Deus te salve casa santa Onde Deus fez a morada Entre pia de água benta E a hóstia consagrada.

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Após entoarem este canto, as bandeiras pobre e rica entram na igreja, acompanhadas pelo Imperador, Imperatriz e pelos devotos que seguem o cortejo. Dentro da igreja, o Imperador, a Imperatriz, o Capitão do Mastro, o Alferes da Bandeira e o povo que acompanha o cortejo fazem um momento de oração e entoam alguns cânticos religiosos tradicionais. Este momento tem como finalidade pedir a proteção do Espírito Santo para o sucesso de mais um dia de peregrinação. Em seguida, a folia sai da igreja, saudada novamente pelo repicar dos sinos. Aqui tem início o ritual das visitas, conforme já foi descrito. É o ritual que se repete todas as vezes em que a folia se dirige à igreja.

Ao meio-dia, os foliões retomam até a porta da igreja, recebidos, novamente, pelo repicar de sinos. Cantam novamente o canto Deus te salve

casa santa, saudando outra vez a casa de Deus. Em seguida, todos se dispersam para o almoço.

Às 14 horas, todos reunidos na porta da igreja, sob o repicar de sinos, retomam a caminhada de visitas às casas. Às 17 horas, retomam à igreja, onde são saudados mais uma vez pelo repicar de sinos. As bandeiras entram na igreja e todos rezam e prestam adoração ao Divino Espírito Santo. Ao saírem da igreja, os integrantes da folia se dirigem à casa da Imperatriz para deixar a bandeira rica, que fica sob sua custódia. Em seguida, todos se dirigem até a casa do Imperador para deixar a bandeira pobre, pois ele é o responsável pela guarda desta bandeira. Esse ritual se repete todos os dias, até a véspera da festa do Divino.

2.2.3. Rituais da festa no espaço urbano

Durante a peregrinação da folia no espaço urbano, alguns rituais são cumpridos como parte integrante da festa do Divino.

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Cinco dias antes da festa, ou seja, na quarta-feira, às 20 horas, como parte do ritual da festa, acontece, na casa do Capitão do Mastro, a reza cantada. É uma reza em que o tema, de todos os textos cantados, se refere ao Divino Espírito Santo. Após a reza, são servidos biscoitos e bebidas típicas da região (licores, kanjinjin e aluá). Durante esse bezéque (lanche de confraternização oferecido após alguma atividade festiva ou religiosa), é costume as pessoas dançarem ao som de músicas típicas da região.

Na quinta-feira, acontece outro ritual da festa do Divino: o levantamento do mastro do Divino Espírito Santo, juntamente com o de São Benedito. Os mastros são feitos de árvores finas e leves como, por exemplo, a pindaiúva, medindo 1 O m de comprimento cada um.

Às 17 horas, os foliões - trajando calças e camisas brancas com um laço de fita vermelha no ombro direito e boné - , dirigem-se à casa do Imperador para que o mesmo os acompanhe até a casa da Imperatriz. Com a Imperatriz fazendo parte do cortejo, todos se dirigem até a parte frontal da

igreja matriz para a cerimônia de levantamento dos mastros.

Primeiro acontece a cerimônia de levantamento do mastro em homenagem do Divino Espírito Santo. Na extremidade do mastro é fixada uma bandeira emoldurada de 70 em por 70 em, tendo ao centro o desenho de uma pomba, como o símbolo do Divino Espírito Santo. À medida que o mastro vai sendo erigido, os foliões entoam alguns cantos, constantes no

Anexo 4.

Uma crença corrente na comunidade, quanto ao levantamento do mastro do Divino, diz respeito à direção da bandeira. Segundo os moradores, no momento em que o mastro acabou de ser erguido, na direção para onde a bandeira apontou, é daquele setor da cidade que sairão os novos festeiros do

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