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O "silencio" na interação entre descendentes e não-descendentes na sala de aula de lingua japonesa

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(1)

Fumiko Takasu

O "SILÊNOO" NA INTERAÇÃO ENTRE DESCENDENTES E

NÃO-DESCENDENTES NA SALA DE AULA DE ÚNGUA JAPONESA

Dissertação apresentada ao Departamento de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Lingüística Aplicada na área de Ensino/Aprendizagem de Segunda Língua e Língua Estrangeira.

Orientadora: Profl.~ra. Marilda do Couto Gavalcanti

Unicamp

Instituto de Estudos da Linguagem 1999

(2)

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA

BffiLIOTECA IEL - UNICAMP Takasu, Furniko

Tl39s O "silêncio" na interação entre descendentes e não-descendentes na sala de aula de língua japonesa I

Fumiko Takasu.-Campinas, SP: (s.n.], 1999.

Orientador: Marilda do Couto Cavalcanti

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

I. Silêncio. 2. Etnografia. 3. Língua japonesa -estudo e ensino. 3. Sociolingüística interacional. 4. Interação intercultural. I. Cavalcanti, Marilda do Couto. 11. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. ill. Título.

(3)

Orientadora: Profa. -<ira. Marilda do Couto Cavalcanti Candidata: Fumiko Takasu

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BANCA EXAMINADORA

Profa. -dra.

~arilda

do Couto Cavalcanti

Prof. -dr. João Antônio Telles

(4)

Aos meus pais Yoshio e Toshiko, nascidos lá e crescidos cá, tentando entender o que não era seu, criaram seus filhos com as duas faces para terem juntos um "cantinho" ao sol neste país imenso e de coração gigante.

(5)

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Marilda do Couto Cavalcanti, pelo apoio e pela dedicação constante, confiança e muita paciência durante todo o trajeto desta jornada. Seu incentivo de modo sempre "silencioso" foi muito importante nesta caminhada.

A Stella M. Bortoni, pelo estímulo durante o curso de verão e a fase inicial desta pesquisa.

A Maria José Coracini, pelas valiosas sugestões durante a fase inicial do programa de Mestrado.

Ao Pedro M. Garcez, pela sua colaboração de maneira muito profissional e sincera, por meio de comentários e sugestões, no final desta pesquisa.

Aos leitores Corto Giuliono, M. Saleffe e Tereza Maher, pelas valiosas observações na fase final.

Aos membros da Banca do exame de qualificação que deram valiosas orientações de como deveria ser a versão final do trabalho.

A todos os meus colegas do programa de Mestrado que compartilharam e acompanharam meu trabalho, especialmente a Olívio M. Moreira Rodrigues do Silva, que veio preencher minha "lacuna" por intermédio de incansáveis "leituras", demonstrando o seu "esquema de conhecimento" com muito capricho e atenção.

Ao João Telles, pela interlocução em vários momentos desse caminho trilhado.

Aos amigos do CEL que partilharam comigo todas as fases deste processo. Ao Corlo, Carlos, Heloísa, Kenji, Paulo e Rogério, pelo auxílio técnico.

Aos professores e funcionários do IEL-UNICAMP.

Aos amigos Cláudio, Helena, Hideko, /vã, Mauricio, Olívio, Rosa, Rogério e Vorlice, pelo compreensão e "proteção" constante.

A todos que de alguma formo contribuíram para tomar este trabalho possível. Aos queridos alunos que contribuíram para que esta pesquiso fosse realizada.

À minha família, principalmente o meus país, o quem dedico esta tese.

Meu muito obrigada a todos.

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(6)

RESUMO

Esta dissertação objetiva apresentar um estudo da interação entre descendentes e não-descendentes de japoneses. Temos como pressuposto a existência de um estereótipo de que os descendentes, em contexto intercultural, são mais silenciosos, e como tal teriam pouca participação na situação de comunicação. Pretendemos, então, analisar a interação, tentando determinar o significado e as implicações do "silêncio".

Para a realização da pesquisa foi selecionada uma sala de aula de ensino de japonês como LE, composta por descendentes e não-descendentes de japoneses, em nível universitário. Foram gravadas quatro aulas em vídeo, as quais constituem os dados desta análise.

A pesquisa etnográfica (Erickson, 1984, 1986), foi combinada ao arcabouço teórico da sociolingüística interacional (Gurnperz, 1982). A análise foi organizada em duas partes: na primeira, focalizaram-se as estruturas de participação; na segunda, foram destacadas as pistas de contextualização. Com essa fundamentação teórica, pretendemos responder às seguintes perguntas de pesquisa: Por que os descendentes são considerados mais silenciosos? Como acontece a quebra do silêncio entre os descendentes e não-descendentes? Como estariam se manifestando os possíveis valores culturais na interação entre os descendentes e não-descendentes?

Os resultados da análise permitiram concluir que havia formas distintas de comunicação. Os não-descendentes geralmente fazem uso mais constante de pistas verbais, enquanto que os descendentes empregam as pistas verbais intercaladas com outros tipos de pistas (não-verbais, prosódicas e paralingüísticas). Os não-descendentes tomam-se mais ''falantes,, pela facilidade em criar uma situação de "conversação espontânea., e pela postura de ouvintes dos descendentes nesses momentos. Além disso,

há diferenças entre os descendentes e os não-descendentes quanto ao uso de tipologias de interrupção do silêncio; por exemplo, diferenças no uso das pistas paralingüísticas,

(7)

SUMÁRIO

.JN'TRODUÇAO ···-···-···-···-···-··-·-···-·-····-··-····-·-··-·-·· 1

CAPÍTULO I- A IMIGRAÇÃO JAPONESA: SUA TRAJETÓRIA E OS ESTEREÓTIPOS .. 9

1.1. O JAPÃO E SUAS IMIGRAÇÕES .. . . .. .. .. .. . . ... .. ... ... ... .. .. . ... ... ... . . . ... ... . .. . ... 10

1.1.1. Breve histórico da imigração japonesa para o Brasil . . . 11

1.1.2. A aprendizagem da língua ... 15

1.1.3.Aeducaçãodosfilhos ...... 17

1.1.4. A convivência em grupos fechados e a agricultura ....... 21

1.2. O SURGIMENTO DOS ES1EREÓTIPOS E A ATRlBUIÇÃO DO SILÊNCIO AOS BRASILEffiOS NIKKEI ... 24

1.3. OS NIKKEI: DEKASSEGUI E A CRIAÇÃO DE EXPECTATIVAS SOBRE E NO JAPÃO .. 29

CAPÍTULO D -A INTERAÇÃO E O SD..ÊNCIO NO FOCO DA PESQUISA ... 35

2.1. A IMPORTÂNCIA DA FALA NO MUNDO OCIDENTAL ... õ0ó . . . 37

2.2. O "FALAR" E O "FICAR EM SILÊNCIO" NA INTERAÇÃO ... 39

2.3. O SILÊNCIO NAS DIFERENTES CULTURAS ... 41

2.4. A INTERAÇÃO INTERCUL11JRAL ... 46

2. 4.1. A Experiência prévia . . . . .. .. .. . . ... ... . . ... .. .. . . .. . . ... .. . . ...... 47

2.4.2. A estrutura de participação na interação ... 50

2.4.3. Os sinais lingüísticos contextuais na interação ... 57

2. 4.4. Os nikkei em sala de aula: possíveis explicações . . . 64

CAPÍTULO m-A METODOLOGIA E O CONTEXTO DE PESQUISA... 67

3.1. COLETA DE REGISTROS E SEU PROCEDIMENTO ... ... ... 68

3.2. O CENÁRIO ... 71

3.3.0SALUNOS ... 72

3.4. A PROFESSORA ... 74

(8)

CAPÍTULO IV- O SILÊNCIO NA INTERAÇÃO EM SALA DE AULA ···-··· ... ·· 83

4.l.ANÁLISEDOSDADOS ... 85

4.1.1. A transcrição e a trajetória da análise . . . .. . . .. . . .. . . .. ... 87 4.1.2. A quebra do silêncio em diferentes atividades ...... 91

4.1.2.1. A atividade de leitura ... 97

4.1.2.2. A atividade de conversação em pequenos grupos ... 102

4 .1.2.3. A atividade de reportagem .. ... .... .. ... .. . .. .. .. .. .. ... .. ... .... ... 108

4.1.2.4. A atividade de dramatização em pares ... 109

4.1.2.5. A "conversação espontânea" entre uma atividade e outra ... 111

4.1. 3. As pistas de contextualização dos ni'/clrei e dos não-nikkei .. . . .. .. . .. . . . .. . . . .. . .. . 113

4.1.3 .1. A participação dos não-nilckei ... ... 115

4.1.3 .2. A participação dos nilckei ..... ... ... ... ... ... 120

4.1.4. Os sinais culturais em situações de "conversação espontânea" .. .. .. . .. .. . .. . 129

4.2. P.RmCIPAIS RES~TADOS ... 144

CAPÍTULO V-CONSIDERAÇÕE FINAIS E ALGUNS SUBSÍDIOS PARA PROFESSORES DE J.APONÊS- LÍNGUA ESTRANGEIR.A. ···--··· 153

ABSTRA. CT ···-····-···-··---··----·-·--··--·-·· 159

REFERÊ:NCIAS BIBLIOGRÁ.n'CAS ... ·---· 161

(9)

* QUADROS

QUADRO 1-Fluxo migratório para o Brasil entre 1820 e 1975... 12

QUADRO 2- Número e nome das fitas gravadas em vídeo... 70

QUADRO 3 -Cenário da sala de aula ... 71

QUADRO 4 - Quadro dos alunos da classe de japonês li .. .. .. . .... ... .. ... ... ... .... ... 74

QUADRO 5 - Seqüência, tópico das atividades e sua localização nas 4 fitas ... 78

QUADRO 6-Primeira forma de contabilização de falas na transcrição ... 88

QUADRO 7- Quantidade de interação verval registrada na primeira versão (fita 3) ... 89

QUADRO 8- Quantidade de interação verval registrada na versão final (fita 3) ... 91

QUADRO 9-Tabela com os tipos de estruturas de participação em sala de aula ... 96

QUADRO 10-Quantidade de interações na atividade de "leitura" de jornal (fita 3) ... 100

QUADRO 11 - Gráfico de interações na atividade de "leitura" (fita 3) ... 101

QUADRO 12- Ilustração da posição da classe, na Atividade de Conversação (fita 3) ... 103

QUADRO 13- Quantidade de interações na 2• parte da conversação do grupo A (fita 3) .. 106

QUADRO 14-Gráfico de interações na atividade de conversação do grupo A (fita 3) ... 107

QUADRO 15 - Quantidade de interações na atividade de reportagem (fita 3) ... ... ... ... 108

QUADRO 16-Transcrição do bloco 24 da Aula da Lição Nova (Fita 1) ... 122

QUADRO 17-Seqüência dos movimentos do bloco 24 da Aula da lição Nova (fita 1) ... 123

QUADRO 18-Transcrição do bloco 25 da Aula da Lição Nova (Fita I) ... 124

QUADRO 19-Seqüência dos movimentos do bloco 25 da Aula da lição Nova (fita 1) ... 125

QUADRO 20-Transcrição do bloco 20 da Aula das Compras (Fita 2) ... 127

QUADRO 21-Seqüência dos movimentos do bloco 20 da Aula das Compras (Fita 2) ... 128

QUADRO 22 - Cena 1 do bloco 30 (Fita 3) - Momento de negociação ... 131

QUADRO 23 -Cena 2 do bloco 30-Pergunta de Felipe e Pedro sobre cerveja ... 132

QUADRO 24-Cena 3 do bloco 30 (Fita 3)-Pergunta de Susumu Felipe sobre sushi ... 134

QUADRO 25 -Cena 4 do bloco 30 (fita 3) -Explicação da professora sobre verbos ... 135

QUADRO 26-Cena 5 do bloco 30 (Fita 3)-Pergunta de Felipe a Hideo sobre mulheres .. 137

QUADRO 27 - Participação dos nikkei e não-nikkei em cada atividade desenvolvida na classe ... 150

...

(10)

CONVENÇÕES PARA A TRANSCRIÇÃO DE DADOS (adaptadas de Marcuschi, 1986)

P = professora

Felipe, Toshio, etc. =aluno identificado

A? = aluno não identificado

AA =vários alm1os

ll

L

L

=falas simultâneas (ex.: cantar com o anterior ou ter conversas paralelas)

1

L

= sobreposições de vozes (ex.: tomada de turno)

( ( ) ) = explicação sobre acontecimentos em sala de aula

[ ] = comentário do analista

(incompreensível) = fala incompreensível

( +) = pausas e silêncios curtos

( ++) = pausas e silêncios mais longos

1 ... I = transcrição parcial

MAIÚSCULA = ên1àse ou acento forte

XX = nomes próprios considerados confidenciais

=alongamento de fonemas

letTas em

1U!1JTito

e it4lico = frases ou palavras ditas pelo interlocutor

< > =tradução das falas em japonês para o português

[Felipe l] [José 2] etc. = nome dos ahmos e o n°. de sua participação na interação verbal

<roshio 1> <Eiko 2> etc. =nome dos alunos e o n°. de sua participação na interação sem verbalização 1. 0:0 lh I 2. 0:04h = divisão dos diálogos em blocos 1., 2., etc. e tempo marcado no vídeo

{ 1:28' 40''} { 1:26'51 "} =hora, minuto e segundo dos acontecimentos marcados no aparelho de vídeo

- - -> = direção das pistas nã(rverbais

(11)

lnlrodldo Fumilco Tüasu

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo investigar como se constrói a interação em uma sala de aula intercultural, a fim de determinar o significado do silêncio como prática culturalmente determinada. Partimos do pressuposto de que houve interferências culturais nas interações comunicativas entre descendentes e nãCKiescendentes de japoneses para a formação do estereótipo, principalmente em certas regiões brasileiras de grande concentração de imigração japonesa, de que os descendentes de japoneses são mais quietos e silenciosos do que os não-descendentes.

A idéia desta pesquisa surgiu quando, em uma discussão sobre resultados de estudo em contexto indígena em disciplina de pós-graduação, começamos a notar algumas semelhanças entre o que se dizia sobre o silêncio presente em determinadas culturas indígenas e o que conhecíamos sobre a comunidade japonesa. Além dessa comparação com o contexto indígena, motivou esta pesquisa o fato de, na mesma época, uma sala de aula de língua japonesa composta por alunos que se comportavam de forma muito silenciosa chamar-nos a atenção.

(12)

O "silendoft aa intenc:io enlre clesc:eudeates e ~dentes na sala de aula de líagua i•!!O!!eS•

A professora1 chegou a registrar certo incômodo, porém sua relação era empática

com esses alunos silenciosos. Sabia que sua forma interacional não era a mesma que

usava com os não-silenciosos, mas não conseguia explicar qual era essa diferença.

Poderíamos levantar aqui a hipótese de que a adaptação e a solução do problema sem

muitos percalços por essa professora estariam ocorrendo pelo fato de ela própria ser uma

descendente de japonês, facilitando assim a interação com alunos silenciosos. Não houve questionamento por parte da professora, a princípio, pois sempre considerou que alunos são diferentes entre si e que cada turma tem uma característica: algumas mais falantes, outras quietas.

Já em relação aos alunos não-silenciosos, questionamos: Como estariam se

sentindo em relação ao silêncio da classe? Alguns poderiam estar em silêncio por serem

silenciosos; outros, porém, poderiam estar sendo dominados pela maioria silenciosa, e o

manter-se em silêncio tomar-se-ia difícil e incômodo, gerando certo conflito. Poderia estar acontecendo algo semelhante ao que Cavalcanti ( 1991) afirma em estudo sobre contexto indígena: "/ .. ./ para os 'não-índios' o silêncio dos índios, de alguma forma, passava a impressão de que havia uma certa indiferença." ( op. cit.: 1 O I)

A professora conta que não percebeu problemas até que surgiu um aluno que

assistiu a algumas aulas em outras turmas de língua japonesa e que se manifestou comentando com a professora que a aula de japonês dada em sua classe era diferente da de outras turmas. A reação da professora foi de certa perplexidade e também de dúvida, uma vez que propositalmente não havia qualquer atitude diferenciada em relação àquela classe. A resposta dada ao aluno foi que as aulas não deveriam ser diferentes, pois

1

Fizemos distinção entre a professora responsável pela classe e a pesquisadora adotando respectivamente o termo "professora" e "professora-pesquisadora".

(13)

Fumiko Talcasu

praticamente o mesmo conteúdo estava sendo ministrado em todas as quatro turmas do mesmo nível existentes na época. Depois disso, houve um dia em que, antes da aula, aquele aluno que havia levantado a questão conversou com os colegas contando o que havia visto em outras classes e o que ele achava - de que a classe poderia estar perdendo, provocando, com isso, alguns comentários e discussões sobre o que fazer para se ter aulas semelhantes às de outros grupos. Entretanto, a professora não notou nenhuma alteração na classe.

Na época, a professora não falou claramente com os alunos sobre a questão,

porém a conclusão foi de que os alunos daquela classe eram diferentes daqueles de outras classes: eram muito quietos. Esse silêncio começou a incomodar e fez perceber que de fato o conteúdo das aulas era o mesmo, mas a dinâmica nas outras classes era diferente. Surge aqui a professora assumindo o papel de professora-pesquisadora com a suposição de que, além de outros fatores tais como as diferenças individuais dos aprendizes, havia o silêncio da classe como questão a ser investigada.

A existência de algumas classes silenciosas, os textos sobre o silêncio dos índios e o incidente com o aluno inconformado vieram a colaborar para o questionamento das formas interativas no contexto sala de aula e, principalmente, a forma intuitiva da professora ao trabalhar a relação descendentes e nã(Hiescendentes. A sensação de que caso a professora conhecesse com mais profundidade seu contexto de trabalho, ela poderia ter evitado ou amenizado o conflito no processo de interação intercultural daquele aluno, levou-nos a iniciar este estudo. A situação acima provocou-nos alguns questionamentos, tais como: Por que o aluno que se manifestou não mudou o perfil da classe e nem conseguiu convencer os colegas a mudar? A aparente não reação dos colegas teria sido indiferença? As informações extras dadas às outras turmas não estariam sendo passadas a esta de alguma outra maneira? Quais seriam as diferenças

(14)

O "silêDcio" Da loteracio eotre desceocleotes e oio-desceocleotes pa sala de aula ele li!!gua japopesa

interacionais dos nikkel do Brasil, para que o SILÊNCIO fosse um dos seus estereótipos?

A respeito da sala de aula de língua japonesa, todos os alunos tinham o português

como língua materna e tentavam aprender o japonês praticamente como língua

estrangeira, pois somente um ou outro vinha com algum conhecimento, basicamente de

palavras soltas, o que não daria para dizer que eram aprendizes de segunda língua. 3

Os

nikkei, predominantemente de terceira e quarta gerações, a maioria do próprio Estado de São Paulo, pareciam estar integrados e incorporados ao contexto brasileiro, podendo ser

considerados como já inseridos nessa sociedade mais ampla.

Sabemos que, em contato com grupos culturais distintos, os grupos minoritários em geral passam a tomar para si os elementos da cultura do outro. V i vendo num mesmo espaço geográfico, sob o mesmo sistema econômico e governamental e em condições similares às daquela sociedade, esses

'

'tomam

-

se

gradualmente absorvidos pelo grupo dominante, deixando seus próprios valores, tradições e língua para aceitar os que prevalecem no seu novo ambiente'' (Gumperz, 1978: 14). Os alunos niklcei, filhos de imigrantes japoneses, pareciam compartilhar os mesmos valores do grupo dominante,

dos brasileiros não-niklcei. Estaríamos considerando-os quase idênticos ao grupo

majoritário no tocante a realizações, interesses, valores sociais e sistemas de crença;

conseguem falar apenas algumas palavras em japonês e os fatores que os fazem

japoneses são seus sobrenomes e suas características faciais (Makabe, 1980).

Mesmo considerando os brasileiros nikkei já "abrasileirados'', ou seJa,

2

Níldcei (!]1, !1iJ!!2. = Japão, kei = descendência, linhagem) = descendentes de japoneses e

não-nildcei

=

não-descendentes de japoneses. 3

(15)

Introducão Fumiko Takasu

aculturados ao contexto brasileiro, algo os distinguia dos brasileiros não-nikkeí. Estes brasileiros nikkei poderiam estar trazendo algumas experiências e valores culturais herdados de seus ancestrais - tal como o silêncio, criando-se desta forma alguns incômodos ou mal-entendidos e equívocos na interação com os não-nikkeí, dando a impressão, por exemplo, da suposta demonstração de indiferença por parte dos nikkei na sala de aula. Supomos haver ainda hoje alguma diferenciação na forma de expressar e na própria interação para a permanência desse pressuposto de que os nikkei são silenciosos.

A pesquisa bibliográfica possibilitou-nos a constatação de que não há trabalhos que tratem da questão do silêncio na interação entre brasileiros nikkei e não-nikkei,

principalmente focalizando o silêncio em sala de aula. Este estudo, então, visa suprir o que pode ser considerado uma lacuna nas investigações sobre o ensino/aprendizagem de

japonês, uma vez que focalizamos uma visão estereotipada presente em nossa

sociedade: os nikkei são silenciosos.

Verificaremos como se constrói a interação intercultural no contexto da sala de aula onde os nikkei ainda são muitas vezes considerados mais silenciosos, gerando uma certa idéia de não-interação desses alunos. Daremos atenção à forma interacional, observando a variação existente nas formas lingüísticas quanto ao uso de pistas (verbal e não-verbal) dos falantes como fenômenos sociais, tentando sistematizar as diferenças de uso da linguagem dos brasileiros nikkei e não-nikkei.

Quando consideramos todos os nikkei como sendo de uma comunidade (talvez a do Estado de São Paulo), há o perigo de não se considerar a história de imigração ocorrida em diferentes períodos e regiões do Japão e a história prévia de cada participante. Isso incide também sobre outro problema, o de atribuição e generalização

(16)

O "siJ&.c:io" aa i.Dtençio eatft dgceadeates e Jlio..descaade.Dtes aa u.la de aala de liegu! i•!IOD9!

de certos estereótipos a apenas um grupo, no caso o de se considerar o silêncio dos

nikkei apenas como uma herança cultural. Sabemos que, tanto entre os nikkei como

entre os não-nikkei há heterogeneídades, subgrupos e subdivisões, e não podemos

considerá-los apenas como uma sendo uma só comunidade; porém, para construir e

delimitar a análise, estamos separando-os, nessa pesquisa, em dois grandes grupos, nikkei e não-nikkei (incluindo aqui todos os não-descendentes), a fim de poder direcionar nossa investigação: o silêncio na interação entre brasileiros nikkei e não-nikkei na sala de aula de língua japonesa.

Para operacionalizar esses questionamentos em nosso trabalho empírico,

tentaremos direcionar esta pesquisa com a seguinte pergunta e subdivisões:

1. Tomando o "silêncio" como foco, como se constrói a interação intercultural em sala

de aula de língua japonesa?

1.1. Por que os nikkei são considerados mais silenciosos?

1.2. Como acontece a quebra do silêncio entre os nikkei e os não-nikkei?

1.3. Como estariam se manifestando os possíveis valores culturais na interação entre os nikkei e os não-nikkei?

Tendo em vista as perguntas acima, esta dissertação está organizada em cinco

capítulos, a saber:

- No Capítulo 1 será apresentado o histórico da imigração japonesa.

- No Capítulo 2 focalizamos o silêncio na interação intercultural onde apresentaremos a

(17)

Introducão Fumiko T a!casu

interação em sala de aula, os papéis do professor e do aluno e as diferentes sinalizações de comunicação. Estaremos pautando na revisão desses conceitos o arcabouço teórico para nossa pesquisa de natureza etnográfica.

-No Capítulo 3 apresentaremos a metodologia da pesquisa com o procedimento para a coleta dos registros e da análise.

- No Capítulo 4 focalizaremos a própria análise etnográfica e traremos os principais resultados da análise.

- No Capítulo 5 apresentaremos as conclusões gerais e algumas implicações deste estudo.

(18)

t A inugracJo japonesa; g trajetória e os gureótipos Fumjkol)Wu

CAPÍTULO I

A

IMIGRAÇÃO JAPONESA: SUA TRAJETÓRIA

E OS

ESTEREÓTIPOS

Há numerosos trabalhos sobre a imigração japonesa (Kitano, 1980; Makabe, 1980; Saito, 1973; Stanifor~ 1973; e outros) e muitos deles focalizam os imigrantes japoneses e seus descendentes no Brasil, sua fase de adaptação, suas perspectivas e sua integração na sociedade brasileira (Cardoso, 1972; Nogueira, 1973; Saito, 1973, 1980; Vieira, 1973; S~ 1984; Handa, 1987; Murasse, 1993; e outros).

Para contextualizar o cenário da investigação, ou seja, a interação entre os brasileiros nikkei e não-nikkei no contexto sala de aula de língua japonesa, enfocaremos, neste capítulo, a imigração japonesa no que se refere à origem dos brasileiros nikkei.

(19)

1.1.

O JAPÃO E SUAS IMIGRAÇ0ES

No Japão, em conseqüência da tributação pesada no final do regime feuda4 muitos camponeses começaram a deixar suas terras e saíram para as cidades, passando a

se dedicar a atividades tais como o pequeno comércio. O contínuo movimento migratório na zona rural do Japão provocou a falta de mão-de-obra no campo e o

crescimento da população urbana. Surgi~ então, uma economia monetária e mercantil,

desintegrando a economia da terra e atingindo a própria estrutura feudal japonesa. Juntamente com essa situação interna houve o reflexo das mudanças no cenário internacional, que colaborou para a transformação da economia e da política japonesa com uma série de reformas internas que almejavam a modernização. Essa fase de transição, a partir de 1868, foi marcada pela Restauração Meiji, 4 que deu fim ao regime feudal e ao período de reclusão japonesa, 5 iniciando o desenvolvimento industrial e urbano.

À medida que a população japonesa crescia, as migrações adquiriram novos contornos: no início, entre as regiões das três ilhas principais - Honsh~ Kyushu e

Shikoku - em seguida para as áreas de Hokkaido e Okinawa (Stanifor~ 1973; Vieira,

1973). Os problemas demográficos e econômicos juntamente com a expansão imperialista fizeram com que a migração se expandisse também para os países do Oriente e, posteriormente, para as áreas em desenvolvimento, tais como Havaí, Estados

Unidos, Canadá e os países da América Latina. Nesse processo, grande parte veio para

4

A Era Meiji vai de 1868 a 1912. 5

"Durante a era do Shogunato Tokugawa (de 1663 a 1868) o pais viveu enclausurado,

mantendo-se completamente alheio a quaisquer acontecimentos históricos fora do seu limitado território: (Kawai, 1980: 154)

(20)

L A irrumQo i!li!!!OeS!· p trajetória e os estereótipos FumiJço T*w

o Brasil, que passou a ser o país com maior concentração de imigrantes japoneses 6 no

mundo.

1. 1.

1. Breve histórico da imigração japonesa para

o

Brasil

Conforme Kawai (1980), do total de 4.778.918 7 imigrantes até 1975,

aproximadamente 2.320.000 pessoas vieram antes dos japoneses em 1908, ou seja, do

total de imigrantes que entraram no país, 45% deles chegaram antes dos japoneses.

Podemos perceber, por exemplo, entre japoneses e italianos, que:

A primeira leva de imigrantes italianos chegou em 1834, tendo começado a

imigração oficial em 1875, quando se deu a ocupação dos lotes demarcados

pelo governo no norte do Rio Grande do Sul, seguindo-se a ida de levas de

imigrantes para o norte do EspÍrito Santo, Paraná e Santa Catarina. A partir de

1881 chegaram grandes levas no Estado de São Paulo, /. . ./ O número de

imigrantes italianos que entraram no país é estimado pela estatística nacional

em 1.631.999, dos quais 1.213.167 entraram antes de 1908. isto é, antes da

chegada dos japonese-s. (Kawai, 1980: 155)

O centro gravitacional numérico do movimento imigratório dos japoneses se

situou em 1933; dos sírio-libaneses, em 1918; dos italianos, em 1900,8 e dos espanhóis,

em 1910. Mais de dois milhões de imigrantes (maioria de origem portugu~ italiana,

6

O início da imigração japonesa para o Havaf foi em 1868 e para o Canadá, em 18n. No caso dos Estados Unidos, a corrente mais significativa ocorreu entre 1890 e 1924 {Makabe, 1980; Kitano, 1980). Brasil, Peru, Argentina, Paraguai e Bolívia são os países que, na ordem de importância numérica, receberam maiores contingentes de japoneses na América do Sul. Entre estes países, o Peru foi o primeiro a receber trabalhadores japoneses, a partir de 1889, em sucessao às correntes até entao dirigidas para o Havaf, os Estados Unidos (continentais) e o Canadá. Segue-se o Brasil, onde a corrente foi iniciada em 1908 (Saito, 1980: 522).

7

Hé pequenas variações quanto ao número dependendo da fonte. 8

No Brasil houve 1.200.000 imigrantes italianos até 1908. Entre 1882 e 1889, a imigração italiana foi grande também em outros pafses tais como os Estados Unidos {185.436 italianos) e Argentina (338.709 imigrantes) {Hutter, 1972: 159).

(21)

espanhola e alemã) vindos antes dos japoneses tiveram mais tempo e maior contato com

o Brasil e, certamente, maior afinidade étnica e cultural por serem de origem européia

(Kawai, 1980).

Hutter (1972) afirma, em seu trabalho sobre a imigração italiana, que o período

de maior contingente imigratório italiano chegado ao Estado de São Paulo foi de 1882 a

1889, quando vieram 147.507 imigrantes (op. cit., 1972: 159). Estes se espalharam pelo

Estado formando dois tipos de imigrantes: os que se dedicaram à agricultura no meio

rural (maioria proveniente das províncias vênetas) e os que ficaram nas cidades ou nos

subúrbios (maioria proveniente da Itália central, meridional e da Sicília). Na zona

urbana, num período, os imigrantes italianos que trabalhavam como carpinteiro,

sapateiro, alfaiate, vendedor de frutas ou eram industriais (tais como fábrica de cerveja

e gêneros alimentícios) foram em número superior aos nativos. No final do século ~

num período de 10 anos, vieram 147.507 imigrantes italianos ao Estado de São Paulo

para trabalhar em setores muito variados. No período de 1820 a 1975, vieram imigrantes

de vários países tais como Romênia, Iugoslávia, Lituânia, Polônia e Áustria. Veremos

os seis países que tiveram o maior fluxo imigratório para o Brasil, conforme o quadro

abaixo.

Naciona1idade Total de imigrantes (1820-1975) Imigração ao Brasil (até 1908)

portugueses 1.793.782 700.000 italianos 1.631.999 1.200.000 espanhóis 717.910 300.000 alemães 263.164 100.000 japoneses 249.763

-sírio-libaneses 122.300 20.000 Total 4.778.918 2.320.000

QUADRO 1- Fluxo migratório para o Brasil eatre 1820 e 1975 (Fonte: Kawai, 1980: 169)

(22)

L A imigndo japorgl: sua t!!jecória e os estereótipos

posterior ao grande fluxo de imigração européia (Cardoso, 1972: 29). No período de

1910 a 1918, o Brasil recebeu 24.410 japoneses (Murasse, 1993: 130). Vieram de 1926

a 1941 cerca de 150 mil imigrantes, correspondendo a mais de 7 5% do total imigrado na

fase anterior à Guerra (Murasse, 1993: 148; Saito, 1980). Conforme Cardoso (1972), o

período de maior imigração japonesa para o Brasil foi entre 1928 e 1934. Nesse espaço de seis anos entraram 57% do total de imigrantes. Temos um total de 249.763

imigrantes japoneses, predominantemente no setor agrícola, espalhados em todo o

Brasil até 197 5.

Os primeiros imigrantes japoneses receberam subsídios do governo brasileiro. Já

as gerações seguintes vieram subsidiadas pelo governo japonês, no período em que

surgiram inúmeras companhias de colonização no Brasil, com a finalidade de recrutar e

encaminhar imigrantes com algum recurso, que pudessem responsabilizar-se pela

compra de um pequeno lote (Cardoso, 1972). Formou-se no Japão, a partir de 1927, a

Federação das Associações Ultramarinas, cujo órgão representativo em São Paulo foi a Sociedade Colonizadora do Brasil (Bratac ), que a partir de 1928 "adquiriu glebas de terras nos Estados de São Paulo e Paraná, para loteá-las e vendê-las aos colonos, formando núcleos agrícolas" (Cardoso, 1972: 27). A extensão de terras abertas à agricultura em certas regiões, principalmente nas zonas novas, facilitou aos imigrantes japoneses a compra de pequenas propriedades contíguas, permitindo a aglutinação de

fanu1ias e a formação de núcleos etnicamente homogêneos (Cardoso, 1972: 125-6).

Podemos dividir a imigração japonesa em dois períodos: os imigrantes da

primeira fase, que vieram como assalariados para trabalhar em fazendas de café, e da

segunda fase, que entraram em suas terras,9 os lotes adquiridos ainda no Japão, por

9

(23)

meio de companhias de colonizações. Os que não tinham suas terras tentaram sua independência fazendo contratos de parceria com os fazendeiros, por intennédio dos

quais muito japoneses conseguiram, mais tarde, se tomar proprietários. Muitos

dirigiram-se às cidades à procura de wna nova oportunidade de emprego, ou passaram a arrendar terras para cultura de outros produtos, ou adquiriram pequenas terras nas vizinhanças de São Paulo para se dedicarem à horticultura10 (Ono, 1973). Também dentre os imigrantes da segunda fase, muitos deixaram suas terras em virtude de wna série de dificuldades, e se mudaram para a zona urbana ou para a periferia próxima da zona urbana, pois havia as cidades que ofereciam oportunidades para pequenos

, . l l

negoctos.

A imigração japonesa forma, então, um quadro específico de integração, pois além dos aspectos de língua e de cultura bastante diferentes de outros imigrantes em relação à língua local, a maioria comprou terras nessas regiões com o apoio do governo para o financiamento e a orientação para o movimento migratório, acarretando na concentração de japoneses em certas regiões brasileiras. É importante observar que a maioria dos imigrantes japoneses veio entre 1928 e 1934, quando não havia mais espaço nem terra próxima à capital paulista, passando então a habitar em regiões mais afastadas, sem nenhuma infra-estrutura. Foi num período em que o governo japonês

estava com problemas de excesso populacional e tinha interesse em imigrá-los, muitos países haviam deixado de aceitar imigrantes e o governo brasileiro, apesar de aceitá-los,

zonas velhas, o envelhecimento das terras favoreceu seu fracionamento e a compra por imigrantes".

1

°

Foi no perfodo de decadência do café (crise de 1929} e no infcio do fornecimento de matérias-primas industriais, tais como a cotonicultura. Muitos japoneses passaram a se dedicar à agricultura de abastecimento das cidades, surgindo núcleos tais como de Cotia, a partir de 1913, e de Suzana por volta de 1930 (Cardoso, 1972: 37 -40).

11

O controle da grande parte do pequeno comércio passou a ser efetuado pelos ex-colonos, principalmente pelos italianos (Cardoso, 1972: 37}.

(24)

l A imi!!!')Cio japonesa: $UI tmietótia e 9§ estmôtipos Fnmi!co Ta!glsu

não provia nenhum tipo de subsídio ou auxílio financeiro.

No caso da imigração italiana, conforme Hutter (1972), apesar da dificuldade dos italianos pela mistura maior - convivência com africanos, portugueses, italianos de várias regiões etc. - muitos deles vieram na época de interesse do governo brasileiro e a maioria entrou em regiões mais desenvolvidas ou com melhores infra-estruturas (em se

comparando essas regiões com as regiões mais distantes, menos povoadas

principalmente em relação à capital paulista).

Além desses fatores, outra marca diferenciada referente aos japoneses em relação

à maioria dos imigrantes de proveniência européia é a questão facial, biotipo particular destes imigrantes orientais, que não pode ser confundida ou camuflada. A semelhança facial de muitos imigrantes não-nikkei pode ter sido um referencial fisico marcante para

dar a sensação de menor dificuldade de interação e integração, em virtude da

dificuldade de distinção e diferenciação étnica. É óbvio que não estamos com isso querendo apagar certas relações e valores tradicionais japoneses que ainda orientam o comportamento dos nikkei e de filhos mestiços.

1.

1.2.

A aprendizagem da língua

No início do relacionamento com os brasileiros, parece ter havido imigrantes japoneses que nem sequer sabiam dizer "bom dia" ou "boa tarde", pois

I. . ./ procuraram aprender tomando notas em caderno depois que chegaram aos

postos de recepção de imigrantes [no Brasil]. Naturalmente, as anotações eram

foitas em japonês. Tratava-se de época em que inexistia qualquer dicionário. A

primeira edição do Dicionário de Otake12 só veio a lume em 1918. /. . ./

Experimentou-se estudar à noite com o intérprete como professor, mas as

12

(25)

O •IIJlat!o" aa iaterulo eacn cleltMt'H e !lo-de!teJICkates •• aala ele aala de lfacu japoaaa

explicações eram dificeis e o ensino não entrava com facilidade na cabeça do aluno. Por que a língua falada difere tanto da escrita? Além disso, o que o intérprete sabia era a língua castelhana, bem diferente do português (Handa, 1973: 111).

Os intérpretes, vindos ao Brasil apenas dois ou três anos antes, sabiam muito pouco do vernáculo para darem explicações, e podemos perceber a dificuldade dos

colonos por intermédio do que Handa focaliza a respeito do momento inicial da publicação do semanário ''Brasil Jihô" (Notícias do Brasil) com as lições de português, em 1917:

/. . .I semelhante lingua não se prestava à prática nas fazendas. Ao verem a flexão

verbal, os imigrantes veteranos alegavam que aí havia algo de errado, pois

nunca haviam ouvido palavras assim flexionadas. Presta-se ao entendimento

dizer-se: "Yo tem", "Você tem", "Ele tem". No japonês também é assim quanto

ao verbo Ter, todas as formas são iguais, seja eu, seja você. Assim, fazia-se crítica ao ensinamento do que se devia dizer: "Eu tenho ", "Tu tens" etc. É que

não havia ninguém capacitado a explicar a razão da flexão do verbo. (H anda,

1973: 111)

Dessa maneira, os japoneses ficavam escutando atentamente quando abordados pelos brasileiros e, percebendo que nada entendi~ respondiam "Y6 nom

comp7Dende,. O imigrante sentia-se embaraçado quando o interlocutor procurava se fazer entender de todas as fonnas, por meio de gestos e mímicas. E, assim, havia os que diziam: "Olhe, lá vem outro brasileiro. Esconda-se que é maçante" (Handa, 1973: 111 ). E quando se aprendia um pouco o português, não conseguindo ouvir até o fim, respondia: "Shim, shim "; e o interlocutor achava que se fizera entender, porém o resultado era muitas vezes inesperado e embaraçoso, e era necessária a ajuda dos intérpretes para desfazer o mal entendido.

(26)

L A imigraçlo japonesa: M tmietória e os estereótipos

comparando os grupos imigrantes europeus e os japoneses, os europeus estavam bem

mais próximos em virtude do local de origem e da similaridade lingüísti~ o que não

implica a inexistência de conflitos interculturais. Os imigrantes europeus consideravam

suas línguas como distintas entre elas, e em interações diárias os membros dessas

comunidades viam as outras comunidades também como entidades diferentes, como no caso dos imigrantes ítalo-brasileiros, vindos de um país unificado poucas décadas antes

da imigração (Fausto, 1991: 40). Mesmo em se falando de japoneses, podia estar

ocorrendo algo semelhante, pois estes vieram de várias ilhas e em várias épocas, de zonas rurais e urbanas, o que significa que nem sempre foi tão coeso como aparenta ser

quando falamos, por exemplo, da convivência grupal e da criação das associações.

Cardoso (1972) menciona as várias dicotomias internas tais como okinawanos

Gaponeses da ilha de Okinawa) e japoneses propriamente ditos; os imigrantes antigos e aqueles vindos pós-guerra (Japão novo), japoneses urbanindos e de zona rural, apesar

de incluirmos como uma única categoria - japoneses, que se contrapõem aos

não-japoneses (op. cit: 135).

Quando falamos sobre os primeiros contatos dos japoneses com os brasileiros e da dificuldade que tiveram em entender a língua, é importante esclarecer que aqueles

brasileiros podiam não ser necessariamente nativos, pois, como observa Fausto ( 1991:

23), entre 1905 e 1920 o número de propriedades agrícolas em mãos de italianos,

portugueses e espanhóis aumentou respectivamente 126%, 139% e 64%, enquanto que

em mãos de brasileiros aumentou apenas 11% . Este fenômeno foi mais acentuado nas

zonas novas, pois, em 1905, os estrangeiros detinham 66% das propriedades da zona

Noroeste e 47% da região de Araraquara (Fausto, 1991: 23).

(27)

imigrantes italianos do Estado de São Paulo encontravam escolas já em funcionamento em locais de algumas colônias, tais como São Bernardo, Limeira, Ribeirão Preto, Campinas etc. E a maioria dos colonos italianos manifestava o desejo de que os filhos aprendessem a língua portuguesa ( op. cit., 1972: 1 09).

Quanto à educação dos filhos de japoneses, apesar de os imigrantes japoneses provirem de áreas rurais e de camadas da população econonúcamente menos favorecidas, eles sabiam ler e escrever (Schaden, 1980), e a escola era uma instituição da qual não podiam prescindir para seus filhos.

Quando falamos em alfabetização não estamos separando o conhecimento das línguas japonesa ou portuguesa. Entre 1908 a 1936, passaram pelo porto de Santos um total de 1.095.456 imigrantes; havia 36,4% maiores de 7 anos analfabetos. No caso dos japoneses, no entanto, apenas 9,9% eram analfabetos. De acordo com o censo de 1958,

74,3% de imigrantes maiores de 15 anos vindos antes da guerra tinham curso primário (Kawai, 1980: 159). O autor cita que em 1958, de 47,65% de japoneses (imigrantes e descendentes) acima de 15 anos que não possuíam escolaridade no sentido de baixa escolaridade e não analfabetos~ indicando que muitos imigrantes que vieram ainda crianças e outros nascidos aqui não tiveram chance de estudar em escolas formais.

Os japoneses, com a preocupação de retomarem ao Japão com esses filhos analfabetos, pensavam no que poderiam fazer, pois sabiam da importância da educação escolar dos filhos (Handa, 1973: 114). Ass~ mandavam seus filhos para escolas brasileiras, fazendo-os estudar a língua japonesa em casa ou em algum local determinado pela comunidade.

Quanto à língua da comunidade receptora, muitas vezes os japoneses não tiveram contato com o português padrão, mas com uma das variantes do "brasileiro", pois a

(28)

l A imim.clo japcxzsa; p trajetória e os eamótjpos FI!!!'!ÍkO Tab.su

convivência inicial deles com os membros da comunidade receptora era predominantemente com outros imigrantes trabalhadores encontrados nas lavouras de café. Vejamos que, de 2.593.652 imigrantes para o Estado de São Paulo entre 1870 e

1952, apenas 7,3% (190.063) eram japoneses; havia 34,5% (894.037) italianos, 18,6%

(481.572) portugueses, 15,7% (406.448) espanhóis, 2,7% (70.837) alemães, 1,5% (39.693) austríacos e 19,7% (305.949) de outras nacionalidades (Cardoso, 1972: 21).

Ou seja, a cultura da comunidade receptora foi uma variante do grupo dominante

local.~3

Porém, o fato de não haver muitas vezes escolas públicas brasileiras próximas à

sua residência fez com que muitos japoneses se unissem para a criação dos seus

próprios estabelecimentos de ensino, mantidos às suas custas, ou seja, eles

organizaram wn local apropriado para as crianças se constituírem lingiiisticamente, através de signos ideológicos verbais e não verbais aprendidos por eles, durante suas permanências temporárias nwn espaço

chamado Brasil (Aquino, 1991: 10).

O processo de adequação dos japoneses em relação à língua foi semelhante ao

dos outros imigrantes. Eles foram se adequando aos diferentes espaços, utilizando a

língua padrão local no contato com as autoridades, e a língua japonesa ou os seus dialetos entre os membros do seu povo. Nessa adequação, o papel da escola foi se modificando com o tempo, e todos fizeram com que seus filhos freqüentassem as escolas públicas, para terem a ''possibilidade de usar vários códigos lingüísticos, mantendo ao mesmo tempo a língua de origem, o dialeto de origem e a língua

portuguesa" (Fausto, 1991: 40). Com o passar do tempo e sendo cada vez mais remota a

H Quando fala dos escravos no século XIX, Bergmann (1976) cita, por exemplo, que os portugueses eram minoritários em certas regiões brasileiras, e nas regiões de poucos africanos a língua comum era o tupi-guarani (op. cit.: 40).

(29)

possibilidade de retomo ao país de orige~ os japoneses foram percebendo as vantagens

dos estabelecimentos oficiais, reconhecendo também a necessidade de integração das novas gerações na sociedade brasileira:

Passaram a matricular seus filhos concomitantemente na escola comunitária

japonesa e na pública14. Dessa forma, as crianças obtinham um certificado

oficial, /. . ./ aprendiam o português, que começou a ser prezado como instrumento de valia na competição econômica e social. (Schaden, 1980: 142) Assim, matricular os filhos em escolas brasileiras passou a ter outro significado, pois:

Na verdade, a educação brasileira também era necessária porque, se a

organização da produção era feita em termos da participação numa

comunidade étnica, sua comercialização exigia, pelo menos em certos níveis, contatos com brasileiros. Do mesmo modo, a necessidade de interagir com uma

bW'ocracia administrativa, que se manifestava diretamente nas exigências

fzscais e contratuais, mostrava aos imigrantes, a utilidade da freqüência à

escola brasileira e o aprendizado da língua nacicnal. (Cardoso, 1972: 142)

Dessa maneira, os japoneses puderam optar em suas interações diárias entre as duas línguas, de acordo com a situação nesta fase inicial de imigração, recebendo, então, a educação formal na língua padrão, usada nas transações oficiais e na mídia. Conforme Cardoso ( 1972), a situação lingüística dos nikkei em 1958 era a seguinte:

/. . ./ vemos que o japonês é preservado na comunicação familiar por mais da

metade dos imigrantes chefes de família, residentes em zona urbana. Ao mesmo

tempo que confirma a crescente utilização do português pelos descendentes de

imigrantes, /. . ./ em 1958, ainda 30% dos nissei chefes de família urbana e 46% dos residentes em zona rural preferiam comunicar-se em japonês. Tal fato demonstra que, passados 60 anos do início da imigração, muitos dos nascidos

no Brasil ainda sentem a língua japonesa como sua e, através dela,

provavelmente procuram definir sua condição de japonês. (op. cit.: 145)

14

No caso dos alemAes, por exemplo, "uma vez instalada em seu meio a escola pública, deixaram de manter as escolas comunitárias, que lhes davam despesas e poucas vantagens."

(30)

l A imja;raclo japogesa: p trl!:jetón& e os estmóripgs

A

língua portuguesa

padrão passou a ser associada à educação e ao poder no

cenário nacional, e o uso do japonês no âmbito das relações informais passou a ter valor

social como um sinal de diferenciação e de identificação do falante com os indivíduos

de origem local.

1

.

1. 4. A

convivência em grupos fechados e

a

agricultura

Sabemos que é muito comum a formação de grupos exclusivos entre imigrantes,

pois garante maior liberdade, em virtude do emprego da mesma variedade lingüística e

das afinidades em relação ao lazer e ao trabalho. A maioria dos imigrantes da

comunidade japonesa veio para o Brasil antes da grande ocidentalização do país de origem, e desta forma trouxe consigo costumes muito diversos dos brasileiros e dos

ocidentais. A esse respeito, Cardoso (1972) fala do isolamento em que ficavam essas

famílias, dispersas nas colônias das fazendas, tendo como vizinhos imigrantes de outros

países ou caboclos brasileiros, causando uma desorganização, em conseqüência do

impacto do novo modo de vida brasileiro e a preocupação maior com o trabalho (op.

cit.: 117-8). Porém, eles foram se juntando de alguma forma uns aos outros conforme as

possibilidades e seus interesses (Aquino, 1991: 57). Em certas regiões houve a

concentração desses imigrantes, o que facilitou a formação dos núcleos comunitários,

fazendo surgir grupos fechados, as chamadas "colônias". Dessa maneira, o

conhecimento da nova língua não se fez tão necessário em virtude das relações sociais

restritas ao grupo, reforçado pelo próprio desinteresse, pois muitos tinham planos de breve retorno ao país de origem, vieram com o objetivo de fazer fortuna rápida, para

então voltarem ricos ao seu país (Aquino, 1991: 53).

A convivência grupal prevaleceu na fase inicial e associações culturais,

(31)

(Schaden, 1973, 1980; Aquino, 1991; Kawai, 1980; Saito, 1973). A importância das

associações foi cada vez menor quanto mais caminhou o processo de integração dos

imigrantes à sociedade nacional, através de sua dispersão nas áreas metropolitanas e

urbanas. Com a diluição das características culturais nipônicas na sua formação, essas

associações perderam as funções econômicas e coercitivas, pois não havia mais razão

para a integração entre pessoas com ocupações tão diversas e heterogêneas. Porém, na

fase inicial, com limitações da língua portuguesa e o problema de tradição cultural

muito diferente, esses núcleos de imigrantes ao redor das cooperativas ou outras

associações menores os isolava socialmente, ao mesmo tempo em que abriam perspectivas para uma maior mobilidade econômica, pois através delas obtinham, por

exemplo, preços melhores para seus produtos do que se cada um de seus membros

negociasse isoladamente (Cardoso, 1972: 129-48).

Existem ainda hoje associações, principalmente em pequenas cidades de grande

concentração de imigração japonesa, porém sua fimção parece ser bem diferente da do

início das imigrações. As atividades dessas associações variam muito, conforme a

história local da imigração (mais recente ou não), sua concentração e coesão. Em

algumas associações, a própria instalação fisica é melhor (geralmente com mensalidades

mais caras) e com opções de lazer, como piscina, que atraiam maior freqüência das

pessoas. Em locais de imigração mais diluída, os prédios dos clubes geralmente estão

mal conservados, como indicação de sua decadência, e a taxa de mensalidade é irrisória.

São freqüentadas pelas pessoas geralmente mais idosas que muitas vezes mal sabem o

português (a maioria inativos e aposentados), que vão ao "clube" para cantar, jogar

algum tipo de jogo japonês, organizar algum evento comemorativo etc. Quanto aos

eventos, 15 não têm mais sua forma original; houve muita adaptação e influência

~5

Alguns quase nao são comemorados no Japão moderno e outros sofreram mudanças principalmente quanto à forma e ao sentido das comemorações, tais como alguns eventos

(32)

L A imig!Mio japorx;sa; M !rajetória e W CS!mÓti!!OS Fumiio T!k'•a•

brasileira na organização, na comida etc. Esses eventos contam com a presença de muitos não-descendentes. A maioria das pessoas (nilckei e não-nikkez) vai porque é

divertido e freqüenta sem saber bem seu significado. Quanto aos jovens (não só nikkez),

têm esses locais como lugar para praticar esportes, tais como tênis-de-mesa e voleibol,

ou aprender certos esportes japoneses~6 (judô, kendô etc.). Encontramos cursos de língua japonesa em alguns clubes.

Hutter (1972) afirma que, no caso dos italianos que vieram com uma herança cultural próxima da luso-brasileira, o processo de reorganização social apresenta aspectos diversos conforme as diferentes áreas para onde foram encaminhados. Ela fala

dos italianos que também se reuniam por meio de associações, conservando um cunho

nitidamente regional, idéia corrente na Itália dos fins do século passado, quando houve

a formação muito recente do Estado, mas esses regionalismos se dissolveram rapidamente no contexto brasileiro. Os imigrantes de São Paulo integraram-se mais rápido por terem se espalhado e não constituírem uma minoria,~ 1 ao contrário dos

italianos dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que formaram

comunidades ao lado de outras alemãs e polonesas. Hutter (1972) afirma que, quanto

brasileiros imbufdos de conotações religiosas (Missa do Gato, guarda do jejum na Sexta-feira Santa, o periodo de recolhimento da Quaresma etc.).

16

A função do "dube• parece ter, de certa forma, alguma semelhança com a colônia alema citada por Jung (1997): ao lado do dube há uma quadra de esportes como lugar de diversão dos jovens e das crianças (op. cit.: 46} e o dube é o local de reunião dos homens para o jogo de baralho e as mulheres se reúnem na casa de uma ou outra (op. cit.: 48).

11

Conforme Hutter (1972}. nos anos de 90 (do século passado) um terço de população da

Capital de sao Paulo era italiana, em tomo de 150 mil pessoas. A população do Estado de São Paulo cresce significativamente com o incremento da imigração: em 1854 havia 417.149; em 1872, 837.254; em 1886, 1.221.380; em 1890, 1.384.753 (Hutter, 1972: 162}. Em 1882, a populaçao da cidade de sao Paulo era de aproximadamente 35 mil habitantes e em 1886 residiam 47.697 pessoas (Hutter, 1972: 77).

(33)

mais isolada a minoria étnica, geográfica ou socialmente, 18 mais lenta sua assimilação e maiores são suas possibilidades de subsistência cultural (op. cit.: 117).

Essas associações eram formadas devido a própria necessidade cultural e social (local de práticas culturais e das experiências prévias diferentes da comunidade local). A convivência entre as pessoas da mesma origem étnica foi intensa enquanto houve interesses comuns, por~ com o passar do tempo e maior interação com a comunidade local, foi ocorrendo a dissolução. A convivência em grupos parece não ser muito diferente, por exemplo, dos alemães citados por Bergmann (1976) e Jung (1997).

1.2. O SURGIMENTO DOS ESTEREÓTIPOS E A ATRIBUIÇAO DO

SIL~NCIO

AOS BRASILEIROS

NIKKEI

Conforme Doré (apud Cardoso, 1972: 105), as pessoas de uma comunidade constróem imagens de como uma outra comunidade ou um determinado povo costuma se comportar e baseiam em tal imagem suas expectativas em relação ao outro. Muitas vezes há a influência do fator econômico e político para a criação dessas expectativas e também de discriminações em relação às comunidades e aos povos distintos. Isto pode ser observado, por exemplo, na época das grandes imigrações para o Brasil, quando as relações internacionais tomaram novos rumos e a rivalidade entre as nações culminou com a Segunda Guerra Mundial, quando o mundo passou a ser disputado tanto pelo ocidente quanto pelo oriente (Murasse, 1993).

18

De acordo com Hutter (1972), a profissão de mascate era bastante comum entre os

italianos, passando mais tarde a ser quase que exclusivamente dos sino-libaneses {op. cil: 116).

Esses mascates italianos e sino-libaneses também foram vender seus produtos nas chamadas

(34)

L A imilt!l!Çio j!!p!!D!êSii M trajetória e os estereótipos

Hutter (1972) afirma que um dos fatores de maior ou menor facilidade de adaptação está parcialmente ligado ao fator pessoal, e não ligado necessariamente a este

ou aquele país, cidade ou região, pois há pessoas capazes de adaptar-se facilmente em

qualquer parte, por mais estranhos os costumes. Outro aspecto é atribuído ao grau de aceitação do estrangeiro no novo ambiente por parte da população nativa. De acordo com Tannen & Wallat (1998), uma das razões para a formação de estereótipos em relação ao outro é o próprio desconhecimento ou a falta de experiência prévia com

aquele tipo de evento ou modo de interação. Em virtude do desconhecimento e da falta

de experiência prévia, o contato entre culturas muito diversas "costuma-se produzir nos

elementos de ambos os grupos reações das mais variadas, que podem percorrer toda

uma gama entre admiração, escândalo, antagonismo" (Nogue~ 1973: 66).

Podemos perceber que muitos estereótipos são simplesmente criados pelo

desconhecimento ou pela má informação, como no caso do erro, muito comum, de se

supor que haja predominância de imigrantes italianos originários do sul da Itália. Conforme Foerster (apud Hutter, 1972: 116), a formação dessa idéia se deu porque no início do século XX muitos indivíduos do Sul fixaram-se nas cidades de São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Salvador etc., e, no caso do Rio de Janeiro, os italianos do Sul chegaram de fato, a superar em número os do norte.

Entre os imigrantes, um fator comum foi a falta de interação comunicativa adequada e satisfatória pelo desconhecimento do outro (diferenças culturais). De acordo

com Fausto (1991: 51), houve preconceitos e estereótipos com algum grau de verdade

distorcida e magnificada, em plano menos visível que permeia as relações sociais cotidianas, a partir de pequenos gestos, palavras e atitudes. No Brasil, foram criadas

figuras estereotipadas como a do turco embrulhão, do espanhol encrenqueiro, do judeu da prestação (Fausto, 1991). Para o autor, os alvos principais, mas não exclusivos, desse

(35)

Podemos distinguir aqui duas vertentes para a formação desses estereótipos: uma em virtude do fator pessoal, normalmente pelo desconhecimento sobre o outro, e a outra

em conseqüência dos fatores externos, tais como questões políticas ou econômicas. Porém, muitas vezes há uma junção destes dois fatores na formação desses estereótipos.

Vejamos a evolução do que encontramos a respeito dos japoneses.

Sakurai (1995) menciona que, por exemplo, no Japão, após o período da Restauração Meiji de 1868, as elites desse país promoviam um movimento com

tendência ao cultivo do nacionalismo, do "espírito japonês", com símbolos e mitos que eram evocados para distinguir seu povo como superior, diferente dos demais e se

achavam portadoras de uma tradição cultural milenar e consideravam seus costumes e idioma muito particulares (op. cit.: 134).

O Japão "tomou-se inimigo" no período da Guerra, e tal como outros imigrantes oriundos de países "adversários" durante a guerra, os japoneses sofreram punições e perseguições por serem originários de país pertencente ao grupo de oposição em relação ao Brasil. Porém, esses efeitos negativos proporcionados pelas expectativas e pelos

estereótipos na época da Guerra foram posteriormente alterados por interesses políticos

e econômicos das partes envolvidas, como podemos notar na citação de Sakurai.

A partir da década de 50, a colônia japonesa passa a ganhar uma visibilidade

diferente daquela das décadas anteriores: niW é mais o "perigo u japonês" que está em questão /. . ./ [e] a imagem positiva que os brasileiros têm hoje em

relação aos nikkei é em parte fruto de uma estratégia /. . ./ no sentido de "limpar" sua imagem diante da sociedade mais ampla {acentuando, por

~9

t interessante notar que na década de 1920, com o surgimento de movimentos

nacionalistas, os líderes da classe operária organizada eram "os perigosos, os nocivos aos interesses da república•, visados pelas leis, depois transferidos para outros tipos de indesejáveis (Fausto, 1991 :49).

(36)

exemplo,} os traços de trabalho, esforço e sucesso. (1995: 175-6)

Quanto à imagem positiva, Kawamura20 (1997) afirma que os jovens passaram a migrar das pequenas cidades para os grandes centros urbanos em busca de estudos superiores e empregos melhores e, assim,

a partir dos anos 60, criou-se no Brasil uma imagem positiva no senso comum,

associando aos alunos descendentes de japoneses, a idéia de "bom aluno",

"inteligente", "bom comportamento", disciplinado, possivelmente pelo

destaque em disciplinas das ciências matemáticas, fzsicas, químicas e

biológicas, consideradas '~dijrceis" pela média dos estudantes brasileiros (op.

cit.: 76).

Da mesma forma que há estereótipos em relação aos imigrantes, fala-se ainda hoje, por exemplo, em brasileiro espertalhão ou indolente, e sempre avesso ao trabalho (Fausto, 1991; Barbosa, 1992). Assi.m, cada qual com suas peculiaridades, os grupos

imigrantes geraram uma visão estereotipada21 do brasileiro e vice-versa.

A criação de estereótipos e discriminações em tomo do desconhecido ou estranho existe em qualquer época ou lugar e, conforme vimos acima, não é algo apenas unilateral, algo de mão única, como se fosse uma relação nacional-estrangeiro. Podemos notar que o processo de aceitação ou rejeição é criado muitas vezes por questões

20

A pesquisa de Kawamura (1997) procura focalizar a natureza e as oportunidades de formação técnica, cuttural e escolar dos trabalhadores brasileiros no Japão, a partir das formas de inserção e estratégias de sobrevivência desenvolvidas no trabalho, na vida social e cultural japonesa.

21

Romaine (1982: 265) diz que as variáveis lingOlsticas podem ser classificadas em 3 tipos,

dependendo da avaJiação social que recebem e dos fatores externos com os quais estejam corretacionadas: estereótipos, indicadores (idade, classe) e marcadores (estratificação nftida -variáveis gramaticais - e estratificação delicada - -variáveis fonológicas). Conforme Romaine, a

referência de Labov ao estereótipo se dá aos "traços estigmatizados socialmente• (Labov, 1972:

(37)

econômicas e políticas dos povos e paises envolvidos, e cada qual passa a acreditar em certos valores como uma fonna de coerência e preservação (Fausto, 1991).

Baseados em idéias preconcebidas dentro de um imaginário sobre o outro, tem-se

a impressão de que os brasileiros sempre foram e são assim do jeito atual, por exemplo,

quanto à sua forma de manifestações emocionais mais verbalizadas do que os

japoneses. Não se leva em consideração que muitas coisas foram incorporadas de outros

imigrantes e hoje são consideradas como brasileiras. Por exemplo, em relação à reação

emocional, Hutter (1972) menciona que o brasileiro paulista também parece ter sido

mais silencioso, pois inicialmente o italiano não era muito aceito por suas manifestações ruidosas nas ruas da cidade (op. cit., 1972: 130).

Esses preconceitos e convenções socio-culturais existentes dentro de um povo

são naturalizados pelas pessoas por meio da convivência e da experiência comunicativa

e interativa com o grupo e cada qual passa a acreditar nesses valores. Além disso, o

contato com os interlocutores dos subgrupos, como no caso dos imigrantes, por

exemplo, vai sendo transformado e outros novos são criados. Assim, os mesmos recursos

ou meios comunicativos são organizados de formas qualitativamente diferentes em cada época ou comunidade (Philips, 1998).

Gumperz (1982; 1998), lingüista e antropólogo, pesquisador da área da

sociolingüfstica interacional, afirma que quando a comunicação humana ocorre entre

pessoas que aprenderam a significância de cada sinal naquela comunidade, a interação

acontece de forma sincronizada dentro de uma rotina e grau de previsibilidade ( op. cit.: 141). Nas relações interpessoais com outras comunidades e grupos étnicos, a sincronia

varia de acordo com suas expectativas e julgamentos subjetivos, baseando-se nas

conveniências, dificuldades de interação ou valores e crenças das pessoas, conforme juízos de valores positivos ou negativos.

Referências

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