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SALVAR OS FENÔMENOS: Ensaio sobre a noção de teoria física de Platão a Galileo

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(1)

l'r<tîtttl¡ulo

eual

é o valor da teoria física? Que rclaçõcs cla possui cottr a

cxllliclçãtr

rrtctafísica'l Essas são perguntas

nluito

dcbatidas ern

nosos

dias. Mas, cotrlo ta¡ttas outras

pcrgull-tas, elas

',ào

iao

novas; pertencem a todos os tclnpos;

são strscitadas dcsclc que existe

L¡na ciência

ila Naturezi.

A

forma (lue assunrerìr ntuda

unt

potlco

dc

uttt século ¡rara

outro,

pois

torna¡r

fornta variável, cniprcstada à ciência

do tlrolllettto;

nlas basta afãstar

.50

u.iti,r'r*nta

para recolllrccer (luc perrììatìeccttl csscltcialtlìcllte as lììcslììus.

A

ciêlrcia il¿i Natureza nos oferece,

até

o

sóculo

XVII,

potltluíssiltlas Partes quc

tivcsent

progrccli{o

ao

ponto

dc

constituircrn

toorias cxPrcssas

cm

lingtlagclìl

lllate-rnática,

.

"ù¡ut

prcvisÕðs, ñultrcrioarncrrtc avaliadas, put-lcsscnr

ser

conrparadas âs

¡rcrliclas fornccidas

por

observaçõcs prccisas.

lt

listática, quc cra cntão

cltaruada

Scientis de

¡toruleribits,

a

Catóptrica,

quc

sc ertt¡trtdrava naquilo

(luc

sc cltama

l'ers-pectiva, e

quc

é ¡ossa

nlodcnn Optica,

rìÌal clìcgalanr a

atingir

essc grau dc

dcscrrvol-virnc¡to.

Se clcixarrrros clc

lado

esscs clois capíttrlos lintitados,

ttÍo

tetuos

dialrtc

clos

olhos

setlão

ulna

ciéttcia

cuja

fbrrna,

bcln

acabatla,

perllìitia

plcvcr

o

aspccto de llossas tcorias ¡todcrrras

da

Flsioa ntatcnráticai csta ciéncia C a

Astrononlia.

Os s¿íbicls

lrclônicos

ou

rrruçulrnauos,

os

eruditos

da

ldadc

MCdia

c da

Iì.cnasccrrç4,

cliziallr:

c

Astroro mis,ond e dizcrlos : a t at ria J ísicu.

As

outras

partes

do

esturìo

{a

Natureza

nätt

lravialtr Lrìrltla

atirrgido

cssc gratt tle

aperleiçoanrc,it., .rl., rlue a lìrrguagcur rnatcntátic¿ì scrvc Pilra

cx[)Iilììir

as lcìs

t]cscobcr-tås por-experié¡oias ¡xccisas;

a

F'lsioa positiva, ciônoia ao ttìcstììo

tctttlxl

ttlatcttrática c

cxpàrime¡ìal,

uão havia ailrda se scparaclo do csttrtlo rììctalísico

do

Murrdtr rrratcrial:tla

Colnrologia.

[loje

lalaríarrìos

cnì Metafísica

enr rnuitos casos

cllì

qtre os atltig<ls ¡rro-nunciavant a palavta I¡lsics.

É, ¡rrrr isso que esta questão tão <lcbatida lroje

cm tlia

quais sùt, as rclulões ctúre u Tæria

física

e'a MetuJtsicaZ

foi,

clurante dois

mil

atros, fornrulada <1a scgtrirrtc ttlallcira: quais sdo as rekções eiltre o

Astrotutttia

c a Física?

SALVAR

OS FENOMENOS

Ensaio vrbre a noção de teoria física de Platâo a

Galileo*

PiliRIr.l,t

l)UllliM

*Nota

cditori¿tl

l'ratlução tlo tcxto tiarroôs, originrlltlctltc [rttblicntlo sob o

título:

"Ðóte¿p

6atudpeuu: l,lssaisLu l¿r lrotion tlc thetrric ¡rlrysiquotlo I'l¿ttort

ì

(;¿tlilóo",u1 rrrtalcstle Philowphie chtéticnne (scr.

4)

79/156, I l3-38, 217-302, 352-317. 482-514, 576-92 (1908) O tcxto conì-pleto fo.i publicado

clu

t'ornla dc livto, tarnl¡ónr onl 1908, pela oditora llcrttrann (Paris)t c

rcc<li-tado, sob

o

tncs¡tìo título, pcla cditora

Vrilt

(Paris) crn 1982. IIá urrta traclrrção crrr inglós ¡ror lidrnr¡ncl Dolandc Challilrah Masclrlcr: 7b Savc tlte I'ltcttotncna:

Art

t'ssa.¡, cttr llrc ideoot pltysical theory

liom

Plak¡

to

Galiler¡ (lJt¡ivcrsity

ol

chicago, 1969).

A

prcscntc traclur;ño l'oi rcalizada por Roberto de A. Ma¡tins. O tcxto traduzirlo foirevisto por J.C. Pinto de Olivcira,

(2)

6

Piqre

Duhem

Gostaríamos de rever rapidamente as respostas que foram dadas a esa questão pelo

pensamento helênico, pela ciência semítica, pela Escolástica cristã da Idade Média e, enfìm, pelos astrônomos da Renæcença.

Outros que nos

antecederam

nesta direçÍio,

franq

Não

poderfamos esquecer

aqui os

nomes de

T.

H.

Martinr,

Paul

Mansion3. Adicionaremos

um bom

número

de outros

1

quais esses

autores

chamaram

a

atenção; eles

permitirão,

cremos,

reconstituir

de

forma bastante exata a idéia que os sábios, de Platão a Galileo, lizeram da teoria

física-rT.H.

Muttin, Mémoi¡es sur lhistoire des hypothèses astrcnomiques chez les Grecs et chez

les Romains, parte

I:

Hipothêses astronomiques des Grecs avant l'époque Alexandrine; cap, 5, $ 4

(Mémoires de lAcadémie des Inscriptbns et Belles Lettres,v. 30, 2.4 parte).

2ciovanni Schiaparelli, Orþlne

ilel

Sistema planetørio eliocentríco presso

i

Greci, cap. 6 e apêndice (Iulemorie del Instituto Lombatdo

di

Scienze e Lettere; Classe di Scienze matematiche i naturali;vol. 18 (série 3, v. 9),17 de março de I 898).

3P. Mansion,

"Note su¡ le caractè¡e géométrique de I'ancienne Astronomie", Abhandlungen zw Geschíchte der Mathematik, vol. 9, 1899.

(3)

--SALVAR

OS FENÔMENOS

Ensaio sobre a

noçio

de

tæriaftsica

de

Platfu

a Gatileo 7

1.

A

ciência helênica

Se quisermos

encontrar

a fonte da

tradição

cujo

caminho

pretendemos seguir, devemos

retomar

a Platão.

Recebidas

e

colocadas

em

prática

por Eudoxosl

as opiniões

de

Platão sobre as

hipóteses astronômicas

foram recolhidæ,

dos escritos de Eudoxos,

por um

discípulo

imediato

de Aristóteles, Eudemos; este as descreveu

no

segundo

livro

de

sua

Hßtória

da

Astnbgia(Aorpohayryr¡

looptot)

; Sosigenes,

fìlósofo

e astrônomo que

foi

profes-sor de Alexandre de Aphrodisias, tomou-æ desta

Illsfdriø

da

Asttobgw

e as transmitiu

a Simplicios, de quem as recebemosl .

Eis, portanto,

os termos em que se encontra formulada esta tradição platônica no

Ømentdrb

de Simplicios:

"Platão admite, em princípio,

que os corpos celestes se movem com

um

movi-mento circular, uniforme

e

constantemente

regular2; ele coloca então

este

problema

aos matemáticos:

quais

são

os

movimentos

circulares,

uniformes

e

perfeitamente regulares que convém

tomar

como hipótese, a

fim

de poder salvar as aparências apresentadæ þelos planetas2

"T(yt

sv

tmorúévr<,¡v

6t'

ò¡raÀ<i.rz

Xoù

èyyvy'ìrtli.v

Xot¿ rer

ay¡t

ëvav

yvì¡rcav

õuvt¡oent

6rc.o

aïí¡vat

m

repl

nX

ùtavra¿Èvou(

,p.wópew."

O

objetivo da Astronomia

é

defìnido

aqui com uma extrema clareza; esta ciência

combina movimentos circulares

e

uniformes para fomecer

um

movimento resultante semelhante ao movimento dos astros; quando suas construções geométricas æsociam a cada planeta

um

movimento equivalente àquele que é revelado pelas obsewações, seu objetivo

foi

atingido, pois saøs hipóteses salvaram as øpwências.

Este é exatamente o problema que estimulou os esforços de Eudoxos e de callippos:

salvar as apøências

( ods(ev ru tpwópew)

é o único objetivo para o qual eles combi-alguns pontos a combinação das

ido,

isso

foi

apenas

porque

as

certos fenôrnenos, e porque ele

co:

cos

corPos celestes?

Não

poderiam

essas características servir-lhe

para desþnar

certas

.-

lSi--pli.iot,In

Aristotelis quatuot libtosde Coelo commentaria,hwo 2, comentários 43 e 46 (Ed. Karsten,

p.2I9ae

227a;8i,. Heiberg, p, 488 e 493).

2quer

(4)

F

8

Piqre

Duhem

classes às quais as hipóteses astronômicas deverão se deveria, então, declarar inaceitável uma combin se se ajustar a qualquer dessas classes, mesmo se

cias?

Áo

lado

do

mëtodo do

astrôtnmo,

tã'o nitidamente

definido

por Platão, A¡istóteles

u¿-it.

a

existência

e

legitimidade

um outro

método como

este; ele

o

chama de

método do

flsico.

Quando compara, em sua Ffsica3, o método do matenuítico ao método do físico, o

Estagirita

coloca

certos princípios que

certamente se aplicam à questão de que

fala-*or,

fnas que n¿io

permiiem

levar sua

análi

cqHr?dce:Îfr::t;

s pelo geômetra

udaos

como o

Essa

doutrina

demasiado vaga nâ'o

nos

pensamento de

Aristóteles em relação ao m¿tJ¿o

do

astrô

.

; se desejarmos

¡ealmente penetrar

este pensamento, devemos examinar

como ele

foi

colocado em

práttica na própria obra do Estagirita.

-

Eudoxoì

que

o

Precedeu

um

Pouco e d

Callippos

que

foi

seu contempo¡âneo e

astrôiomo,

tal

como Platão

o

havia defìn

familiar

a

Aristóteles. Mæ,

por

seu lado,

seja esférico, que as esferæ celestes sejam

mento circular

uniforme

em

tomo

do

cen

por

uma Tena imôvel'

Essæ são condições rer

ãrtto"à*ot,

e

não hesitaria

em rejeitar uma

combinação

de

movimentos

que

pre'

tendesse livræ-se

de

alguma dessæ condições. Ele as impõe,

no

entanto, não porque

riur Ut.

pareçam

indisiensíveis

para salvãr as

ap

consta'

tarn,

rnai

poiqne

elas são exþidas, segundo

ele,

que os

céus são fòrmãdos

e

pela natureza

do

movimen

oxos

e

"ðuilippor,

seguindo

o

método

do

astrônomo,

controlam

suas

hipóteses examinando

se

elas salvam

æ

aparênciæ,

Aristóteles

pretende

dirigir

a

escolha dessas hipóteses

por

proposições

que foram justificadas

por

certas especulações sobre a natureza dos corpos; seu método é o do flsico.

Ào't"¿o

do

método

do

ætrônomo,

m

em introduzir

este novo

método que, por um

outro

caminho,

pr

r o

mesmo problema?

Pode-ríamos

¿lvi¿ar

disso se

o

método

capaz

de dar

uma resposta isenta de ambigüidade à questão que Platão

lhe

colocou. Mas se não

for asim,

se

for

possível salvar as aparêncìas

iguimente por

meio de

diversas combinações de

movi-mentos

circulares

e

wtiformes,

como

se

escolherá

entre

essas hipóteses diferentes' mas igualmente satisfatórias segundo

o

julgamento

do

astrônomo?

Não

seria neces'

,aii",

ï."

tal

escolha, recorre-r

à

decisão-do

físico

cujo

-método aparecerá, então,

*-ó

ó complemento indispensável do método ætronômico? 3Aristóteles, Plry sicae auscultationls, livro 2, cap' 2'

(5)

)

!-S

.

SALVAR

OS

FENÔJIIENOS

9

Envb

sobre ønoçdo de

tæriofísi¿a

deÞlatø

ø Galileo

entou-se

uma

circunstância ern que

os

astrônomos deveriam

ia

particularmente

nítida

desta verdade: higóteses dife¡entes

próprias

à

representaçâ'o

dos

fenômenos. Èsta circunstância squisas de Hipparchos.

ter

sido fortemente

abalado

por

esta concordáncia entre os

ipóteseç

muito

diferentes.

Nos

ensinamentos

que

nos

foram

n de

Smyrna, Adrastos

de

Aphrodisia lemb¡a esse sentimento

"Hipparchos

-

djz

elea

-

fez

notar

que

é

matemático a

pesquisa de explicações dos fenômenos

com

tão diferentes:

a dos círculos excênticos

e

a dos

círculos

idos

por

epici_ clos.

"

stronomia cum

S

um primus cdirtit, latine

p.

26,p.245;Th

sophe

platonicien,Expo-þues utiles

pour

traduzido por J. Dupuis ',cap,26,p.269.

sTheon

de Smyrna,ástronontia,cap.32 (Ecl. Martin, p. 293;ed.Dupuis,

p.29Ð.

) '-I ) a

ì

s ít

)

a

t

i-I,

(6)

10

Piene Duhem

acreditantros

em

Adrastos6,

Ilipparchos,

mais

hábil em Astrolronlia

do

que

etrt Flsica, mostrou-se incapaz de

justificar

cssa dccisão:

claro que,

pelos rnotivos cxplicados, das ¿uas lripótescs, das quais uma é a

colrseqüôncia

da

outra, a

do

cpiciclo

parccc a nlais cort'tultì, a Inais geralrrtentc

admitida,

a

nìais concordante

conì

a

naturcza tlas coisas. Pois

o cpiciclo d

urn

grandc

cÍrculo

de ulna

esfera

solida,

a<¡uelc

rlrrc

o

¡rlattcta dcscrcvc 0nì setl

r¡oviurcnto

sobre esta esfcra, crrt¡rrurrto <1ue

o

cxcôntrico dil-crc c<lrrrpletattreltte

do

círcr¡lo que

estir clc acordo colrr

r

rraturct,a,

c

é

dcscrito

tttais ¡nrr ucillente. Flipparclros. pcrsuadido de quc

o

lènô¡ncno sc protlrtz assirn, atlototr a lli¡ótese

do cpiciclo

oonlo sua prripria, e

diz

r¡uc

é

provrivcl que toclososcorposcelestcs

estejanr clispostos

unilìrr¡ltelllcrrtc

crrr relaçâ'o ao ccntro do Mtrntlo c que elcs llre estejanr uuiclos

de

lonnas

setncllìantes. Mas

cle

próprio,

tìÍo

coltltcccltdo

strfì-cie¡tenrcnte a Ffsica, tìflo coutprcendcu benr t¡ual ó cl

venlatleilv

¡ttoviltletlto dos ¿lstros,

(lue

está

rle

acot'tlo

c9m a

ltatureza das coisas,

nctlt

aqucle t¡ue ó

¡xrr

acùJente,

c

r¡ue é apetìas uur¡ aparórrcia. Ele coloca, tto entartto, corno prirtcípio, que

o

epiciclo

de

oada ¡rlancta

sc

nìovo sobrc

ulll

círculo

cottcôlttrico c (lt¡c o planeta se nlove sobrc o

epiciclo."

Prcrvando r¡ue duas lri¡rótescs

ilistintus

potlcriarrt concordar

¡nr

acùletúe

e

salvar

igualrncrrtc totlas as a¡rarôrrcias

do rxrvinlerrto

solar, llipparchos

contribuiu

tnu_ito para

a-cleliruitaçao cxata tLo alcancc das tcorias astrr¡rrôrnicas. ¡\drastos dedicou-se7 a

pro-v¿tr (ltre a lri¡rótcsc

tlo

excôntrico eril utÌta conserlüêrtcia da hipótcsc do epiciolo;'Ilreorr

clellro¡rstra

rlue

a lu¡lótcsc

do epiciclo

podc, irtvcr:sarttcttte, scr considcrada

coltlo

ttllra colrse<¡üórrcia

da

lri¡tótcsc

do

cxcôlltt

ico.

Bssas pltt¡xtsiçõcs colocartl ottr cvitlÓrrcia,

scguntlo

cle,

tluc ó

irrrpossívcl ¿lo astrôno¡no clcscobtir a lripótcsc vcrtlatleila, aquela t¡uc cstii de acortlo colrì il

rìlltrrczr

tlas coisas:

"Qualt¡uer

quc

scja

a lripótcsc rlranti{aE,

as aparôttcias surão salvas; ó

por

isso

(luc

se

potlc

colrsiclcrilr

conro

vâ's as cliscussõcs

tlos

ntatclnáticos, algLrns dos

quais

dizeltì que os

planetas

são trans¡rortados

por

círculos

excôrltric<ls,

enquanto

outros

pretcndcrn

rlue

clcs são [cvados

por

epiciclos, e otttros aillda

(¡¡e

eles

sc

nìovent errr

torno

tlo

nresnro

ccntro

que a csf'cra das cstrc[as fixas.

Nós

demonstrarctììos

(lue

os

¡-rlanetas tlcscrcvcnt

por dcilløtte

esses trÓs tiPos cle círculos: urn

círculo

cru

tonro

do

certtro

do

Universo, urrt

círculocxcêntrico

ou um epiciclo."

Se

a

decisão

quc dcternrina

a

Itipótesc vcrdadcira escapa lì competêlrcia

do

astrô'

norììo

daquele

que

sc

contenta

ertr

conlbinar

as figuras abstratas

do

geôuretra e conrpará-las às aparências descritas pelo obscrvador

-

cla está erltão reservada àquele

que medita sobre a natureza dos corpos celestes

--

ao físico. Apenas este é apto a esta-6Tlr"o,r <lc Snryma,.y'slrurx.tttriø,cIrp. 34

(lil.

Miutin, p. 301

; od. t)upuis, p. 303)

t

n,*on de Srnylna, Astronontia,r:ap. 26 (litl. Martirr, p. 245:c,J. Dupuis, p. 269)

sTlr"on

(7)

-SALVAROSFENÔMENOS II

Envb

sbre

a rnçda de tæria física de Platdo a Galileo

belecer os

princípios

com a ajuda dos quais

o

astrônomo distinguirá ahipóteseverda-deira dentre

muitas

suposições igualmente adequadas para salvar os fenômenos, Isso

é

o

que

o

estóico Poseidonios afirmava

em

sua

Metænlógica

(MereopoÀo"lLxd).

Geminos, em

um

comentário abreviado dos

Metærus

de Poseidonios, reproduziu esta

doutrina;

e, para esclarecer a comparação que Aristóteles havia

feito

entre o

matemá-tico

e

o

físico, no

segundo

capítulo do

livro

II

da

Física,

Simplicios reproduz a pas-sagem de Geminos. Eilae :

"Cabe

à Teoria Flsica

examinar

aquilo que

se

refere

à

essência

do

Céu e dos

astros, seus poderes, suas qualidades, sua geração e sua destruição; e,

por

Zeus, ela também

tem

o

poder de dar demonstrações em relação à grandeza, à forma e

à ordem

desses corpos.

A

Astronomia, ao

contrário,

não

tem

nenhuma capaci-dade de

falar

dessas coisas primeiras; mas suas demonstrações

têm por objeto

a

ordem dos

corpos

celestes,

depois

que

ela admitiu que

o

Céu

é

realmente

ordenado; ela discorre sobre as formas, os tamanhos e asdistâncias daTerra, do

Sol e da Lua; fala de eclipses, de conjunções de astros, de propriedades qualita-tivas e quantitativas de seqs moyimentos. Portanto,

que ela depende da teoria

que

estuda as figuras

do ponto

de vista da qualidade, do tamanho e da quanti-dade, é

justo

que

solicite

a

ajuda

da

fuitmética

e da Geometria; e sobre essas

coisas, que são as únicas sobre as quais está autorizada a fal.ar, é necessário que ela concorde com a

Aritmética

e a Geometria. Freqi.ientemente, por

outro

lado,

o

astrônomo

e

o

físico tomam por objeto

de

suas dernonstrações

o

mesmo

capftulo da Ciência;eles se propõem, por exemplo, provar que

o

Sol é grande, ou

que a Tena é esférica; mas, nesses casos, eles não seguem

o

mesmo

caminho;o

flsico

deve demonstrar cada uma de suas proposições tirando-as da essência dos

corpos, de seu poder, daquilo que melhor convém à sua perfeição, de sua gera-ção, de sua transformação;

o

astrônomo, pelo

contrário,

estabelece-æ

por

nreio das circunstâncias

que

acompanham as grandezas e as figuras, as particularida-des qualitativas

do

movimento,

o

tempo que

corresponde

a ese

movimento. Freqùentemente

o

físico

se prenderá à causa e levará sua atenção ao poder que

produz

o

efeito que ele

estuda, enquanto

o

astrônomo

tirará

suas

provæ

das circunstâncias exteriores que acompanharn

ese

mesmo

efeito; ele não tem

a

capacidade

de

contemplar

a

causa, de

dizer, por

exemplo,

qual

a causa que

produz a

forma

esférica da Terra e dos astros. Em certas circunstâncias, no caso,

por

exemplo,

em

que raciocina sobre

eclipses, ele não se propõe de forma

alguma a captar uma causa; em outros casos, ele crê que deve estabelecer como

hipóteses certas maneiras

de

ser,

de

tal

forma que

uma

vez admitidas essas manei¡as de ser, os fenômenos sejam salvos. Ele pergunta, por exemplo, por que

o

Sol, a Lua e os outros astros er¡antes parecem mover-se irregularmente; seja no caso de supor-se os círculos descritos pelos astros como excêntricos ao Mundo,

ou no

de supor-se que cada

um

dos astros é transportado pela revolução de um

epiciclo,

a

irregularidade

aparente

de

seu

movimento

é

igualmente salva; é

eSi-pli"ior,

In

Aristotetis physicorum libros

Diels (Berlim, 1882))comentá¡io sobre livro 2, cap. q

2

uatuor ptiotes commentøiø, ed. Hcrnrannus ,p.29L-2.

(8)

;

mente como o estóico Poseidonios:

todos concordam."

A

pesquisa

daquilo que

está

em

rePouso

e

daquilo

que- está em movimento cabe

uo

iirl.o,

segundã

alumara

Poseidonios;

também Dercyllides

toma

o

cuidado

de

colocar

entre-

os princípios que

precedem as hipóteses astronômicæ as proposições que determinam os corpos absolutamente fixos:

12

Piøre

Duhem

I oTh.on de Smyrna, /stronomia, caps, 39,

40,4t,42

e 43'

(9)

13

"Já

que não está de acordo

com

a razÍio que

todos

os corpos estejam em movi-mento

ou

que todos estejam em repouso, mas como alguns estão em movimento

e outros imóveis, é preciso pesquisar aquilo que está necesariamente em repouso

no

Universo

e

aquilo

que

está em movimento,

Ele

adiciona que é preciso crer

que

a Terra, æntro da

moradia dos

deuses, segundo

Platão,

pefinanece em

repouso, e que

os

planetas se movem

com

toda

a

abóbada celeste que os

en-volve."

Deses princípios que

o físico

estabelece

e

formula,

Dercyllides não permite que

o

matemático se

livre;

este não

teria

o

direito

de colocar hipóteses destinadæ a salvar as aparências, se essas hipóteses contradisessem

os princípios. Tal

seria a suposição

atribufda

por

Poseidonios e

por

Geminos a Heracleides de Pontos, suposição segundo

a

qual

o

Sol seria imóvel e a Terra móvel. Dercyllides

"rejeita,

com execração, como

opostos aos fundamentos

da

Matemática, aqueles que paralisam os corpos em

movi-mento e que

colocam em movimento os corpos que são imóveis

por

natureza e pelo lugar que ocupam".

Entre

os

princípios

flsicos

tão

rigorosamente impostos à consideração

do

ast¡ôno-mo,

Dercyllides nâ'o

inclui

a

necessidade

de reduzir todos

os movimentos celestes a

rotações em

torno

do

centro

do

Mundo;

o

movimento de um planeta sobre

umepici-c1o,

cujo centro

descreve,

por

sua vez, uma ci¡cunferência concêntrica ao Universo, não the parece contradaer a boa Flsica.

"Ele

não cré

-

diz-nos Theon de

Smyrnar'

-

qo.

os círculos excêntricos sejam a causa

do

movimento que faz variar a distância entre um planeta e a Terra. Ele pensa

que

tudo

o

que

se move

no

Céu é transportado em

tomo

de

um

centro

único

do

movimento

e

do

Mundo;

(ele

pensa,

portanto, que

o

movimento seguindo excentricos) que apresentam os planetas não é

um

movimento

princi-pal,

mas

um

movimenlo

por

acidmte;

ele é

o

resultado, como

demonstramos

acima,

do

movimento

por

epiciclo e

círculo

concêntrico, sendo

o

epiciclo e o

cfrculo

descritos

na

espessura de

um

orbe homocêntrico

ao Mundo. Pois cada

orbe

poszui duæ superfícies, uma

interior

que é côncava, e uma

exterior

que é convexa.

É

entre essas duas superfícies que o astro se move seguindo um epiciclo

e um

círculo

concêntrico. Como

efeito

desse

movimento, ele

descreve

por

acidente um

círculo

excêntrico."

Por que Dercyllides considera que o movimento de um planeta seguindo um círculo

excêntrico

ao Mrurdo opõe-se aos

princípios

de

sua Física? Por que, pelo contrário,

esta mesma

Ffsica

admite que

um

planeta descreva

um

epiciclo

cujo

centro percorre

um

círculo concênt¡ico ao Universo?

Aquilo

que Theon de Smyrna nos contra sobre as

doutrinas desse seguidor de Platão não nos fornece resposta

formal

a essa questâo. Mas podemos supor que as razões invocadas

por

Dercyllides para

justificar

sua escolha nâ'o

difeririam

das que

fizeram

Adrastos

de Aphrodisia

adotar uma

opinião muito

seme-thante.

SALVAROS

FENÔMENOS

Ensab sobre a

noçfu

de

tæria

físíca de

Plûdo

a Galileo

n 1- l-0 a a ¿

i-)

r 2

(10)

I

14

Piçre

Du|tcnt

De

acorclo

com

o

testemunho de Theon

de

Smyrnal

3,

Adrastos

de

Aphrodisia

atribui

a

cada astro errante um

orbe contido

entre duas superfícies esféricas

concên-tricas ao

Universo.

No interior dese

orbe

encontra-se

uma

esfera cheia

que

ocupa

toda a sua espessura.

O

astro,

enfìm,

está encaixado nesta esfera cheia. O orbe arrasta a esfera cheia na rotação que efetua em

torno

do centro do Mundo, enquanto a esfera

cheia

gira

sobre

si

mesma.

Por

esse mecanismo, o planeta descreve

um

epiciclo cujo centro percorre um

círculo

concêntrico ao Mundo.

Adrastos de Aphrodisia e, depois, Theon de Smyma, sustentam que este mecanismo está

de

acordo

com os princípios

da boa Física. Esses princípios nâ'o são mais, para

eles,

portanto, aquilo que

eram para Aristóteles;

parece

que

eles se

reduzen¡

no pensamento desses

astrônomos,

a

esta

única

proposição:

os

movimentos celestes podem ser representados por um arranjo de esferas sólidas, ocas ou cheias, em que cada uma gira com movimento

uniforme

em

torno

de seu

próprio

centro.

"O

que está de acordo

com

a natureza, com efeito, é que certas linhas circulares

ou

helicoidais nã'o sejam

descritas

pelos próprios

astros movendo-se

por

si mesmosr

a

em sentido

contrário

ao movimento do Universo; e também que nâ'o

existam círculos que giram em

tomo

de seus centros particulares arrastando os astros que lhes estã'o invariavelmente ligados.

. .

Como poderia ocotrer, de fato,

que tais corpos

fosem

ligados a círculos imateriais?"

O

estóico Cleanthes havia repudiaclol s os arranjos de orbes sólidos mûltiplos pelos quais Eudoxos e Callippos davam conta dos movimentos celestes; segundo Cleanthes,

cada astro se

movia

por

si mesmo, em

meio

do Céu, descrevendo a

linha

geométrica

-

ahippopede

-

que Eudoxos e Callippos

o

faziam percoûer compondo as rotações das diversas

órbitas.

Dercyllides combatia esse

ponto

de vista: exigia que a hippopede

fosse descrita

por

acidente

e que

apenas as rotações

uniformes

dos

orbes sólidos pudessem ser consideradas como movimentos naturais.

E

esta

doutrina de

Dercyllides que

visivelmente

inspira

Adrastos de Aphrodisia

e Theon

de

Smyma; como Dercyllides,

sem dúvida, eles

a

aplicam não só ao movi-"

mento em forma de

hippopede, mas também

ao movimento

por

excêntrico

ou

por

epiciclo;

rejeitam

toda

teoria que

se

limita

a

traçar

um

caminho geométrico para o

astro

errante; aceitam que

um

planeta descreve

um

epiciclo

cujo

centro percorre um

cfrculo conéntrico ao

Mrndo,

pois

descobriram

um

procedimento

que

permite

impor

ao

astro uma

tal

trajetória

fazendo esferas sólidas convenientemente dispostas

girar sobre si próprias. Uma hipótese lhes parece compatível com a natureza das coisas quando um

Mbil

artesão pode realizá-la com metal ou madeira. Quantos de nossos

con-temporâneos não poszuem uma concepção semelhante sobre a boa Física!

r3T'lr.on dc Smy¡na, Asttottomia, caps.

3l

e 32 (Ed. Martin, p. 275 e p.281-5;ed, Dupuis, p. 289 e p. 293-5) .

14De

acorclo com Martin (p, 274, nota 5), o manusc¡ito t¡az: ñ¿

àorpa

otùrà Xoqúr

aurù;

Martin substituiu essas últimas palavras pelos termos

yañ

muta. Dupuis seguiu esta lição, que nos parece errônea.

lsJoan¡is

Stobaeus, Eclogarum physicarum

et

ethicarum

tibri

duo, ed. Augustus Meineke, li,no 1, Physica, cap. 25 (Leipzig, I 860), vol. 1, p. 145.

(11)

la 1-ra .,4 'a o o a o rs a

SALVAROSFENÔMENOS

15

Ensb

wbre

a rnçdo de tæria

físiu

de Platõo a Galileo

Theon de Smyrna,

por

outro

lado,

admite diretamente a extrema importa^ncia que

dá a esas representações materiais; ele nos contar 6 que havia construído

um

arranjo

de esferas sólidas capaz de representar a

teoria

astronômica

de

Platão;

"Platão

diz,

com efeito, que seria um trabalho

inútil

tentar expor esses fenômenos sem imagens que falem aos

olhos."

Theon

vai

mais

longe

ainda:

atribuir

7

ao

próprio

Platão

a

opiniâ'o que

rejeita

o

movimento

exdntrico

do

planeta para dar-lhes

um

movimento seguindo

um

epiciclo cujo centro percorre um

cfrculo

concêntrico ao mundo.

Na realidade, Platão jamais teve que

formular

uma

tal

preferência, pois nunca, sem

drivida,

a

hipótese

do

excêntrico

ou

a

hipótese

do

epiciclo

se apresentar¿rm

a

seu

espírito;

as revoluções

homocêntricæ ao

Universo são

æ

únicas às quais ele jamais

fez

alusão em seus esøitos; Proclos teve

toda

razão ao afirmar esta verdade em muitas

passagensl E.

Adrastos

e

Theon,

no

entanto, nâ'o estavam completamente errados ao atribui¡-se

princípios

da

Ffsica platônica.

Platão concebia para cada astro

um

movimento

de

rotação em

tomo

de

seu

próprio

centro:

parece,

portanto, que a

rotação

da

esfera

epicíclica sobre si mesma não

teria

se chocado com suas doutrinas sobre as revoluções celestes; parece

que

ele poderia associar-se à

teoria

do

Sol proposta

por

Hipparchos.

Somente

a

Flsica

de

A¡istóteles era

realmente

incompatível

com a

existência de

epiciclos; tncapaz de qualquer alteração, inacessível a toda violência, a essência celeste

nã'o

poderia

manifestar

outro

movimento

senâo seu

movimento natural, de

acordo

com essa Flsica; e seu movimento natural era a rotação uniforme em

tomo

do

æntro

do Universo.

Para Adrastos

de Aphrodisia,

para

Theon

de

Smyrna, e

tambén¡

provavelmente,

para Dercyllides,

o

matemático deveria escolher uma hipótese astronômica que esti-vesse

de

acordo

com

a

nattteza

das coisas. Mæ, para eses filósofos, essa

conformi-dade não era mais apreciada por meio dos princípios físicos colocados por Aristóteles; ela era reconhecida pela possibilidade

de construir com

esferas sólidæ

conveniente-mente encaixadas

um

mecanismo

que

representasse os movimentos celestes;

o movi

mento

de

um

planeta, transportado pela rotação de

um

epiciclo

cujo

centro

percor-resse

um

cfrculo concêntrico

ao

Mundo, podia também

receber

uma

representação

pela

destreza

do

artffìce;

era,

portanto,

uma hipótese que

o físico

poderia aceitar,

apesar

das

propriedades

da

quintessência

peripatética,

tanto

quanto

o

sistema de esferas homocêntricas de Eudoxo$ de Callippos e de A¡istóteles.

O

progresso

da

Astronomia

logo tomaria

insustentável

a

posição assumida por Adrastos

e por

Theon.

A

partir do dia

em

que Ptolomeu,

para representar

æ

desi-gualdades

do

movimento planetário, fez

cada planeta ser transportado

por um

epi-ciclo cujo

centro, ao invés de permenecer sempre eqti{distante do centro do Universo, descrevia

um clrculo exdntrico

ao

Mundo,

o

arranjo

de

esferas

imaginado por

Adrastos de Aphrodisia e

por

Theon de smyrna

tomou-se

ncapaz de representar um

t 6Th.on de Smyma, 1sf rcnomia,cap. 16 (ed. Martin, p.

203; ed. Dupuis, p. 239).

ltTh.orrde

Smyrna,,4sttonomia,cap.

34 (Ed, Martin,p.303;ed. Dupuis, p. 305).

lshoclos

Diadochos,

In

Platonis Timaeum u)mmentaÌii, ed. E. Diehl (Leipzþ, 1903{), vol. 2, p. 364 (Tim. 36 D); vol. 3, p.96 (Tim. 39 DE); vol. 3,p.146 (Tirn. 40 CD).

(12)

.

o

astrônomo que procura hipóteses adequadæ para salvaros movimentos aparentes dos astros nâ'o conhece

outro

guìa senã'o a regra da maio.

ri*pri.nua*

preciso,

do

melhor modo

possível, adaptar as hipóteses mais simples aos movimentos celestes; mas se elas não são sudcientes,

d^eve-se tornar outras mais conveníentes."

exata dos movimentos

suas suposições; mas er um

motivo

para rejei

16

Piqre

Duhem

"Com efeito,

se cada um dos movimentos aparentes é salvo em conseqüência dæ

hipóteses, quem poderá então .espantar-se com o fato de que os

movimentos dos corpos celestes resultem2

I

dessesmovimento s complicados?

Que

nlo

se considerem as co nstruções Que

utiliz¿¡¡es

p¿¡u

julgar por

elas as

dificuldades das próprias hipóteses. Com

efeito,

não convém c omp¿uar as coisas

humanas às coisas divinas; nâ'o devemos basear

nosa

confìança exemplos tirado

em relação a

objeto

s

colocados

tão alto

apoiando-nos sobre s

daquilo

que

lePtolo*"u,

Almagesto (Composifio matemâtica),lir¡o 9, cap.

l;

ed, Halma, v. 2, p,

ll3-5,

2 onolomeu,

.4 Imog e sto,tivro I 3, cap, 2; ed, Halma, v. 2, p, 37 4 -5.

,

2t7tt¡tpegr¡ya'ø ,ocoûer.pot acidente,

xalú

qtkþx.ös

;em ringuagem mo¿erna, resurtør da wmpsição de outros monmentos.

(13)

17

mais difere deles. Existirá, com efeito, algo que mais

difira

dos seres imutiíveis do

que

seres continuamente mutantes?

[Ou que

mais

difìra]

dos

seres

que

estão

submetidos

à influência

do

Universo

inteiro do

que

seres

que

estão

livres

até mesmo da influência que eles próprios exercem?"

É, portanto,

loucura querer

impor

aos movimentos dos corpos celestes a obriSaçã'o de qué sejam representáveis por mecanismos de madeira ou de metal.

.,Enquanto consideramos esas representações construídas por nós, a composição

e

a sucesão dos diversos movimentos é penosa; parece uma tarefa impraticável

clispoJos de

tal

manei¡a que cada um deles Possa se efetuar livremente. Mas se

.*u*inu.r¡os o

que se passa

no

Céu, não somos mais de modo algum limitados por uma

tal

mistura de movimentos."

Certamente Ptolomeu

quer

indicar, nessa Passagem'

llue

os movimentos

múltiplos

ra

determinar

a trajetória

de

um

astro não possuem

rezultante é o único que ocorre no Céu'

astrônomo é, assim, levado a

atribuir

aos astros para ncontrar-se alguns que

fosem

repugnantes à natureza

da es€ncia celeste? De forma alguma.

"Não

existe, na região .em que

s

ma essência

que seja dotada por natureza

do

; o que 1á se

encontra cede com

indiferença

dos astros e

deixa-os passar, mesmo Se esses movimentos se realizam em sentidos opostos; de

modo

que todos os

astros podem passar,

e

que

todos

podem ser percebidos, através de todos os fluidos que estão homogeneamente espalhados."

Apesar da concisÍio dessa exposiçilo, nós aí percebemos nitidamente a doutrina que

substância

fluida

que não opõe qualquer resistência ao movimento dos corpos por ela banhados.

Em meio

a esa

zubstância,

o

astro descreve sua

trajetória

mais

ou

menos complicada sem que qualquer esfera sólida

o

guie em sua marcha. Embora ensine uma

teoria

astronômica mais sábia,

Ptolo-eu

defende

uma física

muito

semelhante à de Cleanthes. Ele não se ocupa com as críticas que Dercyllides, Adrastos de Aphrodisia e Theon de Smyma dirigiam a essa Física'

A

atitude

de Ptolomeu com relação ao teorema de Hipparchos marca nitidamente a

ruptura

com

os princlpios

defendidos

por

Adrasto

þalmente

salvo, seja fazendo esse astro descrever seja fazendo-o girar sobre

um

epiciclo

cujo

centro

SALUAROS

FENÔ]VIEì{OS

Envio

sobre a

noçtu

de teoria física de

Platîb

ø Galileo

ue os AS las tm rte :n-de ais ua làt re 9U na os às e 'a-a es n-ie ie tÌ

(14)

I8

Piqre

Dulrcm

cia

do

centro

do

Universo. Dessas duashipóteses,

qual

é

aque

umaboaFlsicaobriga

a

adotar? Segundo Adrastos

e

Theon,

é

a hipotese

do

epiciclo, pois

um

mecanismo

formado de

esferas solidas encaixadas umas nas outras

permite,

então, representar g

movimento do Sol. Segundo Ptolomeuz 2,

mais raznâvel adotar a hipótese do

excên-trico,

pois ela é mais simples e supõe apenal¡ um movimento, e

nfo

dois".

A

doutrina

exposta

por

Ptolomeu

nessas passagem parece

ter

sido

plenamente adotada por Proclog que dela se ocupa em diversas partes de seus escritos.

Ele a

examina,

em particular,

ao

fìnal do livro

onde apresenta, sob

o

tftulo

de Hypotyposes2 3, a lista das hipóteses astronômicæ de Ptolomeu.

Todo

o

esforço de Proclos dirige-se a estabelecer que os movimentos hipotéticos em

excêntricos e epiciclos, que

por

sua bomposição reproduzem

o

movimento dos astros

errantes, são puras abstrações. Esses moyimentos

nfo

existem senão

no

espírito

do astrônomo; eles nada são nos céus. Somente

o

movimento complexo e indecomposto

de cada astro é dotado de realidade.

Esta alumaçlfo atinge diretamente a

doutrina

segundo a qual os corpos celestes,

pcr

sua

essência,

não

podem sofrer

senão

movimentos

circula¡es

e

uniformes. Proclos sabia disso e o proclamou: "Os astrônomos que pressupuseram a uniformidade dos

mo-vimentos dos corpos

celestes ignoravam

que a

esência

desæs movimentos

é,

pelo contrário, a

irregularidade'.

Em virtude do princípio

preszuposto

por

sua Física, esses astrônomos consideram

o

movimento

complicado e

inegular

de

um

planeta

-

aquilo que é obæwado

-

como

o

resultado

de

muitos

movimentos simples, realizados seguindo

um

excêntrico e um epiciclo; estes sâ'o, para eles, os únicos movimentos reais; aquele n6o é senão uma apa-rência.

estamos

diante de

duas opiniões

com

relação a esses excêntricos e epiciclos:

nOu esses círculos

são simplesmente

fictícios

e ideais

ou

eles possuem uma eústência real em meio às esferas dos astros, esferas em cujo

interior

eles são dados".

Se esses excêntricos e epiciclos, se os movimentos pelos quais os astros os perconem,

são puras concepções

do espírito,

como seriam eles os únicos movimentos reais e

ver-dadeiros, enquanto

que os

movimentos observados

nÍo

seriam senfto aparências? Os

que pretendem que seja æsim "esquecem que esses círculos existem apenas no

pensa-mento;

eles trocam os corpos naturais

por

concepções matemáticæ; dão as causäs dos

movimentos naturais através de coisas que não existem na natvteza"24 .

Tomar-seá

o

segundo partido? Declarar-se-á que os excêntricos e epiciclosnão são simples concep@es

do espírito,

mas corpos hsicamente realizados na essência celeste? Os que assim raciocinam se chocam com

imposibilidades:

"Admitindo,

com

efeito,

que os movimentos irregulares dos astros são

verdadei-ramente produzidos pelos

círculos, que

estes possuem

uma

existência real em

,

834.

se

:

Ì1,qi8ili;;í,ff,,fí;:í:;:,:::,,Å.

H 24

(15)

19

meio

aos céus, esses astrônomos destroem a continuidade das esferas nas quais se

encontram esses círculos que se movem uns em

um

sentido,

outros

em sentido

contrário, e estes æguindo uma lei diferente daqueles."

As combinações de movimentos propostas pelos astrônomos são puras concepções, desprovidas de

toda

realidade, e

por

isso nã'o precisam ser justifìcadas com a ajuda de

princípios

da Ffsica; devem apenæ ser adaptadæ de

tal

forma que as aparênciæ sejam salvas. Os astrônomos

"nÍ[o

extraem conseqüências a

partir

de hipóteses, como se faz

nas outras ciências; mas, tomando æ conclusões como

ponto

de partida, esforçam'se

por

construir

hþteses

dæ quais resultem necessariamente efeitos que concordem com essas conclusões

-

O¡¿r

ùrò

rúu

tmoïéoeuu

*¿åñç

øupnepuívouotv,òsonep

ci

äÀÀa¿

erwrl1¡taqetrÀ'drò

rtiv

ouprepq.opdrLev

ìtc

ùno|eoec

ël iov

rutrm ìetyvrfuatëõet

nltúrrcv

è7yeqoitot.".

Não

acreditamos,

no

entanto,

que

conseguimos descobri¡

os

movimentos reais sob os movimentos aparentes quando esas hipóteses nos tiverem permitido decompor os movimentos complexos

dos

astros em movimentos mais simples: os movimentos reais são estes mesmos que se manifestam a nós;

o

fim

que teremos então atingido é mais modesto; teremos simptesmente tomado os fenômenos celestes acessíveis aos

c'ál-culos

dos astrônomos:

"Essas hipóteses são concebidas para descobrir a

forma

dos

movimentos

dos

astros,

os

quais,

na

realidade, movem-se

como

parecem moyer-se; gfaças

a

elas, pode-se avaliar as particularidades

que

se apresentam nesses astros.

-TvaTëvqntyan)v\rro

m

përpw

rúv

èv eùæil.'1

Ptolomeu

havia advertido

os

ætrônomos

contra a

tentação

de

comparar as

coisas divinas às coisas humanas. Esse chamado à modéstia que subjaz à

nosa

ciência

é

entendido

por

Proclos; ele

concorda

de forma

bastante estreita,

por outro

lado, com o platonismo do

fìlósofo

ateniense:

"Por

nossa fraqueza

-

du

ele2s

-

introduz-se

a

inexatidão

na

seqüência de imagens pelas quais representamos aquilo que

eúste.

De

fato,

para conhecer, é

preciso que usemos

a

imaginação,

o

sentimento e

muitos

outros instrumentos, Pois os deuses resewaram

todæ

essas coisas

a

um

dentre

eles, à divina

Inteli-gência.

"Quando

se

trata

de

coisas sublunares, nós

nos

contentamos em

tomar

em

conta

aquilo

que produz na

maior

parte dos casos, por causa da instabilidade da

matér.a

que as forma.

Quando,

por outro lado,

queremos conhecer as coisas celestes, usamos

o

sentimento,

e

fazemos apelo

a

uma multidâ'o

de

artifícios

muito

distantes de toda verosimilhança. Portanto, nós que estamos colocados,

como

se

diz,

no

lugar

mais

baixo

do

Universo, devemos nos contentar com a

qroximøção

(rø

êy¡r)$

de cada uma dessas coisas. Que

tal

é

o

cæo tomar-se

manifesto pelas descobertas que se fazem sobre as coisas celestes; pois de dife-rentes hipóteses ti¡am-se as mesmas conclusões relativas aos mesmos objetos;

entre essæ hipóteses, existem as que salvam os fenômenos por meio de epiciclos,

-

SALVAROSFENÔMENOS

vbre anoçíb

de

tæriaffsicø

de PI¿tfu a Galileo

iga mo

ro

ên-rte de ,'m :os do ;to

,cr

os

ro-fo

JN 10 m ta-)s: ia llr r-)s a-)s

b

',| t I

(16)

I

o

mundo

sublunar;

desses,

nós

podemos conhecer

a

natureza;

uma Ffsica

dos corpos zubmetidos à geração e à comrpção' Das

pelo contrário,

podemos conhecer os fenômenos, mas não a natu

ribuída

aos corPos celestes e aos

u

ser

modificada.

O

Positivismo

que Proclos reservava aos astros:

declarando

que

apenas os fenômenos produzidos na matéria são acessíveis ao

conhe-cimento humano,

enquanto

que

a

própria

naluteza

desa

matéria

escapa ao alcance de nosso entendimento.

Simplicios,

espírito

eclético, e que não

tendia

a soluções extremas, manteve'se em um

tipo

de posição média entre a opinião de Aristóteles e a de Proclos.

Com Aristótiles,

o

comentador

ateniense

admite que

o

movimento

circular

e

rutiforme é

o

movimento esencial dos corpos celestes; ele apenas se lecusa a conceder

ao

Estagirita

que

cada parte

da quinta

esência gire

necesariamente em

torno

do

centro

do

Mundo.

Os movimentos irregulares dos astros erantes não sã'o, como

pre-20

Piene Duhem

26T¡ata-se aqui dos ù.ua;*lr

rouoot

o,po.ipa¿ considerados por Eudoxos, por Calippos e por A¡istóteles.

(17)

ma SE SES isl-lar )m fe-as. las

,a

)s. ip¿ .Íut :e- .u-Ce

SALYAR

OS FENÔMENOS

Ensb

sobre a

noçfu

de tørùø ftsíca de Platão ø Galileo 2T

tendia

Proclos, os tlnicos movimentos reais desæs astros. Eles são, ao

contrdrio,

apa-rências

complicadas,

produzidæ pela

composiçlÍo

de

vários movimentos

ci¡culares

e uniformes.

Esses

princípios, formulados pela Flsica, colocam, portanto, â Astronomia

este problema: decompor

o

movimento de

cada

astro

errante em movimentos circulares

è

uniformes.

Mas, após desþnar-lhe essa tarefa,

o

estudo da eséncia celeste não

for-nece ao astrônomo

o

meio de rcalizá-La; nÍIo the ensina quais slfo osverdadeiros

movi-mentos

circulares

e

uniformes que constituem,

apenas eles, a realidade subjacente ao movimento aparente de um planeta.

O astrônomo, então, examina a questão de

um outro

ângulo. Imagina certos

movi-mentos circulares e uniformes produzidos seja

por

esferas homocêntricas desprovidas

de

astros, seja

por

excêntricos e epiciclos; e combina esses movimentos até conseguir

satvm os

fenômerns.

Mas,

uma

vez

atingido

este

objetivo,

ele

deve se resguardar

contra

a

crença

de que

zuæ hiEóteses representem

os

movimentos reais

dos

astros. Os movimentos simples que ele imaginou e

combinou

entre si não são os movimentos

reais dos corpos celestes,

asim

como n¿lo

o

são os movimentos irregulares e

compli-cados que se manifestam a nopsos sentidos.

Como

as hipóteses

dos

ætrônomos n¿io são realidades, mas apen¿ìs ficções cujo

rinico objetivo

é salvar as aparências, nâ'o nos devemos espantar

por

astrônomos

dife-rentes tentarem atingir esse objetivo utilizando diferentes hipóteses.

Tal é,

cremos

nós, a doutrina de

Simplicios; ela

nos

parece claramente expressa em diversas passagens de seus escritos; eis algumas delas:

evidente2T

que

apresentar diferentes opinii5es sobre essas hipóteses não deveria dar lugar a nenhuma

crítica.

O objetivo proposto, com efeito, é de saber

se, admitindo-se certas suposições, chegar-se-á

a

salvar as aparências. Não há,

portanto, por

que espantar-se se diversos astrônomos tentaram salvar os

fenôme-nos

partindo

de hipóteses diferentes. (ÂaÀoz

o¿,'tftrcnepirucinrúéoec

múrc¿c

6w,rtpeo0u oìry

'dor

w

é7yþpa rò

ydp rpoyei¡tevóv

èor

t

,

rtbos üroreilëvræ

oa1 ehy

ùv

,p.wô¡tevu;

où6èv

oit

1au¡taorùt,

er'äÀÀor

df

ifÀÀc.¡;

imúéæav

ëne t pú0 r¡ oav E ø¿oL o<i oo¿t tù. gaw opeva."

"Eis

o

problema

admirável

dos

ætrônomos2E: eles fornecem, inicialmente,

ærtas hipóteses; os antigos, contemporâneos de Eudoxos e de Callippos,

adota-vam as hipóteses das chamadæ esferas girantes em sentido contrário; entre esses,

deve-se

incluir

fuistóteles que, em suaMetafísíca, ensina o sistema das esferas;os

ætrônomos que vieram após esses apresentaram as hipóteses dos excêntricos e

dos

epiciclos.

A

partir

dessas hipóteses, os astrônomos esforçam-se

por

mostrar que

todos os

corpos celestes possuem

um

movimento circular e

uniforme,

que

todas

as inegularidades

que

se manifestam

na

obsewaçâ'o

de

cada

um

desses

corpos

-

seu moyimento ora mais rápido,

ora

mais lento, ora

direto

e ora retró-2?Si*pli"iot,

In

Aristotelis quotuot líbrcs

de Coela æmmentaria,liwo 1, comentário 6 (Ed. Karsten, p. 17b; ed. Heiberg, p. 32).

2Esitnpli"ios,

De

Coelo Commentøia, tiv¡o

2, comentário 28 (Ed. Karsten, p. 1B9b; ed.

Heiberg, p. 422). m rir )S' 0s )S lo rs: JE m e

lr

o e-¡

I-.

(18)

F

22

PiqteDuhem

grado, sua

latitude

ora boreal

ora

austral, suæ paradas em

um

mesmo lugar do

Gu,

s"u

diâmetro aparente ora maior e ora menor

-

todas essÍui coisAs e todas aS coisas análogas não são senão aparências, e nÍfo realidades."

"Para salvar essas irregularidades2 e, oS astrônomos imaginam que cada astro se

move

ao

mesmo

tempo com muitos

movimentos;

uns

supõem movimentos

seguindo exc€ntricos

e

epiciclos;

outros

invocam

esferas

homocêntricas

ao Mrurdo,

que

são chamadæ esferas girantes em sentidos contrários. Mas, nâ'o se

consideram

como reais as

paradas

e os

movimentos retrógrados dos planetas

(assim

como

as adições

ou

subtrações dos números encontrados

no

estudo dos

movimentos), emþgra os astros pareçam se mover desse modo. Da mesma fotma,

uma

exposição

que

corresponda

à

verdade nã'o

admite

as hipóteses

como

se elas fossem a realidade. Raciocinando sobre a esência dos movimentos celestes,

os ætrônomos demonstraram que esses movimentos são isentos de toda

irregula-ridade,

uniformes,

circulares, semPre de mesmo sentido. Mas eles nÍÍo puderam estabelecer

com exatidão

em

que

caso as conseqüências dessas disposições são somente

fìctícias e em que

caso elas são reais; então eles se contentaram em

julgar

que é possível,

por

meio de movimentos circulares, uniformes, sempre de mesmo sentido, salvar os'movimentos aparentes dos astros errantes."

Esta

doutrina

de

Simplicios

é

semelhante sob

todos

os

pontos à

que havia sido

formulada

por

Poseidonios

e

cujo

enunciado Geminos havia conservado.

Não

deve,

portanto,

zurpreender-nos

que

Simplicios

tenha inserido

esse enunciado

em

seus conrentários à

Flsica

de

Aristóteles

e

que pareça

ter visto aí

a melhor defìnição dos respectivos papéis do matemático e do físico.

2esi-pli"ior,

De

Coelo

Ømmentaria, hwo 2, comentário 44 (Ed. Karsten,

p.2I9a;d

Heiberg, p. 488.

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