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Escrita epistolar: narrativa de viagem nas missivas de Alexander Von Humboldt (1799-1804)

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“ESCRITA EPISTOLAR: NARRATIVA DE VIAGEM NAS MISSIVAS DE ALEXANDER VON HUMBOLDT (1799-1804)”

Igor Antonio Marques de Paiva*

1. Três perspectivas para as viagens científicas e as relações de poder

Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland viajaram entre 1799 e 1804 nas colônias do império espanhol na América. Esta viagem figura, no olhar retrospectivo do historiador, como uma célula do grande conjunto de empresas científicas que foram lançadas pelo mundo setecentista em busca de completar o conhecimento europeu sobre a configuração geográfica do planeta e coletar e catalogar as espécies desconhecidas pelos sábios estudiosos dos três reinos naturais.

As explorações científicas feitas por Humboldt e Bonpland em América ocorreram entre os anos de 1799 e 1804. Nas regiões compreendidas no território da América do Sul, Caribe e América do Norte, o nobre prussiano percorreu as colônias espanholas munido de instrumentos de química, de física e de astronomia, de papéis de herbário, de frascos e de alguns cadernos para servirem como diário e, ainda, alguns livros e amostras dos reinos naturais para o uso em comparações a serem feitas ao longo da exploração. Pelo crivo da estatística, da antropologia-física e da filosofia, ademais, buscava-se reconhecer a população, a indústria e as relações comerciais das colônias regidas sob o cetro de Carlos IV. Os viajantes mediram e observaram os astros para marcar com precisão o local de cidades, portos, campos, minas, montanhas, rios, fronteiras e postos de colonização incluídos no itinerário. O trânsito dos europeus foi também o momento de colecionar animais, plantas e minerais para serem catalogados e, logo, enviados de América para um circuito de sábios. Membros de jardins botânicos, museus, academias, observatórios, sociedades iluministas e, indiretamente, periódicos que circulavam em Europa eram os principais destinos das cartas e coleções enviadas pelo viajante prussiano. Em tal configuração, estuda-se aqui as sociabilidades e a circulação do saber que se efetuaram ao longo da exploração do interior das colônias espanholas do continente americano descritas por Humboldt em suas cartas e livros de viagem.

Os envios de cartas e de coleções, a partir do território colonial, instituíam o início da relação de Humboldt e Bonpland, enquanto atores no papel de viajantes naturalistas, com as sociedades científicas de Europa. Ainda durante o périplo nas colônias era, assim, cultivada pelos viajantes uma relação à distância com um conjunto variado de gabinetes, museus,

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jardins botânicos e observatórios. Ademais, os eventos da viagem eram retratados em narrativas que comunicavam a um grupo de correspondentes do prussiano os dias e os trabalhos científicos de feitos ao longo do trânsito americano; depois, as cartas eram levadas à imprensa política e literária européia e, então, se criava uma ampla rede de circulação dos textos que narravam os eventos da viagem de Humboldt e Bonpland. Assim, portanto, faremos uma leitura da viagem ocorrida entre 1799 e 1804, guiados pelas cartas de Humboldt, com o objetivo de apreender uma versão verossímil das ficções, das sensibilidades, das práticas, das expectativas e das tensões que norteavam a circulação do saber e inseriam o nobre prussiano nas redes sociais ligadas ao universo da República das Letras.

Humboldt viajou sob o impulso da grande difusão da exploração científica que vinha se realizando pelos quatro cantos do mundo. No século XVIII, as viagens científicas se tornaram um projeto feito com o estímulo político e financeiro dos príncipes ilustrados ou das companhias de comércio e de academias, jardins, museus e observatórios astronômicos. As expedições atraíam as atenções e investimentos em função de uma trama de motivos comerciais, políticos, militares e científicos, que se desdobravam dos trabalhos dos viajantes, os quais visavam esquadrinhar os espaços ainda em branco do mapa mundial e, também, revelar a completa variedade da flora, da fauna e dos minerais do mundo natural.

As viagens científicas do final do século XVIII foram alvo de diferentes leituras de historiadores ocupados com esta temática. Neste estudo, nossa leitura das fontes se situa entre três perspectivas que tratam o problema da relação da política e das viagens científicas setecentistas. No artigo “O explorador” (1997), de Marie Noëlle Bourguet, a viagem aparece como um projeto que se desenvolveu com relativa independência das pretensões expansionistas dos reinos europeus. A historiadora reúne uma série de exemplos de grandes expedições coletivas financiadas pelo Estado e alguns exemplos de viagens feitas individualmente, para tecer um retrato geral do explorador do século XVIII. No resultado final, o explorador iluminista é definido como o “reconhecedor por conta da Europa”. É aquele que, segundo a autora, “parte à descoberta de uma frente de conquista intelectual”; assim, portanto, atua, hipoteticamente, num campo fora da trama dos interesses políticos e expansionistas das potências européias do período iluminista (BOURGUET, 1997, p. 212).

O retrato historiográfico do explorador é “pintado” por Bourguet sob o panorama de uma vontade de conhecimento, atribuída ao tempo da Ilustração, “que ultrapassa a manifesta utilidade, direta e imediata”. O impulso à exploração, disse a autora, seria “em última análise, a convicção íntima e profunda de que não existe progresso possível a não ser depois de ultimados o mapa do mundo e o inventário completo de suas riquezas”. O conhecimento,

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então, era visto como um “instrumento para o progresso”, uma “rotura do isolamento” e uma abertura de novos campos de circulação européia por meio do comércio. Através das explorações científicas, segundo a autora, “a Europa difunde, pacificamente, o modelo universal da civilização" (BOURGUET, 1997, p. 215). Esta síntese, contudo, não contempla a relação da viagem científica com os interesses de expansão territorial das instituições financiadoras, embora Bourguet reúna uma série de exemplos que demonstram o entrelaçamento de objetivos políticos, militares e científicos nas expedições. Neste olhar, suaviza-se o teor político de conceitos como “progresso” e “civilização” e o sentido das explorações científicas é explicado a partir dos discursos filosóficos emitidos para a justificação e para a construção da imagem destas empresas no cenário europeu da Ilustração. Em prejuízo desta leitura, é certo que, os discursos usados para atribuir sentido moral às expedições, construídos refletidamente e orientados pelos valores ilustrados, não esgotam os objetivos que permaneceram sem discurso e, menos ainda, os significados múltiplos, concorrentes e contraditórios que positivaram a representação das explorações científicas.

Noutra perspectiva, contraposta a Bourguet, temos a interpretação de Pratt, que se apresenta na obra Olhos do Império: relatos de viagem e transculturação (1992). Esta autora, uma crítica literária canadense, definiu o viajante naturalista no capítulo “Ciência, consciência planetária, interiores”,

[...] a coleta de espécimes, a construção de coleções, o batismo de novas espécies, a identificação de outras já conhecidas, tornaram-se temas típicos nas viagens e livros de viagem. Ao lado dos personagens de fronteira, como o homem do mar, o conquistador, o cativo, o diplomata, começava a surgir em toda parte a imagem benigna e decididamente letrada do “herborizador”, armado com nada mais do que uma bolsa de colecionador, um caderno de notas e alguns frascos de espécimes, não desejando nada mais do que umas poucas pacíficas horas com os insetos e as flores (PRATT, 1999, p. 59).

A figura do viajante é tomada por Pratt como uma expressão da ideologia do imperialismo capitalista europeu formado a partir da segunda metade do século XVIII. O “desinteresse”, a busca pacífica pelas plantas e notas curiosas e instrutivas para servir ao preenchimento do diário do viajante, são entendidas pela autora como o discurso que deveria ocultar as pretensões e a busca européia dirigida à expansão política e econômica que marcou as relações entre o mundo colonial e o metropolitano. A autora pode falar por si mesma:

[...] “chamo [o viajante] de “observador” (seeing-man), um rótulo conscientemente hostil para o súdito masculino europeu com um horizonte europeu de discurso – aquele cujos olhos imperiais passivamente vêem e possuem” (PRATT, 1999, p. 33).

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O problema teórico da perspectiva de Pratt é que a autora opta por uma interpretação retrospectiva e elimina as variedades de interesses, de buscas e de expectativas particulares em favor de uma explicação geral que torna as viagens científicas um ponto originário do Imperialismo configurado em meados do século XIX. Assim, o interesse dos viajantes pelo exótico, pelos reinos naturais e pela curiosidade de desvelar o mapa mundial aparece como uma intenção de esconder as “buscas reais” pelo lucro comercial e pela exploração das riquezas naturais. Enfim, ainda que estas autoras não esgotem o tema, fica evidente a necessidade de uma alternativa que contemple as especificidades dos homens de ciência envolvidos no cenário de expansão européia do final da Ilustração.

Em nossa perspectiva, pensamos que a expansão territorial européia do final do século XVIII deve ser entendida como um fenômeno positivado por representações e discursos múltiplos (religiosos, militares, científicos, diplomáticos, comerciais, etc.) e, muitas vezes, concorrentes e contraditórios. Neste sentido, o fenômeno não deve ter a sua presença negada ou afirmada na definição das viagens científicas precipitadamente de um modo mecânico e simplificado. É necessário, ao contrário, verificar o modo como a expansão territorial foi defendida ou ainda, quem sabe, negligenciada, pelas diferentes instituições e pelas interpretações dos sujeitos propagadores das idéias e dos projetos de mundialização da civilização européia. À vista disso, faz-se urgente pensar as especificidades das práticas e das representações dos viajantes naturalistas enquanto membros ou simpatizantes do universo da República das Letras inseridos em um contexto de expansão territorial.

Miguel Ángel Puig-Samper, em Las expediciones científicas durante el siglo XVIII (1991), produziu uma síntese das viagens científicas sem ignorar as relações destas empresas com as rivalidades das potências em expansão, mas, diferente de Pratt e Bourguet, sem apresentar um esquema ou um tipo ideal da exploração científica. Segundo o autor, estes eventos atraem os olhares dos historiadores, pois, neles “pode-se observar com claridade a rivalidade entre as potências européias em seu processo de expansão” (PUIG-SAMPER, 1991, p. 7). Assim, a ciência na viagem setecentista teria se desenvolvido e se alimentado do estímulo oferecido pelas rivalidades nacionais das potências em disputa pela expansão. Mas, em contrapartida, os sábios inseridos nos projetos de viagens se mantinham unidos em tensão aos interesses (na narrativa, no herbário, nas cartas geográficas, etc.), à lógica e aos desejos que eram criados a partir das relações sociais que se davam ao arredor de jardins botânicos, academias, salões e demais sociedades de pensamento.

Pelo artigo “Les voyageurs naturalistes du Jardin du roi et du Muséum d’histoire naturelle: essai de portrait-robot” (1981), Yves Laissus foi nosso ponto de partida para pensar

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a relação dos viajantes e as instituições de saber. Se havia uma esfera abrangente da política européia que impulsionava a organização e o financiamento das viagens científicas, havia, ainda, as instituições, a lógica, as retribuições e as rivalidades que eram específicas dos homens de ciência, letrados e naturalistas. Ainda no território europeu, as sociabilidades, as trocas de saber e a glória atribuída aos sábios figuram como elementos fundamentais que os levavam a viajar. Sendo assim, interrogamos os escritos de Humboldt a partir de uma política, de uma economia e de uma produção específica, a qual remete às relações sociais entre os intelectuais e as instituições de saber sediadas em Paris.

No estudo da viagem em América, sem tratar de temas da política de Estado, privilegiamos a leitura dos escritos de Alexander von Humbold que retratam as suas práticas específicas nas suas relações com naturalistas e, também, nos discursos que justificam e que atribuem sentidos à empresa no continente americano. Sem ignorar a trama que liga a cultura (ciência), a política e a economia, pretendemos analisar as sociabilidades, a lógica, as instituições e as expectativas particulares vivenciadas por Humboldt como viajante naturalista na esfera da República das Letras.

Assim, ora, a viagem cientifica se torna um evento da República das Letras, a ser continuamente comunicada ao público pelos correspondentes e jornais, e, n’outra esfera, ter seus resultados e coleções difundidas pelas instituições encarregadas de armazenar, aclimatar e divulgar a produção ligada à disciplina enciclopédica da História Natural. Interrogamos os escritos de Humboldt para apreender, inicialmente, a circulação, as mídias, as práticas, os sentidos, as ficções e as dinâmicas que eram constituintes da viagem científica no olhar iluminista de Alexander von Humboldt; e verificamos como o visto e o dito pelo viajante correspondia a uma determinada tradição intelectual, a um olhar filosófico e aos interesses definidos como pertinentes pelas instituições de saber européias. Este trabalho propõe, portanto, entender os meios de circulação das cartas que descreviam a viagem e os parâmetros, os modelos filosóficos e como Humboldt exerceu as práticas da figura do viajante naturalista no decorrer de suas marchas pelo interior das colônias hispânicas de América.

2. Uma leitura das práticas naturalistas

Durante o trânsito de Humboldt e Bonpland pelos interiores do mundo hispânico colonial, os viajantes enviaram uma série de cartas e coleções de História Natural para alguns membros de sociedades científicas da Europa. Nesta comunicação desenvolvemos a interpretação que a escrita epistolar completava a constituição da prática científica feita no

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mundo colonial ao colocar o cotidiano da viagem e os resultados científicos parciais em circulação entre o público de homens de ciência e letrados.

Para demonstrar esta leitura analisa-se aqui os envios das coleções e dos extratos de memórias científicas feitas por Alexander von Humboldt no trânsito pela América. Ademais, a contagem dos destinos europeus dos materiais deve funcionar como referência para compreensão da rede de sociabilidades mantidas à distância pelo naturalista prussiano no decorrer da viagem colonial americana. Busca-se então revelar uma esfera da dinâmica das sociabilidades intelectuais que ligava o olhar e os atos do naturalista prussiano às instruções e ao habito próprio às sociedades científicas.

A análise é pautada em duas compilações da correspondência trocada por Humboldt ao longo da viagem na América. Parte-se da Lettres américaines d’Alexandre de Humboldt (1905), publicada por Ernest-Théodore Hamy. Esta compilação reuniu epístolas do viajante que o biógrafo francês pôde encontrar nos jornais, boletins, anais de sociedades científicas e compilações que já circulavam missivas assinadas por Humboldt. A Cartas Americanas (1980), foi publicada pelo historiador francês Charles Minguet e completa o corpus da pesquisa desta comunicação. Cartas Americanas é a revisão, a correção e a tradução para a língua espanhola de boa parte das missivas que haviam sido compiladas por Hamy. O estudioso adicionou também cartas trocadas por Humboldt com criollos e inseriu uma cronologia comentada da vida e obra do viajante prussiano. Além deste corpus recorremos ainda – tangencialmente – a leitura das compilações de Ludmilla Assing, Briefe von

Alexander von Humboldt an Varnhagen von Ense aus den Jahren 1827 bis 1858, aparecida

em Leipzig, 1860; e a de M. de la Roquette, Humboldt correspondance scientifique et

littéraire, aparecida em Paris, em dois volumes em 1865 e 1869.

Estas narrativas epistolares comunicavam uma primeira versão dos eventos que compuseram o teatro cotidiano da viagem e, também, extratos de memórias científicas feitas pelos naturalistas durante os deslocamentos. Junto a algumas das peças epistolares, foram enviados exemplares dos reinos naturais e outras amostras de interesse para a História Natural. Por meio da volumosa constituição de coleções da flora, fauna e minerais, os viajantes atribuíam um teor empírico às representações narrativas que compunham os cenários das paisagens coloniais para os olhares das gentes ilustradas europeias.

As cartas foram o suporte textual que tornou possível a continuidade das sociabilidades dos viajantes com os membros das sociedades científicas. As peças textuais epistolares e o envio das coleções, portanto, foram matéria principal de uma relação

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estabelecida à distância entre Humboldt e Bonpland e os membros – estabelecidos em seus gabinetes – do monde savant.

A ciência feita durante a viagem era o tema contínuo que orientava a descrição do cotidiano e dos traços de sensibilidade que aparecem de modo performático nas cartas de Humboldt. As práticas de produção de saber dos viajantes eram orientadas pela grade estabelecida pela disciplina enciclopédica da História Natural ; portanto, tanto a ciência como as suas aplicabilidades entraram para o repertório do olhar treinado de Humboldt e Bonpland. O trânsito era destinado para observar os astros e determinar a localização do espaço pelos métodos e instrumentos particulares à astronomia; engrossar os inventários naturalistas com novas espécies desconhecidas dos três reinos naturais; recolher informações e formar coleções sobre os costumes e também os ossuários, artes e monumentos; e, finalmente, para juntar informações sobre todos os hábitos e usos da natureza pelos nativos pudessem ser relevantes às artes industriais e o comércio.

A incorporação destas práticas pelos viajantes gerou a produção de saberes empíricos registrados tanto no suporte de diários de viagens como nos ajuntamentos de objetos que viriam a compor as coleções. As epístolas enviadas para intelectuais responsáveis pela publicação de periódicos tinham a função principal de comunicar a produção deste conjunto de saberes. As cartas do viajante, comunicando a produção científica, foi o principal veículo que inseriu os acontecimentos do trânsito americano no repertório das instituições científicas europeias.

A empresa naturalista do barão Alexander von Humboldt ocorreu envolta a uma trama de interesses; é certo que os primeiros interessados na viagem do prussiano foram os homens de ciência, livreiros e toda a sorte de frequentadores dos cursos e sessões das academias, jardins, museus e salões. Existem membros da corte espanhola e criollos que figuram no corpus das cartas, interessados nos trabalhos dos viajantes para a identificação de riquezas naturais e para o reconhecimento da fronteira colonial de Espanha com a colônia lusitana do Brasil. E, por último, a publicação das cartas – e depois os livros de viagem – abre um campo liso de leitores virtuais interessados seja na aventura e na arte ou nas notícias de diferentes ramos de oportunidades abertas na região pelas representações dos mapas e relatórios científicos feitos pelos dois naturalistas.

Se houve, por um lado, uma trama de interesses políticos e econômicos que influíam diretamente na formação do itinerário e objetos de estudo tomados pelos viajantes no continente americano; por outro, as narrativas epistolares da viagem apontam para as sociedades científicas e os seus membros como o palco e o público que Humboldt buscou

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legitimar a si e a Bonpland como physique du rôle (atores ideais) para os papéis que encarnavam como viajantes naturalistas. Os atos de observar, medir e colecionar aparecem em série e norteiam a dramaticidade do relato do cotidiano da viagem nas cartas remetidas para intelectuais – nobres na maioria – e membros de sociedades científicas.

Os resultados científicos reunidos por Humboldt e Bonpland e comunicados a naturalistas franceses – dentro dos limites do corpus das Lettres Américaines – aparece na tabela abaixo:

Destino Data Assuntos científicos

Delamethrie 18 de Julho de 1799 Memória geológica das Canárias (e enxofre na Andaluzia) Delamethrie 15 de Novembro de 1800 Memória de Quadro geológico [+notícias pessoais]

Lalande 19 de Novembro de 1799 Extratos astronômicos do Pária venezuelano

Lalande 14 de Dezembro de 1799 Astronomia e Notícia da viagem até o retorno do Pária venezuelano

Fourcroy 25 de Janeiro de 1800 Notícias, coleções e observações químicas sobre o ar e a fisiologia da Paulliana equinoxial

Fourcroy 16 de Outubro de 1800 Curare, mavacure/dapiche, leche de Pendare, tierra de los Otomacos;Tabaqueira dos Otomacos

Delambre 24 de Novembro de 1800 Astronomia da viagem do Orenoco Delambre 25 de Novembro de 1802 Notícias

Delambre 29 de Julho de 1803 Notícias dos envios Institut National 21 de Junho de 1803 Obsidianas

Deve-se considerar um duplo recorte dentro da compilação da correspondência de Alexander von Humboldt organizada por Hamy e depois revista por Charles Minguet. No primeiro trata-se de uma seleção da correspondência do naturalista prussiano que cobre uma parte pequena do material de seu epistolário. No outro devemos considerar a grande quantidade de cartas escritas que não chegaram ao seu destino. Uma parte enorme das cartas e coleções enviadas à Europa perdeu-se entre naufrágios e interceptações das embarcações por navios inimigos dos espanhóis. Humboldt dizia em carta ao químico Fourcroy (25/01/1800): «La piraterie que régne sur mer, et qui desole les côtes de ces belles contrées, me fait craindre q’une partie de ces lettres ne sera point arrivés en France» [...] (HAMY, 1904, p.59). Contudo o rastro das cartas desaparecidas pode ser seguido a partir dos indícios deixados na escrita epistolar ainda preservada nos arquivos e levados às compilações.

As informações aparecem fragmentadas e a sua materialidade figura apenas como uma frágil virtualidade. Mas apontam de modo mais amplo para a existência da formação de uma rede de solidariedade que reunia o viajante naturalista prussiano e naturalistas e políticos franceses. A História Natural atraía expectativas diversas. À medida que havia uma compreensão da natureza pródiga ainda no século XIX, segundo Lorelai Kury, « la bienfaisance de la nature devient un fait qui demande tout d’abord d’être compris et analysé par la science, pour qu’ensuite la société puisse en profiter » (KURY, 2001, p.9-10). Certamente as expectativas na apropriação de recursos naturais tornavam viável a formação

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de uma rede de solidariedade que envolvia o naturalista prussiano e estadistas (Sieyès) e intelectuais franceses.

Abaixo segue uma tabela com as “cartas perdidas” que são reclamadas por Humboldt como um solicito a ser lembrado por homens ilustres da França:

Destino Data Assuntos científicos

Institut ? Coleções de Chichona e desenhos de Mutis

Institut ? Fósseis do mastodonte

Institut ? collection géologique des productions de Pichincha, Cotopaxi et Chimborazo Institut ? Ensaio sobre a fosforescência da água marinha

Delambre ? Memória das observações em Espanha

Delambre e Lalande ? Extratos astronômicos

Fourcroy ? 2 cartas para Fourcroy

Fourcroy ? Ensaio: miasmas doValle de Cariaco

Fourcroy ? Sementes e Grãos

Fourcroy/ Institut ? Ensaio sobre química dos arredores do Silla (coffea arabica; leite de cecropia peltata e euphorbia curassavica; sobre o ar que circula entre as plantas)

Fourcroy ? Arból de vaca

Fourcroy e Delambre ? Duas caixas e dois envelopes

Sieyès ? Notícias de si (provavelmente)

Vaunquilin e Chaptal ? ?

Pommard ? Comentários antropológicos

Este conjunto de informações nos leva a três considerações fundamentais sobre a viagem científica de Humboldt e Bonpland. Primeiro, a viagem era orientada pelo desejo de colecionar e reunir informações úteis para a produção de conhecimento científico; e, por conseguinte, estes envios de materiais ganhavam a sua total pertinência ao ser postos em redes de sociabilidades que ligavam os dois viajantes aos sábios que permaneciam nas sedes de instituições científicas as quais as parisienses aparecem como preferenciais no corpus das compilações organizadas por Hamy e Charles Minguet.

Referência Bibliográfica

ASSING, Ludmila. Lettres d’Alexandre de Humboldt à VArnhagen de Ense (1827 à 1858). Paris: L. Hachette, 1860.

BOURGUET, Marie-Noëlle. "O explorador". In: O homem do iluminismo. VOVELLE, Michel (org.). Lisboa, Editorial Presença, 1997; p. 207-249.

CAP, Paul Antoine. Le Muséum d’histoire naturelle et une société des savants et d’aides

naturalistes du Muséum. Paris, L. Curmer, 1854.

HAMY, E. T. Lettres Américaines d’Alexander von Humboldt (1798-1807). Paris: Librarie Orientale & Américaine Guilmoto, 1904. pp.377-393.

HUMBOLDT, Alexandre de. Relation historique du Voyage aux régions équinoxiales du

nouveau continent, fait en 1799, 1800, 1801, 1802, 1803 et 1804, par Al. de Humboldt et A. Bonpland. Paris: Casa F. Scholl, 1814, tomo I.

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___________________. Relation historique du Voyage aux régions équinoxiales du nouveau

continent, fait en 1799, 1800, 1801, 1802, 1803 et 1804, par Al. de Humboldt et A. Bonpland.

Paris:casa Maze, 1819, tomo II.

___________________. Relation historique du Voyage aux régions équinoxiales du nouveau

continent, fait en 1799, 1800, 1801, 1802, 1803 et 1804, par Al. de Humboldt et A. Bonpland.

Paris: Smith/ Gide1825, tomo III.

KURY, Lorelai. « La Nature : source de bonheur, element a civiliser ». Histoire Naturelle et

voyages scientiphiques (1780-1830). Paris: L’Harmatan, 2001.

MINGUET, Charles. Cartas Americanas. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1988.

PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Bauru, EDUSC, 1999.

PUIG-SAMPER, Miguel Ángel. Las expediciones científicas durante el siglo XVIII. Madrid: Ediciones AKAL, 1991.

PUIG-SAMPER, Miguel Ángel; REBOK, Sandra. “Alejandro de Humboldt y España: la preparación de su viaje americano y sus vínculos con la ciencia española.”

Referências

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