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Você Pensa Que Aqui é a Casa da Viúva Costa?:O Teatro de Revista Paraense na Cena de Antônio Tavernard

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE

SUZANE CLÁUDIA GOMES PEREIRA

VOCÊ PENSA QUE AQUI É A CASA DA VIÚVA COSTA?:

O TEATRO DE REVISTA PARAENSE NA CENA DE ANTÔNIO TAVERNARD

(V.1)

Salvador

2013

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VOCÊ PENSA QUE AQUI É A CASA DA VIÚVA COSTA?:

O TEATRO DE REVISTA PARAENSE NA CENA DE ANTÔNIO TAVERNARD

(V.1)

Tese apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Cultura e Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Cesar Borges Alves

Salvador

2013

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VOCÊ PENSA QUE AQUI É A CASA DA VIÚVA COSTA?:

O TEATRO DE REVISTA PARAENSE NA CENA DE ANTÔNIO TAVERNARD

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Cultura e Sociedade, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em ... de ... 2013.

Banca Examinadora

Paulo César Borges Alves - Orientador ___________________________________ Doutor em Social and Environmental Studies Sociology, the University of Liverpool Universidade Federal da Bahia

Ligia Guimarães Telles ________________________________________________ Doutora em Letras pela Universidade Federal da Bahia

Universidade Federal da Bahia

Antônia Torreão Herrera _______________________________________________ Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo

Universidade Federal da Bahia

Leonardo Vincenzo Boccia ______________________________________________ Doutor em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia

Universidade Federal da Bahia

Marilda de Santana Silva _______________________________________________ Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia

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À minha família, pela união que me fez ter coragem para abraçar esta pesquisa; pela confiança depositada no meu trabalho e pelo apoio diário.

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A Deus, que está comigo em todas as minhas ações.

À minha mãe e irmãos, especialmente à minha irmã Socorro Gomes, a quem muito admiro e que está presente nos momentos importantes e decisivos da minha vida, apoiando-me sempre com uma palavra amiga e correta.

À minha querida amiga Andrea Alves que sempre esteve pronta para ajudar e auxiliar na pesquisa, compartilhando minhas dúvidas e anseios, companheira nas horas mais difíceis.

Ao Prof. Dr. Paulo Alves, pela orientação da pesquisa. Às Profas. Dra. Marilda Santana, Dra. Lígia Telles e Dra. Antônia Torreão, e ao Dr. Leonardo Boccia pelas valiosas contribuições para este estudo.

À Profa. Waldinett Torres pela ajuda e sugestões, além da amizade e apoio que sempre me foi oferecido.

Ao Grupo Teatral da ETDUFPA, que muito me honrou acompanhar a produção, permitindo-me fotografar, entrevistar e testemunhar o sucesso do espetáculo A Casa da Viúva Costa, especialmente aos diretores Paulo Santana e Marluci Oliveira, sempre atenciosos e simpáticos.

As grandes amigas Sonia Amorim, Ana São José e Renata Marcelino que se fizeram presentes durante a minha trajetória na Bahia. À querida amiga Josefa Magalhães que foi incansável, auxiliando na consulta a materiais, inclusive obras raras, junto à biblioteca pública na Fundação Tancredo Neves.

À Professora Cida Lopes pela revisão do texto, pelo apoio e sugestões. Às minhas grandes amigas baianas Terezinha Spínola e Else Costa, que muito me

incentivaram, e pelo carinho.

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O boto não dorme No fundo do rio Seu dom é enorme Quem quer que o viu Que diga, que informe Se lhe resistiu O boto não dorme No fundo do rio... (Antônio Tavernard/Waldemar Henrique, 1934)

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Este estudo buscou identificar as particularidades e as contribuições socioculturais percebidas ao abrir as cortinas do teatro paraense, consolidando a cena revisteira produzida na cidade de Belém. Para melhor entender a cena amazônica no teatro de revista nas quatro primeiras décadas do século XX, investiga-se e apresentam-se as suas características e configurações, além da trajetória histórica e cultural do gênero revisteiro. Pontua-se a modernização e urbanização advindas com a pujança da borracha para a região Norte, e as transformações desse contexto espetacularizado. A pesquisa destaca a dramaturgia de Antônio Tavernard, tomando como ponto de referência o estudo de caso de uma encenação de A Casa da Viúva Costa. Esse texto busca contribuir e acrescentar fatos ainda inéditos no registro da história do teatro brasileiro. Utilizou-se de diálogos traçados com autores diversos, dos quais ressaltam o historiador paraense Vicente Salles e a historiadora do teatro musicado Neyde Veneziano. Concluiu-se que a memória da produção cênica do Pará carece figurar nos textos do cenário teatral brasileiro, face à singularidade e a diversidade do ato amazônico.

Palavras-chave: Teatro no Pará. Teatro de revista paraense. Dramaturgia de

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This study seeks to identify the socio-cultural particularities and contributions visible upon opening the curtain to theater from the state of Pará, strengthening the revue theater produced in the city of Belém. In order to better understand the Amazonian scenery in revues of the first four decades of the 20th century, its characteristics and settings are here investigated and presented, in addition to the historic and cultural trajectory of the revue genre. The modernization and urbanization rising from the rubber boom in the Northern region of Brazil are highlighted, as well as the transformation of this dramatic context. The study underscores the work of the playwright Antônio Tavernard, referencing the case study of a staging of A Casa da Viúva Costa. This text seeks to contribute and add unpublished facts to the record of Brazilian theater. Structured conversations with various authors were used, including the historian Vicente Salles of Pará and the musical theater historian Neyde Veneziano. It is concluded that the memory of Pará’s stagecraft is lacking within texts on Brazilian theatrical scenery, considering the uniqueness and diversity of the Amazonian reality.

Key-words: Theater in Pará. Revue theater from Pará. Dramaturgy of Antônio

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Cette étude visait à identifier les particularités et la perception des contributions socioculturelles pour ouvrir les rideaux du Pará théâtre, la consolidation de la scène ‘revisteira’ produite dans la ville de Belém. Dans le but de mieux comprendre la scène à Amazon dans le théâtre le magazine revues au cours des quatre premières décennies du XXe siècle, enquête et de présenter ses caractéristiques et des paramètres, ainsi que la trajectoire historique et culturel de genre ‘revisteiro’. Il souligne la modernisation et de l'urbanisation issu de la résistance du caoutchouc vers le Nord, et les transformations qui spectacularisés contexte. La recherche met en évidence la dramaturgie de Antônio Tavernard, en prenant comme référence l'étude de cas d'une mise en scène de A Casa da Viúva Costa. Ce texte vise à contribuer et ajouter des faits non encore publiées dans le compte rendu de l'histoire du théâtre brésilien. Nous avons utilisé des traces de dialogues avec divers auteurs, qui soulignent de l'historien paranaense Vicente Salles et théâtre à la musique historien Neyde Veneziano. Il a été conclu que la mémoire de la production scénique de Pará manque apparaissent dans les textes de scène de théâtre brésilien, compte tenu de la spécificité et de la diversité de l'Amazonie acte.

Mots-clés: Théâtre dans le Pará. Théâtre le magazine Pará. La dramaturgie de

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1 INTRODUÇÃO 12

2 BREVE HISTÓRIA DO TEATRO DE REVISTA 18

2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO 18

2.2 O TEATRO DE REVISTA PORTUGUÊS 23 2.3- A REVISTA BRASILEIRA 27

3 PARÁ: TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS- CULTURAIS 39

3.1 A COLONIZAÇÃO NO NORTE E A BELLE-ÉPOQUE 39

3.2 MODERNIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO DE BELÉM (1900 – 1930) 45 3.3 O TEATRO NO PARÁ 51

3.4 AS CASAS DE ESPETÁCULOS 60

3.5 O TEATRO DE REVISTA NO PARAENSE 64

3.5.1-Estrutura 64 3.5.2 Enredo 66 3.5.3 Cenário 80 3.5.4 Iluminação 81 4 TAVERNARD 85 4.1- PRODUÇÃO LITERÁRIA 91 4.2- DRAMATURGIA TAVERNARDIANA 104

5 A CASA DA VIÚVA COSTA 115

5.1 A ENCENAÇÃO DE 2011 117 5.1.1 Estrutura 120 5.1.2 Enredo 121 5.1.3 Cenário 126 5.1.4 Iluminação 132 5.1.5 Personagens e figurinos 133 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 151 REFERÊNCIAS 153 APÊNDICES 164 ANEXOS 170

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1 INTRODUÇÃO

Na história da cena teatral brasileira, o teatro gestado e apresentado no estado do Pará carece de estudos que o (re)conheçam. E a partir dessa constatação, questionamentos vêm à baila: por que o teatro de revista1 que se propagou na região Norte não se fez registrar? Como foi delineado o espaço cultural que se manifestava no período revisteiro na cidade de Belém? Buscar compreender e responder a tais indagações norteou este estudo que promoveu uma abertura das cortinas do passado para contribuir com a construção de um conhecimento do fazer teatral na cena amazônica.

É o Teatro de Revista Paraense, ainda pouco explorado por historiadores e pesquisadores, o objeto dessa pesquisa de Doutorado, realizada na Universidade Federal da Bahia, e que pretende evidenciar a existência de um teatro de revista vivo e intenso fora do eixo Rio e São Paulo, o qual desenvolveu características próprias, com particularidades do modelo do teatro nazareno2, bem como analisar a dramaturgia paraense a partir da obra de Antônio Tavernard.

Escolheu-se, para tanto, A Casa da Viúva Costa, texto dos dramaturgos paraenses Antônio Tavernard e Fernando Castro, da década de 1930. À época, Belém desenvolvia um teatro do povo, assim chamado porque era apresentado em praça pública e/ou em casas de espetáculos menores, o que dava acesso a públicos diversos, ampliando assim a cena teatral local. A importância de tal escolha dá-se por tratar de um texto de Tavernard, autor não só de teatro, mas que passeia por outros gêneros textuais como conto, crônica e poema, e que teve a sua dramaturgia deixada à parte pelos estudos acadêmicos.

O espetáculo A Casa da Viúva Costa foi montado a partir de 1931, por diferentes grupos, porém a montagem analisada, nesta Tese, é a mais recente: 2011/2012, encenada pela turma do primeiro ano do curso técnico da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA), sob a direção de Marluce Oliveira e Paulo Santana.

1 Segundo Marilda Santanna (2009, p. 114), “Esse gênero irreverente tinha como proposta artística

passar em revista1 os fatos cotidianos acontecidos durante o ano, emoldurados por canções, mulheres bonitas com corpos e pernas bem torneadas, muita fantasia e tipos que desfilavam uma infinidade de situações costuradas por um texto ágil e de fácil agrado.”

2 Teatro popular que se formou ao redor da Praça de Nazaré, bairro onde fica a Basílica de Nossa

Senhora de Nazaré e que abriga a procissão do Círio de Nazaré, manifestação religiosa e festiva do segundo domingo do mês de outubro em Belém do Pará.

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Comédia de costumes revisteiro, A Casa da Viúva Costa traz na sua estrutura narrativa, sem divisão de quadros, uma sátira à sociedade paraense. Goza os notáveis da época, apresentando um registro sutil e malicioso, com recurso de duplo sentido3, trazendo movimentação à cena, além de situações hilariantes de fácil agrado do público. O enredo não deixa a cena oca, nem monótona. Existe um tempo de comédia. O texto é vivo, ágil, cheio de malícia e sensualidade, e tem um espaço dramático bem articulado.

“Você pensa que aqui é a casa da Viúva Costa?”, frase do final do prólogo, passou a ser usada pela sociedade paraense, na época das primeiras encenações, quando queria dizer de um lugar de respeito e não de algazarra. Fala tão significativa, que dá título a esta Tese que investigou a ausência da cena paraense no contexto teatral brasileiro, e a presença de Tavernard como dramaturgo.

Tomou-se como método o estudo de caso para desenvolver a análise, além do diálogo com fontes primárias e leituras específicas. O embasamento teórico foi feito a partir das referências elencadas a seguir: no teatro de revista português, é considerada a teoria de Vitor Pavão dos Santos (1978; 2002), que apresenta a ideologia da revista portuguesa como comercial, dependente da resposta do público, pois pretendia agradar e vender a todos. Ela tanto poderia ser de direita, quanto de esquerda, criticava o poder ou tomava parte dele, documentava passado/presente, novo/velho, tradição/progresso, não muito diferente da revista brasileira.

Assim como o enredo da revista portuguesa critica a classe dominante, satisfazendo a classe mais desfavorecida que compensa, assim, as suas frustrações, vê-se a mesma linha de recurso utilizada no teatro de revista brasileira, que satiriza o poder e satisfaz o público. Verificam-se, ainda, na estrutura dessa revista, os personagens à época de Salazar4. Para Vitor Pavão dos Santos, a técnica da revista aproxima-se singularmente ao que Aristófanes, comediógrafo grego, utilizava nas suas peças, à exposição do tema na primeira parte, sucedida do seu desenvolvimento. Na segunda parte, através da justaposição de cenas cômicas, a ideia principal serve de traço de ligação.

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“Double-sens, em francês, era uma convenção marcante e importantíssima do teatro de revista,

cuja utilização evidenciava a malícia mesclada a certa ingenuidade dos personagens, sem cair no tom ordinário e grosseiro. O duplo sentido estava além do texto, completando-se com a interpretação artística que exigia dos atores e das atrizes grande talento agilidade ao se utilizarem de gestos codificados, olhares insinuantes e pausas reveladoras.” (VENEZIANO, 1991,p. 173).

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Antônio de Oliveira Salazar foi ditador no Estado Novo português (1933-1968), regime autoritário que perdurou por 41 anos.

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Para trabalhar a origem e evolução do teatro de revista, a pesquisa dialoga com Neyde Veneziano (1991; 1996; 2004), que afirma ser a revista um gênero cômico e, por conseguinte, para criticar, sendo a sua matéria prima, o ridículo, parente mais próximo da farsa, pois, ao se aproximar do burlesco, chega à exacerbação do próprio ridículo. Contou-se também com o olhar dos pesquisadores Salvyano Paiva (1991) e Roberto Ruiz (1988) que trabalham as características do gênero de revista e Arnaldo Saraiva (1980) que descreve os intelectuais, críticos da revista, mas sempre fieis às apresentações.

Ainda se tem a teoria de Flora Sussekind (1986), afirmando que a revista levava o público a refletir sobre questões políticas e sociais, além de situá-lo nas vertiginosas mudanças do tempo, como: a industrialização, o aparecimento da fotografia, do cinematógrafo, do telefone, do automóvel, entre outros. O teatro de revista no Brasil era visto pela elite como um gênero menor, mas agradava a maioria.

Para trabalhar a história do Pará foi importante contar com os autores Augusto Meira Filho (1976) e Ernesto Cruz (1969), os quais remontam à história de Belém do Grão-Pará; a pesquisadora e historiadora Maria de Nazaré Sarges (2002), que estudou a sociedade brasileira no final do século XIX e verificou a transformação da cidade, o modo de vida daquela época e a nova estrutura urbana, e observou cenário de controle de classes pobres e o aburguesamento de uma classe abastada; o pesquisador Paulo Andrade (2007) relatou dois fatores que contribuíram para o crescimento de Belém: a abertura do rio Amazonas para a navegação internacional e a exportação da borracha.

Outro pesquisador que muito contribuiu com o presente trabalho foi Vicente Salles (1994) e seu estudo sobre o teatro paraense, passando pelo curto período de glória, dentro do ciclo da borracha5. Vê-se em Salles um esboço da trajetória do teatro paraense, abordado neste estudo.

Ao longo das páginas, no capítulo 2, identifica-se a influência do teatro de revista português e o seu reflexo no teatro brasileiro, recapitulando as configurações e as especificidades deste teatro. Observam-se as características do teatro cômico, o início do teatro de revista como uma “re-visão” (re-vista), resumo dos conteúdos e

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Período de riqueza que transformou a urbes paraense, modernizando-a e atraindo companhias artísticas europeias.

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acontecimentos do ano anterior, sob um viés crítico e cômico: uma resenha anual irônica, engraçada e bem elaborada, esclarecendo os números de cortinas, os quadros de fantasias até o quadro final apoteótico. Verifica-se, ainda, que a revista inicia com as características e convenções portuguesas, mas depois encontrou a sua própria característica própria. O teatro de revista, mesmo com uma mistura de musical e comédia (ou farsa), fragmentado, como chegou aos nossos dias, não fugiu de uma estrutura preestabelecida, cujo significado está implícito na própria denominação. Todavia, essa estrutura que, nos primórdios, estabelecia as normas muito mais rígidas, vai paulatinamente sofrendo alterações, afastando-se do modelo de réveillon, para chegar a uma sucessão de quadros aparentemente desconexos que se encaminhavam para um final apoteótico.

Em seguida, observa-se a revista na sociedade brasileira que encontra um terreno fértil de uma cultura alegre. No final do século XIX, o teatro de revista brasileiro funcionou como verdadeiro formador de opinião pública. Depois na segunda metade do século XX, ajudou a divulgar o samba e os sambistas, que se consolida como a música brasileira por excelência. Ainda neste capítulo, pontua-se o personagem-tipo que surge na revista, vindo da comédia de costumes. Destaca-se aí a figura do malandro, um tipo social.

Logo, é possível observar que os enredos da revista de então exaltam os comportamentos brasileiros, as mulheres, a natureza, o “bobo caipira”, a luta social, os ritmos musicais brasileiros, a falcatrua e a malandragem, tendo por pano de fundo um cenário encantador e tropical. Aqui se deixa de lado o que vem de fora, para cantar/expor as cores e sabores da Terra e o jeito do seu povo.

No terceiro capítulo, registra-se uma breve história da colonização no Norte, as transformações históricas e culturais na cidade de Belém do Pará, o progresso da cidade com a riqueza da borracha, o projeto de modernização do espaço de Belém, com o propósito de transformá-la na representação de un petit Paris. Logo, verifica-se que o crescimento, a modernização e urbanização de Belém nas três primeiras décadas do século XX é que vai impor um novo modo de vida, com a boêmia, com os cafés-cantantes, lojas, cinemas e bondes.

Apresenta-se uma breve história do Teatro no Pará, em que se destaca o crescimento do público (espectador) e das casas de espetáculos, especificando-se o início do Teatro de Revista no Pará e a transformação na primeira metade do século XX, observando-se o Teatro Nazareno, produtor de um vasto acervo, que se

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“perdeu” com o tempo, no entanto, agora encontra-se parte reunido nesta pesquisa, por meio de informações dos jornais e relatos da época (ver Anexos), enfatizando a sua história movimentada, alegre, fazendo jus ao que afirma Vicente Salles (1994, p.125) sobre o teatro de revista paraense: “[...] talvez seja o teatro mais espontâneo e desambicioso do Brasil”.

Belém passou a ser o porto de escoamento da borracha e se tornou a vanguarda cultural da região, e é nesta cidade que o teatro de revista abre suas páginas. Destacam-se, ainda, neste capítulo, os elementos cênicos do teatro de revista paraense: o enredo, a estrutura, o cenário, a iluminação de época, definindo as características e especificidades do Teatro de Revista Paraense.

No capítulo seguinte observa-se a vida e a obra de Antônio Tavernard, notadamente como dramaturgo, o mundo intelectual paraense, elaborada de forma ávida como se quisesse vencer as intempéries da falta de saúde com a exaltação da literatura, para entender melhor seu processo de criação, sua forma de trabalho, desde o seu nascimento, os prêmios, a família, a doença, o convívio com a sociedade, o “rancho fundo”, lugar onde produzia a sua obra, até chegar às características gerais de sua dramaturgia, observando o teatro de revista/costume.

Desse modo, a pesquisa propiciou um olhar minucioso acerca da dramaturgia de Antônio Tavernard, enfatizando a história do teatro de revista paraense, suas características, configurações e convenções, sendo uma cena inédita e significativa para a história do teatro revisteiro, o qual, nesta Tese, pôde-se comprovar, não só a existência de um teatro revisteiro paraense profícuo, mas relevante no que se refere à qualidade dos textos encenados, tanto quanto as características próprias no fazer teatral no estado do Pará.

Vale ressaltar que ao pensar esta pesquisa, evidenciou-se a falta de material bibliográfico que servisse de alicerce para o conhecimento da vida e da obra de Tavernard. O que se tinha eram publicações esparsas em fontes primárias, algumas ainda encaixotadas na Academia Paraense de Letras, que, por muita insistência com o Poeta Alonso Rocha, o material pôde ser pesquisado.

Foi possível contar, também, com a boa vontade da senhora Ana Lourdes Tavernard, única irmã viva do poeta, a qual, em entrevista, revelou fatos inéditos e esclarecedores, trazendo, à baila, evidências, atos e textos originais de Antônio Tavernard, material esse que veio confirmar a veia artística desse homem que, mesmo em face às desventuras de uma doença degenerativa que o levou em plena

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juventude, conseguiu transcender à dor para dar vasão à poesia que nele habitava. Enquanto sua poesia era, por vezes, triste e pessimista a sua dramaturgia era sempre leve, lúdica e satírica, o que valorizou ainda mais a cena amazônica revisteira.

No quinto capitulo, chega-se à análise do espetáculo A Casa Da Viúva Costa, Analisou-se a encenação sob uma ótica estética e descritiva, feita em vários ângulos, vários cortes, em que foi possível um olhar detalhado, verificando-se os componentes cênicos existentes na obra.

A seguir tecem-se as Considerações Finais, que reafirmam a vivacidade do teatro de revista paraense, confirmando suas características e convenções, teatro este que foi efervescente e que não deve ficar à margem da história da cena teatral brasileira.

Nos Apêndices A e B constam a transcrição de entrevistas realizadas pela pesquisadora com familiar de Tavernard e com os diretores da encenação analisada, respectivamente.

Como Anexos, figuram a íntegra do texto A Casa da Viúva Costa, recortes de jornais e revista de época e atual, fichas técnicas de espetáculos do dramaturgo estudado, cartazes, folders, partituras e letras de canções da parceria Tavernard/Waldemar Henrique.

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2 BREVE HISTÓRIA DO TEATRO DE REVISTA

Para entender a história do teatro de revista buscou-se um percurso histórico desde a origem do gênero, passando pela evolução da espetacularidade revisteira que foi vivenciada na Europa, porém aporta em Lisboa e fica em cartaz por mais de um século. Assim, destaca-se este gênero em Portugal e que paralelamente atravessou o oceano e se instala em capitais brasileiras, somando características do Brasil. Vê-se aqui o hibridismo cultural, afirmado por Peter Burke (2006) como encontros que adicionam novos elementos à mistura, além de reforçar os antigos elementos. Este capítulo busca evidenciar tal trajetória.

2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO GÊNERO

O teatro de revista, de acordo com historiadores do teatro, como os portugueses Vitor Pavão dos Santos (1978; 2002) e Gustavo de Matos Sequeira (1947), foi criado quando os artistas italianos, descendentes da Commedia Dell’arte, levaram a uma feira, em Paris, vários quadros sem ligações6, chamados Revuede fin d’année, no final do século XVIII. A revista nasceu em Paris, aproximadamente, em 1715 e, posteriormente, foi divulgada nas mais diversas nações europeias.

O gênero revisteiro ficou conhecido por revista do ano e incluía canto, dança e declamação. A revista tinha o objetivo de oferecer uma re-visão (re-vista) resumida dos conteúdos e acontecimentos do ano anterior, sob um viés crítico e cômico: uma resenha anual irônica e engraçada.

O fato de a origem da revista [...] remeter ao teatro parisiense [...], reforça um aspecto deste teatro que nascia voltado para o público amplo e variado que frequentava esses locais públicos mais heterogêneos da cidade, os mais distintos gostos e interesses, objetivos, valores. Um artista que quisesse ser ouvido numa feira pública, precisava se expressar de forma a atingir o universo de pessoas agrupadas somente em função de seus negócios. Como seduzir esses espectadores? A resposta a essa pergunta foi a criação de um tipo de teatro extremamente vigoroso que passou a

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Os quadros eram independentes, ainda não havia a figura do compére: figura que comenta, narra e apresenta o próximo quadro, ligando-os entre si, dando a deixa aos colegas, entrando sempre de um quadro a outro, responsável pelos comentários críticos que fazia o elo entre os quadros da revista.

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ocupar a atenção e preocupar as autoridades e os artistas estabelecidos. (MERCARELLI, 1999, p. 116-117).

O espetáculo de revista era na verdade uma colaboração intensa entre plateia, autor e atores, pois a escrita dramatúrgica era um pretexto (pré-texto) para a cena, contando com o rendimento cênico dos atores, os improvisos e o jogo cômico.

A revista, no final do século XVIII, começou a mostrar não só os acontecimentos teatrais, mas as retrospectivas dos fatos políticos, religiosos, financeiros, sociais e outros que foram importantes durante o ano que passou e fazia uma retrospectiva com base em acontecimentos reais.

O sucesso da revista não tardou a sair da França e irradiar para vários países da Europa. Portugal foi o primeiro Estado Absolutista a adotá-la. Sequeira (1947) afirma que o teatro de revista em Portugal teve uma excelente receptividade. O público tomou gosto pelas revistas, estabelecendo-se uma cumplicidade entre ambos. Em Lisboa, esse gênero durou mais de um século, envolvendo grandes atores portugueses, os quais, mais tarde, vieram exercer influência no Brasil, trazendo o teatro de revista e suas características iniciais.

Para além de Portugal e França, o teatro de revista também se tornou muito popular na Itália, na Alemanha e no Brasil, ainda no século XIX; porém, cada país foi adaptando as características desse teatro à sua própria realidade (BURKE, 2006), à situação sócio-político-econômica e ao seu particular cenário de humor, sem perder a estrutura e a intenção original.

Com base nos estudos de Veneziano (1991; 1996) os quais dizem que a revista é um gênero cômico e, por conseguinte, tem objetivo de criticar, sendo a sua matéria prima o ridículo. A farsa é o parente mais próximo do teatro de revista, pois ao aproximar-se do burlesco, chega à exacerbação do próprio ridículo. O pensamento de Neyde Veneziano (1996) é confirmado pelo fato de uma das características do texto revisteiro ser o uso de uma linguagem alusiva: “A revista é um espetáculo inteiramente composto por alusões voluntárias a fatos recentes. E a alusão é um recurso de linguagem que consiste em se dizer uma coisa e fazer-se pensar em outra. O encanto da revista reside no prazer da alusão.” (p.30). Assim tem-se um texto que satiriza e critica sem impor regra ou deixar constrangimento a quem fica exposto. Talvez um ponto que fez esse gênero perdurar por tanto tempo.

A característica da comédia popular, que logo se encaixou na revista, foi o desdobramento do ator no personagem, além do desenvolvimento do deboche, da

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crítica social e da sátira, que sempre esteve presente nas comédias, nas vielas da Grécia Antiga, o que qualificou um estilo do teatro popular. O ator relaciona-se, muitas vezes, diretamente com o público, abandonando o personagem ou o tipo para criticá-los, havendo um pacto direto com o espectador por meio de comentários irônicos, piscadelas de olho, gestos ou apartes espirituosos e, muitas vezes, improvisados, afastando o ator da personagem, permitindo outro tipo de cumplicidade entre ator e público.

No gênero revisteiro os atores utilizavam muito a técnica do improviso, oriunda da Commedia Dell’Arte. Quando se fala de popular, é preciso deixar claro que o teatro popular7 tem uma longa trajetória, quase tão antiga quanto a civilização humana. Ele vem desde as primitivas manifestações e transcreve-se com um perfil próprio. Este teatro sobreviveu por muito tempo com o ator improvisador, sem uma dramaturgia tradicional, denominado de popular, e por não ter uma dramaturgia rígida, seguia um roteiro de apresentação e usava da improvisação.

Décio de Almeida Prado (1998) ressalta o fato de que as qualidades da dramaturgia do teatro de revista estão na escrita teatral feita para o palco, mas não para a folha impressa, contando de antemão com o ator. Assim como na Commedia Dell’Arte, onde os atores eram considerados artesãos da arte do teatro.

Os atores, tanto da Commedia Dell’Arte como os do teatro de revista adequavam-se bem às condições que encontravam, uma vez que ora se apresentavam nos grandes salões e salas de espetáculos, ora se apresentavam nas feiras, nas ruas sobre carroças ou em praças, sobre tablados, dispensando cenários e outros elementos.

Observa-se que a Commedia Dell’Arte seguia um repertório de situações constantes: adultérios, velhices, ciúmes, amor. Os diálogos e ações eram facilmente ajustados, conforme a realidade local, os gostos regionais, eventos recentes, tudo mesclado com piadas antigas. Os personagens eram constantes, identificados através dos figurinos e máscaras. Só mudavam as ações no enredo.

No roteiro tradicional da Commedia Dell’Arte havia os innamorati, que eram os apaixonados desejosos de casar, os velhos ou vários velhos, um vecchio (velho)

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Segundo Pavis (1998), define-se aqui como um teatro destinado às camadas menos elitistas da nação. Um teatro feito em circos, praças e espaços públicos, por artistas mambembes, e, sobretudo, voltado para o gosto ingênuo do povo.

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que queria evitar o casamento, envolvia um ou mais dos zanni (servos) para ajudá-los. Tipicamente tudo acabava bem, havia o casamento dos innamorati e o perdão de todas as maldades feitas pelos vecchi.

Os personagens eram divididos em três categorias/tipos: os zanni são os servos, personagens de classes sociais mais baixas; os vecchi que representam os de classe social abastadas e os innamorati, os amantes. Assim, a tipificação levava os atores a se especializarem numa personagem em particular.

Nota-se que a tipificação de personagem faz-se presente também no teatro de revista: os tipos fixos, como serão visto nesta Tese. Porém, vale lembrar que a tipificação é uma característica inerente ao teatro popular que trabalha mais com os tipos do que com os personagens, com a mistura de gêneros, tendo um enredo não muito contínuo e o não aprofundamento dos temas. Assim, tem-se como exemplo de teatro popular: a pantomima, o circo, a opera bufa, a Commedia Dell’Arte, o teatro de revista e outros, onde, na forma de expressão, é permitida a alteração de alguns quadros.

Desse modo, vê-se que o teatro de revista, gênero em tese, busca atingir o maior número possível e diferenciado de público, tendo em suas origens uma forte denotação crítica e política; a revista ri de si mesma e dos fatos oriundos do seu meio e da sociedade. Esse é um dos elementos mais importante da revista e por isso ela se torna tão rica, visto que, ao contemplar o seu público com o riso de situações que ele próprio vivencia, ela também é fonte de pesquisa do seu contexto político, artístico e social.

Na medida em que a revista vai enraizando-se por outros países e fazendo sucesso, passa a adquirir outras formas. Como exemplo desta evolução tem-se a revista “do trimestre” em Portugal, no ano de 1874, Entre as Broas e as Amêndoas, entre a Páscoa e o Natal, escrita por Souza Bastos e Baptista Diniz. Depois o gênero chega a ser bem aceito pelo público, que são editadas e encenadas várias revistas em um só ano. Ruiz (1988, p.19) relata que: “A multiplicação das revistas ao longo do ano, firmadas definitivamente como gênero e deixando de ser meros reflexos dos acontecimentos de um período de 365 dias, como um almanaque vivo é musicado.” Logo, pode-se confirmar uma transformação no gênero revisteiro que deixa de fazer a retrospectiva do ano e passa a brincar com acontecimentos do semestre, multiplicando-se em diversos espetáculos com vários enredos e apresentações no ano.

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Havia também os “números de cortinas” que preenchiam o tempo e o espaço, tendo a função de ocupar a atenção da plateia. Eram apresentações simples, feitas na frente da cortina, enquanto o cenário era trocado e reorganizado. Esses números eram apresentados, geralmente, por cantores, cançonetistas, compère. Ao final, a cortina se abria para dar sequência aos quadros.

Veneziano (1991) afirma que havia quadros obrigatórios, como o da imprensa e dos teatros, que eram quadros responsáveis pelo nascimento da revista; na revista de ano, sempre no final, o ano velho passava o bastão ao novo ano. As primeiras revistas eram divididas em três atos e, ao final de cada ato, acontecia uma apoteose. Depois a revista inclui os “quadros de fantasia” que se propunham a encantar a plateia. Extremamente sofisticados, de um visual deslumbrante, com figurinos luxuosos, brilhantes e coloridos, com coreografias precisas.

Os “quadros de fantasia” se intercalavam entre os “números de cortina” e os “quadros de comédia”, no princípio da revista. Esses quadros trouxeram belas mulheres para o palco, sempre com muita sensualidade e exuberância. Depois do período pós-guerra, o universo feminino teve uma ascensão social que inaugurou a quebra de tabus. Havia chegado a era da mulher moderna e isso, no teatro, resultou num maior jogo de sedução regado à elegância e muitas pernas à mostra.

Os “quadros de comédia” foram inseridos entre os quadros como parte do enredo, e mais tarde foram se desligando do restante da encenação, tornando-se independentes e não havia a necessidade de se ligarem a nenhum assunto da revista.

Havia também o quadro “final apoteótico”, que buscava provocar entusiasmo em meio a músicas e encantamento, num verdadeiro convite aos aplausos. No entanto, a apoteose do 1º ato, geralmente era a mais importante, pois nesse momento, era comum a companhia toda se fazer presente.

Saraiva (1980) menciona que a revista foi um gênero desprezado pelas críticas ditas "sérias", sofrendo alguma marginalização por parte dos intelectuais. Ele observa que os intelectuais criticavam a revista, mas sempre assistiam às suas apresentações, ao tempo em que afirma: “[...] não são as razões estéticas que levam a ignorá-la ou a desprezá-la, mas também razões ideológicas e até morais típicas do puritanismo escondido na psique de muitos ‘progressistas’ e dos quais a revista sempre se ri.” (p.39). Pode-se perceber que apesar do preconceito intelectual sofrido pela revista, todos queriam assisti-la, até mesmo quem a criticava.

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Poucos são os aspectos negativos que transparecem na ideologia da revista: o machismo, que expõe a mulher como objeto de desejo, sucede quando a revista tende para a obscenidade ou para a pornografia. Mas, a revista possui textos bem trabalhados, com utilização de metáforas, jogos e trocadilhos que a enriquecem.

A revista é um teatro musicado que tem como linha condutora a comédia. Assim, pela influência portuguesa, observada no gênero revisteiro e pelo tempo em que perdurou este gênero em Portugal e a sua chegada ao Brasil, faz-se necessário falar sobre a revista lusitana, desde a sua reformulação, a fim de verificar, com mais clareza, os pontos que convergiram para o teatro brasileiro e, especificamente, para o do Pará.

2.2 TEATRO DE REVISTA PORTUGUÊS

Segundo Santos (1978), a revista, em Portugal, foi se transformando gradativamente. Inicialmente esse gênero possuía um fio condutor bem definido. Estruturou-se em três longos e pesados atos, detalhados mais à frente, depois, nos dez primeiros anos do século XX veio a ser reduzido para dois, tendo um prólogo ou abertura e uma apoteose no final de cada ato. O primeiro ato era maior, mais importante e trabalhado, para que o espectador não perdesse o ritmo no intervalo, uma vez que a rapidez da ação e o ritmo acelerado já eram marcas estruturais da nova revista, desta feita, em atos.

Uma peça de revista começava necessariamente com o prólogo. Elemento imprescindível, Veneziano (1991, p.31) afirma que “[...] não há como se fazer uma revista sem o prólogo”. Na revista havia o prólogo, os “números de cortina”, os “quadros de comédia”, os “quadros de fantasia”, os “números de plateia”, até culminar na apoteose. O prólogo tem a função de desencadear o movimento do fio condutor da peça. Desse modo, o prólogo passa a ser o momento introdutório onde toda a companhia se apresenta. Na sequência, assistia-se aos diversos quadros. O enredo era, normalmente, apresentado no prólogo ou no quadro de abertura.

Há de se notar também, nessas revistas, a presença do compère ou commère, personagens indispensáveis na revista portuguesa e de tal importância que figuravam como cabeça de cartaz, mas, por volta dos anos 20, foram retirados do gênero. Santos (1978) ressalta que em Portugal o compère passou a se chamar Zé Alguma Coisa, na época do Estado Novo português. Depois da publicação da

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revista Antônio Maria em que Rafael Bordalo Pinheiro inventou a figura nacional do Zé Povinho, que representava o povo português, surgiram o Zé do Olhão, o Zé Pacote e o Zé Pagante, entre outros Zés.

Outro trunfo importante que os grandes espetáculos de revista possuíam para atrair público era a presença, no elenco, de pelo menos duas vedetes, figuras centrais de alguma cena ou quadro, incluindo, ainda, na sua estrutura, alguns números de atores secundários, com figurantes, como: coristas (girls), bailarinos (boys), corpo de baile e cançonetistas.

A intenção da revista portuguesa era comercial, uma vez que dependia da média do público, com o intuito de agradar e se vender a todos. A revista criticava o poder ou tomava parte dele, documentava passado/presente, novo/velho, tradição/progresso, criticando a todos sem distinção. A revista fazia chacota com os políticos e o público, e gostava de ver a vida nacional parodiada nos palcos.

Com a implementação da “Lei da Rolha” ou “Lei de Lopo Vaz”, em 1890, conforme Santos (1978), ficaram proibidas as alusões à política, à monarquia, bem como as caricaturas pessoais, inclusive de políticos e reis. Assim, a revista não pôde mais satirizar estes personagens da sociedade, mas resistiu a essas limitações, por meio de artifícios para ludibriar a censura.

As críticas camufladas à politica e aos costumes eram feitas usando duplo sentido, ironias e analogias, mecanismos usados para burlar a censura. Construiu-se, assim, uma rede de alusões e metáforas que o público logo entendia. E, nesse sentido, trabalharam autores como Souza (1947) e Schwalbach (1944).

As revistas de Schwalbach eram impregnadas de uma filosofia bem definida, louvando o passado em face ao desregrado presente. Todo o espetáculo era cheio de nacionalismo e ternura, cantando as aldeias ingênuas de brancas manhãs, onde vivia feliz o bom povo português “[...] apascentando seu gado e nunca faltando à missa ao domingo” (SANTOS, 2002, p.294).

A revista portuguesa passava pela fase do lirismo rural; opondo-se a ele veio a grande meretriz Lisboa, abarrotada de modas da mais alta imoralidade, um antro de perdição que deitava abaixo o velho Portugal.

Santos (1978) ressalta que, em 5 de outubro de 1910, a censura acabou e a revista portuguesa voltou a usufruir de liberdade, tornando a colocar figuras de políticos em palco. Quanto à censura imposta pela Primeira Guerra, que viria a seguir, impondo tiradas patrióticas e o elogio aos soldados portugueses, a revista

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não lhe atribuiria importância.

O momento do fado seria outro elemento primordial na estrutura da revista portuguesa, consistindo num quadro, onde participavam músicos e artistas internacionais especializados naquele gênero musical.

Lendo as revistas portuguesas, como as de Sousa Basto, observa-se que o enredo criticava a classe dominante. Essa crítica satisfazia a classe mais desfavorecida, que compensava, assim, as suas frustrações.

O público que prestigiava o teatro de revista pertencia à classe média, sendo a frequência da classe operária mais restrita, ressalta Santos (2002) e diz ainda que se tratava de um teatro com personagens populares, tipificadas, como já se disse, por influência da Commedia Dell’arte. Os personagens constantes da revista portuguesa eram a florista, o carroceiro, o leiteiro, a fadista, o emigrante e a personagem burguesa que, raramente, era simpática.

Serqueira (1947) afirma que, a partir de 1922, a revista portuguesa enraíza-se cada vez mais em Portugal e adquire um espaço próprio, os jardins do Parque Mayer, onde se armava uma feira. Desde então, inauguram-se vários teatros nesse local, chamando-se a esse recinto revisteiro de “Broadway Portuguesa”. Ia-se ao Parque Mayer assistir às revistas, apesar destas se apresentarem também noutros lugares. Havia fartura de revista em muitos outros teatros, como no Teatro Avenida em frente ao Parque Mayer, na Avenida da Liberdade, ou no Teatro Apolo, no coração da Mouraria, ou ainda no Bairro do Chiado, no Teatro Ginásio e no Teatro Trindade. A revista se espalhou pelos quatro cantos de Lisboa.

Com a ditadura salazarista, a censura regressa, mas a revista não se intimida e continua a fazer gozação de quase tudo. As piadas políticas aparecem camufladas, e a revista começa a modernizar-se, ficando alguma coisa da revista antiga, como o quadro de rua. Nessa nova roupagem da revista, o primeiro quadro tem então duas partes e o final é mais rápido.

Santos (1978) diz que a estrutura da revista nos anos 20 era a seguinte: dois atos, uma vintena de quadros e quatro partes. O primeiro ato iniciava com um número de coreografia. Na abertura introduzia-se o tema apresentado pelo compère. Este ligava os quadros através de um fio condutor, permitindo a apresentação de número de fantasias, respeitando uma hierarquia que ia do cabeça de cartaz até a vedete. Seguia-se, à frente da cortina, um número de dança em conjunto e também as rábulas ou anedotas. Essa parte terminava por um quadro de maior envergadura,

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exibindo como atrações a fadista ou a vedete. Em seguida, um sketch curto e não musical.

Observa ainda Santos (1978) que, na segunda parte do primeiro ato, exibia-se um quadro de rua típico e animado. No caso da existência de um quadro com uma atração estrangeira, o compère apresentá-lo-ia. Terminado este, o compère apresentava, frente à cortina, um curto diálogo, dando-se então a apoteose do primeiro ato com a exibição de toda a companhia.

No segundo ato, a primeira parte iniciava-se com uma breve abertura ainda frente à cortina, onde o compère dialogava com outros dois chefes de quadro. No final havia um número de grande montagem com refrão escrito num telão, para o público cantar.

Na segunda parte do segundo ato, tudo era idêntico à primeira parte do segundo ato e a segunda apoteose era rápida, sendo apenas um pretexto para a companhia desfilar. A vedete em destaque era a mais bem vestida, sendo a última a entrar. Ao final do espetáculo, a vedete ficava à frente de todos os artistas e cantava-se em conjunto a música da despedida.

Em 1933 a censura voltou com a ditadura de Salazar e trouxe os cortes, mas, mesmo assim, existiam caminhos de saída que a revista usava para colocar em cena suas sátiras e críticas. Por exemplo, quando se falava de Salazar e da sua política, referiam-se a ele apenas por Antônio.

A revista, nos anos trinta, em Portugal, usava diversas formas para escapar da censura, com uma linguagem cifrada, sobrevivendo “a tudo e a todos”, porque contava com a cumplicidade do público, para o qual não havia censura que o pudesse controlar.

No período salazarista, muitos cantores de fado foram surgindo, como a cantora Amália Rodrigues e o ator João Villaret, que trouxeram para a revista a elegância cosmopolitana do music-hall.

Inúmeras atrizes e vedetes da revista portuguesa viajavam para o Brasil com a companhia, e havia um fluxo grande de companhias portuguesas atravessando o oceano, e alguns poucos atores brasileiros no fluxo inverso, como a Companhia de Salvador com Antônio Silva, Irene Isidro, Teresa Gomes, Beatriz Costa, Costinha e Bibi Ferreira, havendo uma troca constante entre os dois países.

A revista portuguesa durou muitos anos com produções e público garantido e, na década de setenta, aconteceu o que mais se desejava: a abolição da censura, e

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não tardou para que a revista, em vez de criticar tudo e todos, se partidarizasse, uma para direita, outra para esquerda, e logo já se previa de antemão de quem se ia ouvir dizer bem ou mal, perdendo assim a graça.

Assim, sem novos valores e com alguns atores encaminhando-se para a televisão, a revista portuguesa foi fechando as portas até o apagar completamente das luzes, deixando apenas saudade ao público do Parque Mayer.

Retomando a difusão da revista portuguesa pelo mundo, interessa a este estudo pontuar o gênero revisteiro brasileiro, para então se chegar à revista analisada por esta Tese.

2.3A REVISTA BRASILEIRA

No século XIX, quando a tradição teatral começou a se consolidar no Brasil, um gênero em especial se destacou como vocação maior da dramaturgia nacional: a comédia. O texto cômico se mostrou uma tentação irresistível para muitos autores, até mesmo para os grandes nomes do período romântico brasileiro.

Falar de comédia no Brasil é falar de Marins Pena que, em apenas três anos, consolidou sua carreira escrevendo quinze comédias, que eram sempre vistas como espetáculo popular. Os intelectuais daquela época, como José de Alencar e Machado de Assis, censuraram Pena por usar os recursos cômicos típicos de farsa, pois, para eles, a farsa era classificada como baixa comédia, e o burlesco ficava no último degrau da escala de valores.

O Juiz de Paz na Roça, comédia escrita por Pena em 1838, com um único ato e vinte e três cenas, de efeito popular, apresenta a realidade brasileira com observações satíricas. Critica as convenções sociais, o governo, a família e o casamento; satiriza figuras como políticos corruptos, novos ricos, padres e juízes. A peça retrata a luta de um casal de namorados contra obstáculos à sua união. Uma comédia de costumes que apresentava o precário funcionamento da justiça na roça.

Depois veio o vaudeville burlesco de Joaquim Manuel de Macedo e o humor bem comportado de José de Alencar. Além da ironia elegante de Machado de Assis, a sátira implacável de França Júnior. No teatro surgiu também Arthur de Azevedo que aborda, em sua obra, assuntos do cotidiano da vida carioca e dos hábitos da capital. Os namoros, as infidelidades conjugais, as relações de família ou de amizade, as cerimônias festivas e fúnebres, o que se passava nas ruas ou nas

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casas lhe forneceu assunto para as histórias. Arthur Azevedo retratou os costumes da sociedade brasileira do final da Monarquia e início da República.

A comédia de costumes caracteriza-se pela criação de tipos e situações de época, com uma sutil sátira social. Proporciona uma análise dos comportamentos humanos e dos costumes num determinado contexto social, tratando frequentemente de amores clandestinos, da violação de certas normas de conduta, ou de qualquer outro assunto, sempre subordinados a uma atmosfera cômica.

A trama dessa comédia desenvolve-se a partir dos códigos sociais existentes, ou da sua ausência na sociedade retratada. As principais preocupações dos personagens são a vida amorosa, o dinheiro e o desejo de ascensão social. O tom é predominantemente satírico, espirituoso e cômico, oscilando entre o diálogo vivo e cheio de ironia e uma linguagem, às vezes, conivente com a amoralidade dos costumes.

O gênero ligeiro e a comédia foram ganhando a preferência do público no final do século XIX e início do século XX. As delícias da vida noturna parisiense foram tomando conta de algumas capitais brasileiras que esbanjavam a riqueza dos barões, seja do café ou da borracha, e as cidades brasileiras se desenvolviam ávidas de alegria e de boemia.

A comédia de costumes passou a se apropriar dos tipos brasileiros. Isso se deve às características do teatro da época, pois, após a representação de um drama, vinha a representação de uma farsa, que tinha como função amenizar as emoções da plateia causadas pelo drama. Então, Martins Pena percebeu que as peças eram de origem estrangeira, e logo veio a ideia de que poderia construir textos para o teatro com um enredo brasileiro.

Martins Pena utilizou situações corriqueiras de costumes rurais e urbanos, explorando os hábitos rústicos, a ingenuidade das pessoas do interior e a malícia da cidade grande, da capital, sempre com muita ironia, satirizando os tipos, os problemas de época, explorando assuntos de casamento por interesse, a corrupção, a malandragem, porém, sempre com um final feliz, havendo as resoluções dos empecilhos.

Assim veio o teatro de revista, a comédia musicada, que passou a ser remodelado em sua estrutura, mais curto, dividido em dois atos e bem mais próximo do nosso cotidiano, com base em raízes populares, utilizando as músicas carnavalescas, casando o carnaval com a música popular.

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A revista brasileira inicia-se com as características e convenções portuguesas e depois descobre sua própria característica cultural. Encontra um terreno fértil para se desenvolver, como nos diz Veneziano (2004): “[...] a revista que nasceu francesa, que chegou portuguesa, que cresceu sem pátria, foi adotada, domesticada e aclimatada aos usos e costumes brasileiros” (p. 30).

Veneziano (2004) diz, ainda, que a revista de gênero alegre e de público popular chegou ao Brasil e encontrou um povo alegre e carnavalesco. Neste fértil terreno, desenvolvem-se personagens caricaturados que brotam da cultura brasileira, e são recebidos por um povo que ri de quase tudo, até de si mesmo; além da presença das belas vedetes e mulatas adequadas à proposta da revista. Assim, adaptada aos costumes da terra, a revista passa a trabalhar com características brasileiras.

No início, as principais revistas não tiveram êxito, a exemplo, As Surpresas do Senhor José da Piedade de Figueiredo Novaes, apresentada em 1859 no Teatro Ginásio no Rio de Janeiro, que foi muito mal aceita pelo público, ainda não acostumado com as críticas políticas, e que ficou em cartaz por apenas três dias.

Só em 1884 com a revista O Mandarim, de Arthur de Azevedo, é que o gênero realmente se instala no Brasil e passa a ser bem recebido pelo público, revelando a alma e os costumes brasileiros. Surgem os personagens tipicamente nacionais, a exemplo, a mulata dengosa, sestrosa, desejada pelo português.

Encontram-se dois personagens caricaturados na revista: personagem estereótipo e personagem tipo. O primeiro apresenta sempre, como que estampado, traços comportamentais e características distintivas e fixas, podendo o público reconhecê-lo de imediato e presumir-lhe as ações durante a peça, reduzindo assim suas possibilidades de ação.

Os personagens-tipo serviram de veículo para criticar a sociedade e seus costumes em transformação. Os contrapontos criados com as tentativas de modernização da cidade, vinculados aos ideais da Belle Époque mostravam quadros de imagens contrastantes que os autores souberam reproduzir criticamente na cena teatral.

O personagem-tipo, diferentemente do estereótipo, opera uma síntese das características de um gênero, mais que uma soma de dados externos, o que faz com que adquira maior espessura dramática e possa, então, estabelecer diferentes relações com outros personagens no decorrer da peça. Essa síntese realizada pelo

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personagem-tipo permite-lhe um sem-número de possibilidades de ação, daí sua longa existência teatral (SILVA, 1998).

Esses personagens descendem de antiga linhagem, podendo ter origem na farsa atelana, surgida no século II a.C. Segundo Rabetti (1996), a origem dessa galeria de tipos teatrais cômicos pode ser localizada na Comédia Nova grega8, cujos personagens seriam transformados em Roma pela farsa atelana, assim como os tipos da Commedia Dell’arte que são vários como pantalone, colombina, arlecchino, brighella, entre outros.

Na revista brasileira constituíram-se claramente os seguintes personagens: o malandro oportunista; a mulata faceira, esperta e sensual; a baiana e o português ingênuo, burro e libidinoso, desejando a mulata. O teatro cômico sempre acolheu os tipos. Neyde Veneziano (1991, p.120-121) afirma que “[...] todo o teatro popular, e em especial a revista, trabalha fundamentalmente, como já foi explicado, com tipos”, ao que Flora Süssekind (1986, p.94) complementa, dizendo que “[...] um dos procedimentos mais constantes nas revistas é justamente a tipificação”. A figura do malandro é a mais significativa, abrangente e complexa e também a mais persistente na revista.

A malandragem é um modo de “navegação social”, muito bem representada no teatro de revista, através do personagem malandro que é o profissional do “jeitinho”, da arte de sobreviver nas situações mais difíceis. Personagem sempre simpático, amigo de todos, alegre, boa vida, com muitas histórias e de boa aparência, seu traje típico é calça e paletó de linho branco, com uma blusa listrada e um chapéu, além do sapato fino, sempre bem engraxado. Este é o malandro no teatro de revista.

É possível que a origem do malandro brasileiro venha dos antigos rufias do Bairro Alto de Lisboa, que se vestiam com camisa listrada (PAIS, 2008). Os antigos moradores em Lisboa, contam que eles portavam navalhas e exploravam o lenocínio. Eram perigosos, matavam facilmente e tinham problemas com a polícia. Segundo Misse (1999), de certa forma, identificou-se uma possível origem para o malandro brasileiro, a partir dos fadistas e dos rufias, e não apenas dos negros libertos e brancos pobres do Segundo Império, como muitas vezes se pensou.

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Teatro cômico grego (sec. IV a.C.) que pintava a vida cotidiana. Apela para tipos e situações estereotipadas [...]. (PAVIS, 1999, p.56).

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Esses, apenas reinvestiram numa tradição, cujas matrizes, perdidas podem recuar para outrora.

Os tipos literários do romance picaresco desenvolvem algumas das principais representações desse estilo de vida individualista pré-moderno, intersticial, que a língua italiana fixou no termo “malandrino”, de onde se originou a palavra portuguesa.

Há condensações variadas entre o malandrino italiano, o mandrião espanhol, o patife português, o “apache” e suas variantes: o malin, o coquin, o vaurien e o vagabond francês, o vagabundo simplesmente (do antigo latim, vagativu = vadio): todos são representados por atributos que condensam os de ocioso, de insolente, de maroto, de esperto, de velhaco e, no limite, de canalha e de bandido.

Para a filósofa Borges (2006), a malandragem é uma inteligência orgânica, antes de se transformar em uma estratégia de sobrevivência. O brasileiro enfrenta inúmeras dificuldades econômicas e financeiras, além de ir de encontro aos padrões morais autoritários. Logo, precisa da sabedoria malandra para utilizar o famoso jeitinho brasileiro, tática para seguir em frente, sem conflito ou força bruta, pois, como afirma o sociólogo Roberto DaMata (1981), o brasileiro tem horror a conflitos.

O malandro, pouco ético, é mestre no suborno, no desejo de manipular e de enganar os outros. Ele sabe tirar vantagem do que acha que tem de bom e apreciável, escondendo seus defeitos. O malandro com a sua malandragem analisa as situações, usa de vez em quando uma lente de aumento, aprecia o conjunto, sem ficar preso a detalhes. Desse olhar nasce a criatividade e a improvisação do malandro.

O malandro, em seu sentido semântico original, foi substituído hoje por um corte de classe: na classe média e nas elites, ele é “esperto” e o termo é quase sempre usado em contextos de apreciação ironicamente positiva; nas classes pobres, ele se mantém ambivalente, ora com o antigo sentido, ora se condensa nos novos significados adquiridos pelo termo “vagabundo”, particularmente, no “mundo do crime”, que faz retornar a associação primitiva entre malandragem e vadiagem de um modo que atenue o forte significado que o termo “bandido” ainda conserva. Porém, o malandro representado na revista é o “boa vida”, o esperto e de boa conversa, não chegando a ser elemento de alta periculosidade.

No Brasil, essa dramaturgia elaborada por meio de personagens-tipo teve forte presença nas companhias teatrais em fins do século XIX e início do século XX.

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Esses personagens eram compostos por um elenco distribuído em papéis fixos: o galã, o galã cômico, a dama galã, a dama central, a ingênua, a caricata, o tirano ou cínico e a lacaia (ROCHA FILHO, 1986; PRADO, 1998).

As caricaturas pessoais eram uma força espetacular de propaganda revisteira, tal como aconteceu em Portugal, em que autoridades se mostravam condescendentes com o assunto, porém, as reclamações foram tantas que surgiu a já citada “Lei de Lopo Vaz”. Assim, nos dois lados do oceano, a revista ia fazendo sucesso e atraindo cada vez mais público, que muito se divertia com as sátiras e as caricaturas pessoais camufladas e seus personagens-tipos.

O teatro de revista, mesmo com uma mistura de musical e comédia (ou farsa), fragmentado como chegou aos nossos dias, não foge de uma estrutura preestabelecida, cujo significado está implícito na própria denominação. Todavia, essa estrutura, aos poucos, se altera e se afasta do modelo de réveillon de fim de ano, para chegar a uma sucessão de quadros aparentemente desconexos que se encaminhava para um final apoteótico. Gênero próximo da opereta, a revista não dispensava belas mulheres e visuais coloridos e vibrantes.

Depois de mais de quarenta anos de história no Brasil, o teatro de revista mudou sua estrutura. A partir da década de 1920, o compromisso com um fio condutor foi abandonado e, paulatinamente, desaparecem os personagens do compère e commère. A fragmentação se fez mais intensa. Desmanchou-se a ligação entre os quadros, o enredo de tão tênue quase desapareceu. A peça reduziu-se a dois atos.

Aos poucos vai surgindo uma nova revista, remodelada, mais curta, que muda lentamente seus objetivos principais. Antunes (2002) destaca um momento e talvez o principal dessa transição:

[...] o advento da guerra, em 1914, impulsionou a primeira grande transformação do gênero no Brasil. O conflito internacional estancou as viagens das companhias europeias, abrindo o mercado para os valores e artistas locais. O modelo Revista de Ano caiu em desuso, mas em seu lugar surgiu uma revista renovada, com base nas raízes populares. Da tríplice associação entre o modelo teatral europeu, o carnaval e a música popular; emergiu um espetáculo com uma nova feição. A revista encontrava a sua identidade no Brasil. Era o início da grande época dos espetáculos carnavalescos, que marcou o período áureo do gênero, as décadas de 20 e 30. (p. 12-13).

Logo, pode-se perceber que a Primeira Guerra Mundial teve importante contribuição no processo da transformação revisteira. Ainda em 1920, o enredo da

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revista é genuinamente brasileiro, o ritmo do samba e do carnaval passa a se destacar com os usos das marchinhas, do maxixe e a presença do Rei Momo. “[...] a revista brasileira não se apresentava sem um número carnavalesco, assim como não havia português sem mulata, político sem malandro, morro sem favela e carioca sem samba” (VENEZIANO,1996, p.80). Pode-se identificar que a partir do século XX tem-se uma revista com referências brasileiras, que complementa o enredo com situações cotidianas desse lugar.

Na segunda década do século XX, a revista no Brasil relaciona-se intensamente com o samba. Neste sentido, o teatro de revista brasileiro divulga sambas e sambistas que trilharam o sucesso e assumia inteiramente a função de vitrine, abrindo os palcos para compositores populares, o que os levaria à celebridade, transformaria vedetes-cantoras em mulheres desejadas e cobiçadas. Desejo e cobiça que, muitas vezes, eram orientados para diferentes finalidades, visto que, na realidade, os compositores as desejavam como intérpretes de seus sambas, nos palcos revisteiros, e cobiçavam o resultado financeiro que, certamente, adviria de um lançamento feito por uma daquelas deusas.

Ao final do séc. XIX e nas primeiras décadas do séc. XX, as revistas, na sociedade brasileira, funcionaram como formadoras de opinião e, por recorrerem à linguagem humorística, foram consideradas mero passatempo, diversão inconsequente. Com isso, certamente, passava despercebido um dos seus lemas que glosava: “muito riso, muito sizo”.

Desde Pelo Telefone, samba de Donga/Mário de Almeida, considerado o primeiro samba gravado, detecta-se um vínculo mais forte entre o teatro de revista e o samba. Inspirados na gravação do cantor Bahiano, os revistógrafos Álvaro Pires e Henrique Júnior apresentaram, ainda em 1917, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, as revista Pelo Telefone e Pé de Anjo.

Antes o samba era tocado nos quintais, nas casas das famosas tias baianas. Nessa época, havia o choro, ritmo que se instalava na sala e o samba, no quintal, como disse Pixinguinha, na segunda metade dos anos 60, em seu depoimento para o Museu de Imagem e Som do Rio de Janeiro, citado por Lopes (2003, p. 35), “O choro tinha mais prestígio naquele tempo. O samba era mais cantado nos terreiros, pelas pessoas muito humildes. Se havia uma festa, o choro era tocado na sala de visitas, e o samba, só no quintal, para os empregados”.

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Nas décadas de 30 e 40, os sambas, na sua maioria, narravam segmentos de cotidiano nos morros e nas novas favelas que foram surgindo, referindo-se, quase sempre, a tipos sociais como o malandro, o valente, o malfeitor.

A revista brasileira, nos seus enredos, exalta as mulheres, a natureza, o “bobo caipira”, o samba, o ritmo brasileiro, o maxixe, a modinha, a falcatrua e a malandragem, tendo por pano de fundo um cenário tropical, para cantar/expor as cores e sabores da terra e o jeito do povo.

Segundo Veneziano (1996) os ingredientes temáticos da revista brasileira são: a miséria, o desemprego, a falta de dinheiro, as superstições, estes sempre vistos numa perspectiva irônica e com distorções cômicas, para um determinado tempo.

Sussekind (1986) afirma que a revista levava o público a refletir sobre questões políticas e sociais, além de situá-los nas vertiginosas mudanças do tempo, como a industrialização, o aparecimento da fotografia, cinematógrafo, telefone, automóvel etc. E diz ainda que o teatro de revista no Brasil era visto pela elite como um gênero menor, mas agradava a maioria do povo. Esse teatro importava as formas teatrais europeias e “bebia” na fonte da cultura popular, pertencendo assim a todas as classes sociais. Era um teatro comercial tal como em Portugal e, por isso, vítima de muitos preconceitos.

Os críticos brasileiros queriam um teatro de revista mais “trabalhado”, com uma dramaturgia mais rígida. Porém, o público, em geral, buscava o melodrama e o teatro musicado. A cumplicidade e a identificação proporcionadas por esse gênero de teatro levavam os espectadores a se reconhecerem em cena de uma forma direta, visto que se tratava de um teatro feito para o povo, que retratava o cotidiano deste.

O teatro de revista, tanto no Brasil quanto nos outros países, possuía como recurso as improvisações. As peças, sendo efêmeras, referem-se a momentos de crise e, por esse motivo, ficaram fora da alçada do mundo intelectual.

No final do século XIX, Arthur de Azevedo se destacou, sendo considerado por muitos o maior autor do teatro de revista brasileiro. Azevedo, juntamente com o seu parceiro Moreira Sampaio, viajariam até Lisboa, Madrid e Paris para assistirem ao teatro de revista e observarem os seus padrões. Ao voltarem da Europa, ambos escreveram inúmeras revistas: O Mandarim, A Capital Federal, Cobras e Lagartos, O Mercúrio e outras todas de grande sucesso.

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Um episódio curioso que contribuiu ainda mais para o sucesso dessa dupla de autores foi a caricatura pessoal, interpretada pelo ator Xisto Bahia, um dos maiores artistas populares da época, que compôs um tipo teatral copiando a figura de João José de Fagundes de Rezende e Silva, apresentando-se na peça O Mandarim, como “O Barrão de Caiapó”. Na plateia, ao ver-se em cena, o senhor Rezende e Silva, juntamente com outros cavalheiros, não gostaram e foram reclamar e criticar no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, havendo assim réplica dos autores às críticas, gerando uma enorme polêmica, que atraiu ainda mais um público ansioso para ver o tal Barão, firmando o sucesso do gênero no Brasil.

Veneziano (1996) ressalta ainda que, no Rio de Janeiro, a plateia dividia-se em duas grandes correntes, originárias das zonas norte e sul. A do sul, de Botafogo e adjacências, frequentava o Teatro Municipal, que em temporada oficial se exibia ao público chique. A do norte, constituída por pessoas mais simples, a “plebe”, procurava espetáculos na Praça Tiradentes, onde se concentram os teatros da cidade, sobretudo o teatro ligeiro, modalidade que traz um ritmo mais acelerado no texto, além de falas curtas. Entretanto, nessa mesma praça existia o Teatro São Pedro, reduto da elite carioca, onde passavam as companhias estrangeiras em tournée. Apesar de situados na mesma praça, os teatros possuíam suas divisões sociais. Na região da Avenida Rio Branco, centro, concentravam-se os estabelecimentos voltados para o público de elite, como o Teatro Municipal.

Em1920, próximo ao Teatro Municipal, inaugurou-se o Parque Centenário, um cinema ao ar livre. Situado nos terrenos do antigo Convento da Ajuda, com capacidade para mais de mil pessoas, possuía também outras diversões características da Praça Tiradentes: mulheres barbadas, faquires, barracas de jogos, cervejarias, café-concerto, ringue de patinagem, cavalinhos, carrossel, o Teatro João Minhoca, um local com “diversões para crianças”.

Nos anos 40, destaca-se, no teatro de revista, o teatro rebolado com enredo mais picante, de humor, trocadilhos e imitações. O papel da política permanece relevante e a presença feminina, até então relativamente secundária, começa a impor-se em definitivo. Nesse contexto, destacaram-se as vedetes Mara Rúbia, Brigitte Blair, Angelita Martinez e Virginia Lane. Sem esquecer a primeira grande vedete trazida por Souza Basto para o Brasil, a espanhola Pepa Ruiz, e mais os grandes atores Grande Otelo, Mazzaropi, Oscarito e Dercy Gonçalves, que

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interpretavam “os personagens-clichês”, como o malandro carioca, o caipira, o português.

A nudez artística das coristas/vedetes do rebolado começa a ser explorada. Dançar e mostrar o corpo na revista passou a fazer parte do espetáculo: “O apelo erótico mais explícito ganhou força nos espetáculos. A nudez de seios e braços das francesas empolgou as plateias e logo foi copiada pelas artistas locais” (ANTUNES, 2002, p. 54). Assim, observa-se que o foco de interesse passa a ser a mulher, na qual o texto e a música eram todos pensados, sem a preocupação com o enredo. Neyde Veneziano garante que (1996, p.87)

Sem enredo, no nível do texto e do espetáculo, a nova revista se equilibraria entre as músicas, as coreografias, a iluminação, o figurino e os esquetes, os monólogos, as rábulas cômicas de cortina. Um formato de equilíbrio e de transição, no qual a fantasia ainda não superaria a crítica da atualidade. Por isso, 1925 é um ano rico em experiências. Um ano em que o público assistiu entusiasmado às novidades sem que se perdessem a graça e o humor típico brasileiro. O desvio para o luxo e para um maior apelo à sensualidade não roubaria à revista sua relação com a atualidade e com as crises sociais, ainda.

Assim, pode-se observar um equilíbrio entre o texto e a fantasia, entre os sketches e a cortina e os bailados e a apoteose. Eram quadros de pura fantasia. O que importava era o visual, a apresentação em si, era a um glamour sensual de exposição do corpo feminino.

O texto revisteiro nunca teve como arma a forma realista, nem direta. Direcionava-se ao público de forma sarcástica e irônica, utilizando-se de alusões, diálogos apartes, afastando o ator de seu personagem, apropriando-se da improvisação que estabelecia uma cumplicidade direta com a plateia. Através do texto o ator era conduzido a abandonar o personagem por alguns segundos, uma vez que plateia no teatro revisteiro tinha um valor essencial: “[...] era o fim em si, para o qual convergia progressivamente o resultado da interação” (VENEZIANO, 2004, p.36).

Nesse teatro popular revisteiro pode-se concluir que o ator olhava o público e respeitava o ritmo de cada noite de espetáculo, renunciava a modelos previstos e estabelecidos. O texto se movimentava com a improvisação e essa correspondia à receptividade da plateia, o ator observava o público e o provocava para obter situações.

Referências

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