• Nenhum resultado encontrado

Obesidade mórbida: um estudo sobre as limitações, a auto-imagem e o tratamento cirúrgico

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Obesidade mórbida: um estudo sobre as limitações, a auto-imagem e o tratamento cirúrgico"

Copied!
120
0
0

Texto

(1)

FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL

TÂNIA AGUILA SILVEIRA

OBESIDADE MÓRBIDA:

um estudo sobre as limitações, a auto-imagem e o tratamento cirúrgico

FRANCA 2007

(2)

OBESIDADE MÓRBIDA:

um estudo sobre as limitações, a auto-imagem e o tratamento cirúrgico

Dissertação apresentada para a obtenção do título de Mestre em Serviço Social, a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de História, Direito e Serviço Social. Área de Concentração: Serviço Social - Trabalho e Sociedade.

Orientadora: Profa. Dra. Íris Fenner Bertani.

FRANCA 2007

(3)

Obesidade mórbida : um estudo sobre as limitações, a -imagem e o tratamento cirúrgico / Tânia Aguila Silveira. –Franca: UNESP, 2007

Dissertação – Mestrado – Serviço Social – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP.

1.Serviço Social – Saúde. 2.Obesidade – Aspectos sociais e psicológicos. 3. Obesidade – Tratamento cirúrgico.

(4)

OBESIDADE MÓRBIDA:

um estudo sobre as limitações, a auto-imagem e o tratamento cirúrgico

Dissertação apresentada para a obtenção do título de Mestre em Serviço Social, a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de História, Direito e

Serviço Social. Área de Concentração: Serviço Social - Trabalho e Sociedade.

BANCA EXAMINADORA

Presidente: _______________________________________________ Profa.Dra.Íris Fenner Bertani

Universidade Estadual Paulista

1ª Examinadora: ___________________________________________ Profa.Dra.Ana Cristina Nassif Soares

Universidade Estadual Paulista

2ª Examinadora: __________________________________________ Profa.Dra.Graziela Ap.Nogueira de Almeida

Universidade de São Paulo

(5)

incentivadores: Roni, Melissa e a nova vida que nos acompanha.

(6)

Agradeço à minha família que sempre acreditou no meu potencial e me incentivou;

à minha orientadora Profa. Dra. Íris que me acolheu prontamente e se mostrou tão amiga e companheira;

ao Prof. Dr. Pe. Mário José Filho e toda a equipe do Programa de Pós-graduação da Unesp Franca que me auxiliaram em todos os momentos;

a todas as demais pessoas ou instituições que direta ou indiretamente colaboraram para que este trabalho se tornasse possível: Unimed Franca, Dra.Rita Fontes, amigos de trabalho, Adriana de Almeida, Danyela Gerolin, Andréia Liporoni, Célia Parzewski, Sira Napolitano;

e, em especial, às mulheres que ofereceram suas vidas para que pudéssemos compreender um pouco melhor a obesidade.

(7)

V ênus de W il le ndor f, W IT C O M

(8)

cabeça boa, se você não estiver a fim assim, eu acho que a cirurgia não é a salvação sua não, eu acho que é um estímulo, um apoio, vamos dizer assim, é alguém que está te estendendo a mão. Então, alguém te estendeu a mão, está te dando a metade da possibilidade, eu acho que o resto é com você. Você que tem que ter uma cabeça boa, você vai passar mal, você nunca mais vai ser a mesma pessoa. Vai ter dia que você vai vomitar, vai ter dia que você vai sentir mal estar. Então, se você não tiver paciência para poder ir batalhando, você perde a cirurgia. Eu já vi muito paciente perder a cirurgia por não ter uma cabeça, vamos dizer assim, instruída no processo que o organismo dela vai estar passando. Querendo ou não você não vai poder ir pondo no seu organismo, você vai tirar um pedaço do seu estômago, um pedaço do seu intestino.

(9)

SILVEIRA, T. A. Obesidade mórbida: um estudo sobre as limitações, a auto-imagem e o tratamento cirúrgico. 2007. 117 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Direito, História e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca.

A obesidade é uma doença de etiologia multifatorial incluindo fatores psicológicos, fisiológicos, anatômicos e sociais. Essa patologia está presente em países desenvolvidos e em desenvolvimento. No Brasil o índice vem crescendo rapidamente em todas as faixas etárias e classes sócio-econômicas, demonstrando a transição nutricional da desnutrição para a obesidade. Objetivou-se investigar através de uma abordagem qualitativa de pesquisa em saúde, a influência da visão sócio-histórica no desenvolvimento e na manutenção da obesidade de quatro mulheres com idade entre 32 e 39 anos, que se preparavam para o tratamento cirúrgico de obesidade mórbida. Tencionou-se ainda caracterizar o tema “obesidade” na visão das entrevistadas; compreender a sua tomada de decisão pelo método cirúrgico; contribuir para o fortalecimento da visão interdisciplinar no tratamento do obeso mórbido; colaborar para o fortalecimento do programa de apoio ao paciente obeso mórbido no qual as pacientes fizeram acompanhamento pré-cirúrgico. A partir da análise de conteúdo das entrevistas e das contribuições do diário de campo foi possível encontrar eixos temáticos que orientaram as nossas discussões. Os resultados indicaram prejuízos emocionais, sociais, biológicos e físicos acarretando insatisfação com a condição de estarem obesas, ora porque as limitações são muito acentuadas, causando-lhes problemas de saúde e desconforto físico ou porque esteticamente não se sentem adequadas com o seu peso. A cobrança da sociedade pela aquisição de um corpo ajustado aos padrões vigentes (magreza) parece ser o fator de maior peso no sofrimento psíquico vivenciado pelas entrevistadas, levando-as à tentativa de enquadramento naquilo que é socialmente aceito como o “normal” ou o comum, marginalizando as suas capacidades e potencialidades. O trabalho da equipe interdisciplinar servirá como ferramenta eficaz para a obtenção de uma atuação voltada para a visão da saúde integral desses indivíduos.

Palavras-chave: obesidade mórbida, cirurgia bariátrica, limitações, auto-imagem, equipe interdisciplinar.

(10)

SILVEIRA, T. A. Morbid obesity: a study about the limitations, the auto-image and the surgical treatment. 2007. 117 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Direito, História e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca.

The obesity is a disease of multifactorial etiology including factors psychological, physiologic, anatomical and social. That pathology is present in developed countries and in development. In Brazil the index has been growing quickly in all of the age groups and socioeconomic classes, demonstrating the nutritional transition of the malnutrition for the obesity. It was aimed at to investigate, through a qualitative approach of research in health, the influence of the socio-historical vision in the development and in the maintenance of the four women's obesity with age among 32 and 39 years, which got ready for the surgical treatment of morbid obesity. It was still intended to characterize the theme “obesity” in the interviewees' vision; to understand her decision-making for the surgical method; to contribute for the invigoration of the interdisciplinary vision in the treatment of the obese morbid; to collaborate for the invigoration of the support program to the morbid obese patient in which the patients made pre-surgical attendance. Starting from the analysis of content of the interviews and of the contributions of the field diary it was possible to find thematic axes that guided our discussions. The results indicated damages emotional, social, biological and physicists resulting in dissatisfaction with the condition of they be obese, now because the limitations are very accentuated, causing them problems of health and physical discomfort, or because esthetically if they don't sit down appropriate with his weight. The collection of the society for the acquisition of an adjusted body to the effective patterns (thinness) it seems to be the factor of larger weight in the psychic suffering lived by the interviewees, taking them to the classification attempt wherein is accepted socially as the "normal" or the common, marginalizing their capacities and potentialities. The work of the interdisciplinary team will serve as effective tool for the obtaining of a performance facing the vision of those individuals' integral health.

(11)

INTRODUÇÃO

... 12

1 REVISÃO DE LITERATURA

... 21 1.1 Panorama geral da obesidade

... 21 1.1.1 Obesidade mórbida e tratamento cirúrgico

...

31 1.1.2 Avaliação pré e pós-cirúrgica

... 35 1.2 Visão sócio-histórica da obesidade

... 37 2 A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ... 50 2.1 Percurso metodológico ... 50 2.2 Participantes do estudo ... 51 2.3 Local ... 52 2.4 Instrumentos de coleta de dados

... 52 2.4.1 A entrevista

... 52 2.4.2 Diário de campo

... 54 2.5 Procedimentos para a coleta de dados

... 54 2.6 Procedimentos para a análise dos dados

... 55

3 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS

... 57

(12)

3.2 Breve histórico de vida ... 60 3.2.1 Elza ... 60 3.2.2 Débora ... 60 3.2.3 Marília ... 61 3.2.4 Bárbara ... 62 3.3 As falas ... 62 3.3.1 Limitações impostas pelo peso

... 63 3.3.1.1 Limitações no trabalho

... 63 3.3.1.2 Limitações nos relacionamentos interpessoais

... 67 3.3.1.3 Limitações físicas

... 71 3.3.1.4 Limitações na prática sexual

... 78 3.3.2 A auto-imagem na obesidade mórbida

... 81 3.3.3 A cirurgia bariátrica

... 87 3.3.3.1 Como souberam da cirurgia

... 87 3.3.3.2 O que sabem sobre a cirurgia

... 89 3.3.3.3 O que significa a cirurgia

... 91 3.3.3.4 O que mudará com a cirurgia

... 94 3.3.3.5 Medo da cirurgia

... 97 3.3.3.6 Que tipo de pessoa será após a cirurgia

... 99 3.3.3.7 O desejo de alcançarem a “normalidade”

(13)

... 101

BIBLIOGRAFIA

... 106

ANEXOS

... 111 ANEXO A – AUTORIZAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA

... 112 ANEXO B – QUESTIONÁRIO

(14)

O interesse pelo tema obesidade mórbida surgiu a partir da minha prática profissional com pacientes obesos no Departamento de Medicina Preventiva da Unimed Franca (SP), operadora de planos de saúde em atuação há trinta e cinco anos na cidade. Desenvolver este trabalho me propiciou mergulhar num universo baseado em sofrimentos físicos e psíquicos. Foram relatos de pessoas com excesso de peso e me despertaram muitos questionamentos sobre os fatores envolvidos no desenvolvimento e na manutenção da obesidade.

Faço parte do quadro de funcionários como psicóloga há cinco anos. O programa do departamento visa atuar nos três níveis de prevenção: primário com palestras educativas em empresas, campanhas de vacinação, curso para gestantes, planejamento familiar; secundário com grupos de orientação para pacientes com doenças crônicas (obesos - adultos e crianças, diabéticos, hipertensos, problemas de coluna); terciário com o atendimento domiciliar1. A clientela baseia-se em clientes Unimed, com exceção do curso de gestantes que

é aberto à comunidade e sua entrada no programa é condicionada ao encaminhamento médico.

Contamos com uma equipe composta por profissionais de diversas áreas: psicologia, nutrição, serviço social, enfermagem, fisioterapia, educação física e terapia ocupacional. Torna-se possível oferecer aos pacientes atendimentos em grupo e individuais, palestras e oficinas voltadas ao entendimento, à reflexão e à compreensão das doenças 1 Para maior aprofundamento nas questões relativas à prevenção e promoção de saúde consultar Czeresnia (1999).

(15)

crônicas, dos fatores físicos e emocionais envolvidos no desenvolvimento e/ou manutenção da doença, da importância do equilíbrio emocional e da atividade física, entre outros assuntos correlacionados.

Enquanto membro da equipe interdisciplinar, sinto-me freqüentemente frustrada por não conseguir perceber eficácia no meu trabalho de auxílio ao paciente em sua meta de redução de peso. O desejo ou necessidade de redução do peso perpassa praticamente 95% dos pacientes que freqüentam a medicina preventiva da Unimed Franca. Diante das dificuldades dos clientes, a equipe procurou, ao longo dos cinco anos de existência do departamento, aproximar os conteúdos e as informações tratadas à realidade de cada pessoa inserida nas atividades em grupo ou individuais. Foram muitas alterações nos programas: mudanças de cronogramas, assuntos tratados, formas de abordagem nas palestras e recepção do cliente, entre outros. Não podemos dizer que não houve conquistas, mas pelo fluxo de clientes resta-nos a sensação que mais pessoas poderiam ter obtido êxito.

A experiência tornou-se insatisfatória para a equipe e para muitos daqueles que nos procuraram desejando a mudança de hábitos de vida. Motivada por este sentimento, decidi aprofundar-me no universo de pessoas que passaram muitos anos de suas vidas batalhando por um corpo magro, por meio de inúmeras dietas e medicamentos e que, agora, impulsionadas também por suas próprias frustrações, almejam a cirurgia bariátrica como o último recurso disponível e de fácil acesso (teoricamente).

Quando elaborei o projeto, em 2004, planejava realizar entrevistas com pacientes particulares obesos mórbidos indicados por médicos gastroenterologistas, que estavam em processo de preparação para a cirurgia bariátrica. Esperava encontrar pacientes que estavam seguindo as orientações do Ministério da Saúde: acompanhamento médico, psicológico e nutricional.

(16)

Em 2005 alguns planos regulamentados da Unimed passaram a ter cobertura contratual para a realização da cirurgia bariátrica e a operadora viu a necessidade de criação de um programa interdisciplinar que preparasse os candidatos baseando-se na portaria do Ministério da Saúde nº. 628, de abril de 2001, que regulamenta o tratamento cirúrgico da obesidade mórbida no Brasil. O objetivo maior é reduzir as possíveis complicações físicas e psicológicas no pós-operatório a uma pequena margem, preservando a saúde da clientela e gerando menos custos para a Unimed.

Pela sua própria linha de atuação, o Departamento de Medicina Preventiva foi designado para desenvolver o programa interdisciplinar de apoio ao paciente obeso mórbido com indicação de cirurgia bariátrica. O período para a elaboração do programa e a preparação da equipe foi de um ano.

Em maio de 2006, iniciamos o primeiro grupo com essa finalidade. A partir de então, passei a ter a possibilidade de investigar os clientes obesos mórbidos que objetivam a cirurgia bariátrica desde a sua indicação para a cirurgia e encaminhamento do médico para o nosso serviço, até o momento da cirurgia e o pós-cirúrgico imediato. O meu papel na equipe é auxiliá-los a refletir sobre as alterações físicas e emocionais acarretadas pela cirurgia, facilitar a elucidação das motivações envolvidas na decisão por este tipo de tratamento e as mudanças que ocorrerão, além de propiciar o fortalecimento do vínculo do paciente com a cirurgia para melhor adesão no pré e pós-cirúrgico.

Busco conhecer o universo de referência dessas pessoas, as representações que possuem sobre o corpo e as motivações que as impulsionam para a cirurgia bariátrica sem, na maioria dos casos, levarem em conta os riscos de vida a que estarão submetidas, conforme a literatura nos aponta. Assim como verbalizam com a esperança que a equipe da medicina preventiva resolva sua obesidade, acreditam que a cirurgia bariátrica também dará fim ao seu problema. Nos dois exemplos, parece que é o estímulo externo que resolverá o excesso de

(17)

peso e trará mais qualidade de vida.

Nunca esteve tão fácil comprar a beleza e a juventude através de constantes cirurgias plásticas, aplicações de produtos rejuvenescedores, entre outros procedimentos. Por que esse tipo de aquisição não chegaria à obesidade? Muitas pessoas que possuem obesidade, se não a grande maioria, vêem a “cura” da obesidade por meio de uma solução mágica e ingerem medicamentos com sérios efeitos colaterais a curto e longo prazo, se submetem a tratamentos ineficazes e aos riscos das cirurgias de redução do estômago. Muitas vezes, as saídas encontradas só fazem aumentar a angústia e o sofrimento diante de um “mal” que não conseguem controlar, a gordura excessiva.

A mudança comportamental após a cirurgia parece não se basear num controle de impulsos espontâneos da pessoa. Os obesos até esperam que com a cirurgia seu apetite diminua e não tenham tanta fome ou vontade de comer, mas já nos primeiros dias do pós-cirúrgico percebem que a intervenção os auxiliará na perda de peso desde que se empenhem muito numa reeducação alimentar e numa nova proposta de estilo de vida. Essa postura parece reforçar a questão de que essas pessoas ainda esperam de um fator externo a resolução de seu problema crucial – a obesidade ou a compulsão alimentar. Ocorre-nos indagar: essa supervalorização do que é externo no processo de “cura” pode representar baixa auto-estima e falta de suporte social que lhes assegure maior confiança?

Diante de algumas complicações no pós-cirúrgico de pacientes obesos mórbidos, que não se prepararam para a cirurgia do ponto de vista físico e psicológico, como o desenvolvimento de um quadro de bulimia e a interrupção da perda de peso algum tempo depois, alguns médicos verbalizam que eles terão que se acostumar com as restrições da cirurgia e que, se fosse possível, eles fariam uma cirurgia na cabeça dos pacientes para o controle da fome. Algumas pessoas angustiam-se com essa realidade e afirmam que se soubessem que precisariam continuar se esforçando tanto para emagrecer como antes, não

(18)

teriam feito a cirurgia. Esse momento é muito doloroso e, como na etapa pré-cirúrgica, precisa de apoio de uma equipe interdisciplinar.

Na atualidade existem inúmeras técnicas e trabalhos disponíveis para o emagrecimento e a obtenção da qualidade de vida e as pessoas que os objetivam buscam o que for mais adequado às suas necessidades e ao seu padrão sócio-econômico. Entre as ofertas temos vários tipos de atividade física (caminhada, natação, musculação etc.), tratamentos de estética corporal e facial, cirurgias plásticas, medicamentos, produtos de beleza, reeducação alimentar, cirurgias bariátricas, entre outros. Observa-se que as pessoas optam pelas técnicas citadas, mas sem o comprometimento da mudança do estilo de vida. Sem esse comprometimento, as orientações e informações não são agregadas à sua rotina diária, não havendo mudanças significativas.

O desejado é que as pessoas passem por um programa que: 1) privilegie a reflexão e a conscientização sobre suas reais necessidades e potencialidades; 2) em grupo trabalhe a cooperação entre aqueles que possuem os mesmos objetivos e metas, deixando de lado o sentimento de não pertencimento ao meio social; 3) auxilie no equilíbrio entre os desejos e as reais possibilidades de cada indivíduo; 4) tenha uma visão interdisciplinar acerca da obesidade; 5) compreenda o indivíduo como um ser biopsicossocial.

A interdisciplinaridade contribui para que os pacientes se olhem não apenas como um organismo que está disfuncional, mas como alguém composto das partes subjetiva (as emoções), objetiva (os órgãos e seu funcionamento) e social (relações interpessoais, meio ambiente em que está inserido) e que muitas alternativas estão disponíveis para a melhora da sua qualidade de vida. Aliás, esse modelo mostra-se mais adequado para qualquer tentativa de emagrecimento. Se essa proposta mostra-se válida e pode trazer resultados, por que as pessoas que aderem a esse trabalho não conseguem, em sua maioria, alcançar a sua meta de redução de peso?

(19)

Um dos pressupostos que nos baseamos para falar de obesidade diz respeito à crescente supervalorização da estética no mundo ocidental moderno e contemporâneo, chegando a um verdadeiro “culto ao corpo” (SILVA, 1999; SERRA; SANTOS, 2003). Homens e mulheres conquistaram maior autonomia ao longo da história, mas lhes é cobrada a adequação do corpo às exigências sociais. Isso é reflexo da normalização2 de padrões estéticos

que negam a individualidade e a singularidade das pessoas. A centralização de fatores sócio-culturais em um contexto histórico específico não significa proceder à simplificação, nem à hierarquização da policausalidade desse fenômeno complexo. Não significa, por exemplo, descartar as dimensões biogenéticas como interferentes na obesidade mórbida.

As ciências têm ampliado os conhecimentos sobre o tema em questão, considerando-o, por exemplo, como um transtorno alimentar, assim como a anorexia e a bulimia, demandando uma leitura interdisciplinar.

Baseada na literatura sobre o assunto e na minha experiência profissional foi possível perceber que os pacientes obesos mórbidos, como já nos referimos, procuram uma solução imediata sem muitos esforços para sua obesidade, depois de tantos anos de insucessos com outros tratamentos. No caso da obesidade mórbida, essa solução torna-se mágica à medida que não demonstram se apropriar de todos os riscos de vida inerentes da cirurgia, não consideram as mudanças que ocorrerão e não se programam para adotar novos hábitos mesmo antes da cirurgia. Parece um conto de fadas, no qual a pessoa entra gorda no hospital e sai “magrinha”.

A mídia exerce influência nessa visão ao divulgar constantemente, em programas televisivos e revistas, transformações físicas de algumas pessoas alcançadas milagrosamente com cirurgias plásticas e tratamentos estéticos. Quando questionados sobre a visão mágica que possuem da cirurgia, a maioria diz não se preocupar com as passagens mais difíceis,

(20)

querem apenas pensar que vão emagrecer muito e ficar com o corpo que desejam. Acredito que o processo de transformação corporal se efetivará com o auxílio do equilíbrio emocional a partir de uma decisão para a efetivação de uma nova proposta de vida.

Uma nova proposta de vida deve envolver necessariamente mudanças no estilo de vida, especialmente quando a temática refere-se às doenças crônicas. A pessoa deve ser convidada a construir uma outra perspectiva de vida e de mundo, a traçar metas para a sua vida e descobrir hábitos inadequados ou prejudiciais a sua saúde física, psíquica e social.

O crescente culto ao corpo, a nosso ver, só reforçou a pouca ou nenhuma relevância que a maioria das pessoas atribui aos aspectos emocionais no desenvolvimento e/ou manutenção da obesidade, de leve a mórbida.

Com isso, as pessoas com obesidade demonstram possuir maior dificuldade de entrar em contato com seus sentimentos positivos ou negativos, evidenciando dispersão de emoções e aversão à consciência da vivência emocional. A dificuldade na vivência das emoções pode levar o obeso a um forte impulso de comer (LOLI, 2000).

Associando essa questão à metáfora do iceberg, podemos dizer que a pessoa obesa sente que o que mais atrapalha sua vida e não permite que seja feliz é a obesidade. Isso que vê como o problema principal ou emergente (a ponta do iceberg) não lhe permite que se aprofunde nas questões maiores e mais profundas que lhe causam sofrimento psíquico. A tentativa de melhorar o que é aparente para ela e para o outro pode representar o desejo de organização interna. Aprofundar-se no autoconhecimento (a maior parte do iceberg que está submersa) possibilitará entrar em contato com seus afetos, desejos e angústias inconscientes, sua impossibilidade de exercer um papel socialmente mais aceito, suas fragilidades mal elaboradas, seu sentimento de negligência com a própria família, sua baixa auto-estima, entre tantos outros fatores.

(21)

As considerações feitas até agora se transmutam em trajetórias que nos encaminham às justificativas para o projeto de pesquisa. Nesse sentido, é preciso considerar que as pessoas, no plano individual e coletivo, têm representações socialmente compartilhadas sobre a obesidade. Tais imagens coíbem e/ou produzem todo o contexto atual da obesidade em nossa sociedade.

A proposta deste trabalho é penetrar no universo de pessoas obesas mórbidas que sofrem com sua patologia a ponto de decidirem realizar uma cirurgia bariátrica sem avaliarem profundamente, em muitos casos, os riscos de vida que estarão submetidas. A atitude pela cirurgia demonstra que perderam a confiança em si mesmas para atingirem o peso ideal através de seus próprios esforços. Parece que agora resta depositar a confiança no procedimento cirúrgico e nos médicos que as assistirão na cirurgia. Teremos a oportunidade de conhecer um pouco da história de vida dessas mulheres e o que pensam sobre o seu peso, as dificuldades sentidas e as expectativas quanto à sua cirurgia.

O objetivo da pesquisa é investigar como a visão sócio-histórica da obesidade influenciou o desenvolvimento e a manutenção do quadro de obesidade das pacientes obesas mórbidas pesquisadas. Ainda queremos caracterizar o tema “obesidade” na visão das pacientes; compreender a sua tomada de decisão pelo método cirúrgico; contribuir para o fortalecimento da visão interdisciplinar no tratamento do obeso mórbido; contribuir para o fortalecimento do programa de apoio ao paciente obeso mórbido do Departamento de Medicina Preventiva da Unimed Franca, através da verificação da importância do trabalho para a manutenção da saúde dos pacientes.

No decorrer desse trabalho várias das faces do tema serão desvelados. Nossa pesquisa tem por centralidade o esclarecimento dos pontos que permanecem obscuros tanto para as pessoas obesas quanto para os profissionais atuantes na saúde pública.

(22)

No primeiro capítulo abordamos o tema obesidade a partir de considerações gerais sobre a sua etiologia, os fatores desencadeadores e mantenedores do quadro, entre outras questões, e tecemos algumas considerações sobre a sua construção sócio-histórica. No segundo capítulo delineamos todo o percurso metodológico por nós percorrido ao longo dessa pesquisa. No terceiro capítulo apresentamos os resultados obtidos a partir das entrevistas e do tratamento do material baseado na análise de conteúdo e, para finalizar, nas considerações finais inferimos vários questionamentos e contribuições que surgiram com o desenvolvimento desse trabalho e sinalizamos algumas informações para os profissionais da área da saúde e para as próprias pessoas que são acometidas pela obesidade.

(23)

1.1 Panorama geral da obesidade

Segundo Santos (2005), a palavra obesidade advém do latim obesu que significa gordura. É considerada doença pela Organização Mundial da Saúde desde 1997. Sua etiologia é multifatorial incluindo aspectos bioquímicos, fisiológicos, metabólicos e anatômicos, com repercussões emocionais e sociais.

Para Porto et al (2002), a obesidade é resultado de um longo processo de ganho energético, envolvendo, como fatores predisponentes, questões genéticas e ambientais: social, cultural, nutricional, tabagismo, etilismo e atividade física3.

“A obesidade é uma doença de difícil controle, com altos percentuais de insucessos terapêuticos e de recidivas, podendo apresentar sérias repercussões orgânicas e psico-sociais, especialmente nas formas mais graves” (BERNARDI; CICHELERO; VITOLO, 2005).

Essa patologia está presente em todas as classes sociais de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nos países latino-americanos o problema se mostra mais freqüente que a desnutrição (COUTINHO, 1999).

No Brasil ainda há indícios relevantes de desnutrição entre as crianças de baixa renda, mas o índice de obesidade vem crescendo rapidamente em todas as faixas etárias e classes sócio-econômicas, demonstrando a transição nutricional, em nosso país, da 3 Sobre esse assunto sugerimos os trabalhos de Pinheiro, Freitas, Corso (2004) e Marques-Lopes et al (2004).

(24)

desnutrição para a obesidade. Esses dados mostram a importância da implantação de medidas de promoção e prevenção de doenças crônicas com ênfase na educação nutricional da população (MONDINI, 1996; MONTEIRO, 2000; MENDONÇA; ANJOS, 2004).

A obesidade acarreta aumento dos riscos de ocorrência de doenças crônicas como dislipidemia, doenças articulares degenerativas, diabete melito, doenças cardio e cerebrovascular, neoplasias estrogênio-dependentes, neoplasia da vesícula biliar, entre outras. Pacientes obesos mórbidos tem esses riscos mais acentuados e apresentam 250% no aumento do risco de mortalidade em relação aos pacientes não-obesos (MANCINI, 2003).

Os índices de prevalência de obesidade mundial cresceram assustadoramente nos últimos vinte anos tornando-se um problema de saúde pública. Atualmente, o Brasil comporta 20% de obesos, dentre eles crianças, adolescentes e adultos. Os Estados Unidos possui 40% de obesos em sua população, sendo que 10% do total são obesos mórbidos. Para Arthur Garrido, médico cirurgião do Hospital das Clínicas de São Paulo e do Instituto Garrido, no Brasil existem mais obesos do que desnutridos nas favelas (DOLORES; BOCCIA, 2005).

Para Giampietro (2003), em 95% dos casos de obesidade ocorre a obesidade exógena ou nutricional que resulta do desequilíbrio entre a quantidade de alimento ingerido e o gasto calórico, levando ao acúmulo de tecido adiposo excessivo. Em apenas 5% dos casos ocorre a obesidade endógena provocada por disfunções internas como as metabólicas e genéticas. A obesidade também pode ser provocada por questões psicológicas, classificada em obesidade reativa ou de desenvolvimento. Na reativa a pessoa ingere maior quantidade de alimento diante de determinadas reações psicológicas e na de desenvolvimento se superalimenta em determinadas fases da vida.

A obesidade é dividida em dois grupos: ginecóide (acúmulo de gordura nos quadris) e andróide (acúmulo de gordura na região do tronco). Ambos trazem prejuízos para a

(25)

saúde geral do indivíduo, sendo que o primeiro compromete mais diretamente os membros inferiores (varizes e artroses) e o segundo traz sérios riscos cardiovasculares (LOLI, 1999).

Mancini (2003), ao analisar a questão da obesidade ou o excesso de peso, apresenta, por sua vez, outra classificação também em dois tipos: obesidade anatômica e obesidade etiológica. A primeira tipologia está relacionada com as características anatômicas do tecido gorduroso de acordo com a verificação do número de células adiposas baseado na quantidade de gordura corporal e no tamanho médio do adipócito. Aqui encontramos a obesidade hipercelular (aumento da quantidade de células adiposas) e a obesidade hipertrófica (aumento do tamanho das células adiposas sem ocasionar o aumento da quantidade). Está relacionada também com a distribuição da gordura corporal, sendo que essa avaliação auxilia no acompanhamento dos riscos de doenças ligadas a esse fator. A obesidade etiológica pode estar ligada a outros tipos de obesidade como a neuroendócrina e a hipotalâmica, síndrome de Cushing, hipotiroidismo, ovários policísticos e falta de hormônio do crescimento4.

Ainda segundo Mancini (2003), a obesidade pode estar relacionada a outros fatores, como ganho de peso induzido por medicamentos (agentes psicoativos: antipsicóticos como fenotiazinas e butirofenonas e antidepressivos tricíclicos) e hormônios (insulina e sulfoniluréias), sendo que o autor ressalta que o uso de algumas dessas substâncias tópicas não é determinante para o desenvolvimento da obesidade; cessação de tabagismo ocorrendo o ganho de peso em pacientes que param de fumar, tendo como causa a abstinência de nicotina; vida sedentária - com a tecnologia o homem tem gasto menos energia para executar várias tarefas da vida diária, ocasionando acúmulo de gordura corporal; alimentação – deve haver um equilíbrio entre a quantidade ingerida e o gasto energético, bem como uma composição alimentar variada; fatores psicológicos e sociais, não há um perfil psicológico traçado do obeso; fatores étnicos e sociais: na população brasileira a obesidade é mais incipiente nas 4 Para maior aprofundamento nas questões relativas à classificação da obesidade indicamos o trabalho de Coutinho (1998).

(26)

classes mais favorecidas e entre os indígenas que abandonaram os hábitos próprios de sua cultura; doenças congênitas e genéticas: 1) os genes e as anormalidades cromossômicas podem se tornar o fator primário no desenvolvimento da obesidade; 2) fatores ambientais associados a doenças congênitas podem também levar à obesidade.

Malheiros e Freitas Júnior (2003) assinalam outros fatores relacionados à obesidade: demográficos (idade: a obesidade ocorre mais na faixa etária de 50-60 anos e entre crianças e adolescentes; sexo: mais casos de obesidade entre as mulheres em comparação aos homens, explicado pela sua maior porcentagem de gordura; raça: a obesidade está mais presente entre mulheres brancas em comparação a mulheres negras); socioculturais (renda familiar e escolaridade: a obesidade é mais freqüente em famílias com renda familiar e escolaridade inferiores, e a obesidade infantil se faz mais presente nas famílias com renda mais alta; estado civil: os casais engordam após o casamento, especialmente os homens); biológicos (paridade: a gravidez aumenta as chances de ocorrência de obesidade; genética: os fatores genéticos são responsáveis pelo desenvolvimento da obesidade e das comorbidades à ela associadas); e comportamentais ou ambientais (tabagismo: com o tabagismo há a diminuição do peso e com a sua supressão o ganho ponderal; etilismo: uso de bebida alcoólica pode elevar o peso; dieta: dietas pobres em vegetais e ricas em gordura aumentam a chance de obesidade; atividade física e sedentarismo: pessoas inativas tem maior peso que aqueles que praticam algum tipo de atividade física).

A obesidade não deve ser tratada apenas como um problema nutricional e antropométrico para que não ocorram erros de indicação de tratamentos preocupados apenas com a prescrição de dietas de baixo teor calórico e prática de exercícios (CARVALHO; MARTINS, 2004). Além disso, “as pesquisas médicas estão avançando cada vez mais, proporcionando aos profissionais de saúde melhores condições no manejo preventivo e terapêutico da obesidade” (SILVA; SILVA, [s.d.], p.5).

(27)

Na população brasileira, especificamente nas regiões nordeste e sudeste, mais de 50% das mulheres na faixa etária entre 40 e 79 anos apresentam sobrepeso (IMC>25), demonstrando maior índice de sobrepeso e obesidade em relação aos homens (ABRANTES; LAMOUNIER; COLOSIMO, 2003).

O aumento da obesidade entre as mulheres brasileiras tem sido observado até mesmo pela mídia internacional, sendo que em recente artigo publicado no jornal New York Times o jornalista americano Larry Rother ressaltou que “[...] pelas areias cariocas, famosas por concentrar a maior quantidade de corpos perfeitos por metro quadrado, agora desfilam gordinhas com graus variados de celulite” (DOLORES; BOCCIA, 2005).

Porto et al (2002) puderam acompanhar de perto essa discrepância da prevalência da obesidade entre mulheres ao realizar uma pesquisa durante oito anos num hospital universitário de Salvador, Bahia, especificamente num ambulatório de obesidade. Sua população foi constituída por 316 obesos, grau III (mórbidos), sendo que 91% eram mulheres. Ao investigar os possíveis motivos desencadeadores da obesidade, observou-se que 81,6% associaram como causas: ansiedade (21,1%), excesso alimentar (12,9%), uso de anticoncepcional (10%) e outras medicações (4%), hereditariedade (9,6%), gestações (11,5%), casamento (8,5%), cirurgia (8,5%) e motivos diversos (16,4%). O restante dos pacientes (14,8%) não consegue atribuir motivos para sua obesidade. Quanto ao início da obesidade, 36% eram obesos desde a infância, 14% desenvolveram na puberdade, 33% após várias gestações e 17% em várias etapas da vida. No histórico familiar observou-se a preponderância de mãe (55%) e/ou irmão obeso (56%) em contraste com pai obeso (22,6%).

Assim como vimos listado em 2º lugar pelos obesos da pesquisa realizada, há a idéia corrente de que a gênese da obesidade está centrada na ingestão de uma quantidade excessiva de alimentos cujo gasto energético do indivíduo não consegue metabolizar. Porém, recentes estudos têm apontado a questão de que o obeso ingere alimentos com maior teor de

(28)

gordura em comparação com indivíduos com peso ideal. Associada à gordura está a ingestão excessiva de açúcares e álcool. Outro fator importante no desenvolvimento da obesidade é o hábito alimentar do indivíduo. Pessoas que se alimentam de forma compulsiva têm mais chance de desenvolverem obesidade. O comer compulsivo está ligado a fatores psicológicos e/ou neuroendócrinos. A fisiopatologia da obesidade inclui como fatores predisponentes para o desenvolvimento do quadro: ingerir comida em maior quantidade (especialmente a gordura), queimar menos calorias, produzir gorduras mais facilmente, oxidar menos gorduras (HALPERN, 2003).

O Índice de Massa Corporal (IMC), calculado através da divisão entre o peso e o quadrado da altura (em m), é o critério mais utilizado para o diagnóstico e a classificação da obesidade, assim como os fatores de risco associados a essa patologia (diagnóstico quantitativo). Este índice é adotado pela Organização Mundial da Saúde para normatização do peso da população.

Tabela 1 - Classificação de peso de acordo com o IMC e o risco de comorbidez em adultos

Classificação IMC (Kg/m²) Risco de comorbidez

Baixo peso <18,5 Baixo

Normal 18,5 – 24,9 Baixo

Sobrepeso 25,0 – 29,9 Aumentado

Obesidade grau I 30,0 – 34,9 Moderado

Obesidade grau II 35,0 – 39,9 Grave

Obesidade grau III (mórbida) >40,0 Muito grave

Fonte: COUTINHO; BENCHIMOL, 2003.

A utilização do IMC como indicador do estado nutricional de adultos tem sido amplamente debatida, principalmente quanto à sua utilização na avaliação de sobrepeso e de obesidade.

(29)

“As críticas estão baseadas no fato de esse índice não distinguir a massa magra do tecido adiposo. É importante que os valores de IMC se correlacionem com outras medidas, como percentual de gordura corporal, dobras cutâneas e perímetros” (GUGELMIN; SANTOS, 2006).

Mancini (2003, p. 2) contesta as críticas ao uso do IMC, argumentando que “o IMC tem cálculo simples e rápido, apresentando boa relação com a adiposidade corporal”. Diante do fato de o cálculo não considerar a distribuição de gordura corpórea, existem outros métodos que podem ser utilizados para mensurar essa gordura (diagnóstico qualitativo): relação cintura-quadril, medida do maior perímetro abdominal entre a última costela e a crista ilíaca, absorpciometria dual de raios X (DXA), ultra-sonografia, tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética5.

Nessa mesma linha de raciocínio, Vieira et al (2006) afirmam que “[...] em face da dificuldade de se utilizarem métodos mais sofisticados para medir gordura corporal em estudos epidemiológicos, o IMC continua sendo uma alternativa viável”.

O IBGE aponta dados importantes sobre a obesidade em nosso país: 40% da população adulta apresentam problemas com a balança e o assunto “ganho de peso” vem se tornando problema de saúde pública. Num quadro ilustrativo da revista Saúde! é Vital (DOLORES; BOCCIA, 2005), obtido através da Organização Mundial da Saúde (OMS), observa-se que em 1995, 200 milhões de pessoas no mundo eram obesas, saltando para 300 milhões em 2000. Na década de 1980 a presença da obesidade nos Estados Unidos era de 15% da população, contra 8% na Inglaterra e 5% no Brasil. Em 2000 os números saltam para 25% nos Estados Unidos, 15% na Inglaterra e 10% no Brasil. A previsão é de que em 2030 os EUA apresentem 70% de obesos, a Inglaterra 50% e o Brasil 30%.

(30)

A evolução dos costumes dos povos, principalmente ocidentais, tem trazido graves conseqüências ao hábito alimentar, em contraposição aos hábitos dos povos orientais, que vêem na refeição, não apenas um ato alimentar, mas um verdadeiro ritual, com cunho místico e profundo (MEZOMO, 2006, p. 7).

Fica a dúvida: o que as populações estão ingerindo para que seu peso aumente consideravelmente década após década? Na pesquisa desenvolvida pelo Latin Panel, empresa especializada em painéis de mercado, os brasileiros mostram possuir hábitos alimentares inadequados, sendo este fato evidenciado a partir do momento em que efetuam as compras no supermercado. A pesquisa refere que, geralmente, os obesos adquirem mais produtos de alto valor calórico e gorduroso em comparação com as pessoas com peso ideal como: +32% de molhos, +14% de farinha de trigo, +19% de refrigerantes, +15% de óleos, +21% de creme de leite, +19% de leite condensado, +6% de margarina e 5% de ketchup. Quanto aos costumes, os brasileiros evidenciam hábitos que levam ao aumento de peso: 55% repetem a comida, 41% assistem à televisão enquanto almoçam, 55% assistem à televisão enquanto jantam, 22% fazem mais comida do que conseguem consumir, 86% não se preocupam em ler os rótulos dos produtos e 81% consomem líquido durante as refeições (DOLORES; BOCCIA, 2005).

Como vimos, a obesidade cresceu assustadoramente entre a população adulta, mas as pesquisas também apontam o seu crescimento entre as faixas etárias inferiores:

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a obesidade infanto-juvenil cresceu 240% em 20 anos. A projeção para o futuro é alarmante. Previsões de especialistas indicam que dentro de cinco anos as crianças com excesso de peso serão dois terços da população infantil no Brasil, se os problemas que levam à obesidade não forem enfrentados pelos pais e pelas autoridades sanitárias (CASSI, 2006, p. 10).

Dentre os fatores desencadeadores da obesidade infantil estão o sedentarismo e os hábitos alimentares inadequados com o aumento do consumo de produtos industrializados (CASSI, 2006).

(31)

Portanto, há necessidade de prevenção da obesidade desde a tenra idade, pois é comprovado que quanto mais tempo o indivíduo permanecer obeso, maiores serão as chances de complicações de saúde. Os pais exercem papel decisivo na construção dos hábitos alimentares de seus filhos e na forma como se relacionam com o alimento. Sabe-se que se os pais não modificarem seus padrões alimentares em conjunto com os filhos, é previsto o insucesso no tratamento da obesidade infantil (MELLO; LUFT; MEYER, 2004).

Vivenciamos uma realidade baseada, cada vez mais, na valorização do consumismo. Homens, mulheres e crianças têm buscado sentido existencial através da aquisição de produtos cobiçados pela maioria da população, seja o DVD, a TV de última geração, o videogame recentemente lançado e a crescente oferta de alimentos altamente calóricos e atrativos. Porém, percebemos que mesmo após conseguirem adquirir seus “sonhos” caem novamente na insatisfação por desejarem outra coisa. No senso comum ouvimos frequentemente as pessoas dizerem que, quando estão angustiadas, é só irem fazer compras que melhoram. É como se pudéssemos fazer uma barganha com nossos sentimentos, com nosso mundo interno. No lugar de um “buraco” (frustração, angústia ou medo) colocamos um tampão externo. O contato com o “eu” fica externalizado, ocasionando uma dificuldade enorme das pessoas entrarem em contato com elas mesmas ou ter o autoconhecimento. Parece que assistimos ao mundo da superficialidade. As pessoas já não mais se visitam, já não mais se olham como há algumas décadas. Isso não significa que privilegiamos o passado, mas vemos perdas consideráveis no campo dos relacionamentos ocorrendo certo distanciamento entre as pessoas.

Com a comida o processo não parece ser diferente. No caso das famílias, muitas vezes os pais, ao invés de trabalharem com seus filhos as várias fontes de prazer oferecidas pelo ambiente (casa, escola, amizades, família), acabam supervalorizando a comida. Se vão passear ou se reúnem com amigos, o alimento é o primeiro a ser lembrado e festejado. Assim,

(32)

não fortalecem e tampouco propiciam, por exemplo, momentos os quais todos possam conversar sem a interrupção da televisão criando um ambiente harmonioso e de intimidade. O pai ao demonstrar algum desagrado verbal com o filho tenta, muitas vezes, recompensá-lo com o alimento dando-lhe comida como o atenuante de sua culpa. A mãe por passar o dia todo fora pode compensar a sua culpa pela ausência em casa trazendo uma caixa de bombons. É mister analisar o quanto o alimento assume o lugar do afeto. Essa postura cultural da família pode facilitar o surgimento e a manutenção da obesidade pelo fato de o alimento assumir o papel de única fonte de prazer. A presença de hábitos inadequados, tais como comer na frente da TV e não conversar durante as refeições, também pode favorecer o ganho exagerado de peso.

Algumas características de famílias de obesos, segundo Fisberg (1995):

• possuem dificuldades em dizer não para os filhos quando o assunto é alimentação por temerem que passem fome, por desejarem dar-lhes o que não tiveram na infância, por acreditarem que filhos magros possam parecer doentes e por medo de punição por negarem comida aos filhos ou serem acusados disso. O fato de não dar a quantidade de comida que o filho pede pode despertar nos pais sentimentos de culpa, de que os filhos não gostam deles e que estão negando afeto;

• presença do desejo de suprir a ausência da mãe, em função do trabalho ou de outros compromissos, através do alimento que assume a função de gratificação;

• temor dos pais sentirem-se rejeitados pelos filhos, caso cobrem demais a mudança de hábitos;

(33)

• a alternância de o adolescente ao mesmo tempo desejar e não desejar a perda de peso, representando o temor de que emagrecendo perderá a força e o poder que a gordura traz simbolicamente.

1.1.1 Obesidade mórbida e tratamento cirúrgico

O tratamento da obesidade, no processo de emagrecimento e no período de manutenção, exige das pessoas a modificação de vários aspectos comportamentais e de estilo de vida o que, muitas vezes, acaba não ocorrendo; é quando este processo resulta em fracassos e desistências. Especificamente no caso dos obesos mórbidos, os resultados com tratamentos convencionais são pequenos e a cirurgia mórbida tem sido um recurso utilizado de forma crescente (GIAMPIETRO, 2003).

Na década de 50 tem início o tratamento cirúrgico da obesidade com o avanço progressivo das técnicas. O termo cirurgia bariátrica distingue os procedimentos realizados no aparelho digestivo para tratamento da obesidade com a finalidade de redução de peso. Reduz o reservatório gástrico e/ou a absorção intestinal.

“A cirurgia visa provocar a menor ingestão e/ou absorção de alimentos, levando à conseqüente diminuição do peso. A cirurgia é apenas uma técnica para diminuição do peso e não a cura das causas primeiras da obesidade mórbida” (SANTOS, 2005, p. 29)6.

A procura pela cirurgia tem forte influência pelos relatos dos sucessos alcançados por muitos pacientes e também pelo fato de muitas pessoas encararem a cirurgia como a salvação para os seus problemas. Através de uma visão mágica depositam na cirurgia bariátrica algumas expectativas que extrapolam o que realmente alcançarão de resultados, a

(34)

começar pela frustração quando se deparam com o fato de que tem que se esforçar muito para conseguir emagrecer. Em função dessa segunda questão, inúmeras pessoas com sobrepeso ou graus moderados de obesidade que não possuem indicação para a cirurgia procuram os consultórios médicos em busca de tal procedimento. Cabe aos cirurgiões o bom senso na indicação da cirurgia para esses casos, pois seria desnecessário submetê-los a riscos e inconvenientes diante do fato de não haver razões médicas graves (NASSER; ELIAS, 2003).

Algo observado nos últimos tempos é que muitos pacientes, com IMC entre 20-30 kg/m², que almejam a cirurgia bariátrica e não se encaixam nos critérios de seleção se submetem às dietas extremamente calóricas até atingirem o IMC exigido (SANTOS, 2005). Geralmente, esses indivíduos conseguem, num pequeno espaço de tempo, atingir o peso necessário para a realização da cirurgia. A proposta vendida à população sobre os vários tipos de cirurgias faz com que essas pessoas e várias outras construam uma imagem idealizada dos resultados que obterão com o procedimento cirúrgico e torna-se extremamente frustrante receber a notícia que não poderão realizar o que esperam. Mais uma vez lutarão para adquirir de forma mercantil um produto sem a observância dos malefícios ocasionados ao organismo. Podemos culpabilizar as pessoas por tal atitude ou deveríamos pensar melhor na forma como as cirurgias estão sendo “vendidas”?

A partir de 1999 o Ministério da Saúde7 inclui a cirurgia bariátrica como mais um

procedimentos do SUS oferecido à população e institui os seguintes critérios para a realização do procedimento cirúrgico:

a)paciente portador de obesidade de grandes proporções, de duração superior a 02 (dois) anos, com IMC superior a 40 kg/m² e resistente aos tratamentos conservadores (dietoterapêuticos, psicoterapêuticos, medicamentosos, por exercícios físicos) realizados, continuamente, há pelo menos 02 (dois) anos;

(35)

b)pacientes obesos com IMC superior a 35 kg/m², portadores de doença crônica associada (diabetes, hipertensão, artropatias, hérnias de disco, apnéia do sono) cuja situação clínica é agravada pelo quadro de obesidade;

c)exclusão de pacientes que possuem algumas doenças: patologias endócrinas específicas; transtorno mental, adicção a drogas ou álcool, outros transtornos; condições físico-clínicas que contra-indiquem cirurgias de grande porte (cirrose hepática, cardiopatias, pneumopatias, insuficiência renal crônica e outras). O Conselho Federal de Medicina, considerando os critérios do Ministério da Saúde no protocolo mencionado, também elaborou uma normatização para a indicação do tratamento cirúrgico da obesidade grave8, conforme descreve:

• pacientes com IMC acima de 40 kg/m²;

• pacientes com IMC maior que 35 kg/m² e co-morbidades (doenças agravadas pela obesidade e que melhoram quando a mesma é tratada de forma eficaz) que ameaçam a vida, tais como diabetes, apnéia do sono, hipertensão arterial, dislipidemia, doença coronariana, osteo-artrites e outras;

• idade: maiores de 18 anos; idosos e jovens entre 16 e 18 anos podem ser operados, mas exigem precauções especiais e o custo/benefício deve ser muito bem analisado;

• obesidade estável há pelo menos cinco anos;

• pelo menos dois anos de tratamento clínico prévio, não eficaz; • ausência de drogas lícitas ou alcoolismo;

• ausência de quadros psicóticos ou demenciais graves ou moderados;

(36)

• compreensão, por parte do paciente e de seus familiares, dos riscos e mudanças de hábitos inerentes a uma cirurgia de grande porte e da necessidade de acompanhamento pós-operatório com a equipe multidisciplinar por toda a vida do paciente.

A cirurgia bariátrica tornou-se uma opção viável para pacientes que não conseguem reduzir o peso através de técnicas convencionais como atividade física, nutrição e medicamentos. O procedimento mostra-se eficaz em alguns casos, necessitando da avaliação prévia do paciente (FANDIÑO et al, 2004).

Oliveira, Linardi e Azevedo (2004) definem a cirurgia bariátrica ou de restrição gástrica como o meio mais eficaz para o tratamento de pacientes obesos mórbidos em longo prazo. Os critérios para a realização da cirurgia são os recomendados pelo Ministério da Saúde, tais como IMC>40 kg ou 35 kg com comorbidades associadas como hipertensão, diabetes, problemas osteoarticulares, apnéia do sono, ausência de doenças metabólicas ou endócrinas, pelo menos cinco anos de tratamentos convencionais.

As cirurgias bariátricas dividem-se em três tipos:

1) cirurgias restritivas: essa técnica restringe a quantidade de alimento mais sólido e pastoso ingerido pelo paciente e necessita da colaboração do paciente, caso contrário, ele poderá ingerir líquido calórico o que atrapalhará a redução de peso. Técnicas mais usadas: Balão Intragástrico, Cirurgia de Mason e Banda Gástrica Ajustável;

2) cirurgias disabsortivas: nessa técnica o paciente se alimenta, mas há a má absorção de nutrientes pela redução do estômago e desvio do intestino causando o emagrecimento de até 50% do peso inicial, sendo necessário o

(37)

acompanhamento da evolução de prováveis distúrbios metabólicos e elementos minerais e vitaminas. Técnica mais utilizada: Bypass Jejuno-Jejunal;

3) cirurgias mistas: essas técnicas misturam restrição e disabsorção em maior ou menor grau do intestino, dependendo da técnica e da extensão do intestino delgado eliminado do trânsito alimentar. Cirurgias mais empregadas: Fobi, Capella9, Wittgrove e Clark (com maior componente restritivo); Scopinaro,

Duodenal-Switch (com maior componente disabsortivo).

1.1.2 Avaliação pré e pós-cirúrgica

Há necessidade de avaliação pré e pós-cirúrgica de pacientes obesos mórbidos por mostrarem mais sintomas depressivos, ansiosos, alimentares e de personalidade. Tais sintomas podem ser desencadeados a partir da instalação de um quadro de obesidade e não o contrário, a psicopatologia desenvolver o excesso de peso (OLIVEIRA; LINARDI; AZEVEDO, 2004).

O objetivo da avaliação é o acompanhamento do seu funcionamento psicológico. Quanto aos pacientes obesos em geral, não se observa morbidade psiquiátrica. Porém, pacientes obesos grau III ou mórbidos tendem a apresentar transtorno de humor e transtorno de comportamento alimentar. Pacientes com histórico de depressão devem ser acompanhados mais de perto no pré e pós-cirúrgico para observação de nova ocorrência do transtorno. Outros transtornos psiquiátricos são freqüentemente observados em obesos grau III, como compulsão alimentar periódica - CAP (são episódios em que o paciente come, num intervalo de duas horas, uma quantidade de comida superior à sua capacidade de ingestão e possui a

(38)

sensação de perda de controle sobre o comportamento alimentar durante o episódio); transtorno de compulsão alimentar periódica - TCAP (o paciente persiste com os episódios de compulsão alimentar de forma contínua, geralmente duas vezes na semana durante seis meses, com a presença de sentimentos de perda de controle alimentar, não conseguindo dirigir seu comportamento para a perda de peso); bulimia nervosa; anorexia nervosa. Geralmente, a cirurgia bariátrica melhora o funcionamento psicológico do paciente e possui um bom prognóstico quanto aos transtornos psiquiátricos (FANDIÑO et al, 2004)10.

Para Oliveira, Linardi e Azevedo (2004), como é uma cirurgia de grande porte e pode trazer complicações, o paciente deve estar ciente de todos os riscos e ser acompanhado pelo psicólogo em todas as etapas. No pós-operatório há a emergência de questões emocionais diante das mudanças alimentares e da imagem corporal e o apoio psicológico se faz imprescindível para que o paciente se sinta responsável pelo seu tratamento, criando uma nova identidade. A maioria das pessoas que se submetem a uma cirurgia bariátrica sofrem alterações emocionais que podem ter auxiliado no desenvolvimento e na manutenção da obesidade ou ela própria pode ocasionar o surgimento de questões emocionais sentidas de forma desconfortável. O papel do psicólogo é avaliar a preparação emocional do paciente, bem como auxiliá-lo na reflexão dos fatores presentes no pré e pós-cirúrgico. O acompanhamento psicológico favorecerá o planejamento de sua vida, de forma consciente, a partir das mudanças ocorridas no pós-cirúrgico.

Do ponto de vista clínico, a cirurgia deve ser contra-indicada em caso de pneumonias graves, insuficiência renal, lesão acentuada no miocárdio e cirrose hepática. Não há consenso quanto às contra-indicações psiquiátricas para a cirurgia bariátrica. Indica-se bom senso clínico na avaliação pré e pós-cirúrgica para que, caso seja detectado um transtorno

10 Para análise da problematização do funcionamento psicológico e dos transtornos psiquiátricos apresentados pelo paciente obeso mórbido ler os trabalhos de Coutinho e Póvoa (1998); Matos (2002); Vasques, Martins e Azevedo (2004); Azevedo, Santos e Fonseca (2004); Segal e Fandiño (2005).

(39)

psiquiátrico, o paciente passe por tratamento especializado e tenha êxito na cirurgia (FANDIÑO et al, 2004; OLIVEIRA; LINARDI; AZEVEDO, 2004).

Nunes (1998 apud OLIVEIRA; LINARDI; AZEVEDO, 2004) aponta a necessidade de verificação da fase de desenvolvimento em que o obeso mórbido iniciou seu quadro de obesidade, pois estudos demonstram que pessoas magras que se tornaram obesas terão mais facilidade no pós-operatório de cirurgia bariátrica para recuperarem e se adaptarem a uma nova auto-imagem em comparação com pessoas que são obesas desde a infância.

Existem muitos estudos sobre a etiologia da obesidade e poucas pesquisas sobre a obesidade mórbida. Este quadro tem por agravante o fato de essas pesquisas ficarem restritas às cirurgias bariátricas (PORTO et al, 2002).

Em conclusão: nos obesos mórbidos, fatores hereditários, nutricionais e ambientais contribuem para o desencadeamento da obesidade. Alguns fatores parecem ter maior importância que outros, como a história familiar e o início da obesidade. Sabe-se que a obesidade classe III é uma doença de difícil tratamento clínico pela necessidade de continuidade das mudanças comportamentais e de hábitos de vida a longo prazo. A elevada freqüência de fatores de risco cardiovascular, mesmo em indivíduos jovens, pode contribuir para uma morbi-mortalidade precoce deste grupo (PORTO et al, 2002).

1.2 Visão sócio-histórica da obesidade

É possível constatar a presença da obesidade desde o período Paleolítico (20.000 até 30.000 a.C.) através de esculturas como a da Vênus de Wilendorf representada por uma mulher gorda com cintura larga e fartos seios. Os historiadores falam sobre o simbolismo da imagem. Para alguns desses estudiosos paira a incerteza em relação à correspondência entre o imaginário e o desempenho real da mulher da época. Essa imagem de mulher poderia estar simbolizando o contexto histórico da necessidade de abundância e de fertilidade de uma época

(40)

marcada pela fome e pela escassez de alimentos. Avançando na história, há indícios, por outro lado, da busca pelo emagrecimento datada de 400 a 300 a.C., quando o filósofo Hipócrates já indicava exercícios e dietas para a aquisição de um corpo saudável (LOLI, 1999).

Um grupo de historiadores britânicos descobriu que monges beneditinos da Idade Média criaram uma poção sagrada contra a obesidade há 845 anos. Essa descoberta aconteceu em um monastério do século XII em Edimburgo, na Escócia. Trata-se de uma erva amarga (Lathyrus linifolius) que quando ingerida pelos obesos lhes causava mal estar e não permitia que se alimentassem por vários dias. Conseqüentemente, havia perda de peso. Atualmente, cientistas ingleses manifestam interesse em industrializar a erva sob a forma de pastilhas com o objetivo de supressão da sensação de apetite (ANSA, 2005).

Mesmo com a constatação da presença da obesidade ao longo da história, salientamos que há indícios de que o homem se relacionava com o próprio corpo de forma diferente da que presenciamos no século XXI.

Constatamos que as sociedades e as culturas agem sobre o corpo determinando-o. A partir daí, surgem modelos: padrões de beleza, de sensualidade, de saúde que oferecem aos indivíduos moldes para se constituírem como homens e mulheres.

Para Rodrigues (1999), na Idade Média o homem possuía uma relação com o corpo baseada na unicidade matéria-espírito. Neste sentido, a morte era vivenciada como motivo de festa por todos, por possibilitar a continuidade da vida dos indivíduos que seriam levados para um “lugar” sem sofrimentos. Os corpos sem vida, às vezes já em estado de decomposição, continuavam participando com os “corpos vivos” de momentos cotidianos nas aldeias até que achassem necessário enterrá-los nas valas comuns situadas nos fundos nas igrejas. A idéia da vala comum mostra que o homem ainda não tinha a noção de propriedade

(41)

de seu corpo como é evidenciado no capitalismo. O corpo medieval era social, cósmico e universal, não havendo a noção de corpo individual.

Assim como os homens comuns dessa época, que se ocupavam de festejar todos os fatos vivenciados na coletividade com orgias, rituais de dança e risos, a igreja também se prestou a compartilhar desses momentos; exemplo disso era a iniciação do clero nos prostíbulos. Rodrigues (1999) cita que a igreja assim fazia para trazer para perto de si os fiéis.

Chega o momento em que a igreja institui o contraditório numa sociedade em que as noções de vida e morte, por exemplo, possuíam um caráter lúdico e carnavalesco e várias questões cotidianas passam a ser sentidas e percebidas pela população em geral como antagônicas, sendo gerada gradualmente a noção de dicotomia mente e corpo, subjetivo e objetivo, natural e sobrenatural. Com a criação das noções de céu e inferno e da balança pela igreja, começam a surgir angústias quanto ao fim da vida e a necessidade de burlarem a morte para alcançarem a vida eterna. Esta última questão foi uma das responsáveis para que os homens do Renascimento acreditassem que deveriam se preparar para o incerto (a morte). Nos séculos XVII e XVIII surge a preocupação com o saneamento básico expressando a idéia de erradicação de riscos para o prolongamento da vida.

Ao longo do tempo, foram se concretizando questionamentos sobre o fim da vida e a vida eterna, reforçando a valorização da vida terrena, fato observado inicialmente nas camadas mais abastadas e, posteriormente, conquistando a população em geral (PARZEWSKI; SILVEIRA; BERTANI, 2005, p. 86).

Diante do panorama evidenciado na Idade Média, não houve incremento na alimentação pela prática de apanha de plantas silvestres em épocas de penúria vivenciadas nos séculos IX ao XII e outras práticas comuns da época como consumo precário de verduras, a criação de animais fora dos padrões de consumo, a caça bem menos abundante que em épocas anteriores. Os pobres alimentavam-se essencialmente de cereais, leite, queijo e ovos em

(42)

quantidades pequenas. A partir do século XVI há o aperfeiçoamento da agricultura com o conseqüente abandono da apanha de plantas silvestres e melhora na alimentação com a inserção de novos produtos alimentares.

Na modernidade culmina o processo de separação entre a natureza e o ser humano, observando-se o surgimento de um novo interesse pelo corpo, especialmente o corpo que se mostra em público. Este pode ser dominado e sujeitado, assim como a natureza. Ocorre a transformação do ser humano em objeto do conhecimento, através do interesse pelo corpo físico e social11.

A preocupação com o corpo fez surgir, além de toda a preocupação com o prolongamento da vida pela erradicação de doenças e melhora da qualidade de vida da população, todo um interesse nos alimentos que poderiam trazer mais saúde. Com isso, o século XIX experimenta grandes avanços tecnológicos na agricultura e na indústria acarretando a entrada de diversos produtos alimentícios. Com as pesquisas científicas, especialmente na segunda metade do século, houve o incremento da ciência ao se descobrir, por exemplo, que através do estudo dos micróbios por Pasteur (1850) era possível efetuar a fermentação de vários alimentos na fabricação de vinho, cerveja, manteiga, queijo e leite. Ainda na segunda metade do século, foi possível o avanço nas áreas de criação de plantas e de gado através das descobertas da química por agrônomos alemães, ingleses e franceses. No final do século (1878), torna-se possível conservar e armazenar industrialmente os alimentos com a descoberta de Cailletait sobre a liquefação dos gases. A produção agrícola não é mais produzida pelo próprio agricultor como antigamente, há a presença maciça de maquinários, o emprego de adubos químicos, de irrigação e drenagem e a alimentação racional do grupo com produtos industrializados (MEZOMO, 2006).

(43)

O filósofo Descartes (CARVALHO; MARTINS, 2004), cujo pensamento constitui o alicerce conceitual da moderna medicina científica, inaugura o determinismo clássico-formal que influenciará a ciência na construção de regras universais de cálculos e medidas em que a essência das coisas ou dos homens está fora dele e pode ser controlada.

(44)

A partir do século XVIII, a perda com a vinculação à alma é compensada pela dinamicidade proveniente da força mecânica que é atribuída ao próprio corpo. A imagem corporal forjada é coerente com a profunda transformação social que se operava: o individualismo, como expressão ideológica do capitalismo industrial. Reforçar a individualidade humana, percebendo de forma mecânica o funcionamento corporal e cortando os vínculos com a percepção da alma como fonte energética, leva por fim a enfatizar o individualismo das partes do corpo e das partes constituintes da sociedade (PARZEWSKI; SILVEIRA; BERTANI, 2005, p. 89).

Sob influência do paradigma cartesiano o corpo humano é visto como uma máquina que pode ser analisada em termos de suas peças. A doença é vista como um mau funcionamento dos mecanismos biológicos, que são estudados do ponto de vista da biologia celular e molecular, sendo o papel do médico intervir, física ou quimicamente, para consertar o defeito no funcionamento de um específico mecanismo enguiçado (CAPRA, 2004).

Através de uma abordagem cada vez mais reducionista, despreza-se a interdependência corpo-mente e aprofunda-se no estudo dos órgãos corporais e suas funções. Nessa perspectiva, a saúde é considerada a ausência de doença no organismo. Ter saúde significaria não possuir qualquer doença ou enfermidade e estar em harmonia com o meio e consigo mesmo. Com a inclusão do “estado de bem-estar” no século XX, pela Organização Mundial da Saúde, há o resgate da possibilidade de promoção da saúde com o incremento de ações sanitaristas e da tecnologia. O modelo de saúde deve ser biopsicossocial incluindo a inter-relação entre fatores fisiológicos, psíquicos e sociais na determinação da saúde do indivíduo e da sociedade, baseado numa concepção holística.

A visão dicotômica de corpo tira do indivíduo a idéia da interdependência do físico e dos demais componentes constituintes de sua individualidade (psicológico, social e ambiental). A sua “alma”, diferente do que vimos na Idade Média, já não é mais uma fonte energética, perdurando a visão inaugurada por Descartes de que se algo está errado no corpo é necessário restabelecer a ordem, corrigindo a disfunção, sem levar em conta os vários fatores envolvidos nessa disfunção ou no seu restabelecimento. Na melhora da saúde geral desse

Referências

Documentos relacionados

The tests performed on the frames with masonry in- fill walls led to severe local damage (shearing-off by.. the infill panels) of a few columns (top part) with lateral dislocations

Há de se considerar que os números mostrados pelo Instituto Europeu de Igualdade de Género (EIGE) mostram que a maioria dos domínios ainda são maioritariamente dominados pelos homens.

4.3 ENUNCIAÇÃO E ENCENAÇÃO Esse outro lugar da fala cria a possibilidade de um agenciamento político do sujeito, e de redefinição de lugares políticos, que pode reelaborar

Qual o maior problema de saúde pública: a obesidade mórbida Qual o maior problema de saúde pública: a obesidade mórbida Qual o maior problema de saúde pública: a obesidade

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

INTRODUÇÃO: Os pacientes portadores de obesidade mórbida submetidos a tratamento cirúrgico para obesidade através de cirurgias desabsortivas- restritivas, após considerável perda

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

No Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil, a partir do ano de 2001, o tratamento cirúrgico para obesidade mórbida foi implantado e a SBCBM, no Brasil,