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Mulheres cuidadoras, mulheres professoras : história, memória e formação profissional na Creche Área de Saúde da Unicamp

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Academic year: 2021

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CARLA DE OLIVEIRA

MULHERES CUIDADORAS, MULHERES PROFESSORAS: HISTÓRIA, MEMÓRIA E FORMAÇÃO PROFISSIONAL NA CRECHE ÁREA DE SAÚDE DA

UNICAMP

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iv  

    Universidade Estadual de CampinasFicha catalográfica

Biblioteca da Faculdade de Educação Rosemary Passos - CRB 8/5751

Oliveira, Carla de,

OL4m OliMulheres cuidadoras, mulheres professoras : história, memória e formação profissional na Creche Área de Saúde da Unicamp / Carla de Oliveira. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

OliOrientador: Maria do Carmo Martins.

OliDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

Oli1. Educação infantil. 2. Memória. 3. Formação profissional. I. Martins, Maria do Carmo,1964-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Caregivers women's, teachers women's : history, memory and vocational training in Creche Área de Saúde da Unicamp

Palavras-chave em inglês: Early Childhood Education Memory

Vocational training

Área de concentração: Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte Titulação: Mestra em Educação

Banca examinadora:

Maria do Carmo Martins [Orientador] Adriana Missae Momma-Bardela Rúbia Cristina Cruz Menegaço Data de defesa: 27-11-2014

Programa de Pós-Graduação: Educação

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Resumo

A Educação Infantil vem consolidando-se como campo de pesquisa tanto no que se refere às práticas pedagógicas, quanto no processo de formação profissional para atuação nesta área, que, a partir de 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (9.394/96), passa a constituir a primeira etapa da Educação básica nacional. Sobre este segundo tópico (formação profissional) foi que a presente dissertação de mestrado pretendeu abordar e contribuir para o campo de pesquisa a partir da discussão da temática. O texto em questão fundamentou-se no trabalho com as histórias de vida, e valeu-se do conceito de memória como categoria de análise, relacionando assim, história e memória na construção de uma “pequena” história da Educação Infantil. Tomou para isso, como pano de fundo, uma creche fundada em 1990, dentro da Universidade Estadual de Campinas, cujas protagonistas do trabalho foram mulheres que ingressaram na instituição desde o início de seu funcionamento, e que continuam no mesmo local, exercendo hoje, a profissão regulamentada de professoras, com formação em nível superior, realidade muito diferente da que conheceram há 24 anos, quando eram ainda denominadas “recreacionistas”. A pesquisa, além de possibilitar um resgate histórico sobre a criação da instituição creche no país, apontou em grande medida, para a problematização no que tange à formação profissional. Afinal de contas, o curso de Pedagogia, hoje indicado como curso superior para atuar nesta etapa de ensino, prepara para atuação com crianças de 0 a 3 anos? Longe de buscar uma resposta única para a questão, as memórias aqui narradas apontaram para a formação em contexto como possibilidade de repensar antigas práticas e reinventar a atuação do profissional que lida com uma faixa etária repleta de especificidades.

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Abstract

Early Childhood Education has been consolidated as a field of research both in regard to teaching practices, and in the process of vocational training for work in this area, which, from 1996, with the promulgation of the Lei de Diretrizes e Bases (9394 / 96), becomes the first stage of the national Basic Education. On this second topic (vocational training) was that this dissertation master's degree intended to contribute to the search field from the discussion of the theme. The text in question was based on the work with the stories of life, and he took advantage of the concept of memory as a category of analysis, thus linking history and memory in the construction of a "small" history of early childhood education. For this, as a backdrop, a creche founded in 1990, inside the Universidade Estadual of Campinas, whose protagonists were working women who entered the institution since the beginning of its operation, and keep on in the same place, acting today, regulated profession of teachers, graduated in higher education, very different from that experience they had 24 years ago, when they were still called "recreationists". The research, in addition to enabling a historical review of daycare institution in the country, noted largely for questioning in relation to vocational training. After all, the pedagogy course, nowadays considered higher education to work in this stage of education, prepares for action with children 0-3 years? Far from seeking a single answer to the question, memories recounted here pointed to the vocational training in context to rethink old practices and reinvent the acting of the professional who handles with a so specific age group.

 

Keywords: Early Childhood Education, memory, vocational training.

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Sumário Resumo...vii Abstract...ix Sumário...xi Agradecimentos...xv Relação de Figuras...xvii Relação de Siglas...xix Introdução...1

A Creche Área de Saúde: o início da história e antecedentes teóricos...3

Memória e história de vida...8

A formação profissional e em contexto...12

Os documentos...13

As professoras e suas memórias: o trabalho com as entrevistas...14

Objetos biográficos...18

Capítulo I: O surgimento da creche como instituição social: a Creche Área de Saúde e sua herança histórica...21

As creches no Brasil...21

A década de 1980: o Estado de São Paulo e a redemocratização da sociedade...26

O Cantinho da Física na UNICAMP...38

A Creche Área de Saúde...42

Século XX e as trabalhadoras das creches...45

Capitulo II: Mulheres cuidadoras e suas memórias. A creche na década de 1990...51

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Treinamento X formação em contexto na creche: uma primeira

experiência...61

Início de funcionamento: a chegada das crianças...63

Capítulo III: Mulheres professoras e suas memórias. A profissionalização...75

O retorno aos estudos no início dos anos 2000...75

As novas professoras da creche...80

A formação em nível superior...84

Final dos anos 2000: mudanças no trabalho e reconhecimento do nível superior...93

A formação continuada e em contexto...98

Capítulo IV: Mulheres cuidadoras, mulheres professoras: a importância da formação continuada e da valorização da experiência...103

As mulheres da/na história...103

Experiência e pobreza...106

Tecendo fios entre experiência e formação...110

Bibliografia...119 Artigos de Jornal...119 Fontes e Documentos...119 Fotografias...121 Livros e Artigos...121 Anexos...127

Anexo I: Roteiro de questões para as entrevistas...127

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                                            À minha tia Silvana, que infelizmente hoje está somente em minha memória, ou na história sobre ela, que é possível para mim, rememorar.

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Agradecimentos

O processo de formação que a pós-graduação me possibilitou não teria ocorrido da mesma maneira se não pudesse contar com muitas pessoas que de formas diferentes caminharam comigo. A todos e todas, meus sinceros agradecimentos.

Primeiramente, à professora Carminha, por todas as orientações, conversas, ensinamentos. Sobretudo por me ensinar que o caminho da pesquisa pode ser leve e apaixonante. Por toda sua humildade, paciência e comprometimento.

Aos meus queridos colegas do grupo: Priscila, Maurício, Giselle, Getúlio, Rayane e Carla. Obrigada pelas trocas intelectuais e afetivas. Pessoas tão diferentes de mim, mas que juntos, formamos um grupo de professores pesquisadores, com ideias comuns de uma educação melhor em nossos respectivos segmentos de trabalho.

Às professoras Bianca e Adriana, pela minuciosa leitura que fizeram em meu texto de qualificação e apontaram caminhos para o desenvolvimento e finalização da pesquisa.

À minha irmã Carolina, pelas leituras e pelas escutas; mais que isso, pelo caminhar de toda a vida.

Ao Henrique, que mesmo durante as dificuldades da vida a dois, sempre me incentivou a seguir em frente com os estudos.

Ao meu filho Vinícius, por me tirar da solidão da escrita e me levar para brincar e comer pastel com água de coco.

À minha avó e meu avô, por cuidarem do meu filho durante minhas ausências.

Ao meu cunhado Paulo, por todo “auxílio tecnológico”. Aos meus pais, Silvia e Carlos, pela vida.

Às minhas amigas professoras Karina, Sandra e Marcela, muito mais que colegas de trabalho, participaram cada qual a sua maneira, do processo de elaboração desta dissertação.

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À minha amiga professora Rosineide, pela ajuda na leitura, pelo compartilhar das fontes, e por todos os anos de trabalho que temos juntas, dividindo os mesmos desejos, angústias e alegrias na Educação Infantil.

Às professoras protagonistas deste trabalho, representadas aqui por seus nomes fictícios: Ana, Antonia, Eliana, Flor e Maria Queiróz. Obrigada por confiarem em mim e serem parceiras desta pesquisa. Vocês, sem dúvida, fizeram e fazem a diferença na história da Educação Infantil.

Por fim, e talvez mais importante, agradeço a todas as crianças da Creche Área de Saúde que passaram por minhas mãos e meus saberes de professora. Vocês me mostraram e me mostram a cada dia o significado particular que o trabalho público deve ter. A vida faz mais sentido quando estou com vocês.

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Relação de Figuras

Figura 1: Ficha de controle diário das atividades dos bebês que frequentavam o CCI, a ser preenchida pela atendente responsável pela criança...34 Figura 2: Imagem destacada no jornal da UNICAMP datado de 20/01/1990 que informava à comunidade sobre a construção da nova creche...51   Figura 3: “Trepa-trepa”: brinquedo do parque do Maternal...64   Figura 4: Peniqueiro utilizado no processo de retirada de fraldas das crianças...79   Figura 5: Brinquedo escorregador do parque do Maternal II...82   Figura 6: Armário de medicamentos da sala de enfermagem...85   Figura 7: Mesa utilizada pelas crianças para atividades diversas: refeições, pinturas, colagens, etc...91 Figura 8: Cadeirinha utilizada pelas crianças...92 Figura 9: Brinquedo gira-gira do parque do Maternal II...117  

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Relação de Siglas

CAD... Câmara de Administração CAS...Creche Área de Saúde CCI...Centro de Convivência Infantil CECI...Centro de Convivência Infantil CECOM... Centro de Saúde da Comunidade CICF... Comunidade Infantil Cantinho da Física CLT...Consolidação das Leis do Trabalho CONSU...Conselho Universitário DEdIC... Divisão de Educação Infantil e Complementar DNCr...Departamento Nacional da Criança ESTEC...Escritório Técnico de Obras FCM...Faculdade de Ciências Médicas FUSSESP...Fundo Social da Solidariedade do Estado de São Paulo HC...Hospital de Clínicas INAM... Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição IRCAMP...Instituto de Reabilitação de Campinas LBA... Legião Brasileira de Assistência LDB... Lei de Diretrizes e Bases da Educação NUDECRI... Núcleo de Desenvolvimento e Criatividade PPP...Projeto Político Pedagógico PRODECAD...Programa Integral de Desenvolvimento

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da Criança e do Adolescente

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Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. No começo achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam ali sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar osso por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterrados por séculos naquele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas. Eu queria então escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. Para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos. Comecei a fazer isso sentado em minha escrivaninha. Passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, trancado, a escovar palavras. Logo a turma perguntou: o que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto? Eu respondi a eles, meio entressonhado, que eu estava escovando palavras. Eles acharam que eu não batia bem. Então eu joguei a escova fora.

Manoel de Barros1

   

                                                                                                                         

1  BARROS,  Manoel.  Memórias  Inventadas.  São  Paulo.  Editora  Planeta,  2010.    

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Introdução

Sob a história, a memória e o esquecimento. Sob a memória e o esquecimento, a vida. Mas escrever a vida é uma outra história. Inacabamento.2 (RICOEUR, 2007, p.172)

Este é um trabalho sobre memória. Não somente a memória das professoras que iniciaram suas atividades como recreacionistas de uma creche chamada Área de Saúde há vinte e quatro anos. As memórias destas mulheres em certa medida encontram-se com as minhas, pois iniciei também um percurso profissional que em determinado momento da história cruzou-se com o destas professoras, tendo como cenário, a creche. Atuo nesta creche, como professora de educação infantil desde o ano de 2004, quando fui convocada após a aprovação no concurso público para tal função. Neste período, já havia concluído o curso de magistério, cujo diploma foi exigido para o trabalho na instituição, diferentemente da exigência requerida de minhas colegas professoras, cujas memórias foram aqui narradas. Em 2004 ainda, cursava a graduação em Psicologia, finalizada no ano de 2006. Atuei por um período como psicóloga clínica infantil, pois o trabalho na creche de 30 horas semanais me permitia exercer outra profissão.

No entanto, meu percurso de vida pessoal e profissional foi se direcionando cada vez mais para o trabalho com os bebês e as crianças pequenas, e com o tempo acabei optando pela atuação como professora, embora minha formação em psicologia, e mais precisamente, os estudos em psicanálise iniciados na graduação e que fazem parte de minhas leituras e reflexões até hoje exerçam influência em meu trabalho e na maneira como concebo as relações e o desenvolvimento das crianças. O viés psicanalítico sem dúvida permeou toda a escrita deste texto, não com o intuito de psicanalisar as histórias, mas sim, na ideia proposta por Lacan de conceber a psicanálise como uma ética, um

                                                                                                                         

2  RICOEUR,  Paul.  A  memória,  a  história,  o  esquecimento.  Tradução  de  Alain  François  et  al.     Campinas:  Editora  da  UNICAMP,  2007.  

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compromisso com o desejo que, embora inconsciente, é definidor de nossas escolhas, de nossos atos3.

Mesmo já possuindo uma graduação, o trabalho na creche exigiu outra formação acadêmica, no curso de Pedagogia, cuja conclusão se deu em 2011. Antes ainda desta segunda graduação, participei, entre os anos de 2008 e 2009, do curso de Especialização em Sexualidade Humana – Latu Sensu-, na Faculdade de Educação da UNICAMP.

Meu percurso profissional foi relacionando-se à área da Educação, e o interesse pela Educação Infantil ficando cada vez mais nítido. Trabalhos de Conclusão de Cursos, artigos escritos, comunicações apresentadas em eventos. Tudo sempre voltado para o trabalho com as crianças pequenas, e, principalmente, para a divulgação de práticas desenvolvidas na Creche Área de Saúde - CAS. A dissertação em questão apresentou a história desta instituição tão repleta de significados para mim. O recorte da memória (minha própria e das professoras entrevistadas) demarcou um olhar peculiar desta história já contada em outros trabalhos, que foram aqui também abordados.

Este é também um trabalho sobre histórias de vida. Nesse sentido, memória e histórias de vida entrecruzam-se intimamente. As professoras entrevistadas foram convidadas a rememorar suas trajetórias desde quando ingressaram na creche, em 1990, e, embora o foco das entrevistas fosse o processo de formação profissional em serviço, a creche fez e ainda faz parte de suas histórias em todas as instâncias, inclusive a pessoal.

Por fim, este é um trabalho sobre formação profissional e em serviço. As professoras da creche ingressaram por concurso público, mas sem nenhuma formação profissional requerida, sendo exigência para atuação, qualquer tipo de experiência prévia com crianças, ainda que fosse com o próprio filho, conforme narrado por elas. A partir de mudanças no cenário político e educacional nacional, como a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996, a                                                                                                                          

3  Psicanalista  francês  que  propõe  um  retorno  às  leituras  de  Freud,  fundador  da  Psicanálise  e  que,  destaca,   em  suas  obras,  especialmente  no  “Livro  7:  A  ética  da  psicanálise”,  a  questão  do  desejo  inconsciente  que   permeia  todas  as  nossas  ações  e  relações  e,  quão  fundamental  seria  o  sujeito  responsabilizar-­‐se  deste  fato,   assumindo  uma  ética  do  desejo.  

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formação passou a fazer parte do contexto da creche, tendo início com o então curso de magistério, em nível médio, e dando continuidade aos estudos com a formação em nível superior em Pedagogia. Além disso, outras modalidades de cursos fizeram parte da construção profissional das professoras.

Assim, memória, histórias de vida e formação profissional são categorias de trabalho que questionam e refletem sobre uma história aparentemente linear, mas que se apresentou como um processo social e político de lutas e conflitos, tanto no que se refere à concepção de criança e infância, quanto na formação do profissional que atua com a faixa etária de 0 a 3 anos. A formação de nível superior em Pedagogia, embora não seja exigência requerida para atuação na creche, é hoje o curso que legitima a profissão de professor de educação básica no país. Contudo, tal formação é sinônimo de qualidade do trabalho na creche? O que mudou, na prática, para as antigas recreacionistas que se formaram professoras?

A questão da formação foi, ao longo do texto, delineando-se como principal pergunta de pesquisa a ser problematizada. A história da creche e as memórias das professoras abarcaram uma série de temáticas que aqui podem ser encontradas, tal como o percurso histórico da educação infantil, um pouco sobre suas práticas, a vida das mulheres trabalhadoras e sua condição feminina. Contudo, a própria história e o desejo da pesquisadora acabaram por buscar uma costura entre todo este contexto com os fios que envolvem a formação do professor de educação infantil.

A discussão do trabalho, obviamente, não se concluiu com respostas universais, tampouco verdades absolutas, - até pelo fato de que os pesquisadores sobre a formação profissional do professor apontam para opiniões e concepções divergentes sobre a questão - mas pretendeu suscitar uma discussão acerca do campo de conhecimento e sugerir novos caminhos para o trabalho na educação infantil. Como fios de um tecido que começam a se unir para formar uma colcha, iniciei um percurso histórico que teve início há mais de vinte anos, e que ainda hoje continua a ser costurado...

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A Creche Área de Saúde: o início da história e antecedentes teóricos

Contar a história de uma creche chamada Creche Área de Saúde é escrever uma narrativa no mínimo, peculiar. Por várias vezes, já pude compartilhar experiências sobre esta creche em momentos diversos e para diferentes públicos (em trabalhos apresentados em eventos sobre educação infantil, por exemplo). As perguntas que chegam a respeito do nome da instituição são de todos os tipos: “Essa creche fica dentro do hospital?”, “Cuida de crianças doentes?”, “É para atender filhos de médicos?”.

De fato, o nome faz menção ao vínculo que a creche apresenta, desde sua origem, a um segmento de atividade específica da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP -, e que, durante as décadas de 1980 e 1990 consolidou-se no campus de Barão Geraldo, local de construção da CAS. Entre os anos de 1985 – quando foi inaugurado o primeiro leito do Hospital de Clínicas da UNICAMP - HC – até o início dos anos 90, vários setores do hospital conhecidos nos dias de hoje – Centro de Saúde da Comunidade da UNICAMP CECOM -Hemocentro, Centro Cirúrgico, enfermarias – já haviam sido instalados no campus (LIMA, ROCHA, PINSETTA, 2002).

A transferência do Hospital de Clínicas da UNICAMP da região central do município para Barão Geraldo impulsionou a criação de uma creche que funcionasse de acordo com os “turnos” de trabalho das mulheres do HC com filhos em período de amamentação. Dessa forma, a referência à área médica da Universidade se fez presente não somente no nome da creche, mas também instituiu um conjunto de práticas, como o funcionamento aos finais de semana e feriados, por exemplo. Contudo, à medida que mudam as concepções sobre criança e infância, e a creche passa a fazer parte da educação básica, de acordo com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN Nº 9.394) o vínculo com a saúde torna-se alvo de conflitos e questionamentos que, dentre outras histórias, fazem parte das memórias aqui narradas4.

                                                                                                                         

4  Capítulo  I  –  Da  Composição  dos  Níveis  Escolares.  Art.  21º.  A  educação  escolar  compõe-­‐se  de:  I-­‐  educação   básica,  formada  pela  educação  infantil,  ensino  fundamental  e  ensino  médio;  

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Dentro da Universidade, a Creche Área de Saúde é o último local a ser construído para atender filhos e filhas de funcionárias, entrando em funcionamento em 19905. Antes dela, outras três unidades foram construídas durante a década de 1980, respectivamente, o Centro de Convivência Infantil – CECI - prédios do berçário e do maternal, e o Programa de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente – PRODECAD. Suas histórias se aproximam em determinados pontos, distanciam-se em outros, e, alguns autores já abordaram recortes da história deste conjunto de instituições que, no passado, foi denominado “Programas Educativos da UNICAMP. O primeiro deles refere-se à dissertação de mestrado de Magali Fagundes Reis (1997), que construiu uma narrativa sobre a primeira creche inaugurada na Universidade, o Centro de Convivência Infantil, CECI. Em seu trabalho intitulado “A creche no trabalho...o trabalho na creche. Um estudo sobre o Centro de Convivência Infantil da Unicamp: Trajetória e Perspectivas”, a autora, que foi pedagoga da Creche Área de Saúde apresentou um panorama político e social da época que deu origem aos primeiros anos do CECI, denominado, na época, CCI (que tinha o mesmo significado de Centro de Convivência Infantil). Segundo Reis, a primeira manifestação em prol da construção de uma creche dentro da Universidade ocorreu no ano de 1975, quando um ofício foi enviado à Coordenadoria de Assistência Social:

A implantação de uma creche na Unicamp apresenta-se como oportuna medida a ensejar que família e universidade se beneficiem e se reforcem. A promoção do bem estar físico, espiritual e social do homem constitui o objetivo primordial da universidade (...) As mães que trabalham ou estudam na universidade deixam de dedicar a atenção, o cuidado e carinho aos filhos (...) muitas destas mães, não contando com pessoas capacitadas para suprir sua permanente ausência do lar, sentem-se preocupadas, angustiadas e tristes com reflexos visíveis no desempenho de suas atividades na Unicamp. (UNICAMP, 1975, apud REIS, 1997, p. 36)

                                                                                                                         

5  No  início  de  funcionamento,  as  creches  contavam  com  vagas  apenas  para  mulheres  trabalhadoras  da   Universidade.  Com  o  passar  dos  anos,  novas  reivindicações  foram  feitas,  e  os  servidores  homens  também   passaram  a  ter  direito  de  vaga  para  seus  filhos  na  creche,  e  a  questão  de  gênero  deixou  de  ser  fator  de   exclusão.    

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Ainda no trabalho de Reis (1997) destacou-se a criação da creche “Cantinho da Física”, localizada dentro do Instituto de Física da Universidade, que atendia apenas crianças cujos pais ou mães trabalhassem na Unidade. Esta creche funcionou entre os anos de 1982 a 1986, e, embora nunca tenha sido parte dos Programas Educativos da UNICAMP, deu origem às primeiras profissionais pedagogas que, com a inauguração do CECI, passaram a compor a equipe do novo local. Algumas especificidades do Cantinho da Física foram abordadas no Capítulo I deste trabalho.

A dissertação de Reis fez uma crítica à creche no que se refere ao aleitamento materno como exigência para que a mulher trabalhadora tivesse vaga para seu bebê. Este dado apareceu também nas narrativas das professoras da CAS, mesmo sendo uma creche criada já nos anos 90. É importante contextualizar a questão do aleitamento materno, já que na década de 1980 havia Programas Nacionais de incentivo a tal prática, como destacou Sousa (2006),

A Assembleia Mundial de Saúde estabeleceu, em 1981, o Código Internacional de Comercialização de Sucedâneos do Leite Materno e nesse mesmo ano foi implementado o PNIAM (Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno), pelo Ministério da Saúde, ligado ao Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAM). As atividades do PNIAM tinham o objetivo de atingir todos os grupos e segmentos sociais, tais como: profissionais de saúde, serviços de saúde, inclusive os hospitais, a mãe e suas condições trabalhistas, escolas, comunidade em geral e indústria dos alimentos infantis. (SOUSA, 2006, p.30)

A partir do dado anteriormente apresentado, pode-se considerar que, dentro da Universidade, havia todo um contexto que favorecia a exigência determinada pela creche CECI, uma vez que se tratava de um local destinado a filhos e filhas de mulheres trabalhadoras que deveriam ter assegurado seus direitos trabalhistas (CLT 1943), e que seria dirigido por uma mulher, enfermeira, até então profissional da área da saúde da UNICAMP. Além disso, o histórico da instituição creche, de maneira geral, é marcado pelo viés da saúde e assistência, e a este resgate histórico é destinado um capítulo desta dissertação.

Sueli Palmen (2005) também abordou a origem das creches em seu trabalho. A autora apresentou em sua dissertação um panorama da criação delas

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nas Universidades Estaduais Paulistas: Universidade de São Paulo –USP -, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP -, e Universidade Estadual Paulista – UNESP -, trazendo ao leitor uma série de fontes documentais sobre os processos de construção, organização e implementação das creches que tinham por objetivo abrigar e cuidar dos filhos dos servidores paulistas. Embora a dissertação da autora tenha contribuído com as questões históricas das creches universitárias, por questões metodológicas seu trabalho não foi muito utilizado como referência na presente narrativa, que optou pela ênfase da memória como fonte de pesquisa.

Sobre a questão da formação de professores, Pinheiro (2006) que foi primeiramente professora do PRODECAD e em seguida atuou como coordenadora pedagógica da Creche Área de Saúde apresentou em sua dissertação “A formação profissional na prática cotidiana: o que nos contam as educadoras” narrativas de professoras comparadas com profissionais de outra creche do município de Campinas. Abordou o processo de formação em serviço das professoras, tanto no que se refere à formação acadêmica, quanto na iniciativa de formação oferecida pelos Programas Educativos da UNICAMP (CAS, CECI e PRODECAD) desde 1992, por meio de eventos denominados “Jornada dos Educadores” e “Aprimoramento profissional”. Pinheiro valeu-se de narrativas das professoras sobre a formação em serviço e a visão delas sobre o trabalho, e pontuou também, um pouco da concepção de educação infantil que permeava a organização da formação por parte da então “equipe técnica” dos Programas6. Alguns aspectos de seu trabalho foram aqui abordados pela proximidade da temática da formação profissional.

Por fim, destaco a dissertação de Arnais (2003) que, embora tivesse como tema principal, a inclusão de crianças com deficiência na creche, teve em seu contexto, o espaço da CAS, e as professoras e crianças como suas personagens, já que a autora atuou como coordenadora pedagógica da instituição desde sua inauguração, sendo também diretora do local em um dado período.

                                                                                                                         

6  Equipe  técnica:  denominação  dada  à  equipe  gestora  de  cada  uma  das  unidades  dos  Programas  Educativos,   composta  por  enfermeiras,  pedagogas,  psicólogos,  nutricionistas,  e  assistente  social.  

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Além das dissertações aqui apresentadas, trabalhos de Conclusão de Curso, tanto de graduação quanto de especialização em áreas diversas foram escritos sobre os Programas Educativos da UNICAMP. Dentre eles, destaquei alguns escritos também por professoras do programa que dissertaram sobre seu local de trabalho: Rosineide Santos da Silva abordou a prática das professoras de berçário em “Os saberes e fazeres das professoras de bebês: construindo pontes entre a teoria e a prática” (2006). Já a professora Luciane Siqueira das Chagas em seu trabalho de conclusão do curso de Pedagogia intitulado “Construção da Pedagogia da Educação Infantil e a formação continuada e em serviço das professoras da Creche Área de Saúde” (2006), falou sobre a Jornada dos Educadores da UNICAMP, a história, os objetivos e as primeiras organizações deste evento que fez e ainda faz parte do contexto da DEdIC, como uma proposta de formação e aprimoramento profissional.

A também professora Suellen Pierri, contou um pouco sobre a história do Centro de Convivência Infantil (CECI) no trabalho “Contando histórias: O Centro de Convivência Infantil da UNICAMP (2011).

Memória e história de vida

Mas o que significa então escrever mais uma história, dentre tantas já existentes sobre as creches da UNICAMP? Qual a relevância e a contribuição que esta temática ainda pode abarcar? Consideramos, em primeiro lugar, que este trabalho trouxe uma importante relação entre história e memória, e este é o principal fio que costura todo o tecido deste texto7. O trabalho a partir da memória como construção social apresentou um diferente recorte daqueles que até então encontrei em diversos autores que tiveram a creche e os Programas Educativos como contexto, e, nesse sentido, valho-me de Bosi, quando, em entrevista narrada                                                                                                                          

7  Até  aqui,  a  introdução  vêm  sendo  escrita  na  primeira  pessoa  do  singular  por  se  tratar  de  uma   contextualização  da  pesquisadora  em  sua  pesquisa,  ou  seja,  os  caminhos  que  me  levaram  a  construir  a   dissertação.  Contudo,  o  uso  do  plural  a  partir  do  momento  em  que  o  texto  destaca  as  concepções  teóricas  e   metodológicas  refere-­‐se  à  parceria  imprescindível  com  a  professora  orientadora  Maria  do  Carmo  Martins,   que  permitiu    que  os  caminhos  da  pesquisa  fossem  trilhados  de  uma  maneira  não  usual,  sem  descaracterizar   o  rigor  metodológico  necessário  à  pesquisa  científica,  porém,  destacando  a  importância  de  se  construir   outras  possibilidades  narrativas  nas  ciências  humanas.  

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para a Revista do programa de pós-graduação em comunicação social da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas tratou da questão da memória,

Porque o passado reconstruído não é um refúgio, mas uma fonte, um manancial de razões para lutar. Então, a memória deixa de ter aqui um caráter de restauração do passado e passa a ser a memória geradora do futuro: memória social, memória histórica e coletiva. (BOSI, 2012, p. 196)

Sendo a memória categoria de análise presente em todo o trabalho, faz-se necessário contextualizar em que perspectiva fizemos aqui uso deste conceito. Em uma primeira leitura, pode parecer que o trabalho com a memória é algo puramente subjetivo e intrínseco ao sujeito que narra suas histórias de vida. Uma questão puramente individual. Se assim o fosse, estaríamos então simplesmente contando uma história de pessoas anônimas. De fato, não é esta a proposta do trabalho com a memória, mas sim, na possibilidade de, a partir da individualidade de sujeitos que vivem em um contexto comum, contribuir para a reflexão sobre processos sociais, culturais e políticos do período em que viveram. Martins (2007) apresentou em seu artigo sobre História, Currículo e Práticas Pedagógicas uma definição sobre o trabalho com a memória,

Algunas veces a memória es un refugio bucólico, un puerto seguro. Otras veces activamos la temática de la memoria para hablar de la identidad del sujeto, de las innumerables possibilidades de construcción de identidades individuales y colectivas, hablamos de memoria para hablar de cultura. Estas imágenes sobre memoria y su asociación con la evocación, como sucedió con las lenguas latinas presentan la memoria como central en la identificación del sujeto con los procesos vividos, con la possibilidad de continuar viviendo, con los deseos y los temores. La memoria vincula, en esse caso, razón y emoción, remite a los sentidos de la experiencia vivida y a la capacidad de lidiar con los tiempos y espacios del sujeto. Por supuesto que la memoria no se valoriza únicamente porque nos permite um enorme adelanto cognitivo, relativo al aprendizaje constante y creciente, sino porque com ella activamos el pensamiento, actualizando el pasado. (MARTINS, 2007, p. 137)

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A definição destacada pela autora apresenta a ideia central sobre a memória que o texto pretendeu abordar. Embora fazendo parte da gama de processos cognitivos do ser humano, a memória é também parte da construção da identidade dos sujeitos, que só é possível pela vivência do coletivo, da cultura. Dessa forma, qualquer trabalho que pretendesse abordar a questão da memória de maneira puramente psíquica, ou da mesma maneira, tratar das histórias de vida a partir apenas das configurações sociais do trabalho, por exemplo, empobreceria a narrativa que se constitui quando pensamos em sujeitos que não se dividem entre interno/externo. Esta dicotomia, herança da ciência positivista não se configurou como aporte teórico para este trabalho. Nem mesmo quando destacamos a questão da memória a partir de uma perspectiva psicanalista, visivelmente presente nos escritos benjaminianos, com os quais dialogou-se aqui, é solicitado que se faça esta separação. Figueiredo Filho (2006) em artigo que destacou possíveis afinidades entre história e psicanálise fez um apontamento pertinente para o tema em questão:

O historiador ou cientista social que queira fazer uso da psicanálise, evidentemente deve ter o devido cuidado para não psicologizar os processos sociais, esvaziando-se dos móbices econômicos e políticos. Os abusos são facilmente cometidos, e os erros que dele derivam podem ser grosseiros, como a tentativa de explicar o nazismo e a perseguição aos judeus a partir do complexo de Édipo de Hitler. Vimos, tanto no caso do pintor, quanto no da persistência da agressividade e da destrutividade humanas, a atuação de forças psíquicas, de ordem inconsciente. A maneira como elas se expressam, necessariamente, estão em acordo com a cultura e os aspectos históricos vividos pela sociedade em questão. Por estes motivos, estamos convencidos de que a História e a Psicanálise são ciências afins, e que, adequadamente trabalhadas, podem contribuir para a elucidação de processos históricos. (FIGUEIREDO FILHO, 2006, p.9)

Fazer uso aqui da psicanálise em relação com memória e história aponta para o fato de que embora os estudos psicanalíticos tenham como foco os processos internos do sujeito e, fundamentalmente, o inconsciente, não

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consideram o indivíduo e seus processos como isolados do social e da cultura8. Qualquer interpretação da teoria freudiana nesse sentido apresentar-se-ia como superficial e incompleta. Renato Mezan, psicanalista e estudioso dos escritos Freudianos, realizou uma análise das obras do autor em “Freud, pensador da cultura”, em que destacou a indissociação dos estudos da psicanálise e sua relação com o contexto social,

A ideia de uma vida pulsional desligada da “realidade” é um conceito vazio, já que, mesmo se ela não se reduz às relações com outrem (na medida em que as pulsões são internas ao corpo), a satisfação da pulsão – seja ela sexual, agressiva ou de autoconservação – está vinculada necessariamente à existência de objetos exteriores à psique do indivíduo. É por essa razão que Freud pode afirmar que a psicologia individual é desde o início psicologia social. (MEZAN, 2006, p.506)

O próprio criador da psicanálise, em seu texto “Projeto de uma psicologia científica”, de 1895, descreveu minuciosamente os processos neurológicos dos quais faz parte a memória, e complementou que aquilo que é lembrado ou esquecido vai além do aparato físico neural, relacionando-se com aquilo que é específico de cada sujeito, do que habita sua consciência, e principalmente, de seu inconsciente. (FREUD, 1996)

Embora não se trate, contudo, de uma dissertação sobre a psicanálise é certo que, em inúmeras passagens em que me inscrevi no texto alinhavaram fios de reflexão a partir desta base teórica, bem como dialogaram com autores também neste recorte. Dentre eles, Walter Benjamin, que abordou a temática da história e sua relação com a memória, especialmente, sobre os conceitos de memória e rememoração. Dessa maneira, Gagnebin (2006) abordou a rememoração em Walter Benjamin como sendo,

Uma certa ascese da atividade historiadora que, em vez de repetir aquilo de que se lembra, abre-se aos brancos, aos buracos, ao                                                                                                                          

8  Inconsciente:  para  Freud,  o  inconsciente  é  a  esfera  mais  ampla  do  aparelho  psíquico,  composto  ainda  pelas   instâncias  pré-­‐consciente  e  consciente.  O  inconsciente  “é  a  verdadeira  realidade  psíquica;  em  sua  natureza   mais  íntima,  ele  nos  é  tão  desconhecido  quanto  a  realidade  do  mundo  externo,  e  é  apresentado  de  forma   tão  incompleta  pelos  dados  da  consciência  quanto  o  mundo  externo  pelas  comunicações  de  nossos  órgãos   sensoriais”.  (FREUD,  2001,  p584)  

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esquecido e ao recalcado, para dizer, com hesitações, solavancos, incompletude, aquilo que ainda não teve direito nem à lembrança nem às palavras. A rememoração também significa uma atenção precisa ao presente, em particular a estas estranhas ressurgências do passado no presente, pois não se trata somente de não esquecer do passado, mas também de agir sobre o presente. A fidelidade ao passado, não sendo um fim em si, visa à transformação do presente (GAGNEBIN, 2006, p.55)

No que se refere às relações entre história e memória iniciamos os trabalhos a partir de uma sistematização para tal abordagem, haja vista a gama de possibilidades que o trabalho com a memória apresenta. Nóvoa (1992) destacou que as produções acerca das memórias da profissão docente e das histórias de vida enquadram-se nas chamadas “abordagens (auto) biográficas que, para o autor, ao mesmo tempo em que são ricas narrativas também apresentam dificuldades tamanha a diversidade metodológica,

Esta diversidade dificulta a categorização dos estudos centrados nas histórias de vida dos professores. Cada estudo tem uma configuração própria, manifestando à sua maneira preocupações de investigação, de acção e de formação. É muito difícil separar analiticamente as distintas abordagens (auto)biográficas, na medida em que elas se caracterizam justamente por um esforço de globalização e de integração de diversas perspectivas. (NÓVOA, 1992, p. 20)

No entanto, o autor destacou no mesmo texto uma categorização fundamentada nos objetivos e nas dimensões que as pesquisas desejam alcançar e que, embora não se tratem de categorias exclusivas, configuram fatores privilegiados em cada um dos tipos de estudos. Para tanto, uma diversidade de estratégias e materiais podem ser utilizados, sendo destacados, diários, materiais escritos ou orais, fotografias, número irrestrito de entrevistados, entre outros. De acordo com a categorização proposta por Nóvoa (1992), é possível considerar que o presente trabalho construiu para sua pesquisa “objetivos essencialmente emancipatórios, relacionados com a dimensão investigação-formação versus profissão (de professor)”. Nesta perspectiva, o trabalho configurou-se como emancipatório porque a narrativa pretendeu dar voz aos professores que

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apresentam suas histórias de vida e percurso profissional, sendo possível, ao revisitar o passado, refletir também sobre o presente. Vale dissertar aqui sobre a expressão “dar voz aos professores”, utilizada pelo autor: não se considera que, antes deste trabalho os professores “não tinham voz”, ou qualquer interpretação no sentido de que eram silenciados. A questão que se coloca é tão somente o fato de tornar pública uma narrativa de um grupo de pessoas comuns que, através de suas histórias, de vida e de profissão, dentro de um determinado contexto social, tem algo a contar. E tais histórias, relacionam-se à construção de um campo de conhecimento, que é a Educação Infantil.

Não podemos mais fechar os olhos para o fato de ser a memória uma das grandes categorias responsáveis pela identificação do indivíduo com o grupo social. Junte-se a isso o fato de poder, ao resgatar a memória das pessoas envolvidas, atribuir publicamente a elas uma dimensão política que o isolamento e o trancafiamento das lembranças individuais não permitiriam. (MARTINS, 1996, p. 19)

A formação profissional em contexto

As histórias de vida das professoras personagens deste texto entrelaçaram seus fios quando passaram a fazer parte de um grupo de mulheres trabalhadoras de uma creche. Além do trabalho, a formação profissional também surgiu como fio que as uniu, e, nesse sentido, a perspectiva teórica encontrada nos trabalhos de Ivor Goodson (1992) sobre as histórias de vida de professores trouxe importante contribuição para a análise das narrativas,

a vida dos professores pode ajudar-nos a ver o indivíduo em relação com a história de seu tempo, permitindo-nos encarar a intersecção da história da vida da sociedade esclarecendo assim, escolhas, contingências e opções com que se depara o indivíduo (GOODSON, 1992, p. 75)

Os trabalhos de Goodson configuraram-se como importante aporte teórico à medida que o autor trabalha com as histórias de vida de professores sempre buscando uma relação com o contexto histórico, político e social de cada época.

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Para tanto, diferencia, em sua língua de origem os termos “life story” e “life history”, sendo o primeiro definido como relatos de vida que, ao serem situados em um contexto histórico são transformados em “life histories”. Nas palavras do autor, “la tarea de esta transformación es hacer visible lós modos em que lós relatos de vida personales están mediados por imperativos culturales y políticos más amplios”(GOODSON, 2005).

Assim, tão relevante quanto abordar a importância que a formação profissional demarcou nas histórias de vida das professoras da CAS, é abordar esta profissionalização no contexto histórico mais amplo da inserção da creche como instituição social e sua demanda de atuação. A obra de Ivor Goodson corrobora para esta análise de mão dupla.

Os documentos

Para a construção desta narrativa optamos pela utilização de fontes documentais que materializaram a história de construção e implementação da creche, encontradas tanto dentro da própria instituição, quanto no Sistema de Arquivos da Universidade – SIARQ: processos que tratam da construção da creche, convênio entre instituições que implantaram as primeiras atividades (Instituto de Reabilitação de Campinas – IRCAMP -, Fundo Social da Solidariedade do Estado de São Paulo – FUSSESP -, Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP – FCM), edital do processo seletivo de recreacionistas, relatórios sobre o primeiro ano de funcionamento da creche.

A narrativa é construída usando documentos. Estes emitem sinais que teremos que desvendar. Para poder desvendar esses sinais, transformamos os documentos em fontes, nas quais saciamos a nossa sede de conhecer (MARTINS, 1996, p. 15)

Os documentos foram tão importantes quanto as entrevistas, complementando-as. Embora o destaque tenha sido mantido nos relatos das professoras, ao longo do trabalho, tais fontes trouxeram informações em instâncias que as histórias de vida não puderam abarcar.

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As professoras e suas memórias: o trabalho com as entrevistas

Ao optar pelo trabalho a partir de entrevistas, foi necessário primeiramente, elencar um critério de escolha das professoras. Como o trabalho dizia respeito à questão da memória da instituição, o primeiro ponto a ser definido foi encontrar as professoras aprovadas no primeiro concurso público para atuar na creche logo no início de seu funcionamento, em 1990. A fonte documental que continha esta informação, contudo, apontava para o nome de cinquenta aprovadas e que foram, aos poucos, convocadas. Destas, algumas já não atuavam mais, outras, foram para outras unidades de trabalho (como o CECI, por exemplo, já que hoje, é possível esta mobilidade). Surgiu então, o segundo critério de escolha: estabelecer relação entre nomes de aprovadas no primeiro concurso público para recreacionista (UNICAMP, SIARQ, 1990) e nomes de atuais professoras do quadro profissional da Creche Área de Saúde. Encontrei seis nomes.

Dessa forma, o trabalho foi tecido com recortes da história obtidos a partir de entrevistas individuais com as professoras da creche que foram contratadas através do primeiro concurso público para a “nova creche da UNICAMP” 9. No que se refere às questões metodológicas, o primeiro passo foi realizar um encontro com as seis professoras da creche que foram aprovadas para a função de recreacionistas, em 1990, a partir dos dados encontrados em fontes documentais. Neste dia, tivemos a oportunidade de narrar um pouco sobre meu trabalho e verificar a disponibilidade das professoras em participar das entrevistas. Todas concordaram em participar da pesquisa e apresentaram melhores datas e horários para a realização desta etapa. Logo em seguida, iniciamos o processo de elaboração das entrevistas, optando pela efetivação de momentos individuais com cada uma delas, e elaborando um roteiro inicial de questões comuns a todas. As questões tinham como objetivo contribuir para a rememoração de alguns períodos                                                                                                                          

9  De  acordo  com  o  Comitê  de  Ética  em  Pesquisa  –  CEP  -­‐,  trabalhos  que  envolvem  seres  humanos,  como  é  o   caso  da  utilização  de  entrevistas,  devem  ser  submetidos  à  aprovação.  Dessa  forma,  o  presente  trabalho  foi   encaminhado  ao  órgão  responsável  no  dia  08/05/2013,  sendo  aprovado  no  dia  10/06/2013,  sob  o  parecer   de  número  299.841.  Após  a  aprovação,  as  entrevistas  foram  realizadas.  

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marcadamente históricos para a creche, como o ingresso das professoras, o concurso pelo qual foram aprovadas, os estudos do magistério e a formação superior, e as práticas pedagógicas desenvolvidas ao longo dos anos. (Anexo I) No entanto, a intenção também foi deixar as histórias surgirem à medida que as professoras fossem narrando suas memórias, e que a pesquisadora também colocasse questões adicionais nas entrevistas, de acordo com aquilo que seria rememorado por cada uma. Não gostaríamos que as entrevistas ficassem limitadas a um roteiro de perguntas, mas algumas foram importantes para iniciar as histórias. Para construir uma documentação a partir da história oral, seguimos os quatro “passos” descritos por Vidal (1998), sendo eles: a preparação da entrevista (seleção das personagens, roteiro, cuidados com equipamento), a situação da entrevista, transcrição, e por fim, o retorno da transcrição ao entrevistado.

Da preparação da entrevista, que corresponde ao primeiro passo, de início seriam realizadas seis entrevistas, com cada uma das professoras escolhidas por serem as únicas que continuam em exercício na creche até os dias de hoje. Uma delas, no entanto, estava com problemas de saúde no período determinado para a realização deste procedimento da pesquisa, e, posteriormente, entrou em período de férias institucionais. Dessa forma, não foi possível entrevistá-la, definindo-se então, cinco professoras participantes do trabalho. O equipamento e situação de entrevista foram o mesmo para todas, sendo estes momentos realizados em uma sala da própria instituição, com duração aproximada de uma hora.

A transcrição foi o passo mais trabalhoso, demandando muito tempo e concentração para que as falas fossem o mais literal possível, sem interpretações por parte da entrevistadora. A única alteração feita nas transcrições foi com relação a nomes. Em alguns momentos das entrevistas, as professoras relataram acontecimentos envolvendo nomes de outras pessoas, como por exemplo, de diretoras e coordenadoras que atuaram na creche e, nesses casos optamos por preservar os nomes, substituindo-os por nomenclaturas dos cargos ocupados à época, e, em alguns trechos, apenas a letra inicial dos nomes.

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Por fim, sobre o retorno da transcrição, as entrevistadas tiveram a oportunidade de ler, aprovar ou solicitar ajustes às transcrições, bem como escolher o nome fictício de suas personagens, além de se apresentarem na narrativa. A escolha de outro nome que não o verdadeiro foi importante para que se sentissem mais seguras com relação ao que seria posteriormente publicado, pois se trata de um passado recente, e de uma história a qual todas ainda fazem parte, ou seja, a creche continua em funcionamento e a maioria dos integrantes desta história continua atuando no mesmo local.

As entrevistadas então foram as seguintes:

Ana – 43 anos: Foi entrevistada no dia 13/06/2013. Ingressou na creche tendo cursado o Ensino Médio e nunca havia atuado com crianças. Já trabalhava na universidade, exercendo função administrativa. Ao longo dos anos, concluiu o curso de magistério (nível médio), e ingressou na graduação em Biologia, mas não chegou a finalizar. Depois se formou em Pedagogia.

Antônia – 54 anos: Foi entrevistada no dia 14/06/2013. Atuava como técnica em enfermagem no setor de Pediatria do Hospital de Clínicas da UNICAMP quando realizou o concurso para a função de recreacionista da creche. Concluiu o magistério e há alguns anos o curso superior em Pedagogia.

Eliana – 49 anos: Foi entrevistada no dia 12/06/2013. Ingressou na creche com escolaridade de nível médio. Antes de começar a trabalhar como recreacionista já trabalhava com crianças, em uma escola de educação infantil exercendo o cargo de “monitora de ônibus” de transporte escolar. Cursou magistério e pedagogia.

Flor – 51 anos: Sua entrevista foi feita no dia 11/06/2013. Ao prestar o concurso da creche, já trabalhava com crianças como monitora na educação infantil. Havia concluído o ensino médio, e posteriormente, fez magistério e Pedagogia.

Maria Queiróz – 63 anos: Entrevista realizada em 17/06/2013. É a única das professoras entrevistadas que, ao ingressar na creche, já havia concluído o curso de magistério. Trabalhava como empregada doméstica quando participou do concurso para recreacionista, e, permaneceu exercendo ambas as funções

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durante muitos anos. Concluiu o curso de Pedagogia e também uma especialização.

É importante pontuar que, além da apresentação das profissionais aqui destacadas, no decorrer do texto, à medida que suas falas apareceram pela primeira vez na narrativa, logo em seguida escrevi um breve relato apresentando-as novamente, mapresentando-as, desta vez, pela perspectiva delapresentando-as mesmapresentando-as, ou seja, solicitei a cada uma, uma escrita sobre como gostariam de se apresentar aos leitores. Das cinco, Antonia foi a única que preferiu que eu mesma redigisse. Maria Queiróz pediu alguns dias para pensar e escrever. No entanto, um acontecimento trágico ocorreu em sua vida durante este período. Sua única filha faleceu vítima de um atropelamento. Dessa forma, Maria ficou por um período afastada do trabalho, e optamos por escrever sua apresentação.

Uma vez estabelecidas as questões metodológicas, iniciou-se o processo de escrita da narrativa. O primeiro capítulo do trabalho apresentou um panorama histórico da origem da instituição creche no país ainda no final do século XIX e, posteriormente, os precedentes históricos, dentro da Universidade, que contribuíram para o surgimento da Creche Área de Saúde. Assim, destacou-se uma série de acontecimentos contextualizados na década de 1980. Já no capítulo seguinte emergiram as primeiras memórias das professoras sobre o início de funcionamento da creche, suas atividades, o concurso público para o cargo de recreacionista, e a chegada das crianças. As memórias perpassaram aproximadamente uma década. No item três, demarcou-se um novo período a partir dos anos 2000, tanto para a CAS quanto para a Educação Infantil de maneira geral, já que se tratava de um momento histórico de novas exigências legais para a atuação com crianças de zero a três anos de idade. As cuidadoras tornam-se professoras10. Os fios entrelaçaram-se em um último capítulo,

                                                                                                                         

10  O  termo  “cuidadora”  apareceu  em  grande  parte  da  narrativa,  inclusive  como  adjetivo  emergente  no  título.   Muito  embora  a  nomenclatura  inicial  de  trabalho  das  mulheres  da  creche  fosse  “recreacionistas”,  como   destacado  no  edital  do  Concurso  Público  aqui  utilizado  como  fonte,  o  termo  cuidadora  foi  marcante  nas   entrevistas  e  definiu  uma  prática  comum  desde  os  primórdios  do  trabalho  em  creche  por  se  tratar  de  um   atendimento  a  crianças  pequenas,  que  dependem  da  figura  do  adulto.  Ao  longo  do  tempo,  as  práticas   começaram  a  ser  questionadas  e  necessariamente  relacionadas  à  educação,  instaurando-­‐se  então,  o   binômio  “Cuidar  e  educar”  como  práticas  indissociáveis  na  educação  infantil.  

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finalizando um pequeno tecido, um recorte sobre a história da Educação Infantil e as professoras que constituíram suas vidas neste contexto. Apresentam-se as contribuições finais para esta temática e a compreensão, a partir das histórias e memórias, de que o caminho da formação profissional é necessário e fundamental, mas problemático quando não se considera a experiência do trabalho e as especificidades de atuação com crianças de 0 a 3 anos. Quais as possibilidades a seguir, então?

Objetos biográficos

Em uma última consideração no que se refere à introdução do texto, destaco as razões pelas quais optamos pela utilização de algumas imagens que vão, pouco a pouco, surgindo em meio à trama do tecido desta história, e que de certa forma, apresentaram-se como um “bordado” em meio à costura de fios da creche. As imagens refletem aquilo que Bosi (2003) denominou de “Objetos Biográficos”, que seriam aqueles que, em certa medida envelhecem com seus donos e são praticamente incorporados à vida das pessoas.

São estes os objetos que Violette Morin chama de objetos biográficos, pois envelhecem com o possuidor e se incorporam à sua vida: o relógio da família, o álbum de fotografias, a medalha do esportista, a máscara do etnólogo, o mapa-múndi do viajante... Cada um desses objetos representa uma experiência vivida, uma aventura afetiva do morador. (BOSI, 2003, p.26)

Assim, na tentativa de relacionar memória, história e imagens, busquei, nos espaços da creche, e com a ajuda das professoras, objetos que, assim como elas, estão na creche desde seu primeiro dia de funcionamento. É certo que, alguns deles não permaneceram no espaço apenas por uma relação de afeto com as pessoas que ali estão; pode-se pensar sobre eles, como uma espécie de “Cultura Material” de um espaço voltado ao atendimento de crianças; ou ainda, refletir sobre a dificuldade de um órgão público adquirir novos bens materiais para o trabalho. Inúmeras seriam as possibilidades de reflexão sobre as imagens aqui apresentadas. Contudo, a opção de relacioná-las às narrativas e histórias de vida

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contribuiu para a temática do trabalho. “Nossa, isso aqui ta aqui desde sempre!”, disse uma das professoras. “Passei minha vida olhando para isso aqui no parque”, contou-me outra.

O processo de identificação dos objetos biográficos aconteceu em um dia de trabalho. No horário de descanso das crianças, perguntei às professoras se se lembravam de materiais que estavam na creche desde 1990. Imediatamente, Ana levantou-se do chão, onde estava sentada ao lado de uma criança que já dormia em seu colchão, e me levou aos objetos. Olhava para uma mesa, e recordava-se de uma história. E então, realizávamos o registro fotográfico. E assim aconteceu com alguns dos objetos que cotidianamente utilizamos com as crianças. Por vezes, reclamamos por se tratar de algo “tão velho”. Outras, sequer nos damos conta disto, talvez por já estarem tão incorporado em nossa rotina de trabalho.

Quanto mais voltados ao uso quotidiano mais expressivos são os objetos: os metais se arredondam, se ovalam, os cabos de madeira brilham pelo contato com as mãos, tudo perde as arestas e se abranda. (BOSI, 2003, p.26)

 

A partir destes fios que começaram a ser tecidos na presente introdução, o trabalho buscou em suas linhas uma costura que valorizou a relação história e memória para narrar o percurso histórico de uma instituição e suas profissionais, alinhavando os depoimentos das histórias de vida destas mulheres com as tramas políticas, sociais e culturais da história da educação infantil. Mais ainda, o olhar destas professoras acerca de todo este percurso. O que a história pôde contribuir para problematizar os desafios da profissão?

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Capítulo I: O surgimento da creche como instituição social: a Creche Área de Saúde e sua herança histórica.

As creches no Brasil

Em muitos paizes da Europa, que se acham na vanguarda da civilisação e do progresso, há uma instituição, filha da caridade, destinada á primeira infância, cujos beneficos resultados a experiência tem cabalmente demonstrado, de sorte que nestes ultimos tempos Ella se tem generalisado de modo notável. Essa instituição philantropica é denominada em francez creche, nome que conservamos, já porque falta em nossa língua um termo que o traduza perfeitamente, já também porque tal denominação se acha aceita por todos quantos aqui e em Portugal tem tratado desse assumpto. [...] No Brazil ainda não existe a creche, entretanto sua necessidade me parece palpitante, sobretudo nas actuaes condições em que se acha o nosso paiz depois da moralisadora e humanitária lei de 28 de setembro de 1871, em virtude da qual nelle não nasce mais um so escravo. (VINELLI, A CRECHE, in Jornal “A mãi de família, 1879)

A citação acima, parte da primeira edição do Jornal “A mãi de família” (1879) que teve publicação no Rio de Janeiro e circulou até 1888, trazia, pela primeira vez no país, informações sobre o surgimento da instituição creche na Europa. Além da informação, apontava para a necessidade de creches também no Brasil, que promulgara a “Lei do ventre livre”11 (BRASIL, 1871). Segundo a publicação do jornal, as escravas, teriam enorme dificuldade em encontrar um local para trabalhar ao chegarem com seus filhos nos braços. No entanto, caso “exista na proximidade do lugar em que Ella trabalha um asylo em que Ella possa deixar durante o dia sem receio, o filhinho, em que ella possa vir dar-lhe de mamar [...] vêde como a scena muda. [...]”

O redator principal e também fundador do jornal, Dr. Carlos Costa, era médico higienista e se propunha, nas páginas de comunicação, a ensinar tudo aquilo que dizia respeito à educação física da criança a partir dos conhecimentos das “ciencias dos homens”, já que para ele, as mulheres da sociedade brasileira não cumpriam de maneira adequada seu papel:

                                                                                                                         

11  De  acordo  com  a  Lei  do  Ventre  Livre,  também  conhecida  como  “Lei  Rio  Branco”,  todas  as  crianças,  filhas  e   filhos  de  mulheres  escravas,  a  partir  de  28  de  setembro  de  1871,  nasceriam  livres.  

Referências

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