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O poder do discurso: as condições sociais de emergência do agricultor familiar como sujeito propositivo.

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(1)

CENTRO DE H U M A N I D A D E S

MESTRADO EM SOCIOLOGIA RURAL

O PODER P O DISCURSO

As Condições Sociais 4e Emergência 4o Agricultor

Familiar como Sujeito Propositivo

NERIZE LAURENTINO RAMOS

Campina Grande

1999

(2)

SISTEMOTECA - UFCG

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Ficha Catalográfica R 175p

Ramos. Nerize Laurentino

O Poder do Discurso: as condições sociais de emergência do agricultor familiar como sujeito propositivo. Campina Grande: UFPB / Mestrado em Sociologia Rural, 1999. 1 70p

Dissertação (mestrado) UFPB / Sociologia Rural

1. Movimentos Sociais 2. Poder local 3. Discurso (sociologia) 4. Discurso propositivo 5. Clientelismo

(3)

CENTRO DE H U M A N I D A D E S

M E S T R A D O EM SOCIOLOGIA RURAL

O PODER DO DISCURSO

As Condições Sociais 4e Emergência 4o Agricultor

Familiar como Sujeito Propositivo

Dissertação apresentada ao

Programa do Mestrado em

Sociologia Rural, em cumprimento

às exigências para obtenção do

grau de mestre.

Orientador: Prof. Dr. Durval Muniz

de Albuquerque Júnior

Campina Grande

1999

(4)

O PODER DO DISCURSO

As Con4ições Sociais 4e Emergência 4o A g r i c u l t o r

Familiar como Sujeito Propositivo

Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Júnior

Orientador

Profa. Dra. Maria do Livramento de Miranda

Examinadora

Prof. Dr. Luis Francisco Dias

Examinador

Campina Grande

1999

(5)

As Condições Sociais

4e Emergência <\o A g r i c u l t o r

Familiar c o m o Sujeito Propositivo

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A Mateus Henrique, meu filho,

04-anos : "brinca com eu mãe", que

mesmo sem po4er escolher, teve

<\e

conviver com a falta 4e colo.

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"Peixei no esconderijo 4o meu coração l/ma porção 4e bem-me-cjuer

Sabias, bentevis, esperanças l / m bocado 4e beijos e u m riacho

Peixei no abrigo 4o meu cor^o l/ma canção para to4a vi4a Arranhões, abraços e uma 4espe4i4a" (Sueli Costa / Paulo Emílio)

A espiritualidade que cultivo me e n s i n o u , e nisso sou sempre u m a aprendiz, que Deus está presente nas pequenas e grandes coisas: na solidariedade persistente, no trabalho incansável, no e n c o n t r o c o m o o u t r o . Sinto-me feliz por poder agradecer a t i , Senhor da v i d a , do amor, da j u s t i ç a .

Sempre sonhei c o m u m t e m p o especial na hora de agradecer, no e n t a n t o , não está sendo a s s i m . O corre-corre desse período final é quase inevitável. T e n t o ser sucinta c o m o m a n d a o " f i g u r i n o " e, nesse m o m e n t o , lembro apenas aqueles a m i g o s , amigas, familiares, que c o m p a r t i l h a r a m mais diretamente desse processo de c o n s t r u ç ã o de u m a dissertação.

A o s primeiros h o m e n a g e a d o s deste e s f o r ç o : meus familiares. O amor g r a t u i t o nos une e, s e m ele, as dificuldades seriam multiplicadas. A guerreira " D o n a A d a l g i z a " , minha mãe, que, c o m o u m a leoa, soube defender o direito das filhas mulheres de estudar. "Seu Severino (Biu)",

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A c o n v i v ê n c i a prazerosa na pesquisa de c a m p o foi f u n d a m e n t a l para o d e s e n v o l v i m e n t o desse t r a b a l h o . A g r a d e ç o especialmente a t o d o s os agricultores e agricultoras c o m os quais c o n v i v i . Os t e s t e m u n h o s de vida, c o r a g e m e entrega seguirão c o m i g o c o m o as estrelas que g u i a m o navegante e iluminam os corações daqueles que t e i m a m e m não desanimar.

"Pois bem, às vezes 4e tu4o quanto lhe entrego, a Poesia faz uma coisa que parece que na4a t e m a ver com os ingredientes mas que t e m por isso mesmo u m sabor total; eternamente esse gosto 4e nunca e 4e sempre." ( A h , sim, a velha poesia -Mário Quintana)

0 processo de orientação é, acima de t u d o , u m a aprendizagem m ú t u a . C o m Durval, a palavra precisa, a crítica aberta, o carinho a m i g o . Quando o escolhi c o m o orientador sabia das múltiplas possibilidades de c o n s t r u ç ã o de u m a orientação qualificada, adulta e, s i m u l t a n e a m e n t e , livre, prazerosa, s e m renunciar às exigências de rigor, disciplina, responsabilidade. Seu sorriso t r o u x e - m e tranqüilidade e m m o m e n t o s de d e s â n i m o , c a n s a ç o , d e s c r e n ç a .

No C E N T R A C , as primeiras perguntas que logo se t r a n s f o r m a r i a m e m projeto e dissertação. A v o c ê s o meu r e c o n h e c i m e n t o . C o m Glória e Soninha a c o n v i v ê n c i a mais permanente nesse período. A amizade e o profissionalismo f o r a m marcas c o n s t a n t e s no nosso t r a j e t o , q u a n d o c r u z a m o s , t a n t a s vezes, os c a m i n h o s da florida e semi-árida Lagoa Seca.

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especial aos companheiros(as) d o s mestrados e m sociologia e e c o n o m i a rural: àqueles que ingressamos j u n t o s : J o ã o , Iolanda, Rosário, Clodoaldo, J u s s a r a , Vandilo, Rilma, J o m a r e Célia, e os que f o r a m c h e g a n d o

devagarinho,

às vezes silenciosos, às vezes arrebatadores: Olga,

Charlinton, Gildásio, J o f f r e , Flávio Duarte, Eunice, Ricardo, Kátia, Eurípedes, Balo (Mário), Pereira, Socorro e Chico. De (...) "todas as lágrimas que o orgulho estancou na fonte, as explosões de cólera, o ranger dos dentes, as alegrias agudas até o grito, a dança dos ossos..." (Mário Quintana), seja no a c o n c h e g o , às vezes " s e n z a l a " , do laboratório de informática - lugar da p r o d u ç ã o , das crises, da ajuda m ú t u a , d o carinho, da amizade... seja nos e n c o n t r o s informais, na sala de aula, nos e n c o n t r o s de e s t u d o s , nos congressos a c a d ê m i c o s , nas controvérsias burocráticas (que não f o r a m poucas), no c a n t i n h o universitário, na praia, nas festas e e n c o n t r o s infantis...venceu o carinho, o prazer da c o m p a n h i a , a amizade.

Olga e J o ã o : (...) Procurei uma batida diferente / Pra traduzir o que bate em meu peito/ Ninguém melhor do que o samba / Pra batucar o que sinto (...)". (Adriana Calcanhoto). Declarações à parte, mas o samba de uma grande amizade se c o m p õ e c o m paciência, confiança, cumplicidade, respeito. A p r e n d i a amá-los e chamá-los de a m i g o s .

Cássia Lobão a vida nos reservou esse e n c o n t r o , "estava e s c r i t o " , e n t ã o , que viva a v i d a ! Obrigada pela t r a n s p a r ê n c i a , c o m p r e e n s ã o e amizade.

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c o n v i v ê n c i a , unida a certeza de estar entre a m i g o s , me fez ver que as amizades, q u a n d o assentadas e m solo f i r m e , resistem ao t e m p o , ao e s p a ç o . . . s i m p l e s m e n t e t r a n s c e n d e m .

A Hélder Pinheiro "(...)não se admire se u m dia u m beija-flor invadir, a porta da tua casa te der u m beijo e partir, fui eu que mandei o beijo (...)". Nossos c a m i n h o s se cruzaram t a n t a s vezes desde que nos c o n h e c e m o s . Obrigada e m vários t o n s e intensidades: pela amizade, incentivo e a correção o r t o g r á f i c a desse t e x t o .

Destaco a presença m a r c a n t e , d e n t r o e fora da universidade, dos professores(a): Lenira, Renato Killp, Esther, Ghislaine (Ghi) e Cristina M a r i n . A s afinidades construídas e s c a p a m aos m u r o s da academia.

Dos irmãos Genilda e Genilson, responsáveis pela biblioteca m o v i d a à x e r o x , fica o sorriso a b e r t o , a cordialidade.

A sociologia rural não seria a m e s m a , s e m a presença do eficiente secretário J o ã o z i n h o . Desdobra-se e m a t e n ç ã o , sofre j u n t o c o m os "eternos a l u n o s " e esbraveja q u a n d o a situação assim o exige. Mas lá está ele, sempre atencioso e disposto a ajudar.

V e r a , Verinha e Rinaldo, apoios f u n d a m e n t a i s nessa p a s s a g e m . Na especificidade de cada f u n ç ã o , e e m diferentes temporalidades, c o n s t r ó e m - não s e m t e n s õ e s - a história do m e s t r a d o . 0 t o q u e de eficiência, agilidade e alegria veio de v o c ê s .

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c o o r d e n a d o r a , pela liberação. Nesse espaço vivi (e vivo) parte significativa da minha v i d a . Na singularidade da con\/'\\jênc'\a, u m dos sentidos das nossas vidas: o trabalho.

Uma experiência de m e s t r a d o é singelamente, e m palavras de Sueli Costa & Paulo Emílio, "uma canção para toda vida".

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Esse trabalho analisa as c o n d i ç õ e s , históricas e sociais, que possibilitam a emergência do agricultor familiar c o m o sujeito p r o p o s i t i v o , no município de Lagoa Seca, Paraíba. O e s t u d o foi realizado j u n t o àqueles g r u p o s , instituições e pessoas, vinculados à agricultura familiar, que estão apresentando p r o p o s t a s , d i s c u t i n d o a viabilidade das proposições apresentadas e n e g o c i a n d o c o m os poderes socialmente instituídos: e x e c u t i v o , legislativo e judiciário. O discurso p r o p o s i t i v o é c o n s t i t u í d o numa c o m p l e x a rede de poderes que interagem historicamente e, nesse c o n t e x t o , elaboram proposições diferenciadas, ora de recusa, ora de aceitação das estratégias de sociabilidade p r e d o m i n a n t e s ; e investe na (des)construção, implosão e explosão de antigas e novas lealdades políticas, agenciando, não sem t e n s õ e s , u m vir-a-ser d i f e r e n t e , resultado das múltiplas intervenções dos agricultores no município.

(13)

Ce travail analyse les conditions historiques et sociales qui p e r m e t t e n t à l ' a g r i c u l t e u r familial de devenir un acteur capable de « p r o p o s i t i o n s » , dans la C o m m u n e de Lagoa Seca, Paraíba. L ' é t u d e a été réalisée auprès de g r o u p e s , institutions et personnes liées à I ' a g r i c u l t u r a familiale, qui présentent des projets et les négocient avec les pouvoirs socialement institués: e x é c u t i f , législatif et judiciaire. Le discours «propositif» se c o n s t i t u e dans un réseau c o m p l e x e de pouvoirs qui interagissent h i s t o r i q u e m e n t , et, dans ce c o n t e x t e , élaborent des projets différenciés, soit de refus, soit d ' a c c e p t a t i o n des stratégies de sociabilité prédominantes ; il investit dans la (dé)construction , implosion et explosion de loyautés politiques anciennes et nouvelles, organisant, non sans t e n s i o n s , un devenir différent, résultat de multiples interventions des agriculteurs dans la c o m m u n e .

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Resumo Resume

1 . Introdução 1 2. Capítulo I - A s condições sociais de c o n s t i t u i ç ã o do discurso

p r o p o s i t i v o do agricultor familiar 21

2 . 1 . A p r e s e n t a ç ã o 21 2 . 2 . O lugar da proposição a partir das redes de poderes no

espaço local 23 2 . 3 . M o v i m e n t o s sociais: que sujeitos são esses? 28

2 . 4 . A c o n s t r u ç ã o do discurso p r o p o s i t i v o 4-3 2 . 5 . A s c o n f i g u r a ç õ e s da participação do agricultor familiar: os

poderes da representação 56 3. Capítulo II - Dos bastidores ao palco: c o n t r a d i ç õ e s , t e n s õ e s ,

aportes e dificuldades do processo propositivo 77

3.1. A p r e s e n t a ç ã o 77 3 . 2 . Os mediadores do discurso 78

3 . 3 . Passos e (des)compasso do cenário 95

3 . 4 . Os bastidores do discurso 97 3 . 5 . Os conselhos: u m a experiência de c o n s t r u ç ã o de legalidades 109

4 . Capítulo III - Uma analítica da participação local: c o n f i g u r a ç õ e s de

poderes e i m p a c t o s sociais 117

4 . 1 . A p r e s e n t a ç ã o 117 4 . 2 . Ditos e interditos dos discursos: c o m p o r t a m e n t o das f o r ç a s

políticas 118 4 . 3 . O lugar do clientelismo: " a s s u j e i t a m e n t o " , " s i l e n c i a m e n t o " . . . 140

5. Considerações Finais 150 6. Referências Bibliográficas 157

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A S - P T A - Assessoria e Serviços a Projetos e m A g r i c u l t u r a A l t e r n a t i v a ARENA Aliança Renovadora Nacional

CENTRAC - Centro de A ç ã o Cultural

CUT - Central Única dos Trabalhadores

DRPA - Diagnóstico Rápido Participativo de A g r o e c o s i s t e m a s E M P A S A - Empresa Paraibana de A b a s t e c i m e n t o e Serviços Agrícolas EMATER - Empresa de Assistência T é c n i c a e Extensão Rural da

Paraíba

FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional FPM Fundo de participação dos Municípios

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias

L O A - Lei Orçamentária A n u a l

M D B - M o v i m e n t o D e m o c r á t i c o Brasileiro ONG Organização não G o v e r n a m e n t a l

P A T A C - Programa de Aplicação de Tecnologia A p r o p r i a d a À s C o m u n i d a d e s

PJMPR - Pastoral de J o v e n s do Meio Popular Rural PRONAF - Programa Nacional de A g r i c u l t u r a Familiar PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais

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Tabelas

Tabela 1 - Unidades de p r o d u ç ã o familiar de 1 0 ha 12 Tabela 2 - Unidades de p r o d u ç ã o familiar de 10 ha a menos de 50 ha 12

Tabela 3 - Unidades de p r o d u ç ã o familiar de 50 a menos de 500 ha 12

Anexos

A n e x o 1 - Roteiro de Entrevistas 1 6 8 A n e x o 2 - Questionário - Pesquisa de C a m p o 1 6 9 A n e x o 3 - Caracterização do A g r i c u l t o r de Roçado 171 A n e x o 4 - Caracterização do Verdureiro 1 7 2 A n e x o 5 - Caracterização d o Fruticultor 1 7 3 A n e x o 6 - M a p a das Regiões de Lagoa Seca - PB 1 7 4

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são idas e vindas, 'demarches', intrigas, e cjue os

espaços são áreas reticulares, tramas, retramas,

redes, desredes 4e imagens e falas tecidas nas

relações sociais" CALBl/QWERQWE J Ú N I O R )

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(19)

1 InthDcjuçgo

0 objetivo desse trabalho é analisar o lugar social do agricultor familiar na f o r m u l a ç ã o do discurso propositivo, no município de Lagoa Seca,

no Estado da Paraíba.

0 s u p o s t o desse estudo é o de que, os p r o c e d i m e n t o s que g a r a n t e m ao agricultor familiar a condição de sujeito propositivo não estão isentos das negociações advindas das redes e controles tradicionais de poderes; e os i m p a c t o s da experiência d e p e n d e m diretamente da tenacidade c o m o vão sendo d e m a r c a d o s os lugares sociais de cada

p e r s o n a g e m , n u m a implosão e explosão de antigas e novas lealdades políticas.

Gostaria de apresentá-lo c o m o resultado de u m esforço coletivo e individual de construir u m a dissertação. Caminho de muitas trilhas, ela é, singelamente, u m a colcha tecida por vários discursos falas e práticas -experiência de m u i t o s agricultores nas múltiplas relações estabelecidas "que pode ser de muitas e diferentes naturezas: de confronto, de sustentação, de

exclusão, de neutralidade aparente, de gradação, etc. "(ORLANDI, 1988: 58).

Na trajetória da pesquisa, cruzaram-se c o m p r o m i s s o s pessoais, profissionais e militantes, meus e das pessoas envolvidas e, para compreender o t e m a p r o p o s t o , c o m os rigores do relato e da análise, era

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preciso transitar c o m humildade nas relações do cenário e, a partir daí, perceber a contribuição única de cada pessoa e n t r e v i s t a d a , os inúmeros discursos e as diferentes f o r m a s de ser agricultor e m Lagoa Seca.

O interesse primeiro nasceu da minha experiência profissional desenvolvida j u n t o ao CENTRAC - Centro de A ç ã o Cultural, organização não-governamental - ONG paraibana, c o m sede e m Campina Grande e área de atuação na Região do Agreste da Borborema, mas e s p e c i f i c a m e n t e , no Programa de Políticas Públicas e Cidadania, que tinha c o m o objetivo: capacitar a população, especialmente os representantes das diversas entidades da sociedade civil, para intervenção qualificada nos o r ç a m e n t o s públicos municipais.

C o m o pesquisadora me detive na experiência de "agenciamento" dos agricultores no município, t e n t a n d o desvelar na sua "enunciação coletiva1 as nuanças, tramas e redes de constituição de u m tipo de discurso

- o da proposição. C o m o cada agricultor se constitui e m sujeito deste discurso, o lugar social se c o n s t i t u i n d o e as t r a n s f o r m a ç õ e s que f o r a m dando-se no processo.

1 A o t e r m o agenciamento coletivo de enunciação, Suely Rolnik c h a m a às m e d i a ç õ e s

c o m p l e x a s que e n v o l v a m c o m p o n e n t e s h e t e r o g ê n e o s , de o r d e m b i o l ó g i c a , s o c i a l , i m a g i n á r i a , e n t r e o u t r a s ; s u a i d e n t i f i c a ç ã o não se e s g o t a n e m n a e n t i d a d e i n d i v i d u a d a , n e m na s o c i a l m e n t e p r e d e t e r m i n a d a . ( G U A T T A R I & ROLNIK, 1 9 9 6 : 3 1 7 )

(21)

Histórias C o n t a i s , Histórias Vividas: o

Sindicato dos Trabalhadores Rurais em Lagoa Seca

Plurais são as motivações e os posicionamentos dos personagens que interagem n u m universo de forças políticas desiguais.

C o n f e r i m o s u m papel de destaque ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR, pela sua história no município, por ser, no c o n t e x t o atual, o ator social de maior expressividade e visibilidade pública e política, c o m o sujeito propositivo.

A história do sindicato é s o b r e t u d o construída a partir de relatos orais, retalhos de vidas, observações realizadas no transcurso da pesquisa; u m esforço de juntar informações, selecionar narrativas que t r a t e m do t e m a , não necessariamente de u m a origem e u m a continuidade: "a história

há muito tempo não procura mais compreender os acontecimentos por um jogo de causas e efeitos da unidade (...) de um grande devir, vagamente

homogêneo ou rigidamente hierarquizado" (FOUCAULT, 1 9 7 1 : 5 6 ) .

Parte significativa das informações f o r a m reunidas c o m o trabalho de a p r o x i m a ç ã o ao dia a dia d o agricultor no plantio, na comercialização, nas festas e "obrigações u r b a n a s " : o dia do p a g a m e n t o , a fila no banco, a carta que se põe no correio, as c o m p r a s , a missa aos d o m i n g o s , os pequenos negócios na cidade, a m a s s a g e m - essas "tantas

(22)

O material escrito: as atas das assembléias, as publicações educativas - cartilhas, boletins - os periódicos (jornais da imprensa local e regional), c o n t r i b u í r a m sobremaneira para f o r m a ç ã o dessa mirada descontínua do sindicato no município.

O único registro escrito disponível, no período correspondente a 1 9 7 6 - 9 2 , são as a t a s2 de assembléias, eleições e posse do sindicato;

intervalo entre a f u n d a ç ã o do sindicato ( 3 0 . 0 5 . 7 6 ) e a m u d a n ç a de direção, c o m a eleição da oposição sindical ( 1 8 . 0 5 . 9 2 ) .

Do l e v a n t a m e n t o da d o c u m e n t a ç ã o interna, tem-se c o m o dados i n f o r m a t i v o s u m relato padronizado, quase que de f o r m a linear, de processos sucessivos de recondução do cargo do presidente do s i n d i c a t o3

ou agendas f o r m a i s c o m assuntos pontuais: "aumento das mensalidades dos sócios" e "construções e aquisições"úe e q u i p a m e n t o s , bens e imóveis. A s p e c t o s que percorriam o universo das preocupações e e n c a m i n h a m e n t o s , e que r e t o r n a v a m a cada assembléia realizada - u m a média de duas por ano. A primeira oposição ao sindicato data das eleições de 1 9 8 3 ; u m a presença ainda t í m i d a de jovens agricultores, m e m b r o s das pastorais de jovens no meio rural (PJMPR), que m e s m o não conseguindo mudar a c o m p o s i ç ã o de forças naquele m o m e n t o , introduziu u m s e n t i m e n t o de que o sindicato poderia ser pensado de u m a f o r m a distinta. É s i n t o m á t i c o que a

2 F o r a m p e s q u i s a d a s t o d a s as atas d o s anos m e n c i o n a d o s : 1 9 7 2 - 1 9 9 2 .

3 J o s é Francisco A n a c l e t o , m a n t e v e - s e c o m o p r e s i d e n t e d o STR d a f u n d a ç ã o até o ano de

1 9 9 2 , q u a n d o o c o r r e r a m as m u d a n ç a s , a raiz d o p r o c e s s o eleitoral q u e elegeu u m a n o v a direção para o s i n d i c a t o .

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partir do ano seguinte - 1 9 8 4 - já se registre e m atas a presença e m assembléia, de nomes c o m o Nelson A n a c l e t o , atual presidente. Nesse m e s m o ano surge pela primeira vez, o enunciado reivindicação: "reivindicar do prefeito e demais autoridades, apoio para agricultura" - prenúncio do que se c o n v e r t e r i a , p o s t e r i o r m e n t e , e m proposições mais consistentes. A resposta do poder e x e c u t i v o , naquele m o m e n t o , veio sintonizada c o m o papel social do sindicato na relação de colaboração construída j u n t o aos órgãos g o v e r n a m e n t a i s : "conceder 500 enxadas e deixá-las sob a responsabilidade do sindicato para distribuir com os mais carentes". (Ata da Sessão de Assembléia Geral Extrordinária, 0 8 de abril de 1 9 8 4 )

J á no presente, u m dirigente sindical, da gestão atual, discursa sobre a história do sindicato - o seu passado, de c o m o a direção se distanciou dos agricultores, da circulação de interesses, da descaracterização do dirigente:

"Era uma direção que já não satisfazia mais os interesses dos trabalhadores, dos agricultores, da categoria. Não mantinha a característica de agricultor... acima de tudo comprometido com políticos, e isso foi um dos motivos que fez a gente divergir da forma

como ele tava conduzindo o sindicato, da forma como ele tratava as questões dos trabalhadores...a gente sentia na pele as injustiças que ocorriam com os

trabalhadores...sempre perdendo os seus direitos, sempre perdendo suas conquistas e isso...refletia no nosso trabalho" (Nelson Ferreira, 33, agricultor e tesoureiro do STR).

Esse c o n v e n c i m e n t o m o t i v o u u m g r u p o de jovens, ainda conhecidos na atualidade c o m o os "meninos do sindicato", a f o r m a r u m a

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articulação de oposição e m 1 9 8 9 . 0 grande e m b a t e de posições ocorreu neste m e s m o ano, na disputa eleitoral. Houve vários choques, s o m e n t e controlados c o m o "reforço policial para apaziguamento dos ânimos" . No dizer dos personagens envolvidos, Lagoa Seca se t r a n s f o r m o u e m u m verdadeiro "campo de guerra". Nessa ocasião a oposição perde a d i s p u t a .

0 grupo de oposição derrotado converte-se e m experiência p e r m a n e n t e de oposição e m 1 9 9 0 , c o m direito a assessoria permanente do CENTRAC. "O grupo concretamente começa a se encontrar e, a partir daí, passa a analisar e avaliar os problemas que vivemos em cada dia, começando a estudar a realidade de Lagoa Seca '*

Esta experiência desenvolveu - no período de 1 9 9 0 - 9 2 - u m trabalho persistente de estudo - "conhecimento da realidade" - a t e n d i m e n t o personalizado aos associados, visitas aos sítios e reuniões nas c o m u n i d a d e s . Conseguiu-se, c o m estas atividades, u m r e c o n h e c i m e n t o que resultou na c o m p o s i ç ã o de u m a única chapa nas eleições de 1 8 . 0 5 . 9 2 , c o m supremacia da oposição, sob a presidência de Nelson Ferreira, atual tesoureiro, gestão 1 9 9 8 - 2 2 0 2 .

Na assembléia de posse da nova direção novos atores aparecem e m c e n a , são as comunidades/sítios dos "Mineiro, Floriano, Retiro, Alvinho,

Lagoa de Barro, Lagoa de Gravata"; as assessorias, aliados/parceiros

4 Cf. C a r t a P r o g r a m a : t r a b a l h a d o r e s rurais de Lagoa S e c a (eleições d o dia 12 de abril de

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circunstanciais ou permanentes, o polo sindical. U m n o v o discurso surge c o m vitalidade: já se discute "a necessidade de colocar a problemática dos trabalhadores rurais para os vereadores", a filiação do sindicato a Central Única dos Trabalhadores - CUT, a prestação de contas do sindicato, a transparência no uso d o s recursos públicos. A partir desse m o m e n t o , o sindicato redefine sua f u n ç ã o social e introduz na sua agenda t e m á t i c a s

mais gerais, c o m o a abertura do hospital, a água no município.

Esse discurso v e m se legitimando no transcurso dos anos. O f e n ô m e n o da "chapa única com recondução dos cargos" mantêm-se desde

1 9 9 2 . São três m a n d a t o s c o n s e c u t i v o s : 1 9 9 2 - 9 5 ; 1 9 9 5 - 9 8 ; 1 9 9 8 - 2 0 0 2 . Este último ampliado para quatro anos, de acordo c o m as novas mudanças estatutárias.

Dentro das atividades e ações realizadas e divulgadas pelo sindicato, através do boletim de prestação de c o n t a s , c o n s t a m os trabalhos relacionados às políticas públicas, a agricultura familiar e c o m mulheres -no que concerne a orientação, saúde e alimentação naturais - e a c o m p a n h a m e n t o jurídico permanente a duas áreas de c o n f l i t o s .

C o m o instituição, participa nos conselhos de d e s e n v o l v i m e n t o agropecuário, saúde e b e m estar social, no processo de elaboração de políticas públicas para intervenção no ciclo orçamentário: Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA) e projetos direcionados ao d e s e n v o l v i m e n t o da agricultura familiar, ou nas mobilizações gerais

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-t r a -t o c o m as -t e m á -t i c a s da saúde e da e d u c a ç ã o . A -t u a l m e n -t e discu-te a viabilidade de cada proposta apresentada, a disponibilidade dos recursos e as prioridades - o que e onde aplicar os recursos.

"Intervenção e participação nos conselhos de saúde e agropecuário; discussão com as associações de pequenos produtores e apresentação de propostas para

o orçamento público municipal; luta para que o poder público atenda as reivindicações dos agricultores, que

foram aprovadas no orçamento; organização e conscientização dos pequenos agricultores no sentido de que, na medida do possível, façam projetos (...) para investir nas propriedades "(Boletim Informativo: atividades e ações realizadas no último mandato , 17 de maio de 1998)

0 sindicato, à medida que se dedica às atividades de caráter político-participativo, mobiliza u m número significativo de associados aposentados. Arriscaria a dizer, que a aposentaria é, na atualidade, o grande " a c h a d o " do m o v i m e n t o sindical rural5. Só que as demandas desse

público são b e m precisas e contraditórias. A m e s m a aposentadoria que atrai m u i t o s agricultores, exige m u i t o d o s seus dirigentes: são trâmites intermináveis j u n t o ao Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, expedientes intensos, burocracia alargada e a sensação de "perda de tempo" quando se deixa de participar de alguma "atividade mais política".

3 De a c o r d o c o m i n f o r m a ç õ e s de N e l s o n Ferreira, t e s o u r e i r o atual d o STR, são

a p r o x i m a d a m e n t e "1000 aposentados descontando a favor do sindicato...umas 300

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O sindicalismo e m f u n ç ã o do benefício dedica m u i t o t e m p o à burocracia, ao a c o m p a n h a m e n t o das várias ações acionadas j u n t o ao INSS; m e s m o inspirado na prestação de u m "bom serviço", c o m o f o r m a de garantir "ganhos políticos e jurídicos", o dirigente reconhece que o t e m p o dedicado à previdência é m u i t o grande:

"a inclusão da previdência social no sindicato ...o antigo FUNRURAL, que tinha sido extinto...hoje através da lei de aposentadoria, passou o convênio a ser direto no sindicato. Isso quer dizer, que o sindicato em outras palavras, passou a ser um bureaux, ou seja um posto do INSS...ocupou, digo assim 70% do tempo das diretorias do sindicato" (Nelson Ferreira, 33, agricultor e tesoureiro do STR).

Paira u m a determinada visão e m relação a participação dos agricultores no sindicato. Acredita-se que os p r o d u t o r e s , na sua grande maioria, são resistentes à ação; não incorporam c o m o importante a inserção sindical. Quando j o v e m associa o sindicato a velhice: "sindicato é coisa prá

velho" ou máquina de resolver problemas. Na velhice, diz ser o lugar de resolução de alguns dos seus problemas, especialmente quando chega o m o m e n t o de solicitar sua aposentadoria:

"a idéia que tá formada há muito tempo na cabeça do jovem... de que ele só venha no sindicato na hora de resolver um problema...de que sindicato é pra velho, isso foi constituído nesse sindicato ao longo de vinte e tantos anos... que sindicato é só pra quem vai se aposentar" (Nelson Anacleto, 38, agricultor e presidente do STR)

Os resultados da pesquisa indicam que o d i s t a n c i a m e n t o é conseqüência do esvaziamento de esperanças e impotência diante das preocupações financeiras. A luta pelo s u s t e n t o diário, as ameaças

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c o n s t a n t e s de chuvas abaixo da média (o f e n ô m e n o histórico das secas na região nordeste), as correntes migratórias, indicam que a aposentadoria na velhice, é vista pelos agricultores, c o m o "quase última alternativa" de sobrevivência. Portanto, f a z e m sentido as queixas, o desinteresse, o desânimo e a procura d o sindicato e x c l u s i v a m e n t e pelo "direito de aposentadoria ":

"a gente quando chega pra se aposentar é uma dificuldade tão grande: o sindicato exigiu uma declaração pra eu justificar que morava na terra ";

"participo não, sou aposentada pelo INSS", "tou com o sindicato atrasado ";

"descuido. A obrigação era tá lá...eu vou ajeitar eu tenho vinte anos pago ";

"sou ocupado, não tenho interesse"; "não conheço, não tenho contato, não gosto " (trabalhador alugado);

"não sou agricultor, só ajudo e também estudo" (fala de um jovem de 18 anos);

"não tenho sindicato não! eu não me interesso, não gosto não! ...não sei nem onde é, a gente nunca precisou de ir lá"

Outra variável i m p o r t a n t e diz respeito a posição instituída às mulheres nas relações de gênero. Geralmente lhes c o n f e r e m papéis sociais diferenciados na casa, no sindicato, na inesgotável jornada de trabalho. C o m estes limitadores sua participação é discreta, quando não inexistente:

"reunião é difícil eu ir, moro no sitio, é muito longe e desconveniente, eu tenho medo de sair a noite";

"fui n 'alguma reunião das mulheres, e às vezes noutras que tá todo mundo ",

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"sou sócia, quase 25 anos, acho que em 71, quando tem reunião que eu sei que tem, eu venho ";

"a gente toma conta do que é dos outros, não pode tá saindo ";

"não tenho tempo de sair de casa com menino pequeno, tenho muito trabalho - quando eu tenho

tempo eu venho às reuniões "

A história recente do sindicato se c o n s t r ó i , c o m o acento particular, na relação do agricultor c o m a terra. É nesse percurso onde se e v o c a u m m u n d o de significações, de múltiplas projeções para o município.

Vvn olhar sob Lagoa Seca

0 município de Lagoa Seca é habitado, e m sua maioria, por agricultores familiares que v i v e m da produção de hortifrutigranjeiros, responsáveis pelo a b a s t e c i m e n t o do mercado de Campina Grande. Sua população é estimada e m 2 2 . 9 8 2 habitantes, sendo 7 . 5 0 7 na zona urbana, o que eqüivale a 3 2 , 6 % , e 1 5 . 4 7 5 na zona rural, correspondendo a 6 7 , 4 % , e ocupa u m a área de 1 3 3 k m 2 . (IBGE. C o n t a g e m Populacional: 1 9 9 6 ) .

A s unidades de produção familiar, e m relação ao número de estabelecimentos e área por hectare, se distribui e m 2 2 0 0 estabelecimentos n u m a área de 8 5 2 5 hectares. De acordo c o m as informações reunidas, o d e t a l h a m e n t o dessa delimitação se realiza nos seguintes parâmetros:

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Tabelas

Para melhor compreensão das tabelas, leia-se estabelecimentos como(e) área/ha como (a/ha)

Tabela 1

M e n o s de 10 hectares

M e n o s de 1 3 1 6 (e) 1 4 0 (a/ha) 1 a menos de 2 6 0 9 (e) 7 1 9 (a/ha) 2 a menos de 5 8 4 6 (e) 2 3 9 0 (a/ha) 5 a menos de 1 0 . . . 2 7 8 (e) 1 7 7 8 (e/ha) T o t a i s : 2 0 4 7 ( 9 3 % ) 5 0 2 6 ( 5 9 % )

FONTE: IBGE: Censo Agropecuário 1995-1996-PB e Contagem d a População, 1996, vol. 9.

Tabela 2

De 1 0 a menos de 5 0

1 0 a menos de 2 0 111 (e) 1 4 0 3 (a/ha) 2 0 a menos de 5 0 . . 34(e) 9 9 1 (a/ha) T o t a i s : 1 4 5 ( 6 , 6 % ) 2 3 9 4 ( 2 8 % )

FONTE: IBGE: Censo Agropecuário 1995-1996-PB e Contagem d a População, 1996, vol. 9.

Tabela 3

De 5 0 a menos de 5 0 0

De 5 0 a menos de 1 0 0 3 (e) 1 8 0 (a/ha) De 1 0 0 a menos de 2 0 0 4 (e) 5 2 9 (a/ha) De 2 0 0 a menos de 5 0 0 1 (e) 3 9 6 (a/ha) T o t a i s : 8 ( 0 , 3 % ) 1 1 0 5 ( 1 3 % )

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De acordo c o m o número de estabelecimentos familiares declarados, a estrutura fundiária do município é constituída basicamente de pequenas unidades de produção familiar. Dito de outra f o r m a : 93% dos unidades produtivas são de 0 a menos de 10 hectares (tabela 1) e o c u p a m u m a área aproximada de 5.026 hectares, ou seja, 59% do espaço físico do município.

Se considerarmos o discurso do Sindicato dos Trabalhadores Rurais sobre q u e m pode ou não ser associado da entidade, esse t e t o é mais flexível. De acordo c o m as c o n v e n ç õ e s estatutárias, são candidatos a sócios t o d o trabalhador rural, a partir de 16 anos, que possua até 0 4 m ó d u l o s rurais6 - p o r t a n t o 4 8 hectares. De acordo c o m sua f o r m u l a ç ã o , são

produtores familiares aqueles que p o s s u e m de menos 01 até 4 8 hectares. C o m esse diagnóstico as unidades de produção familiar passam a ocupar quase a totalidade das terras do município.

Observemos que quando a m a r g e m é ampliada para até menos de 50 hectares (tabela 2) há uma variação de percentual. A o s 9 3 % correspondentes as unidades produtivas de 0 a menos de 10 hectares (tabela 1), são acrescidos 6 . 6 % , quer dizer, mais 145 estabelecimentos (tabela 2 ) . C o m base nesses dados é possível indicar que 9 9 , 6 % das terras de Lagoa Seca são pequenas unidades de produção e estão espalhadas e m

7420 hectares (tabelas 1 e 2 ) .

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Metodologia

A pesquisa foi realizada j u n t o àquelas experiências, pessoas, instituições, vinculadas, direta ou indiretamente, à agricultura familiar, que estão apresentado p r o p o s t a s , reflexionando sobre a viabilidade e sustentatibilidade das suas proposições, cruzando e redimensionando suas práticas discursivas.

A perspectiva m e t o d o l ó g i c a desse trabalho é a da análise do discurso - A D , ou seja, a busca de entender o discurso propositivo na historicidade que o caracteriza: as t r a m a s que e n v o l v e m cada enunciação; os c o n v e n c i m e n t o s , oscilações e tensões que c i r c u n d a m o universo da proposição.

Trata-se do discurso que investe na melhoria das condições de vida do trabalhador rural, t a n t o estimulando a permanência dos produtores no c a m p o , c o m o qualificando sua vida, especialmente no que se refere ao acesso aos bens e serviços de c o n s u m o coletivo: habitação, s a n e a m e n t o básico, rede de água e energia, serviços de saúde, infra-estrutura de c o m u n i c a ç ã o e t r a n s p o r t e , educação e lazer nas zonas rurais.

Para isso, acompanhei de f o r m a s i s t e m á t i c a , por u m período de 11/a (ano e meio), fevereiro de 1 9 9 7 a julho de 1 9 9 8 , as mais variadas

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decisivos para elaboração do projeto de pesquisa para, logo e m seguida, dedicar-me à realização das entrevistas e aplicação dos questionários.

Considerando que os enunciados se diferenciam entre si, t r a b a l h a m o s , inicialmente, c o m os discursos emitidos e m m o m e n t o s de maior exigência: nas assembléias, nas negociações ou atividades públicas, no p r o n u n c i a m e n t o do discurso dirigente. São mediações que a c o n t e c e m nos interstícios da disputa política e/ou eleitoral, t e n d o sempre na retaguarda u m a representação e/ou legitimidade a serem resguardadas.

A t e n ç ã o especial f o r a m dedicadas às conversas consideradas informais, nos intervalos dos e v e n t o s , na realização das entrevistas, nas filas d o banco e correios, no percurso das viagens/carona, na conversa curiosa à beira de u m a estrada, na visita ao roçado, no corre-corre da feira livre, na comercialização da E M P A S A - Empresa Paraibana de A b a s t e c i m e n t o e Serviços Agrícolas; buscando sempre estar atenta às flexibilizações e d e s l o c a m e n t o s das falas e posições políticas.

A observação participante guiou t o d a a pesquisa. A partir dela pude me aproximar das áreas " s e c r e t a s " de cada discurso, que só c o m a intimidade da convivência foi possível penetrar. Desse período destacaria algumas atividades, espaços e experiências, dentre as quais d e s t a c o :

• A c o m p a n h a m e n t o dos discursos da imprensa regional: Jornal da Paraíba e Diário da Borborema.

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A t i v i d a d e s c o m mulheres pequenas agricultoras;

Avaliação anual do Centro de A ç ã o Cultural - CENTRAC, 1 9 9 7 ; A c o m p a n h a m e n t o de algumas atividades de m o n i t o r a m e n t o dos bancos de inhame e batatinha;

Dia de c a m p o p r o m o v i d o pela EMATER -PB, sobre a cultura do inhame; Encontro de análise (estudo e repasse) dos resultados do Diagnóstico Rápido Participativo - DRPA, visando a capacitação dos agricultores para elaboração das propostas;

Encontros do g r u p o de e s t u d o s , visando u m a maior qualificação no relacionado aos i n s t r u m e n t o s e canais de participação na gestão municipal: leitura dos balancetes, da Lei Orgânica (LO), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária A n u a l (LOA), do Planos Plurianuais e Constituições Estadual e Federal;

Experiência de a b o r d a g e m corporal - m a s s a g e m , desenvolvida pela pastoral da criança de Lagoa Seca; Experiência de a b o r d a g e m corporal -m a s s a g e -m , desenvolvida pela pastoral da criança de Lagoa Seca;

Oficinas t e m á t i c a s : agricultura, saúde, educação e ação social - espaços de f o r m u l a ç ã o das proposições por setores, cujos objetivos são: estabelecer prioridades, estudar critérios de gestão e seleção dos beneficiários - tipos de agricultores, delimitação das áreas (regiões, c o m u n i d a d e s , sítios), viabilidade t é c n i c a e ambiental e parcerias.

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• Reuniões dos conselhos de saúde, bem-estar social, e d e s e n v o l v i m e n t o agropecuário;

• Sessões na câmara de vereadores;

Foram realizadas e n t r e v i s t a s7 c o m várias modalidades de

abordagens:

• Agricultores e agricultoras dirigentes do STR, e s i m u l t a n e a m e n t e , m e m b r o s de várias organizações sociais - Severino, 5 2 anos - Nelson Ferreira, 3 3 anos Nelson A n a c l e t o , 3 8 anos Sr. José Leal, 6 4 anos -Dona Arlinda, 5 3 anos - Marlene, 2 9 anos - V e r o , 3 6 anos - Sr. A f o n s o , 6 3 anos - Sr. Germano, 5 9 anos.

• Representantes de instituições e organismos de parcerias: José V e n â n c i o , 4 6 anos, EMATER PB D. Adalgiza, 6 6 anos CERPAS -Celi de Lourdes, 4 8 anos, Secretária Municipal da A ç ã o Social e Vice-Presidente dos Conselhos de Saúde e Bem-Estar Social - Pedro J á c o m e , 5 9 anos, presidente da Câmara de Vereadores - Alice, 61 anos, Pastoral da Criança Sônia M a r i n h o , 41 anos e Gloria Maria, 4 2 anos -CENTRAC.

• Conversações não gravadas c o m grupos e pessoas que m a n t é m c o m o sindicato - ou c o m a dimensão participativa mais ampla - u m a relação de aparente proximidade e, c o m a m e s m a intensidade, de

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d i s t a n c i a m e n t o : Irmão Damião, 8 0 anos - Congregação M a r i s t a , grupo de "ex-agricultores" - atualmente assalariados e prestando serviços variados, g r u p o de mulheres agricultoras - vendedoras de produtos c o s m é t i c o s , e Dona Oldenira, agricultora, 6 7 anos, " d i s s i d e n t e " do sindicato.

No final da pesquisa f o r a m aplicados 5 0 questionários8,

distribuídos aleatoriamente para os agricultores que "não p a r t i c i p a m " de f o r m a ativa da vida sindical O objetivo era reunir informações c o m p l e m e n t a r e s as obtidas c o m os setores "mais e n g a j a d o s " .

Quando na fila do b a n c o , no dia do p a g a m e n t o , me aproximava dos agricultores, para solicitar as informações necessárias ao preenchimento do questionário, u m agricultor me indagou: "tem algum prá mim"? T e n t o explicar-me de várias f o r m a s : apresento a pesquisa, falo da importância da contribuição dele e da liberdade de escolha de cada pessoa, e m responder ou não, quando abordada. Ele não d e m o n s t r o u n e n h u m interesse e m escutar, n e m responder, e a c r e s c e n t o u : "...perguntar, por perguntar muitos faz, quero saber se tem algum dinheiro".,

M u i t o s t ê m m e d o de responder e se prejudicar; alguns negam-se r o t u n d a m e n t e , outros d e m o n s t r a m u m a evidente insegurança, e a partir do m o m e n t o e m que u m a das pessoas não se dispõe a responder, a sua atitude age c o m o "efeito dominó"- influencia aos que estão mais p r ó x i m o s ,

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generalizando a d ú v i d a . De f a t o , alguns diálogos f o r a m interrompidos, interceptados, silenciados - dimensões que v a m o s tratar, no transcurso desse trabalho, quando e n f o c a r m o s as práticas de clientelas e assujeitamento presentes no t e c i d o social.

A produção agrícola familiar, o c o n t e x t o social, os níveis diferenciados de percepção e sensibilidade políticas d o s atores sociais, valores n o v o s e velhos interagindo, são c o m b i n a ç õ e s de processos que indicam u m quadro múltiplo de opções na análise do discurso propositivo.

Este trabalho consta de u m a introdução, três capítulos e as considerações finais. No capítulo I, intitulado:

As condições sociais de

constituição do discurso propositivo do agricultor familiar,

serão estudadas as condições históricas que possibilitam a emergência d o discurso propositivo.

No capítulo II -

Do cenário 210 palco: contradições, tensões,

aportes e dificuldades do processo propositivo.

A a b o r d a g e m desse m o m e n t o dar-se-á e m t o r n o das indagações de cada p r o c e d i m e n t o : q u e m participa de quê, c o m o , quando e c o m quais objetivos; os sentidos postos e m cada fala, cada ação à medida que vão sendo ordenadas e

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t r a n s f o r m a d a s e m e n u n c i a d o s , discursos; os diferentes lugares de s u j e i t o9

-singularidades, preocupações, tensões, contradições.

No capítulo MI -

Uma analítica 4a participação local:

configurações efe poderes e impactos sociais -

serão analisados os p r o c e d i m e n t o s geradores de i m p a c t o s na gestão do poder local, os e l e m e n t o s c o n s t i t u t i v o s do jogo político - fissuras e r e s i s t ê n c i a s1 0, as

nuanças que e n v o l v e m a t r a n s f o r m a ç ã o das necessidades imediatas e m proposições coletivas e o i m p a c t o da ação dos agricultores - ao projetar suas intenções, reivindicações e m propostas, programas e projetos - na edificação de u m a institucionalidade d e m o c r á t i c a no espaço local.

Os processos de assujeitamento e os d e s l o c a m e n t o s na maneira tradicional de pensar o sujeito, a sociedade, o saber, a verdade, são variáveis de análise desse nosso e s t u d o .

9 Ernesto Laclau a b o r d a o a g e n t e social c o m o u m a pluralidade, v i n c u l a d o as d i f e r e n t e s

p o s i ç õ e s de s u j e i t o s , no c o n t e x t o das várias f o r m a ç õ e s d i s c u r s i v a s . Ele a f i r m a q u e t o d a p o s i ç ã o de sujeito é i n s t á v e l , p o s t o q u e e s t á s u j e i t a as várias p r á t i c a s a r t i c u l a t ó r i a s . ( L A C L A U , 1 9 8 6 : 4 3 )

1 0 S e g u i m o s as n u a n ç a s do p e n s a m e n t o de M a r i a A m é l i a M . C u p e r t i n o q u a n d o a d v e r t e que "não há pontos fixos para as resistências, não há definições prévias para o seu caráter (elas podem ser espontâneas ou planejadas, irreconciliáveis ou prontas ao compromisso, selvagens e violentas, solitárias, arrastadas, interessadas ou fadadas ao sacrifício), não há redes estabelecidas, tudo é constantemente alterado. (CUPERTINO, 1995:58)

(39)

condições sociais de constituição do discu

propositivo do agricultor familiar

(40)

2. Capítulo 1

As condições sociais de constituição do discurso

propositivo do agricultor familiar

2.1.

Apresentação

0 objetivo deste capítulo é analisar as condições sociais que p e r m i t e m ao agricultor familiar assumir u m lugar de sujeito na c o n s t r u ç ã o do discurso propositivo, no município de Lagoa Seca, Paraíba.

Agricultor é aquele que retira seu s u s t e n t o das atividades agrícolas e se reúne e m estabelecimentos ou pequenas unidades de produção familiar. Porém, não pensamos ser esta a única referência. De acordo c o m a análise de Maria Nazareth B. W a n d e r l e y , a agricultura familiar ainda "é um espaço em construção, na maioria das vezes, precário, instável, cuja viabilidade depende freqüentemente da tenacidade dos agricultores e da adoção de complexos estratégicos familiares" (WANDERLEY, 1 9 9 5 : 4 0 ) , não necessariamente relacionados ou restritos aos padrões de renda, produção e mercado.

Delma Pessanha avança u m p o u c o mais na análise dessas relações. Diz existir ações sociais que indicam u m universo variado de

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afiliação e estratégias, tecidas na transversalidade das relações do agricultor c o m a terra: "pode aparecer outras unidades, outros sistemas de ações sociais, outras formas de associação, para além da discreta objetividade e permanência do parentesco da família e da produção" (NEVES, 1 9 9 5 : 34)

Dito isso, são outras as dimensões do ser agricultor familiar que serão estudadas nessa capítulo, mais precisamente, o seu percurso c o m o sujeito que participa intervindo e propondo políticas públicas para o município

Para fazer este trajeto p r o p o m o s u m olhar à literatura que t r a t a , ainda que de f o r m a a p r o x i m a d a , os t e m a s mencionados. Inicialmente, u m a discreta travessia pelas discussões do poder local, para melhor compreender a valorização do município no processo c o n s t i t u i n t e ( 1 9 8 6 - 8 8 ) e o significado da Constituição de 1 9 8 8 c o m relação à participação propositiva.

Nas trilhas seguidas pelos analistas dos m o v i m e n t o s sociais, e n c o n t r a m o s os pressupostos da proposição, e nas t r a m a s sutis das relações de poder, passamos a tratar da c o n s t r u ç ã o do discurso e m si: aportes, controvérsias, d e s l u m b r a m e n t o s .

(42)

2.2. O lugar 4a

proposição

a partir das redes de poderes

no espaço local

11

Os sujeitos sociais, a medida que c o l o c a m na esfera do público o debate e m t o r n o de projetos políticos, p r o d u z e m u m a inflexão e m t o r n o das abordagens do poder local. Isso ocorre e m dois níveis: quando se estabelecem mediações c o m o discurso do Estado, historicamente responsável pelas ações públicas, e no m o m e n t o que os " c i d a d ã o s " passam a propor políticas públicas.

Faremos u m percurso retrospectivo, para c o m p r e e n d e r m o s q u a n d o se dão as mudanças de r u m o , que p e r m i t e m chamar u m m o v i m e n t o social de propositivo. Trata-se de analisar c o m o a experiência v e m sendo tradicionalmente pensada pela academia, através da consulta aos autores que t r a b a l h a m c o m a literatura vinculada aos t e m a s poder local, m o v i m e n t o s sociais, e t e m a s agregados/aproximados: Estado, sociedade civil, e a partir daí, fazer as respectivas conexões - quando possível - da experiência mais a m p l a , c o m o cotidiano d o município de Lagoa Seca.

Controvérsias perpassam as teorias que a l i m e n t a m o debate e m t o r n o do poder local. Em que circunstâncias emerge o espaço local? Na literatura recente é vinculado à t e m á t i c a da descentralização e dos canais e i n s t r u m e n t o s de proposição d o s cidadãos e da sociedade civil, e de f o r m a

1 1C f . D u r v a l M u n i z de A l b u q u e r q u e J ú n i o r : "Entendamos por espacialidade as percepções espaciais que habitam o campo da linguagem e se relacionam diretamente com um campo de forças que as institui" (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1994:4)

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específica, ao município e seus munícipes. Entretanto, historicamente não foi sempre assim.

"O modelo de gestão pública, até a década de 70 se caracterizava por uma concentração dos processos decisórios na esfera federal, conferindo um insignificante peso às administrações locais nas definições das políticas e na gestão dos recursos públicos12" (LACERDA, 1996: 41)

Enfoques dos mais variados se (des)encontram n u m a teia de reflexões. Circulam interpretações que apreendem o poder local c o m o espaço de alianças e articulações entre elites políticas. 0 local c o m o palco das desigualdades, de reforço a tradição e ao c o n s e r v a d o r i s m o ; espaço da feudalidade, da antipolítica. Esta visão considera que a transferência de

responsabilidades para a c o m u n i d a d e , impediria a universalização dos direitos, s o m e n t e possível através do Estado Nacional. C o n t r a d i t o r i a m e n t e , este m e s m o Estado, e n q u a n t o instituição g e s t o r a , esbarra nas suas próprias estruturas centralizadas, c o m u m a máquina administrativa gigantesca e ineficaz.

Os primeiros e s t u d o s sobre poder local no Brasil, t r a t a m da relação entre as oligarquias e o poder político nacional (SOARES: 1 9 9 6 ) . M e r e c e m destaque algumas abordagens marxistas que relacionam o local c o m o espaço de reprodução das forças hegemônicas do sistema capitalista, e t o d a u m a produção teórica que não consegue ater-se às singularidades,

1 2 N o r m a Lacerda e x p õ e s o b r e Poder local no Brasil: o s n o v o s d e s a f i o s , p u b l i c a d o no

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ou níveis diferenciados de autonomias d o s espaços; t a m p o u c o e n x e r g a m a descentralização c o m o canal de a p e r f e i ç o a m e n t o d e m o c r á t i c o .

O ' C O N N O R v e r i f i c o u , e m seus e s t u d o s sobre a "modernização da g e s t ã o " , que a transferência de i n s t r u m e n t o s t é c n i c o s , visando a qualificação da administração pública - c o m racionalidade, eficiência e eficácia - não assegura, por si só, a inserção dos atores sociais no processo de gestão. A c r e d i t a que trata-se de u m enfoque mais gerencial que participativo, que u m a racionalização da administração não assegura a democratização das decisões. ( O ' C O N N O R : 1 9 7 3 ; P I V K V A N C E , 1 9 9 1 apud SOARES, 1 9 9 6 : 6 3 ) .

As abordagens se d e s e n c o n t r a m na discussão da a u t o n o m i a do município. Seria o local u m a derivação do poder político nacional ou e x i s t e m singularidades relevantes, que diferenciam os c a m p o s de atuação e gestão? José Arlindo Soares, debatendo o t e m a , recorre aos autores - s e m necessariamente concordar c o m eles - V i c t o r Nunes Leal e R a y m u n d o Faoro, que d e f e n d e m o poder local c o m o :

"correia de transmissão para estabelecer a dominação do Estado Central sobre as massas rurais. O poder central estabelecia, a partir dos coronéis, uma rede de alianças e troca de favores" (LEAL, 1975 apud SOARES, 1996:22)

e/ou

"o local criado, tolerado, mantido politicamente à imagem e semelhança do Estado centralizado e patrimonialista (FAORO, 1975 apud SOARES, 1996: 85)

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Não o b s t a n t e , algumas mediações vão sendo estabelecidas. BIAREZ já d e t e c t a as oscilações e o potencial do discurso do poder local:

"no mundo moderno, o poder local e parte do poder político é gerado pelo Estado Nacional, mas que não existe apenas um caminho de mão única. O local gera também representações próprias e um sistema de ações coletivas que influenciam e podem mesmo provocar importantes mudanças na própria lógica das

decisões políticas em nível nacional" (BIAREZ, 1989: 9-11; 299 SOARES, 1996: 55)

Para analisarmos as condições sociais de produção e constituição d o discurso propositivo dos agricultores, é suficiente saber que, h i s t o r i c a m e n t e , as c o n c e p ç õ e s sobre poder local são c a m b i a n t e s , que o s c i l a m , m u d a m de posição no t e m p o . Ora seus defensores são considerados conservadores, ora afiliados a u m perfil de m u d a n ç a s e/ou de esquerda.

No dizer de José J u s t i n o Filho, quando trabalha c o m o p e n s a m e n t o de EUL-SOO P A N G , o local confundia-se c o m dois tipos de abordagens de coronéis. 0 coronel das regiões ruralizadas, pré-políticas e tradicionais, que exercia domínio partidário e geralmente controlava os recursos e o jogo político municipal; o coronel dos grandes centros ' u r b a n o s e m o d e r n o s ' , simbolizando o nacional, a urbanização, a emancipação das cidades, guardião dos anseios superiores de liberdade política. Na cidade estaria a sociedade política por excelência.(EUL-SOO PANG apud J U S T I N O F I L H O : 1 9 9 7 : 46)

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Na atualidade c o n v i v e m essas múltiplas abordagens. A s c o n c e p ç õ e s que acreditam que os discursos do poder local e da transferência de responsabilidades para os atores sociais no cenário político

local são estratégias do Estado para esquivar-se de suas f u n ç õ e s no concernente às políticas públicas; atitude recorrente e m situações de crise -transfere para os municípios as resoluções de problemas, que por sua c o n c e n t r a ç ã o de poderes, não consegue resolvê-los - ou simplesmente acreditam que as prefeituras não estão a c o s t u m a d a s a pensar o planejamento municipal fora das redes permanentes de domínios vigentes nas esferas pessoal, familiar, na sua difícil convivência c o m o domínio público. A s s i m sendo, a participação propositiva d o s munícipes, é associada a 'prefeituralização', onde existe apenas u m a transferência de responsabilidades do poder federal para a prefeitura.

O 'retorno do local' proposto para análise nesse trabalho, difere d o discurso do 'local t r a d i c i o n a l ' . No caso específico de Lagoa Seca, se inscreve nas reflexões do sindicalismo rural, nas experiências de gestão participativa: conselhos gestores - agropecuário, saúde, bem-estar social, na discussão do o r ç a m e n t o municipal e nos f ó r u n s de discussões e canais institucionais de participação popular e cidadã. Na realidade, é uma confluência de experiências que trabalham na perspectiva da descentralização da gestão municipal, que i n v e s t e m na democratização e nas oportunidades instituídas de participação e fiscalização direta dos

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grupos sociais, tradicionalmente excluídos dos destinos, investimentos e negócios públicos e m geral.

2.3. Movimentos Sociais: cjue sujeitos são esses*'

M u i t a s são as reflexões acerca dos " m o v i m e n t o s s o c i a i s " . Mas c o m o emerge esse lugar social, que passa a ser o c u p a d o pelo agricultor familiar no j o g o1 3 político municipal?

Na análise que segue, busca-se estabelecer algumas conexões, t a n t o do alcance, c o m o da compreensão desse "sujeito coletivo difuso

(...) processos sociais que em algum momento histórico foram notados, observados e se tornaram fontes de dados (...) analisados em seus elementos constitutivos". ( G O H N , 1 9 9 7 : 1 2 2 - 1 2 8 ) e sua contribuição na f o r m u l a ç ã o dos pressupostos do discurso da proposição.

A l g u n s autores, selecionados arbitrariamente, f a z e m a trilha deste percurso analítico: Borja J o r d i , reconhecido estudioso do t e m a m o v i m e n t o s sociais, ao descrevê-los estabelece alguns indicadores de identificação: "la toma de conciencia dei carácter incaceptable de una situa ción y la posibilidad de modificaria u oponerse a ei la se realiza a través de un proceso que exige mayor o menor grado de organización" (JORDI,

1 3 A n o ç ã o de j o g o é t r a b a l h a d a por J e a n - F r a n ç o i s L y o t a r d n a t e o r i a d o s j o g o s , e n q u a n t o

e s t r a t é g i a s t e c i d a s no c e n á r i o d a d i s p u t a , q u e d e p e n d e m d o s lances realizados e do lugar social de c a d a j o g a d o r . C a d a lance p o d e indicar u m a n o v a a r g u m e n t a ç ã o , a c o n s t r u ç ã o de c o n s e n s o s p r o v i s ó r i o s , u m a possibilidade de r e d e f i n i ç ã o de e s t r a t é g i a s e / o u a i n t r o d u ç ã o d e n o v a s p r o p o s i ç õ e s . ( L Y O T A R D , 1 9 8 8 )

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1 9 7 5 : 1 5 ) , mas projeta suas ações e m u m horizonte de longo prazo. 0 que seria, e m princípio, u m a contradição específica, experiências espontâneas, locais e limitadas, que agem sob u m a base territorial delimitada, se c o n v e r t e r i a m e m u m "movimento político de caráter popular". Defende ainda, que a conversão das necessidades individuais e m várias reivindicações gerais é a manifestação coletiva de u m a consciência, que só os grupos c o m coordenação, poder de c o n v o c a t ó r i a e representatividade, plausível de c o m p a r a ç ã o c o m outras experiências, poderiam criar direitos e mudar a correlação de f o r ç a s . Entretanto, t e n t a escapar das malhas do d e t e r m i n i s m o ao sugerir alguns cuidados no t r a t o c o m as suas idéias:

"Hay que evitar cuidadosamente ei análisis lineal, mecanicista y evolucionista de tipo: ei movimiento pasa por la fase A (petición de asistencia), luego B

(organización para la 'participación') luego C (reivindicaciones concretas respecto a las condiciones de vida) luego D (protesta por la no resolución de estos problemas y la falta de control efectivo sobre los instrumentos u organismos que deben resolverlos) y finalmente E (enfrentamiento político y construcción dei gérmen de poder popular" (JORDI, 1975:43-44)

0 autor, m e s m o querendo evitar u m a leitura linear, resvala ao reconhecer a existência de ' m o m e n t o s ' . 0 que ele discute é a desnecessária seqüência de u m a fase após a o u t r a , e acredita ser perfeitamente possível, por u m lado, a presença, a t í t u l o de e x e m p l o , da fase E nas situações anteriores, ou a mescla, e m u m m e s m o m o m e n t o , de elementos múltiplos correspondentes a fases diferentes. Porém o que se m a n t é m c o m o regularidade é a leitura progressiva, que permanece contínua e etapista.

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A referência de JORDI são os conflitos sociais urbanos e o c o n s u m o de bens e serviços coletivos. Parte sempre da possibilidade de generalização de algumas reivindicações urbanas, convertendo-as e m referencial significativo à criação de direitos, expressão de f o r ç a e poder. Seguindo a sua linha de p e n s a m e n t o , a visão progressiva é u m a c o n s t a n t e , presente na caracterização e pré-requisitos à constituição de u m m o v i m e n t o social: "programas reivindicativos en ei primer caso, política de reforma de estructuras en el segundo, poder popular en ei tercero" (JORDI: 1975-:59). M a n u e l Castells, t a m b é m estudioso dos processos de urbanização, gestão dos e q u i p a m e n t o s coletivos e poder político, ao analisar o alcance d o s m o v i m e n t o s sociais se aproxima da visão de Jordi Borja. Localiza o debate no bojo das contradições mais abrangentes do sistema capitalista, defende que a c o n t e c i m e n t o s c o m o revoltas, c o n t e s t a ç õ e s , m o v i m e n t o s pontuais, p o d e m transformar-se n u m a reação irracional de vida c u r t a , sem grande incidência sobre a realidade política e social; p o r t a n t o não p o d e m ser c h a m a d o s de m o v i m e n t o s sociais:

"assim, os movimentos urbanos tornam-se movimentos sociais na medida em que chegarem a ser componentes de um movimento político que põe em causa a ordem social (...) esta ligação entre lutas urbanas e luta política, esta passagem progressiva de uma esfera da estrutura social a outra, é o ponto fundamental na dinâmica de transformação que os

movimentos sociais urbanos podem suscitar"(CASTELLS, 1973: 123-124)

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Tilman Evers já indica algumas variações. Entende que pensar m o v i m e n t o social é u m exercício de ruptura c o m velhas categorias, u m a adaptação de e x p e c t a t i v a s e u m c o n v i t e ao p e n s a m e n t o heterodoxo e criativo, que embora lidando c o m u m tecido social irregular de ajuda m ú t u a , acredita no seu potencial de penetrar a micro-estrutura da sociedade. Seu olhar é e m i n e n t e m e n t e acolhedor. Enxerga pequenos grupos, autênticos, a u t ô n o m o s , c o m estruturas não burocráticas e/ou informais, t o m a n d o todas as decisões coletivamente e s e m diferenciação entre as lideranças e os demais participantes; distante dos discursos acadêmicos e suas exigências de erudição. Entretanto, a c o m p a n h a n d o o aporte teórico de EVERS, aparece claramente a referência a u m a 'esfera maior', c o m o âncora d o s processos e

"experiências irregulares, ambíguas, fragmentos de subjetividades", e m direção à sociedade alternativa. No seu dizer, são as individualidades c o m p l e t a s de caráter macro sociais, o polo que aglutina todas essas experiências. ( 1 9 8 4 : 12 seq.)

Dessa discussão desprende-se o u t r a , ou seja, o i m p a c t o dos m o v i m e n t o s sociais no processo de t r a n s f o r m a ç ã o social. Não vou querer suscitar as várias c o n c e p ç õ e s de mudanças que a l i m e n t a m o debate e m t o r n o dos processos sociais e instrumentos de t r a n s f o r m a ç ã o político-social, mas s i m , ressaltar o debate que circula e m torno das noções de p r o t a g o n i s m o .

EVERS, m e s m o admitindo que esses "novos atores políticos não sejam secundários em relação aos partidos políticos mas, no mínimo,

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equivalentes", discretamente reforça a visão que analisa essas experiências c o m o estágio de manifestação cultural ainda pura, 'pré-políticas'; f o r m a s imaturas de lidar c o m a política, distinta dos partidos políticos, que teriam u m a atuação mais consistente. Afinal aposta no novo partido: "diferente, incomparável, extraordinário, democrático, mas, de qualquer forma o partido político " (EVERS, 1984:13)

Safira A m m a n n põe o seu acento classista, e diz ser a c o n t e s t a ç ã o de determinadas relações sociais, no c o n t e x t o das relações de p r o d u ç ã o , o elemento c o n s t i t u t i v o dos m o v i m e n t o s sociais; característica que os diferencia das coletividades de caráter p r o m o c i o n a l . Para ela, grupos que reivindicam e m estrita colaboração c o m a ação estatal, não p o d e m ser considerados m o v i m e n t o s sociais, são s i m , m o v i m e n t o s reivindicativos, social e m potencial, não f a c t u a l . Entretanto defende u m p r o t a g o n i s m o ampliado: classes sociais, etnias, partidos políticos, regiões, religiões. A autora acredita que n e m t o d o m o v i m e n t o social t e m caráter de classe, de luta pelo poder; que p o d e m ser t a n t o de conservação, c o m o t r a n s f o r m a ç ã o . ( A M M A N N , 1 9 9 1 : 23)

Outra análise, s u p o s t a m e n t e mais exigente, c o m o a de Alan Touraine, propõe u m a c o m b i n a ç ã o ao estilo - classe, nação, modernização,

limitando significativamente o número de ações coletivas de conflito que considera m o v i m e n t o social. Ele insiste na precisão de u m lugar de e n u n c i a ç ã o : "fala em nome de uma classe contra outra, em nome de uma

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nação contra o estrangeiro dominante ou em nome da integração contra a tradição" (TOURAINE apud A N M A N N , 1 9 9 1 : 1 6 ) . Sua ênfase é dirigida ao p r o t a g o n i s m o daqueles m o v i m e n t o s que, no interior de u m a sociedade, lutam "pela direção de seu modelo de investimento, de conhecimento ou cultural" (TOURAINE apud SHERER-WARREN, 1 9 9 3 : 1 8 ) .

Use Sherer-Warren afirma que u m a leitura restritiva c o m o a de A l a n Touraine, reduz significativamente o número de m o v i m e n t o s considerados sociais na A m é r i c a Latina. E pergunta: então c o m o adentrar-se e m u m processo, já e m curso, que valoriza os laços interpessoais, societários, a solidariedade, a participação entre iguais, as decisões t o m a d a s c o l e t i v a m e n t e , e m d e t r i m e n t o de valores de u m a sociedade n o r m a t i z a d a , c o m p e t i t i v a e individualista? Para ela, estas experiências já e x i s t e m e estão materializadas e m espaços variados de exercício de novas relações e de proposições políticas, e r e c e n t e m e n t e , v ê e m extrapolando o c a m p o dos interesses particulares para intervir e m políticas mais gerais. A c r e d i t a m o s que é precisamente nesse m o m e n t o , não necessariamente d a t á v e l , que se dá o "salto p r o p o s i t i v o " .

Use Sherer-Warren, no e n t a n t o , devolve a pergunta e m t e r m o s de desafios para os anos 9 0 . Enxerga atores sociais c o m capacidade de

"articular numa única identidade as diversas carências". Carências que vão se t r a n s f o r m a n d o e m direitos, revisando e redefinindo os espaços da cidadania, pressupostos de ação política e legitimidade de poder. A c r e d i t a

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