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Tessituras literárias: interação dialógica entre linguagem, tempo e sujeito

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Academic year: 2021

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TESSITURAS LITERÁRIAS: INTERAÇÃO DIALÓGICA ENTRE LINGUAGEM, TEMPO E SUJEITO

O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem…

(Alberto Caeiro)

A literatura é o exercício do olhar renovado sobre o já visto, o que está posto, mas que pode se transformar constantemente dependendo do olhar e da capacidade criativa. Em consonância com essa liberdade da criação, os estudos literários experimentam a problemática responsabilidade de acompanhar a abertura artística que ensina “a ver

com olhos livres”1

, ao mesmo tempo que “avaliam” essa produção a

partir de convenções, modelos e conceitos instituídos. A estratégia essencial para se evitar a paralisação do olhar e das ideias nesse complexo exercício de pesquisa é a reflexão sem impedimentos, censuras ou comodismo. Ou seja, o renovado olhar de que nos fala Alberto Caeiro no poema II de O guardador de rebanhos, epígrafe desta apresentação: aquele olhar interessado pelo novo e também consciente de seu posicionamento.

Segundo essa disposição renovadora e interativa, o presente número de temática livre da Revista Entrelaces põe em diálogo uma diversidade de pesquisadores de instituições de ensino do país e do

exterior – Universidade do Estado do Mato Grosso, Universidade São

Francisco, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Universidade do

Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Minas Gerais,

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Paraná, Universidade Estadual de Maringá, Universidade Federal do

Paraná, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e

Universidade da Georgia – que, reunidos a partir da interação dialógica

entre linguagem, tempo e sujeito, apresentam reflexões em diferentes perspectivas e abordagens sublinhando as tessituras literárias.

Assim, sob a égide das discussões literárias em torno da linguagem, estão os artigos A essência nômade da palavra roseana: uma incursão pelo espaço literário de Ave, palavra; Notas sobre a consciência e linguagem no episódio “Proteu”, do Ulysses, de J. Joyce e A linguagem simbólica em A barca dos homens, de Autran Dourado.

Em A essência nômade da palavra roseana: uma incursão pelo espaço literário de Ave, palavra, Elvira Livonete Costa parte de estudos de Maurice Blanchot para discutir como o trabalho com a

linguagem, em Ave, palavra resulta em uma opacidade da

poesia roseana, anulando a representação de um significado primeiro e transbordando para outra realidade. A autora realiza um diálogo acerca da transcendência abstraída da palavra fixada na linguagem poética da obra tendo como ponto de partida o poema “Nascimento” e a proposição de que a escrita de João Guimarães Rosa é inovadora e ousada por abalar as estruturas linguísticas ao subverter o desgaste da palavra em seu uso cotidiano, imprimindo expressividade através da revitalização dos usos da linguagem e de suas possibilidades significativas.

Por sua vez, o pesquisador Rodinelly Gomes Medeiros, no ensaio Notas sobre a consciência e linguagem no episódio “Proteu”, do Ulysses, de J. Joyce, analisa por meio da abordagem bergsoniana a técnica e o enredo do episódio “Proteu”, isto é, como a capacidade imagética da linguagem empregada em sucessivas reflexões do personagem fornece uma aproximação pertinente entre totalidade dinâmica material e consciência. O

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fluxo-de-consciência/monólogo-interior permite à ficção literária acompanhar a criação imagética da linguagem, o que possibilita ao leitor a experiência de estar na posição de quem ouve a expressão de certo pensamento (do personagem) e de quem participa da construção fugaz, emaranhada e difícil do próprio pensamento. Em suma, o ensaio realiza uma reflexão crítica do texto de Joyce em consonância com os desdobramentos da filosofia da vida e da consciência em Bergson para propor relações entre a obra literária e suas implicações filosóficas, além de uma interpretação crítica.

Já o artigo A linguagem simbólica em A barca dos homens, de Autran Dourado, de Samla Borges Canilha, realiza a análise do romance A barca dos homens em diálogo com a teoria hermenêutica de Paul Ricouer, objetivando discutir como os três níveis miméticos propostos pelo filósofo francês são importantes para a leitura crítica da obra selecionada. Além do destaque dado ao repertório do autor de A

barca, evidenciado pelo diálogo com referências bíblicas e com a

tradição narrativa de viagens, a autora salienta a utilização da linguagem simbólica composta por elementos metafóricos e jogos de oposição que

determinam a estrutura do romance – ritmo, estrutura e circularidade –,

assim como a caracterização de personagens e do próprio espaço diegético, a ilha de Boa Vista.

Em A construção de laços de afeto em Hanói e Rakushisha, de Adriana Lisboa, Mirian Cardoso da Silva discute a afetividade humana no fugidio e heterogêneo contexto contemporâneo em que estão inseridos os protagonistas dos romances Hanói e Rakushisha, de Adriana Lisboa. O exame da questão baseia-se na proposição de Bauman acerca da era “líquida”, caracterizada por uma significativa mudança na relação entre as pessoas em razão da tecnologia incorporada ao cotidiano, acarretando uma relativa dificuldade no estabelecimento de laços afetivos verdadeiros e duradouros, o que leva

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a refletir sobre as transformações do afeto construído de diferentes formas nos romances estudados.

No artigo A irrealização do sujeito em O amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos, Wagner Fredmar Guimarães Júnior analisa a obra a partir da teoria do sujeito fraturado, de Luiz Costa Lima, segundo a qual, o discurso ficcional possibilita ao sujeito uma vivência distinta daquela do cotidiano, em que a mobilidade do eu tende a se congelar devido à busca de uma unidade. O trabalho salienta como o narrador-protagonista Belmiro Borba, que não se realiza enquanto sujeito empírico, ficcionaliza em seu diário a fim de se realizar, como exercício criativo, “em Belmiro Caraibano e Belmiro sofisticado”.

Ainda na esteira das relações entre o sujeito e o mundo, porém, com um olhar voltado para a história recente colombiana, ligada à longa e violenta guerra política que assolou muitas regiões do país, o

ensaio Los ejércitos de Evelio Rosero, obra de concienciación y

tributo a las víctimas de la guerra frente a un proceso de paz, do

pesquisador Jorge Armando Becerra Calero, põe em discussão diversos

aspectos desse terrível conflito por meio da análise do

romance Los ejércitos. Acompanhando as vidas de Ismael e Otília,

desenroladas no povoado de San José, o escritor homenageia todos aqueles silenciados pela violência, como também reflete sobre a complexa questão que divide politicamente o país: as negociações de paz com grupos armados.

Quanto ao conjunto dos diálogos relativos ao tempo, além da cronologia e da temporalidade, alguns desdobramentos destas também estão implicados, como o memorialismo e os diálogos temporais, tanto aqueles internos ao texto literário, como aqueles externos, entre épocas, estilos e formas e/ou gêneros literários.

Assim, a temporalidade e o memorialismo são temas

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a autora Mariângela Alonso analisa o conto “O vitral”, cujo mote recai sobre os instantes líricos de revelação do casal Matilde e Antônio, ao decidirem registrar com um retrato a comemoração de vinte anos de casamento. Os conceitos de Jean-Yves Tadié sobre a narrativa poética fundamentam a discussão em torno do paralelismo entre o tempo presente e o tempo da memória, indiciadores das diferenças entre os personagens. Os contrastes na narrativa delineiam, por esse modo, a maneira pela qual o escritor, a partir da moldura temporal, potencializa a matéria literária, criando uma obra essencialmente poética.

Outra forma interativa em destaque, nessa tessitura relativa aos entrecruzamentos temporais, diz respeito ao diálogo empreendido com a tradição satírica grega, como mostra o artigo A galhofa e a melancolia na obra Memórias póstumas de Brás Cubas: diálogos entre Menipo, Luciano e Joaquim Maria, de André Plez Silva. Buscando melhor compreender a múltipla densidade do olhar machadiano, o autor realiza um exame crítico do jogo duplo empreendido pelo narrador de Memórias

póstumas de Brás Cubas, ligando-o à sátira menipeia e à

tradição luciânica. O trabalho analisa, assim, o cômico e a sátira presentes no romance, delineando sua complexidade por meio de um intrincado amálgama de acepções, que revelam não apenas o conjunto sócio-histórico da produção machadiana, mas também a erudição do escritor em interação com os modelos satíricos da Antiguidade.

De modo semelhante Xuan Wang, no

ensaio Reading Romance: Reading the Oppositional, in Narrative,

empreende um diálogo entre passado e presente ao comparar as diferentes recepções realizadas pela crítica americana, desde 1592, à obra chinesa Journey to the West (Jornada para o oeste) com os “dois modos de leitura de romances ocidentais”, a que foram submetidas A

divina comédia, Fada Queene e Progresso do peregrino. Segundo a

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perspectiva ideológica e/ou teológica; por outro lado, críticos como Bloom, Berger, Parker, Goldberg, Teskey e Fish salientam o aspecto idiossincrático de antiprogresso das mesmas; isto é, de, enquanto gênero romance, voltarem-se para a tradição e sobre si mesmas, constituindo instigantes exemplos da capacidade de subversão das narrativas literárias, de apropriação e recriação da tradição de modo

autorreflexivo. Conforme essa proposição,

embora Journey to the West tenha sido, ao longo de várias edições, lida sob as perspectivas taoísta, budista ou confucionista, Wang considera-a uma obra-prima da literatura chinesa que “joga com o mundo”, mesclando reflexão e crítica social.

Na seção seguinte, Marcela Santos Brigida oferece aos leitores

da Entrelaces a resenha The Only story, de Julian Barnes. O

instigante romance do premiado escritor inglês contemporâneo, publicado no Brasil pela Rocco sob o título A única história, também dialoga com a temporalidade a partir do relato autobiográfico do protagonista que avalia melancolicamente sua vida.

Por sua vez, a seção Ensino apresenta o ensaio Livros e liberdade: reflexões sobre literatura e sala de aula, no qual Vandemberg Simão Saraiva busca discutir as interferências de ideias vindas de dentro e fora do ambiente escolar e que ocasionam a censura tanto de textos literários quanto da interpretação destes na escola. A argumentação fundamentada na compreensão do educando enquanto sujeito humano plural defende a formação ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual e o pensamento crítico. Nessa perspectiva, a sala de aula é considerada como um espaço de reflexão e de inclusão, em que a literatura se constitui como elemento fundamental de estímulo à criatividade, à imaginação e também de aprendizagem da leitura crítica imprescindível ao desenvolvimento humano e do cidadão.

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Afinal, esta edição é arrematada com o delicado

poema Literatecedura, de Gênesson Johnny Lima Santos, que

promove os entrelaçamentos de palavras, frases, sentidos e significados, poeticamente tecidos em ressonâncias e costuras.

Finalizamos na expectativa de que os trabalhos aqui apresentados contribuam para a divulgação de obras, escritores e pesquisadores das diversas áreas das Letras, em especial da Literatura Comparada.

Boa leitura!

Ana Marcia Siqueira Geraldo Augusto Fernandes Marcelo Peloggio

Referências

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