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o
GRANDE LIVRO DOS PINTORES,
o u
A R T E DA P I N T U R A ,
CONSIDERADA EM TODAS AS SUAS PARTF.S , E J)EMO>< STP. ADA
P O R P R I M C i r i O S ,
COM REFLEXÕES SOBRE AS OBRAS B ' A L G C N S ]!CKS M E S T R E S , E SOJiRE AS FALTAS Q U E NLI.LLS
S E E N C O N T R A Ô ,
POR GERARDO LA1RESSE, C O M H U M A P P E N D I C E N O P R I N C I P I O S O B R E OS P R I N C Í P I O S D O D E S E N H O T R A D T J C C A Õ D O 1 R A K C B Z. D E O R D E M ,
E D E B A I X O DOS AUSPÍCIOS
S U A A L T E Z A R E A L
O PRÍNCIPE REGENTE N. S. L I S B O A ,NA TYPOGRAVHIA CHAECOGRAPHICA, TYPOrLASTI-C A , E L1TTERARIA DO ARTYPOrLASTI-CO DO TYPOrLASTI-CEGO.
S E N H O R .
V / Ter sido incumbido em nome de V A. Pi.
da criação do novo corpo de Gravadores do Ar-co do Cego, cujo numero no breve período d' hum anno chegou a vinte e quatro, me fez conhe-cer que sahiaò das Aulas de Desenho, estabe-lecidas pelo Augusto Avô de V A., que Santa memória haja, unicamente com alguma pratica de copiar, mas nenhuma dos princijjios, em que esta se deveria estabelecer , menos da no-ticia histórica dos heròes , que se fizeraò cele-bres nesta sublime profissão , naò só para se animarem com calor a irnitallos, mas também para chegarem a oca/par hum dia no templo
da immortalidade hum assento a par dos mais sublimes Mestres. Assim dt baixo daprot.ecçaõ de V. A. R. vemos ir no seu encalço a Freitas,
Costa , Silva , Eloi, Fianna , e outros , ten-do somente por Mestres o seu gênio, e ta-lento
Por este motivo, SENHOR para que fos -se omnimoda a minha obediência às Soberanas intenções de V" A. ü . me resolvi a traduzir,
e fazer traduzir, e imprimir tudo , quanto se tem escripto ./ este respeito , deixando aos meus po-bres adidacticos a escolha das doutrinas, que devem seguir, dos modelos , que devem imi-tar.
Pobres , SENHOR , chamo ; porque , sem outra despeza mais que a do seu jornal, pro-curaõ , no seio de sua própria páti ia , fazerem-se ill/tAtres na sua profissão ao contrario pois dos que viajaò, a fim de aprenderem , que ave-sados com o gosto daquelle leite , que fora dos seus lares os alimentou , nunca lhe perdem o amor, e ficaõ, esquecidos da sua arte, sendo gra>~ vosos ao Estado. O Exame dará a prova
He com o maior respeito
De V A. R.
Humilde T^assallo Fr. José Mariano J^elloso.
P R E F A C A O
D O T R A D U C T O R F R A N C E Z .
v_/
TALENTOsuperior que Lairesse m o s
-t r o u e m -todas as par-tes da P i n -t u r a , e as
bellezas admiráveis de todos os g ê n e r o s ,
que caracterisaô a m a i o r parte de seos
e h e f e s - d ' o b r a s , faraó e t e r n a m e n t e
precio-so o conhecimento dos principios da arte
q u e tinha adoptado para si , e os
proces-sos , qne e m p r e g o u p a r a a elevar a h u m
sublime gráo de perfeição ; o que fez
dizer a h u m h o m e m de gênio e de
gos-to , cujo juizo naò pode ser e q u i v o c o , q u e
» o grande livro dos Pintores de
Paires-M se , de tanto soccorro aos aprendizes , lhe
n m e r e c e o o titulo de Bemieítor das artes
» que seus trabalhos illustraiaó » ( i ) pelo
que esta obra foi traduzida cm muitas
lin-guas , e obteve o seu a u t h o r o
reconheci-m e n t o , e elogios de todos os artistas , e
A de
I I
de todos os verdadeiros conhecedores q u e
souberaó' aprecialla.
Com efieito n i n g u é m talvez p r o f u n
dou melhor , que Lairesse todas as p a r
-tes da p i n t u r a ; n i n g u é m a juntou liuraa
theoria mais bella e mais sublime á
prin-cípios melhores e mais sólidos ; e n i n g u é m ,
ao menos , clesenvolveo, a m e u ver, d ' h u m
m o d o mais luminoso , n e m mais
sincera-m e n t e os segredos de sua a r t e . Alguns
pintores , na verdade , indicarão o que e r a
preciso fazer-se , porém n e n h u m , como o
nosso atithor ,. ensinou o c o m o .
Nascido com h u m a paixão i n c o m p r e
hensivel pela pintura , dotado d n u m ^ e
-nio ao mesmo t e m p o p r o f u n d o , e
poético , poéticomo também, d h u m espirito a g r a d á
-vel e nutrido pela leitura dos melhores
authores clássicos , e d ' h u m c o n h e c i m e n
to singular da historia e da fábula , L a i
-resse inventava com admirável facilidade;
e sem possuir a mesma correcçao de d e
-senho que Poussin,. mereceo i g u a l m e n t e
ser c o m p a r a d o á este celebre artista ( 1 ) ,
tanto por seu g r a n d e m o d o de c o m p o r .
como por sua attençaó escrupulosa e m
observar as regras da historia , e o
costu-m e
(i) DfO-se Um o nome de Pousbin Hollandez , titulo d e qual se fez <ruasi sempre digno.
TU
m e dos povos antigos. Suas composições
saô í i c a s , embellesadas de t u d o , quanto
p e r m i t t e o o b j e c t o , sein que nisso haja
na-da supérfluo ou inútil. Ahi se descobre
ao primeiro golpe de vista as principaes
figuras dislinetas d e todas as ouiras , que
naô saô mais que accessorias : E cada
fi-g u r a tem ar e acçaô próprias a
caracteri-sar a paixão actual de sua alma ; de sorte
que reconheceo sem equivoco , o D e o s ,
ou H e r ó e que elle r e p r e s e n t o u .
Conheceo m u i t o b e m tanto a a n i m a
-ção e expressão que resultaõ do meio
ca-m i n h o da a c ç a ô , que indica naô soca-mente
o que t e m p r e c e d i d o , c o m o o que deve
seguir do m o v i m e n t o que faz a figura.
Sá-bio , engenhoso , e claro em sua allegoria ,
as fez mui bellas e nobres. T r a c t o u a a r
-chiíectnra como grande mestre , e licmem ,
que tinha continuamente debaixo dos
olhos os m o n u m e n t o s de Athenas e de R o
-m a . A perspectiva linear lhe era fa-miliar,
e via-se pelas suas pinturas , á que ponto
possuio a mágica da perspectiva aeria e
visual , sobre a qual dá iccas novas e m
seus escriptos. O lançado de seus panos ,
s e m p r e feliz , era no gosto dos grandes
mestres da Itália. Os apanhados saô
sim-p l e s , l a r g o s , a m sim-p l o s , e sim-provaô que elle
co-conhecia o effeito do peso especifico d o s
estofos, como t a m b é m sua rigidez, ou sua;
flexibilidade n a t u r a l . A licao da sua o b r a
nos fará conhecer t a m b é m os princípios
q u e prescrito se tinha sobre o colorido ;
princípios q u e se achaô confirmados pelos
toques firmes, e delicados de seu p i n c e l ,
c o m o pela belleza e veracidade de sua
c ô r . Era igualmente hábil e m r e p r e s e n t a r
todas as qualidades d e meta es , e de
már-mores , e sobre tudo era taô excellente e m
pautar o baixo relevo de m á r m o r e branco
tde maneira , que chegava a enganar a
vista mais perspicaz , como se pode c o n v e n
-cer por alguns fragmentos deste gênero
rque existem em Amsterdaó : talento q u e
deve sem duvida ao estudo p a r t i c u l a r , q u e
tinha feito da natureza e da qualidade das
c o r e s , como da vantagem que h u m p i n
-cel hábil pode tirar. Era huina palavra ,
n a ô ha alguma parte da arte , sobre q u e
elle naô tivesse adquirido conhecimentos
profundos por longas meditações e h u m a
m a practica ardente e continuada ; estes
conhecimentos , torno a dizer , elle os
c o m m i u ú c o u , e expoz c o m h u m a clareza
e espécie de b o n d a d e , que fazem
igualm e n t e honra á seu espirito e á seu c o r a
-ç ã o .
N a õ h e pois sem a l g u m f u n d a m e n t o ,
a m e u ver , que nos lísongeamos que se
verá com gosto a p p a r e c e r a traducçaó, q u e
o desejo de ser útil m e fez dar , do
gran-de Pivro dos Pintores gran-de Lairesse , taô
digno , em quanto a m i m , de se achar
entre as máos dos novos artistas , e dos q u e
seabrasaô do desejo de levar a sua arte á
m a i o r perfeição ; e esta mesma vista de
u-tilidade lie , a que m e determinou a n a ô
p e r v e r t e r a o r d e m , que o author deu a sua
obra , n e m o m o d o , com que exprime as
suas idéas , as quais nos limitamos a d a r
com fidelidade e clareza. A única
liberdad e , que n o s p e r m i t t i m o s , foi ommittir m u i
-tas comparações , mui-tas vezes longas e
s e m p r e inúteis a arte , que o autnor n a õ
a v e n t u r o u sem duvida , se naô com a viíta
d e p r o c u r a r algum alivio ao espirito d e
seu leitor. Talvez se desejaria que nós
livessemos igualmente ommittido alguns e s
-boços , que Lairesse traça dos q u a d r o s , q u e
e m p r e g a para fazer c o m p r e n e n d e r m e
lhor seus princípios ; p o r é m nos p e r s u a
-dimos q u e d a extensão, que estas direcções
daô á o b r a , e a inutilidade , de que p o d e
-rão parecer á h u m a certa classe de
leito-t o r e s , achar-se-ha naõ menos , depois d e
i u m exame reflectido, próprios para
Vi
zer conhecer a sabedoria do a u t h o r
re o
m o d o engenhoso e simples , com que faz
inculcar seus preceitos em todas as partes
da arte , pondo-os por assim dizer , e m
obra nestes q u a d r o s . P e n s a m o s pois q u e
era necessário conservallos todos
precisa-m e n t e , conforprecisa-mando-nos ao axioprecisa-ma d e
Plataô , que Lairesse cita e m sua
prefa-çaó : » Q u e naõ deve haver pejo de dizer
» duas vezes a mesma cousa , sendo dita
» com acerto. » Nós pusemos no
priucí-cipio do Grande Pivro dos Pintores, os
princípios do dcsenno do m e s m o author ,
de q u e m tinha apparecido h u m a t r a d u c ç a õ
á muito t e m p o , e oue naô lemos feito se-.
naô rever sobre a sepurida edicaõ Hollan-,
deza , de sorte que ai parecia por a d d i c
-c/aó de duas lições , e algumas passagens
(fue se naõ encontraò na primeira. L a n
-cemos agora h u m golpe de vista sobie a
vida do nosso artista.
Gerarei de Lairesse , nascido em
Lie£e em 16 \o , era filho de Jieinier de L a i
resse , bom pintor no serviço do P r í n c i
-pe de Liege , para o qual trabalhava c o m
Barlholet , cujo estillo era mais a g r a d á
-vel e a cor mais macia ; no mais eraô
i-guaes em m e r e c i m e n t o ( í ).
l
_ _
ar-V I I
i:
P a r e c e incerto , se o pai de L a i r e s s e ,
ou Bartholet tivesse sido seu primeiro
m e s t r e ; porém lie de crer que a p r o v e i
-tasse no principio as lições de ambos, e q u e
)elo t e m p o adiante os estudos de Baríbo-*
et na antigüidade , e nas m i n a s de R o m a ,
seu c o m p ê n d i o das melhores estampas
d e Pousin , e de P e d r o - T e s t e acabassem
de formar o gosto e o estillo do m a n c e b o
Lairesse , que consultou mais que t u d o
m u i t o b e m as gravuras de Teste , c o m o
se pôde ver e m seus primeiros desenhos.
Depois destes primeiros estudos ,
Lai-resse deixou sua pátria , onde o animavaõ
pouco , e se passou para U t r e c h ; p o r e m
naõ se achou mais felis , pois se vio r e d u
zido , pelo ultimo r e c u r s o , a pintar p a i a
-ventos-,. e bandeiras ; q u a n d o h u m de seus
vizinhos o aconselhou o enviar duas de
suas Obras a V i l e m b u r g famoso m e r c a
-dor de quadros em Amsterdaô , que
sou-be com effeito apreciar o seu talento , e
que obrigado pelas instâncias de J o a ô
V a n P e é , e de G r i b b e r , que enlaõ era o
seu pintor , se transportou no m e s m o
dia
Tebafamenro d o PI-OFPIH Elias , q u e r p p r e s p n t o u no Z i m b o r i o ' « o * Cürmelitfis df".r;ilrns em Paris ; p o r liiirriri a d o r r ç a ô d o s . xleis q u e se vê n?. SaciisMa dos g i n i r l p s .Agnsíinhos , e p Or
VIII
dia para Utrecli a buscar Lairesse, p a r a lhe
trabalhar e m A m s t e r d a õ . N a m a n h á a
se-guinte a sua chegada a esta Cidade
Laires-resse subio a ofíicina de Y i l e m b u r g , o n d e
foi o t h e a t r o , e m que se lhe a p r e s e n t o u
h u m p a n n o , lápis , e h u m a palheta.
De-pois de estar por algum t e m p o i m m o v e l ,
e m u d o diante do cavalete , p u x o u o nosso
artista debaixo de seu capote h u m a
rebe-ca , a qual tocou , e depois debuxou a
pas-sagem do Menino Jesus em o presépio ;
depois disso tornou a t o m a r a rebeca e
to-cou , pegou de novo e m os pincéis e
aca-bou ao primeiro talhe , em duas horas , a
cabeça do M e n i n o , da V i r g e m , deS.
Jo-se , e do B o i , d'hiim m o d o taó b e l l o , que
encheo dVidmiraçaô á todos os
especta-dores pela facilidade e eraca de sua obra.
J » j 3
Lairesse fez no espaço de dous mezes
grande n u m e r o de quadros para V i l e m
-b u r g , que os vendeo liem c a r o s , o que.
deu reputação ao nosso artista , que se
a-proveítou disto, para os v e n d e r como seus
próprios , e tirar h u m partido mais
vanta-joso de seu talento.
Seria penoso escrever-se , e crer-se
tu-do , quanto foi capaz de executar em h u m
t e m p o taó breve ; porque , além de muitos
grandes tectos , que pintou , e n c h e u os
quar-IX
quartos e gabinetes com seus quadros ;
deixou também huma prodigiosa
quanti-dade de desenhos a lápis, e aguarellados ;
sem fallar em suas gravuras a água forte,
que Visscher compillou em huma obra
completa in folio , cuja maior parte de
objectos saô da maô de Lairesse ; de sorte
que , se naô tivesse sido taõ grande pintor,
seria celebre por suas gravuras , que saô
trabalhadas d l m m modo grande ,
espirituo-so, agradável, e fácil. Hum. exemplo de sua
grande facilidade tornará verosimil t u d o ,
o que acabamos de dizer. Apostou pintar
em hum dia , sobre h u m grande panno ,
Apollo , e as Musas no Parnaso , e o
conse-guio a final. Pretende-se , de mais a mais ,
que Apollo fosse hum retrato semelhante
a Bartholomeo Abba , seu amigo , que o
veio ver ao meio dia.
Em 1690, na idade de 5o annos, foi
Lairesse tocado da cegueira , o que se
attribue á huma grande applicaçaó da
gra-vura á água forte , e á candêa , como o dá
a entender elle mesmo. Porém á pesar
desta desgraça conservou sempre hum
fundo d^degria , como se verá pela
leitu-ra de suas obleitu-ras; e ainda que tivesse muitas
vezes momentos de tristeza , buscava
des-truilla, tomando a flauta, ou a rebeca , que
to-t o c a r a muito-to bem ; e unia á musica h u m
gosto decidido pela p o e s i a , que cultivou
t a m b é m com a l g u m sucesso ; o q u e d e u
occasiaô a h u m poeta Hollandez , de d i
-zer a seu respeito.
« Elle pinta e m poesia , e descreve n a
» pintura. »
P o r é m o que sobre t u d o o consolou , foi
o a m o r , que lhe restou , a h u m a arte , que
elle tinha adorado , e sobre a qual. se
satis-fazia e m conversar com seus a m i g o s , aos
quaes designava h u m dia na s e m a n a , para
virem ouvillo ; de m o d o que era , na
ex-pressão do traductor Alemaô dos seus Priii'
cipios de Desenho f o centro d n u m c i r c u
-lo cTàrtistas , a os quaes c o m m u n i c a v a suas
luzes. E quando se despediaõ traçava c o m
greda sobre h u m grande p a n n o suas i d é a s ,
que fazia copiar por h u m de seus filhos,
e que a sociedade das artes d e A m s t e r d a ô
fez depois i m p r i m i r debaixo da revisaõ>
do m e s m o Lairesse.
Depois de ter assim completa a sua
útil carreira , m o r r e o Lairesse de idade de
71 a mios em Amsterdaô , e foi e n t e r r a d o
pela sociedade das artes desta Cidade a
28 de J i ú h o de 1711 ; naô tendo , de que'
se censurrasse , seiiaô' da grandíssima p r o
pensão para o a m o r e p r a z e r , que p r o d u
-XI
ziraõ a desgraça de sua m o c i d a d e , e que
o deixarão sem r e c u r s o , q u a n d o a
priva-ç ã o de sua vista naô lhe permittio mais
restabelecer sua fortuna.
H e espantoso que M . D e s c a m p s p r e
-t e n d a , que se naô possa accreseeníar n a d a
aos elogios que Lairesse deu ás p r o d u c
-ções de Glauber , de q u e m Lairesse naô
disse h u m a so palavra em sua obra ; p o r é m
h e , sem d u v i d a , mais de a d m i r a r , q u e
o nosso artista guardasse este profundo
silencio a respeito de h u m a m i g o , que se
hospedava com elle , q u e presidia ás
confe-rências a c a d ê m i c a s , que se fazia em sua
casa , cujas encantadoras paisagens elle
e n c h e u , á m u i t o t e m p o , c o m suas figuras
elegantes.
Lairesse tinha três irmãos , Ernesto
q u e era o mais velho , Jacques , e Joaô
seus irmãos m e n o r e s . Ernesto se
distin-guio felizmente pela pintura de todos as
qualidades de animaes , de que compoz
e m t e m p e r a h u m grosso c o m p ê n d i o , no
principio do qual estava o seu r e t r a t o , e
que e]le vendeo ao P r í n c i p e de L i e g e , que
o enviou á sua custa a R o m a . Morreo e m
B o i i n a , de idade de 4 ° a n n o s .
J a c q u e s que era i r m a ô o posterior do
nosso artista , excedia em pintar Rores , e
oc-XII
òccupou-se também de figuras em p e d r a ,
ou camafeus , porém com menos
felici-dade.
Joaõ , o mais moço dos irmáos ,
appli-cou-se , como Ernesto, a pintar animaes ;
porém naõ teve o mesmo talento que elle.
Deixou Lairesse três filhos , dos quaes
o mais velho , chamado André ,
applicou-se ao negocio e commercio , e morreo nas
índias , os outros dous , Abraham, e Joaõ ,
exercitarão a pintura igualmente, como
seu tio Jacques , de quem se fallou com
elogio..
Naõ daremos aqui o catalogo dos
qua-dros conhecidos de Lairesse ; porém
dire-mos taô somente alguma cousa das
gran-des obras gran-deste artista, que naô saô
sujei-tas a mudar de lugar.
Ve-se em Liege , na Igreja de Santa
Ursida , a penitencia de Santo Agostinho,
e seu Baptismo ; saô dous grandes
qua-dros.
O Martírio de Santa Ursula , na
Igre-ja deste nome , em Aix-la-chapelle.
O salaô do Castello de Soesdyk , ero
Hollanda.
O antigo theatro de Amsterdaô, que
se queimou a alguns a n n o s , era também
obra delle-.
-xm
Houbraiten deu , nas Vidas dos
Pintores Hollandezes , huma ampla
des-cripcaô das obras em baixo relevo, que
Lairesse fez , para adornar a casa de M. de
Flines , em Amsterdaô , e que bastariaõ
Í
)ara immortalisar o nosso artista pelo bel-
o gênio , grande conhecimento , e
rique-za da composição allegorica, que alli se
encontra.
* ?
P R E F A C Ç A O
JD O A U T H O R .
JL ARECERA' sem dúvida singular, que Iium h o
-m e -m cego ouse publicar hu-ma obra , escri-ta por si mesmo sobre huma arte escri-taó difíicil, c o m o he a pintura , e se pensará que elle t e ria algum poderoso m o t i v o , que o d e t e r m i -nasse a huma igual em preza ; no que se naô en-ganarão. O a m o r , q u e sempre tive á minha arte , e o desejo de ser ulii aos novos artistas , me e m -penhai ao a tomar este trabalho; tanto mais por-que os escritores por-que alé ao presente tractaiaô da pintura , se entiegaraõ antes em tecer hum pomposo elogio desta arte , e dos que a pratica-r ã o , do que em tpratica-raçapratica-r os ppratica-rincípios sólidos papratica-ra adquirilla , e para levaila ao grão de perfeição , a que pôde chegar. D e outra p a r t e , o desgraç. do e s t a d o , a que me vejo reduzido, me tem violen-tado a buscar meios de occupar utilmente o m e u espirito. 'Lenho pois lugar de esperar qualquer indulgência sobre a pouca ordem e methodo , que reinaõ nesta obra que tenho composto porfrag» .mentos , occnpando me jn de huma pai t e , e ja
da outra, segundo me nermitte a situação d e m i
-l i ' c r i ,
Una alma , e sem que tivesse sonhado no princi-pio publicar as idéas , que longas meditações, e íauma prática de muitos anãos me íizeruõ nasceu
-xn
sobre h u m a a r t e , que tem formndo o encanto da minha vida. Porém movido depois pelas solicita-ções dos meus amigos , que faziaõ gosto de vir conversar comigo sobre os princípios, que eu me tinha formado, compuz hum corpo d o -bra , na esperança de que pudessem servir d'al-gum soccorro aos discipulos. Esta empreza era difficil sem duvida , e merecia muita cireumspec-çaô da minha p a r t e ; tanto mais que eu me recor-dava sem cessar dos trabalhos que tenho tido em executalla , d'hum modo digno d ' a r t e , e que sa-tisfaça por mim mesmo as i d é a s , que meu espi-rito tinha concebido.
Com tudo o gosto de satisfazer á pergunta dos pintores dos Paizes Baixos, que muitas vezes me íizeraô a honra de tomar por juiz em suas ques-tões sobre a a r t e , ainda que naõ fosse d i g n o , m e fez vencer todo o t e m o r , e toda a dificul-dade. Naõ se pense por fim, que pretendo que as regras , que proponho , bastem para conduzir ao artista á perfeição; eu naõ as d o u , pelo contra-rio , senaó como simples ensayos propiios para recordar suas idéas ; da mesma sorte que eu me lembro que huma massa de neve , e hum carvaô de fogo me tem feito ver muitas vezes < ousas , que c e r t a m e n t e naõ existem nem em h u m a , nem em o u t r a , e que sei bem que o menor indicio basta algumas v e z e s , á hum espirito bem organi-zado , para fazer rápidos progressos- , como nos ensina a historia da vida de muitos celebres ar-tistas.
Se tenho dilatado mais sobre humas p a r t e s , do que outras , he por que hurnas me parecem me-recer mais attençaó , ou exigir serem mais bem discutida», porcf;usa das dificuldades , que offe-recem ; e que , quando se me leraõ as provas pa-ra a impressão desta o b r a , achei que naõ tinha
ex-XVII
explicado assás claramente as minhas idéas e que por conseguinte era necessário desenvolvei-las melhor , conformando-me ao sentimento de Plataò : Non enim tcedet bis dicere , quod bane,
dicitur.
Com facilidade se perceberá que , estabelecen-do os meus princípios sobre a pintura , t e r n o proposto fazer conhecer a sua utilidade; que de-pois produzi as provas dos defeitos , que resuiroõ de naõ os observar e q u e , ao mesmo tempo , in-diquei os meios de os remediar ; para que por este methodo se aprenda a conhecer as beliezas da arte , e seus recursos , como também o erro daquelles, que pretendem submetteha a idéas ar-bitrarias. Talvez se me accusará de prescrever regras , que naõ tenho eu mesmo observado em minhas obras ; eu me convencerei bellamcnte desta verdade. Porém he necessário contem-plar-se, q u e , no estado da c e g u e i r a , em que m e acho actuaimente , a minha memória he melhor e o meu espirito mais tranquillo e mais r e i e c t i -do ; e q u e , por conseguinte, posso ajuizar mais saàmente do bem das c o u s a s , do que no t e m p o , em que o goso da vista permittia entregar-me com ardor á prática da minha arte.
Se se encontrar que algumas estampas desta obra naõ tem toda a perfeição que se deseja , posso segurar que este deleito , que he assás or-dinário naõ se me deve attribuir ; porque tenho procurado , quanto estava da minha parte , que fossem bem executadas, rle preci-o também , que eu anticipe ao leitor que as duas estampas , que servem de representar as proporções do corpo do homem , e da mulher , foraõ absolutamente mal reduzidas pelo gravador. Quanto aos erros e fal-t a s , que podem fal-ter escapado em o fal-texfal-to , naõ posr so culpar absolutamente senaô a miin mesmo.
PRIJST-PRINCÍPIOS DO DESENHO ,
ou
M E T H O D O B R E V E E F Á C I L
PARA APRENDER ESTA ARTE EM POUCO TEMPO.
Advertença necessária para intelligencia deste Tractado.
X O D O o m u n d o ' c o n h e c e , que hum toucado agradável ajuda ao enfeite d'huma bella i z i o n o -mia , e que hum estilio c o r r e n t e tem grandes en-cantos para fazer gostar d'hum escrijo. Com tu-do naô he a minha i n t e n ç ã o empregar aqui ter-mos exquisitos , nem fallar destes successos ex-traordinários , taõ conhecidos dos historiadores , para representar diffusamente , aos que amaõ o d e s e n h o , a excellencia , a utilidade, e o poder desta arte. Naõ tenho em vista senaõ a instruc-caô dos meus l e i t o r e s , por ser o único a l v o , que eu me proponho. Eis-aqui , o que tem causado a incertesa, em que á muito tempo tenho presisti* do sobre a forma , que daria á esta obra , para poder ser útil e agradável ao l e i t o r ; e para poder elle mesmo tirar o maior fructo possível. P e n -sei dever seguir o exemplo dos mais babeis es-critores do nosso século que tractaraõ taõ dig-n a m e dig-n t e o mesmo objecto , aidig-nda que deixassem no esquecimento certas cousas muito ú t e i s ; p o -r é m naõ deve isto causa-r admi-ração ; po-rque es-ta arte h e es-taô v a s t a , que naõ se poderia jamais
pospossuiíla com perfeição, n e m também fazer c o n c e -ber toda sua a extensão. Pareceria talvez estranho que , convencido desta v e r d a d e , tenha eu m e s m o ousado expor-me á igual empreza. Porém , anima-do sempre pelo e^piiito da pintura , julguei que o mais seguro meio de repeliir meus desgostos no estado infeliz da c e g u e i r a , em que me a c h o , era executar o m e l h o r , que m e fosse possível, e conforme o fraco alcance de meu espiiito, o plano , que tinha traçado , quando gosava ainda da vista. Naõ he que me naô recorde o ter já havido muitos e s c r i t o r e s , que t r a c t a r a ó a mesma m a t é r i a , servindo unicamente para isso de ter-mos differentes , ainda que a fundo naõ tenhaò feito mais do que copiarem-se huns dos outros; o que sem duvida me embaraçaria dar á luz este T r a c t a d o , senaõ esperasse apresentar alguma cou-•a de novo. Apezar disto naõ duvido que muita gente me achará culpado daquiilo m e s m o , q u e r e p r e h e n d o nos o u t r o s ; porém me consolarei fa-cilmente ; porque o ceo me tem feito a graça do esforçar-me para vencer os maiores trabalhos. A perda só da minha vista parecia formar hum suf-ficiente obstáculo , e roubar-me toda a esperan-ça de chegar ao fira de meu desígnio ; porém , penetrado das bellezas da minha arte , vou ten-tar o impossivel, e encarregar-me de fizer meus conhecimentos ú t e i s , aos que a amaõ. He tam-bém preciso que eu dé as graças a Deos , de q u e tocado de meu triste estado , elle tem illumina-do os olhos illumina-do meu entendimento , fortificaillumina-do minha m e m ó r i a , e conduzido minha maô. Po-r é m , quando se lembPo-rassem de c Po-r i t i c a Po-r - m e , ou por causa da simplicidade de m e u estillo , ou de algumas pequenas individuações , em as quaes jul-guei dever entrar , e que se trate a minha obra por fogo de criança t nada me e m b a r a ç a r ã o , com
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tanto que este jogo todo pueril, como lhes pa-* r e c e , seja útil aquelles , á quem se destina. D e mais d i s s o , penso que hum modo simples de se enunciar produzirá mais effeito do que h u m estillo florido, que seria aqui i n ú t i l , e n e n h u m a impressão faria sobre o espirito da mocidade. Naô he pois como o r a d o r , o que ja disse , que me mostro ao Publico ; porém como h u m h o m e m , q u e , encantado de sua a r t e , a t e m tra-çado sobre o panno d'hum modo claro e intelli-givel para todo o m u n d o , e de donde meu filho á tem trasladada para consagralla á t o d o s , os q u e amaõ o desenho. Ainda que eu naõ dê aqui se-não os primeiros princípios , para uso da moci-dade , naõ ha a l g u é m , a quem este livro naõ pos-sa servir de grande utilidade , para chegar ao co-n h e c i m e co-n t o de todas as bellas a r t e s ; t a e s , como a pintura , architectura , gravura , escultura , a-grimensura , etc. , que se naõ podem aprender se-não com o lápis na maõ. Além disso, fiz annexar aqui estampas com todas as figuras necessárias, para ajudar a mocidade aproveitar-se melhor das minhas idéas , e naõ tenho deixado passar cousa a l g u m a , a este r e s p e i t o , de tudo quanto lhe po-de ser útil. Só a inveja pois he que pôpo-de achar aqui alguma cousa que criticar ; porém ella se t e m feito conhecer á tanto tempo , que eu naô receio os seus attaques. Eu me lisougeo mesmo que seus tractos os mais vivos se enfraquecerão contra o e s c u d o , que lhes opponho, quero d i z e rt
a minha insensibilidade. Demais , se meus leito-res querem tomar o trabalho de correr com at-t e n ç a õ , e do principio ao fim esat-te pequeno es-crito , eu naõ duvido que achem nelle muito m a i s , do que naõ parecia prometter-lhes n o principio. Em firn, se este tractado lhes a g r a d a r , eu m e confessarei obrigado a dar lhes logo outro para o adiantamento da pintura.
P R I N C Í P I O S
D o
D E S E N H O ,
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MEIO BREVE E FÁCIL PARA APRENDER ESTA ARTE
PELOS ELEMENTOS DE GEOMETRIA.
S..JO mesmo modo que o alphabeto ou
conheci-m e n t o das letras serve de introducçaõ á graconheci-mconheci-ma- gramma-tica , também a geometria he o primeiro passo , que nos conduz ao desenho , ao qual senaó pode chegar bem sem ella , bem como a outra qual-q u e r arte ou a outra qual-qualqual-quer sciencia. Com ef-feito he pela geometria , e por meio dos traços ou das linhas , que nos aprendemos a conhecer a longitude e latitude dos c o r p o s ; o que he l e c t o ou c u r v o , o que he horisontal , perpendicular ou oblíquo ; o que he redondo , o v a l , q u a d r a d o , hexagono , octogono , arqueado , concavo, ou con-vexo ; em huma palavra todas as figuras e todas as formas imagináveis. E como naõ existe aJíium c o r p o , que naõ tenha alguma destas formas, he necessário começarmos por instruir nisto aos ra-pazes , que querem applicar-se ao desenho e in-da mesmo empregallos nisso , até que esíejtô bem penetrados. Se eu tivesse muitos filhos , naõ quereria que algum delles se applicasse a huma « r t e , ou sciencia, menos qüe soubesse bem ler t
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e e s c r e v e r ; quereria t a m b é m , se eu p u d e s s e , que aprendessem hum pouco de latim ; e pare-rece-me que na idade de dez ou doze a n n o s , teriaô conhecimento bastante para applicar-se entaõ á qualquer arte ou sciencia. Eu ponho de mais dez annos para amadurecer o e s p i r i t o , e dar voo ao gênio , o que nos conduz a vinte e dous annos. inda aecrescento mais dez para re-gular e escoiher o gênero d e v i d a , que se quer Seauir; o ano fiz trinta e dous. Tomemos outros dez a n n o s , para chegar a perfeição , ou na theo-ria , ou na prática, o (pie completa quarenta e dous annos. Desta idade até aos cincoenta , e dahi por diante , se lá se chegar he o tempo próprio para adquirir hum grande n o m e , e con« solidar a sua fortuna.
Assim he que eu divido a vida de hum pin* tor. Com tudo o Ceo dispõem á sua vontade : hurts ftvançaô mais na carreira e outros proseguem mais tardos ; ainda que de outra sorte o trabalho he i n ú t i l , quando faita o gênio : absque in gênio,
labor inútilis. Em fim , a experiência nos ensina
que o meio mais seguro de ter successo íeliz no desenho , he sujeitar-se á elle debaixo de h u m hábil mestre ; applicando-se á elle com cui* dado , e constância ; o que , em todas as scien-cias . he o melhor meio de se tornarem fáceis as cousas mais dificeis.
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L I C A ò I.
ARA dar a hum alumno sólido fundamen-to da Arte do D e s e n h o , e conduzido ao que nella ha de mais particularidade, deve o m e s -t r e romper pelo -trabalho de começar pelos prin-cípios mais .simples , e presistir nisso, até que elies i q u e m bem impressos na memória do m e -nino ; porque sem isso he imnossivel que faça algum p r o g r e s s o , bem longe de chegar á p e rr
feicaõ.
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Os primeiros elementos do Desenho c o n -sistem pois em fazer diversos t r a ç o s , ou linhas d i f e r e n t e m e n t e l a n ç a d a s ; isto he o que se pô-de olhar como o alfabeto da geometria.
Exemplo.
Expomos aqui no principio aos olhos dos alumnos hum p o m o notado na Est. I . , Fig. 1. ; depois huma nnhn perpendicular n ; duas linhas oblíquas 5 ; huma Unha horizontal 4» duas li-nhas curvas 5 ; e huma linha mixta 6.
Os aluirmos devem começar , formando-se huma idéa exama <!e todas estas linhas ; o
que lhes naõ seiá diffieiJ : norciu-o vem todos os dias a figura em os objectos , que se ap.resen-taõ á seus olhos.
Porém , como naõ he preciso que se li-mittem á ;heoria desta a r t e , e devaõ forcejar, para í-dqniiir a pi n u c a ; o mesmo mestre pode trocar estas linhas sobre huma pedia , e ensir.ar;:u?s n imiralhis cem hum ponteiro. N e n h u -ma duvida lia, que elles aproveitariaõ, depois do ensino de três ou quatro dias ; porém ,
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dolhes ainda alguma cousa á este r e s p e i t o , s e -rá fácil ao mestre mostrar-lhes de que m o d o d e v e m pegar no lápis ou no p o n t e i r o , e c o m o o d e v e m ter paru formar estes t i a ç o s de h u m
m o d o e l e g a n t e , e desembaraçado. Porque, a c o s -t u m a n d o - s e discípulos no principio á num niao
m e t h o d o , se fiz mais d i i i e i l c u r r e g i l í o s ao de-pois do que fazelios t o m a r h u m b o m no princí-pio. Feiro isto , pôde o mestre p issar a novas Lições e a novos e x e m o í o * .
O m e s t r e , que tiver dons a p r e n d i z e s , quasi de hum m e s m o t e m p o , poi.Viá ti<:me já c o -nliec e r , por esta primeira L i ç ã o , taó s i m p l e s , c o m o p a r e c e , a d í f f e i c n ç a do faíonio, e do g ê -n i o de hum e do ou'; o; porque m u i t a s vezes a c o n t e c e que , o que milhava mais r o C o l l e g i o , desempenha m e n o s aqui. H u m niai; n e e m b a -raçado que seu camaia.da forma: t de repente seus traços c o m huma maõ e x p e d i t a ; em quan-to o o u t r o , mais tímido traçará os seu", cora huma maõ indecisa e t r e m u l a , e , por c o n s e g u i n t e , os deitará a p e r d e r . E s t a d i f t é r e u ç a d e ve em g e r a l , ser attribuída á d i frei e n t e e d u c a ç ã o , que se dá aos meninos. Por isso he n e c e s s u i o acostumados desde lo<ao á :• i n d i c a r e m
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se á seus e x e r c í c i o s com toda a aL.i-nçaõ pos-sível ; recordando-se do preceito d ' t l o r a e i o (l.ív.
I I . Euist, 2 . ) : Que hum vaso consenti muito
l*::nuo o cheiro do primeiro liqttor, que se lhe
ia-fii siiíin.
Por outra paire o mestre q u e tem pru-denaia deve observar a ü e n t a m e u l e o h u m o r
e i n c l i n a r ã o d e s e u s d i s c í p u l o s , para conduziílos uiiiai a seu alvo indaque sejaô de hum c a
-ramm diíferente. D e v e s a b e r t a m b é m de que
n u ' b> ::;,',;im nortãi' *>e, oara i a v i a i r a m n e i d a -de . ; . , , i m a e i :o , e accoüiiuuu.u-yj á ia: mia*
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Deve-se evitar tudo , quanto pôde fazer qualquer obstáculo ao adiantamento dos discí-pulos , e ter em vista hum meio proporcional entre o relaxamento e a grande severidade , ain-da que a doçura he sempre o meio mais sequ-ro. Boas palavras e modos honestos fazem infi-n i t a m e infi-n t e mais impressão sobre a mocidade do que huma violenta reprehensaõ , que he mais própria para o que tem a palmatória , do que para q u e m tem a palheta , e o pincel, que de-vem ser manejados v o l u n t a r i a m e n t e , e com pra-zer. Além disso , hum. mestre naô deve já mais deixar-se i m p a c i e n t a r , quando também elle he obrigado a voltar mais de huma vez sobre a m e s -ma cousa ; sobre tudo , quando vè , que seus dis-cípulos fazem o mais que podem , para com* p r e h e n d e r suas lições, e pollas em prática.
He certo que os princípios saô sempre mais custosos ao mestre ; porém recebe hum preço mais suave , quando ve que o discípulo faz c o n s t a n t e m e n t e novos progressos , e promette distinguir-se algum dia. He preciso pois que se-não enfade de repetir muitas vezes a mesma cou-sa , porque a memória , e concepção da moci-dade saô fracas , e d e l i c a d a s , e a b r e v i d a d e , seivindo-me para isto do provérbio Latino :
Brsvitas mcmoriae amica , lhes h e de grande
s o c c o n o .
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L I C A. õ I I .
Hi
.E deste m o d o , que nós corremos adian-te de t u d o , o que pôde ajudar aos alumnos ; e que bem longe de suffocar este nobre a r d o r , que se vé luzir de mais a mais na mocidade,. nos empregamos a conservaio ; porque muitas vezes acontece que beílos gênios venhaõ a per-der-se pela severidade com que se trataõ. Ha outros muitos , aos quaes he inútil ter r e c e b i -do da natureza hum gênio próprio para a pin-tura , p o r q u e , pela ignorância, dos que os ins-truem , elies o empregam m a l , e :i vez de q u e , , se tivessem babeis mestres , teriaõ sem duvida perfeitamente sido felices.Naõ se deve pois já mais forçar á hum r a -paz a. aplicar-se á huma a r t e - paia a qual naõ se sente com propensão ; porque tudo , o que se faz por constrangimento, excita o desgosto. Bem se pôde ensaiar, na v e r d a d e , sua inclina-ção a este respeito ; porém como hum bom cavallo naõ tem necessidade de espora , da mesma sorte o gênio do discípulo naõ deve
sof-trer. alguma violência. Cumpre pelo attraetivo do agrado, estimular o natural , que de mais dis«í so naõ' quer ser opprimido. A arte da pintura , sobre t u d o , requer , desde os primeiros prin-c í p i o s , ainda que pareça desagradável, hum modo livre ; por is=o he necessário ensinada , para assim aizer , folgando. Naõ he necessário abraçar muitas cousas d h u m a vez , nem accu-mular tudo j u n t o , para evitar a confusão. Pro* segue-se com segurança , quando se marcha a Pequenos passos, em quanto correndo se arris-ca, a tropeçar, e também cahir , e naõ poder
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por muito tempo levantar-se. Para e s t e e f f e i t o , depois de ter ensinado a tirar huma linha recta , ©biiqua , transversal, curva ou mixta ( no que os alumnos procuraô muitas vezes e x c e d e r e m -se huns a outros , ainda -sem c o n h e c e r n utili-dade ) ; hiremos pouco e pouco mais adiante ( e m b o r a pareça pueril este methodo ) introdu-zindo nos em s u a e o n d u c t a ; e fazendo-lhes ver, porque rcabaõ de aprender esta primeira l i c a ô , a necessidade que ha de a saber bem.
He preciso pois examinar com cuidado se estas linhas saô , como devem ser ; para louvar os discípulos do que tiverem feito bem , mos-trando Jhes com doçura as faltas, que poderiaô t e r commettido , e indicando-lbes o meio de as eorrigir. Este methodo faz mais impressão so-bre os que começaõ , do que os discursos mais estudados ; porque he preciso q u e façaõ entaô mais uso de seus olhos do que de seu espirito.. Isto os anima a seguir o exemplo de seu mes^ rre e a imitado. Elies se exercitarão depor por si mesmos á tirar estas linhas , e a disputar en-tre si a quem as traçará cVhum modo que se chegue mais ao original.
A segunda Liçnõ, que damos á nossos dis-cípulos, parece deíirir se primeira , e naõ pa-rece de maior conseqüência. Eis-aqui.
Exemplo.
A figura num. 7. da mesma Est. I. he hum' circulo com hum ponto no c e n t r o , n u m . 8. he hum quadrado com hum ponto no meio ; num. q. he hum triângulo igualmente com hum ponto1
no centro ; n e m . 10. offerece duas linhas per-peudieulai <js e parallelas ; num. 11. saô
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paralleias; num. ia. saô duas linhas mais com» pridas e fechadas, paralleias , e perpendiculares j . m m . i3. apresenta duas linhas também curtas como as do num. 11 , porém mais apartadas huma da outra , perpendiculares e paralleias; n u m . 14. he hum circulo com huma linha r e -cra chamada diâmetro , que o atravessa pelo meio ; num. i5. he hum quadrado com huma linha perpendicular e huma horisoutal que o separaó igualmente pelo meio ; num. 16. he hum triângulo equilateral com huma linha perpendi-cular que o parte em d o u s , de alto abaixo , e huma linha horisoutal que a parte ao travez.
As figuras que apresentamos aqui aos olhos dos alumnos , naõ lhes parecerão difíiceis de i m i t a r ; por estarem já exercitados em tiacar li-nhas. Será naõ menos conveniente obrig los a' occuparem-se com cuidado , lisongeando-os c'om a esperança de lhes dar logo cousas mais agradáveis e mais essenciaes para fczer.
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L I Ç A õ I I I .
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'Evois de ter feito conceber bem aos dis-cípulos , o que he hum c i r c u l o , hum triângulo, hum q u a d r a d o , de que se tem falado na Licaô p r e c e d e n t e ; se lhes ensinará traçados c o i r e -e t n m -e i u -e por m-eio do compasso -e da r-egua , cie que o primeiro serve para formar círculos , -e a outra para tirar iodas as sortes de linhasrecUis sejaõ perpendiculares oblíquas , ou ho-risoutaes ; promettendo algum p r ê m i o , ao que fi-zer nmlhor. Depois cm lugar de pedra e pon-teiro , se servirão tio lápis e papel , e se haõ de passar , ao mesmo tempo , a terceira Liçaõ.
Dar-sedlses ha t a m b é m aqui alguns novos exemplos que tendem aos p r e c e d e n t e s , e se lhes ensinará a medir com o compasso , para s a b e i , quí 1 he a longitude , e largura, e altera. Paia este íim se lhes a junta a medida , que h e ddmrri pé , notada por duas iirdias tramsversaes ; •Fig. 17. Est. I . , a que se s e g u e , he hum t e i t o ,
•e a terceira he hum quarto. Deve-se lambem
ensinar-lhes os termos d'arte , que formaõ , pa-ra assim o d i z e r , o seu alphabeto.
Exemplo.
Figura 17 Est. I. , h e , como acabamos de d i z e r , a m e t i d a de hum p é ; n u m . 18 he hu-ma pedra quadrada de bem r é de largo e de dous pés de a b o ; n u m . 19 he huma semelhan-te pedra essemelhan-tendida ao comprido ; num, 2.0 he hum quadrado dividido em três partes iguaes; num, 21 he hum circulo com seu diâmetro fcri.-ou-t a i ; n u m . 23 he hum. fcri.-ou-triângulo com hunm li-nha.
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nhri tirada de cada hum de seus ângulos sobre h u m de seus halos; os num. 2.3 9,'± , e 20 , saô também linhas paralleias, pei peudiculares , ho-rizontaes, e oblíquas.
Se fará copiar esta liçaõ aos discípulos, do mesmo modo que a precedente , lisongean-do-os de occupallos logo com cousas mais es-seneiaes. Hum mestre hábil naõ se limha a per-guntar-lhes , se comprehenderaõ bem os exem-plos , que se lhes derfié ; porém os obiigr alia-cabos de novo em sua p r e s e n ç a ; porque aemi-tece algumas vezes que o teirhaõ feito b-.m, mais por acaso, do que pelas regras da arte. D e -pois de os achar desembaraçados acerca disso passa a huma liçaõ mais importante. Deste mo-do he que elies formaõ huma justa idéa mo-do con-torno , e da disposição , que devem ter iodas as figuras, que se lhes apresentar. Com effeito , as-sim como os que aprendem a l e r , se applieaõ no principio a conhecer bem as leia as , depois a p r o n u n c i a d a s , e em fim a l e r ; da mesma SOÍte devem s e r , os que se applieaõ ao D e s e n h o -porém naô lie preciso já mai, tratados d num mo-do taõ imperioso corno aftectaõ os mestres de es-colhi , nem imprimir-lhes temor ; para naõ exigir dedes mais do que huma honesta e raeionavel differenç a Deste modo hum dimqudo novo, m e tear disposição fará sensíveis progressos. Con-templará com prazer todos os objeetos, que o c e r c a õ . e quando perceber ene a naímera e arte o favorecem elle
di: Aconte
limara de ora em , e elevara o seu esphito a grandes cousas. o mesmo a rc- peito dos discípulos como aos meninos que aprendem a andar pe-la fita ; porque póde-se dizer que os homens saó verdadeiros m e n i n o s , naqudlo que naô sa-bem ; e o s m a n c e b o s , sa-bem instruídos, saô ho-mens
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m e n s feitos antes que t e n h a õ tocado a idade vi-ril. Nós temos já feito deixar o compasso , e a
regua a nossos discípulos, e os temos louvado de terem huma maõ firme em tudo . o que tra-ção. Avancemos agora mais longe , pondodhes diante dos olhos algumas figuras feitas com Arte.
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L i ç A ô IV
JLJ' EIXFMOS pois aqui a terra , para ir vagar por
hum espaçoso mar , onde os novos viajantes t e -ráó grande necessidade de melhor piloto do que o era P a b c u r o , que surprendido do s o m n o , ca-ldo nas ondas , e perdeo a vida ; porque o que naô tem bons princípios , será sempre hum máo imitador, l i e pois essencial que os discípulos tenhaô hum hábil m e s t r e , que lhes ensine os verdadeiros fun h.mentos da Arte e que se naõ contente com elementos superficiaes ; p o i q u e , com boas i n s t r u c ç õ e s , pôde dar , em pouco tem-po , grandes luzes aos que saõ activos e diligen-tes. Assim os Lacedemonios costumavaõ esco-lher hum dos mais illustres , e mais babeis de
seus magistrados , para vigiar sobre a educação da mocidade do seu Pais. Porém hoje os bons mestres saõ Jaú u.ros , como os homens de bem. D e sorte que com. razaõ se lastima , que quanti-dade de gênios e x c e d e n t e s , nascidos com ta-l e n t o , vem a ser má os P i n t o r e s , só peta-la razaõ de serem mal instia idos. He preciso convir em que a natureza tem muita força por si m e s m a , sem se lhe njentar a instrueçaõ e que esta he impotente sem o scccoiro da n a t u r e z a ; porém pode dizer-se que a n a t u i e / a he cega re a Arte lhe naõ iilumina os olhos, A natuicza c o m e
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ca a abrir seu fértil seio , e a apresentar-nos numa infinidade de c o u s a s , das quaes misturai» mos algumas com outras artiiciaes para ani-mar ao nosso novo alumno pela representação do que lhe he já conhecido ; porque sabe-se que os meninos se affeiçoaõ com bem vontade a traçar objectos, que se representaõ diaria-m e n t e á sua vista ; e assidiaria-m he que a natureza imprime logo em seu espirito, o que concorda com sua inclinação. Naô menos confesso que estas saô as menores obras da Arte , e que he infinitamente mais bello saber pintar o homem, a mais nobre das creaturas , do que todos os objetos da natureza morta. Com effeito , que pôde haver mais glorioso, e mais digno d'Arte, do que representar hum ser animado de hum sopro d i v i n o , e que se pôde olhar como hum pequeno m u n d o , que nos apreseota em súm-u l a , todo o systema d a c r e n ç a õ ? Por isso mes-mo haveria maior imprudência em lhe pormes-mos a maõ , e nos resultaria maior vergonha , do que teve P r o m e t h e u , quando roubou o fogo do Ceo, para animar o h o m e m , que tinha f u m a d o áimi-tação do de Júpiter. Assim vamos continuar pe-las cousas mais fáceis, para c h e g a r , pouco a pouco , ás que saõ mais elevadas.
Exemplo.
A fig. 26 da Est. I. mostra hum pote d e água ; 27 huma janelia; 28 hum copo de vi-n h o ; 29 hum a r c o ; 3o hum taboleiio de da-m a s ; 3i huda-ma colher de p e d r e i r o ; 3s huda-ma bacia de barba ; 33 hum coracaô ; 34 huma pá; 55 hum. trevo ; 3G hum losango ; 37 huma lata de chá ; 38 huma taça ; 3;) huma maçã a ; 4<> huma pera ; 41 duas cereijas; 42 hum pecego.
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Saõ sem d u v i d a , cousas c o m m u n s , porém que saõ agradáveis de fazer á mocidade. Elias podem também servir , aos que tem o espirito formado, para entrar com mais franqueza no seu palácio da natureza , e elevarem-se ás mais sublimes de-licadezas da Arte. Com effeito, ainda que es-tas figuras sejaõ, por assim d i z e r , sem corpos, e se reduzaô a linhas rectas , c u r v a s , oblíquas, e t c . ; h e de huma necessidade absoluta o a p r e n -dellas, porque se lhes achaõ todas as espécies de l i n h a s , e de f o r m a s ; e quando se sabe tra-çar bem os contornos destas bagatellas , nada ha a cujo fim senaõ possa chegar. Por e x e m -plo , a colher do p e d r e i r o , fig. 5i , qunsi naõ vem a ser outra cousa mais do que hum triân-gulo, O colo do pote d'agua , fig. 2 6 , he huma espécie de q u a d r a d o ; o bojo he huma circum-ferem i<? , e o pé triangular. P o i é m quando se faz o bojo deste pote primeiro se deve tirar o lado d i r e a o ; depois o e s q u e r d o , principiando sempre; do cima para baixOi O mesmo digo dos lados do p é , que depois he preciso alinhar com igualdade. Feito tudo isto , tirai huma linha per-pendicular pelo meio do pote , e vereis entaô se está mais grosso de hum lado do que do ou-tro. Assim he necessário executar todas as cou-sas segundo as regras da Arte para que naô falte nada. Deste mesmo modo se firmará, pou-co a p o u c o , a m a õ , cujos traços seráõ sempre desembaraçados em tudo , o que se d e s e n h a r , ou seja no esboço , ou ao depois de acabado ; em vez de q u e , desprezando-se estes princípios, naô se fará mais do que trabalhar 00 a c a s o , e naõ s e c h e g a i á nunca á exactidaõ , nem á h u m perfeito c o n h e c i m e n t o da Arte.
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L i c A õ V.
JT ARA chegar pois a este desembaraço de trnv ç o s , e á exactidaõ, de que acabo d e f a i i a r , proí-porei o exemplo seguinte.
Exemplo.
AA da figura 45 da Est. I. notaõ duas li» nhas rectas perpendiculares. BB duas linhas re-ctas horisontaes. CCcc quatro linhas oblíquas. Naõ se vé aqui no principio , senaó linhas, que já saô conhecidas pelo nosso discípulo , e que elle sabe traçar com justeza. Porém em lugar de as chamar simplesmente duas linhas perpen-diculares, horisontaes, ou oblíquas, ensinailos-hemos a chamadas paralleias. Todos os traços da Arte devem ter seus nomes particulares, e isto he muito ú t i l , como adiante se verá. Naõ devemos pensar , senaó em imprimir no dis-cípulo huma idéa exacta das cousas , a medi-da que nós as traçarmos, para que naô obre ás cegas , e naô abrace a sombra pelo corpo. Por isto naõ o accumuiaremos de hum montaõ de exemplos, que só servirão de embaraçado , em lugar de lhe serem úteis. Buscaremos na ver-dade dar-lhe algumas vezes hum exemplo ou huma c o m p a r a ç ã o ; porém será isto sempre de hum modo breve , preciso , e conveniente ao objecto , ao menos, quanto for possível. Porém quando estivermos mais adiantados, lhe apre-sentaremos figuras mais complicadas, segundo o que pedir o caso.
Demais disso , he necessário advertir, que a linha horisoutal de cima se chama o
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t e , e ò pequeno olho , que se vê nõ m e i o , chã> ma-se aqui o ponto de vista. As duas linhas , que
sahem deste olho, e todas as m a i s , que se lhe p o d e r e m tirar , saõ raios visuaes. A linha hori-sontal debaixo he a linha de terra. As duas li-nhas , tiradas d'hum e d'outro lado do horisonte , se chamarão linhas de distancia. Assim damos a cada huma destas linhas o nome , que lhe c o n vém , e que se devem imprimir bem na m e m ó -ria. T a m b é m ha ali huma linha em travez, q u e
se avizinha mais do horisonte do que da linha de terra , e se d i z , que he huma parallela ao horisonte ; em vez de que se estivesse mais che-gada a linha de t e r r a , se diria , que he paralle-la á linha de terra.
Agora , para recrear o espirito dos discípulos , se lhes pôde dar , de tempos em t e m -p o s , -para folhear, hum livro de estam-pas , ou de figuras desenhadas pelos mais sábios mestres. Esta vista excita na mocidade huma emulação toda particular. Porém he necessário ver , q u e as estampas estejaõ em livro a parte , e as fi-guras desenhadas em outro ; porque estas duas qualidades de cousas saõ propostas aos discí-pulos em vistas dífferentes. As estampas ser-virão pois para os divertir , ao mesmo t t m p o que recordaõ o seu espirito. Quando elles t e m examinado huma , se eniástiaõ de hir a seguin-te , para ver , qual será a composição. Os nomes dos sábios m e s t r e s , que as tem g r a v a d o , e que se lhes ensina , junto com os elogios , que se lhes d á , os e n c h e m d'hum novo a r d o r ; sobret u d o , aos que as concideraõ com alguma a sobret sobret e n -çaõ , que estaõ resolvidos a appücar em-?e toda a sua vida á pintura , fazendo-se babeis , ^ a adquirir huma grande reputação nesta arte. A'em. disto , podem notar nestas estampas, o que elJea
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já* tem aprendido , e deste modo certificarem-se de mais a mais nas regras da arte. E quem senaó animaria a seguir estes três grandes mo-delos ? quando ali se vé hum desenho correcto e elegante , figuras nuas de beila escolha , de movimentos graciosos , de paixões bem expri-mrdas ( r ) hum panno bem lançado , posturas pintorescas e concordantes , huma magnífica ar-, c h i t e c t u r a , ornatos de bom g o s t o , huma bella comoosicaõ, variedade nos toucados , e vesti» d o s / segundo o costume dos differentes p o v o s , como a armadura dos G r e g o s , dos Romanos , dos Persas, e t c ; ndruma palavra , tudo quanto se pôde encontrar nas melhores gravuras. Po-rém tudo aquillo se vé inda melhor nos dese-nhos dos babeis mestres , e se pôde também tirar mais vantagem portpie alh se aprende a manejar o lápis ou o pincel d'hum modo fácil , em vez de que naô se saberia perceber o fei» tio destes mestres em as gravuras , onde tudo está invertido , ou , para assim dizer , vai ao contrario , do que mostra.
De modo q u e , se se der aos novos aprendi-zes hum livro de gravuras , e outro de dese-nhos , se esquecerão destes , depois de lançarem os olhos sobre as primeiras. Porém , naõ tendo á vitita senaõ figuras desenhadas , e que eíles as correm de passagem , tomaõ nisso tarrto gos-to que sua imaginação fica gos-tocada , e se forti-fica de dia em dia. Ainda q u e eu tenha sido
mais
( i ) H e bom e n v i a r aqui r.o o \ c e ! l e n t e TrataJo (ias Pa<xò,'.s th Jlriiu. ííuerwio o b s e r v a r q u e sc.<ie.\e lei c u i -d a -d o em p r o c u r a r a e-dira<*i o r i - i n a l -d e B. Pie.ua q u e lie m u i t o mais c o n e c t a e q u e , além d i s s o , (oi a u g m e n t n d a c e m m u i t o s rostos . d e p o i s das edições c o n t r a f e i t a s q u e ajipareci;ra<3.
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mais extenso , do que pensava no principio . Ii-sonjeo-me de que o leitor me naõ terá levado a m a l ; porque , o que acabo de d i z e r , naõ pôde servir senaó á perfeição da arte.
T o r n o pois ao exemplo proposto. Os nos-sos novos aprendizes conhecerão logo por si mesmos , porque , e em que vista , se traçarão as linhas , que ali vem ; o que lhes dará hum no-vo ardor. Notarão tarnbem que todas as cousas tendem para seu centro ; e que o meio de fa-zer seguros progressos he naõ affastar-se das re-gras d'arte. Para isto he que todas as figuras geométricas , que acabamos de t r a ç a r , e que te-rão aprendido a fazer , lhes seriaõ muito im-portantes; p o r q u e , deste m o d o , estarão em es-tado de darem razaõ de t u d o , que fizerem.
T a l v e z , se nos d i r á , que seria já t e m p o de examinar os progressos dos nossos discípu-los , e que seus pais se impacientaò por s a b e r , se elles tem propensão para esta arte. Eu naô duvido da alegria destes , quando sabem q u e seus filhos principiaõ a aproveitar-se. T u d o ,. quanto podemos dizer nesta occasiaõ, he q u e hum tem a concepção menos fácil e o esj irito mais tímido do que o o u t r o ; e q u e , para cor-rigilo destes defeitos , he preciso polo com ou-tro , que tenha mais fogo e vivacidade ; p o r q u e h e o meio de animar ao primeiro e t o m a t e mais d e s e m b a r a ç a d o , como t a m b é m de m c d e -rar a petulância do segundo , que se pode en-tregar mais hum pouco á sua imaginação. I ^te methodo produz logo hum bom effeito d'ambos os l a d o s , e outro que attrahe mais respeito ao» m e s t r e . D e m a i s d i s t o , he verdade que todos o s espíritos naõ saõ igualmente próprios para a pin-tura ; porém naõ se saberia decidir taõ precipi-t a d a m e a precipi-t e ; porque os discípulos devem ser ar
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principio firmes no desenho , pára lhes dar de-pois exemplos mais difficeis de i m i t a r , e exer-citados a manejar o p i n c e l , para os p ô r , pou-co e poupou-co , também em estado de pintarem figuras humanas , que saõ os objectos mais per-feitos, que nós conhecemos. Para isto he preci-so que os discípulos saibaõ desenhar bem todas as partes , com este maravilhoso arranjamento, e esta beila syrnmetria, que seib.es n o t a , sem den)re:ar o admirável ericadeamento das jun-turas que as reúne. Entaó se poderá descobrir, como em hum fiei e s p e l h o , a que podem che» gar ; se ao menos aprendem a traçar bem to-das estas partes , segundo as regias da arte , tu-do o mais, ainda que difficil seja virá por si mesmo ; e assim he que nos os conduziremos ao que nisto ha de mais perfeito.
Com tudo este methodo naõ agraciará a todo o mundo , sub pretexto de que se naõ quer fazer os meninos mais que simplices de-sonhadores ; o que naõ redundaria, nem em seu proveito, nem em sua gloria ; além do que todo o mundo c o n h e c e , que este nobre exercício he de huma grande utilidade, porque serve, para conhecer os talentos da mocidade e se tem disposição para qualquer a r t e , que se serve do d e s e n h o ; e q u e . fira d e s t e , serve [tara regu-lar a vista e ío>mar o juízo. ÍSnõ menos se vé que se criaò os m e n i n o s , muito mais os dos gran-des em todos os exercícios eorporaes , sem terem quasi cuidado algum do seu emiriro ; e isto he , por huma grandíssima paixaõ pelas ri-quezas. Porém , de que lhe-", servirá descenderem de huma família nobre e illustre se a fortuna lhes der de rosto ? Como naõ aprenderão cousa ntil nada lhes r e s t a r á : de sorte que se lhes pôde applicar o dito de Catnõ : Opcs fluxce , ars
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Além disso, nada be mais próprio para a calmar o fogo da m o c i d a d e , do que o nobre exercício do desenho ; porque tudo , o que occu-pa agradavelmente o espirito, serve de moderar as paixões ; e hum natural doce , opposto á hum espirito inconstante , forma hum agradável cara-cter como temos já notado ; assim os antigos julgavaõ que o azedo e doce compunhaõ o n e -ctar dos deoses.
' l e n h o achado por experiência que h u m espirito alegre brilha mais na pintura do que o h u m o r sombrio e melancólico. O gosto n a t u r a l , junto á vivacidade de espirito , produzio sem-pre homens extraordinários , maiormente na pin-tura , que he taõ vasta e extensa , que naõ ha a r t e , nem sciencia no m u n d o , de que hum hábil pintor naõ seja obrigado a ter alguma n o -caó. A natureza dá mais vantajem a lium es-piiito alegre e vivo , do que a instrucçaõ pode subministrar á outro. Assim se vé q u e entre os mais sábios m e s t r e s , que levarão esta arte ao mais alto m á o de perfeição , ha muitos mais
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que naõ resprravaõ senaõ o prazer e alegria , cio q u e , os que tinhaõ humor triste e melancólico. Papha.el, P o l i d o r o , de Cara vage , Leonardo de Vinci , Pesynde! Vaga o P a r m e s a n , Primati-ce , Pedro de O u tona o T i n t o i e t , o Gior-gone , Luís e Annibal careehe o Albano , o Bassan , Lanfranc e outios muitos naõ foraô elles de humor alegre e cheio de vivacidade ? :» Ainda que os passar cs tenhaõ azas para v o a r , ;» disse hum escritor , cem tudo as fechaõ, quan-33 do querem pousar m Pode-se dizer também que 03 p i n t o r e s , que tem o espirito v i v o , e ar-d e n t e , também tomaô ar-descanço ; p o i é m , quanar-do os espíritos cobardes e pesados se querem es-forçar a hum v o o , elles se assemelhaõ ao
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graçado ícaro , cujas azas artificiaes naõ pude-raõ sustentar no ar.
Finalmente , he certo que naõ se saberia obrar m e l h o r , do que occupar a mocidade no estudo e nas sciencias ; porque , quer a fortu-na lhes f a l t e , quer n a õ , tem sempre isto por sua parte , e saõ entaõ devedores á seus pais da boa educação que receberão. Assim os Pi-thagoricos tinhaõ razaõ de dizer que ; « A » virtude he o fundamento das Cidades ; e a » prosperidade dos estados depende da boa 53 educação dos meninos n. Accrescentai á is-to que a natureza quasi nos conduz somen-te ao insomen-teresse particular , e que a educação nos ensina a contribuir ao bem publico. A na-tureza nos faz aspirar a liberdade , ao mesmo tempo que a educação nos ensina a obediência. Quantos bellos gênios senaô vem , que lastimaô a falta de serem cultivados. Horacio mesmo nos ensina que a educação o eleva sobre o natural. O que nisso ha demais t r i s t e , vem a ser, que o m u n d o corrompido naõ sente o seu m a l ; de mo» do que com razaõ se pode exclamar : o/t tempos)
oh costumes \ e com razaõ dizia Cícero, que os
h o m e n s , para assim dizer, bebem com o leite, todas as desordens e t r e s v a r i o s , em que se pre« cipitaõ.
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L I Ç A Õ VI.
i ^ i Ao se pode p o i s , ainda que se tenha a ha-bilidade que for , julgar dhdgmna cousa, que res-peita á ai te em geral , menos que senaó pos-sua a l e n d o o d e s e n h o , e que se tenha apren-dido todas as suas partes. Ninguém h a , por h u m a razaõ mais foi t e , q u e possa dar seu pa-r e c e pa-r sobpa-re hum q u a d pa-r o , nem decidipa-r, se o pin-tor observou nelle todas as regras , naõ sabeu-do elle m e s m o , em que consistem estas regras. H e pois , a meu \ er , huma grande incense^ quencia da parte de ceitos amcdores , que se consideraô babeis , o que mesmo passaó por t a e s , de fazer bom montão de todas as sortes de q u a d r o s , s o u s a b e r , o que compiaõ , se he de orno ou de cobre ; e de dar hum grande prece, poí h n m a e b r a , que nada v a l e ; o q u e naõ pôde n sem' senaó da sua ineptidaõ. Com t u d o , o urundo está cheio destes pretendidos c o n h e -cedores , que naõ julgaõ d num quadro , senaõ pelas cores brilhantes, que tocaõ seus olhos , in-capazes de darem razaõ de nada. Porém se a ar-te r e c e b e alguma vantagem da sua ignorância , se pôde dizer, que naõ solfre mais algum pre-juízo.
Além disto , he necessário notar , que se de-senhaõ os ohjectos visíveis, medindo sempre a olho a distancia , que vai d'huma paile a o u t r a ; e que para se firmar a m a õ , se deve aprender felizmente o modo d~e manejar o lápis, cm o car-vão de madeira ; o que com-hte em ter hum Oti outro entre o polex e index , e apoiado sobre a ponta do dedo do m e i o , que deve es-tar hum pouco encurvado. O carvão de ma dei*
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ra esteve sempre em uso , he v e r d a d e ; porém parece-me que vale mais servir se do lápis que he mais p r ó p r i o , e cujo traço he mais b o n i t o ; além disso, he mais fácil de apagar se com mio-lo de paõ. Comtudo penso que o carvaõ de ma-deira he m e l h o r , para os que principiaô , e o l á p i s , para o s q u e tem já feito algum progresso.
O principal objecto do desenho consiste em fazer hum bom esboço ; e por este motivo lte necessário dar lhe huma grande attençaõ. A l g u n s , por e x e m p l o , para copiar huma esta-t u a , principiaó pela c a b e ç a , que acabaõ com t u d o , o que depende , e concluem depois o res-to da figura de alres-to abaixo. D e s t e methodo se lhes segue , em geral, hum grande mal , porque fazem deste modo a c a b e ç a , ou muito g i a n d e , ou muito pequena ; de sorte que resulta hum todo disproporcionado , e que naõ concorda com o original; o que provém , de que elles nao observarão bem as distancias , de que acabamos de fallar. Aquelles p o i s , que quizerem executar b e m , se lembrarão em t u d o , o que tiverem de d e s e n h a r , de distinguillo no principio em suas differentes partes ; de medir as distancias com o d e d o , ou lápis , sem compasso e julgar a o l h o , o que o acostuma pouco e pouco á juste-za , que he a nossa principal guia , como tenho já dito mais chhuma vez. Assim , quando se tiver copiado o exemplo seguinte , do modo que o te-nho já ensinado , e se possuir bem este metho-do , tumetho-do o mais virá a ser fácil.
Exemplo%
Para se desenharem os dous objectos , que se vem distinguidos em differentes partes na Fig. 44. e 45. da Est. I. se traçará no principio o
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p e q u e n o , e depois o grande. T i r a r e i s , com o vosso carvaõ de madeira , huma linha em cima , notada a ; outra no m e i o , notada b • e a tercei-ra na base , notada c. Veieis entaõ , se afigutercei-ra pôde entrar no espaço, que lhe destinaes. Con-tinuai eis depois a notar as partes menores até o fim ; e passareís finalmente a traçar a figura. He fácil ver , por este resumo , que a geome-tria he aqui d' huma absoluta necessidade , e que sem ella se naô pôde traçar nada justo sa^-bre o papel.
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L I Ç A Õ VII.
X\ E necessário copiar com cuidado os e x e m
-plos , que se vem na Est. I I . O primeiro he h u m oval , ou a forma de hum ovo. O num. 2 cffe-rece hum rosto dividido em differentes p a n e s . Os olhos estaô n' huma distancia , que pode-ria ter alli a terceira entre os dous. O nariz t e m o terço do comprimento do rosto. A boca t e m tanta largura , como hum olho. As orelhas estaô ao nivel dos olhos por cima, e da raiz do nariz por baixo, seja c o m p r i d a , ou curta adistancia, conforme poder ser. Em a segunda cabeça , n u m . 3 , vè-se a mesma divisão em comprimen-to , e largura ; porém a figura , e as proporções da cara saõ differentes : a primeira he h u m a sexta parte mais comprida que larga; e a segun» da he ouadrada. Pelo que respeita ás mãos saô duab vezes mais compridas que largas ; e cada huma de suas partes tem seu próprio compri-m e n t o , larguia , e giossura: vede as fig. 4 , o , e 6 da Est. IT. O comprimento de hum pé he h u m a sexta parte do talhe de hum homem , e