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Fotografias, narrativas de vida, identidades : mediações para o aprendizado da leitura e produção de textos no 3º ano

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Academic year: 2021

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ELIZABETH APARECIDA DA SILVA

FOTOGRAFIAS, NARRATIVAS DE VIDA, IDENTIDADES:

MEDIAÇÕES PARA O APRENDIZADO DA LEITURA E PRODUÇÃO

DE TEXTOS NO 3º ANO.

CAMPINAS

2020

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FOTOGRAFIAS, NARRATIVAS DE VIDA, IDENTIDADES:

MEDIAÇÕES PARA O APRENDIZADO DA LEITURA E PRODUÇÃO

DE TEXTOS NO 3º ANO.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Escolar da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Educação Escolar, na área de concentração Educação Escolar.

Orientadora: Profa. Dra. Claudia Amoroso Bortolato

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ELIZABETH APARECIDA DA SILVA E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. CLAUDIA AMOROSO BORTOLATO.

CAMPINAS 2020

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

FOTOGRAFIAS, NARRATIVAS DE VIDA, IDENTIDADES:

MEDIAÇÕES PARA O APRENDIZADO DA LEITURA E PRODUÇÃO

DE TEXTOS NO 3º ANO.

Autora: Elizabeth Aparecida da Silva

COMISSÃO JULGADORA:

Claudia Amoroso Bortolato

Guilherme do Val Toledo Prado

Tânia Cristina de Assis Quintino Okubo

A Ata da Defesa comas respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tesee na Secretaria do Programa da Unidade.

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A Deus, por ser meu melhor amigo,

A minha mãe, por ter sido meu Ipê Amarelo, Ao meu sobrinho Théo, por ser o meu Sol, A minha sobrinha Luara, por ser minha Lua, Vocês me fortalecem, iluminam, me dão forças para vencer a vida!

Para minha família, Por se fazerem presentes e compreenderem Esse momento importante de minha vida e formação.

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O agradecimento que venho fazer nessas singelas páginas da minha história, se relaciona com as fotografias que tenho guardadas em minhas pequenas caixas de recordações da minha memória. Ao rememorar cada uma delas e os acontecimentos que marcaram minha vida, não posso deixar de lembras das histórias vividas e das trocas de aprendizagens/experiências que me formaram e transformaram na pessoa e profissional que sou.

Primeiro quero agradecer à minha avó materna, Maria Generosa, que me ensinou a arte de narrar o folclore brasileiro através da vida que acontecia em nossa família, com ela aprendi a narrar sobre saci-pererê, fantasmas de fazendas e tantos outros seres fantásticos que estiveram presentes em minha infância.

Também quero agradecer minha avó paterna, Isabel Bondezan, que não respondia minhas indagações sobre sua história e sua vinda da Itália para o Brasil, com ela aprendi a perguntar e não desistir de questionar, muito menos das consequências.

À minha mãe, que me ensinou a lutar pela vida, pelos direitos individuais e coletivos, me ensinou a fazer diferença, me ensinou a amar e conhecer o outro, no agora, que as narrativas do passado de alguém o constrói no hoje e, principalmente, amar livros.

Ao meu pai, homem trabalhador e honesto, brincalhão e comunicativo, me ensinou a superar minhas dificuldades e a perdoar.

À minha irmã Isabel que sempre está ao meu lado, torcendo por mim e pelas minhas conquistas.

Aos meus sobrinhos Théo e Luara, que me ensinam a não perder a minha criança interna e a sonhar mais e sempre!

À Família Bassanelli por me ensinar a arte de ser feliz em toda e qualquer situação.

À Tia Teresa por me ensinar a lutar pelos direitos individuais e coletivos.

À minha eterna orientadora, Claudia Bortolato, que me apresentou Walter Benjamim e me mostrou a importância das narrativas de vidas das pessoas, a olhar para cada uma delas e ver a beleza impregnada de suas histórias, de suas vidas e a importância de viver a vida com leveza respeitando o outro.

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por me ensinar a olhar as ondas e escolher apenas uma.

À professora Dra. Tânia, pelas sugestões dadas a este trabalho, cada detalhe que trouxe elucidou novos conhecimentos e transformações de vida.

Aos gestores, professores e funcionários da Escola Estadual Cristiano Volkart por terem colaborado com o desenvolvimento desse projeto e a torná-lo mais prazeroso.

Aos meus alunos do 3ºano C, da Escola Estadual Cristiano Volkart, que me emprestaram suas narrativas e imagens, com eles aprendi que as transformações de vida são possíveis.

Às minhas amigas Daniela dos Anjos e Nathalie Wutzki, que sempre estiveram prontas a ouvir minhas angustias nesse processo de escrita e de transformação de vida.

Às minhas amigas do grupo de estudos e pesquisas “Ciências Humanas e Fé”, (Cinthia, Poliana, Daniela e Celma) são inúmeras imagens que tenho em minha memória, mas a principal delas está no fato de me ajudarem a entender que é possível desenvolver pesquisa científica sem perder a fé em Cristo.

Deixei Deus por último, não por ser menos importante, com Ele aprendi a descobrir minha identidade pessoal e profissional, a me conhecer mais e sem Ele, minha narrativa de vida não existiria.

Finalizo este agradecimento rememorando a fala de minha mãe: “Não olhe para o que a pessoa é hoje, mas sim a história de vida que ela teve, pois ela é o que a história fez dela”. As narrativas de vida de meus alunos, dos professores que encontro e encontrei pela vida e pessoas que passaram por mim, me ensinaram e me transformaram na pessoa que sou hoje, a vocês o meu muito obrigada!

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deslocar-se ordenadamente, a focalizar de forma conveniente, é capturar os detalhes significativos. É também converter o espaço, uma simples cintilação, em uma série de contornos, de formas reconhecíveis, de fundos e figuras, de continuidades e transformações. Um olhar educado é um olhar que sabe onde e o que deve olhar. E que sabe, em todo momento, que é que vê. Um olhar que já não se deixa enganar nem seduzir. Aprender a olhar é, portanto, reduzir a indeterminação e a fluidez das formas: uma arte da espacialização ordenada, da constituição de singularidades especializadas, a criação de “quadros”. É também aprender a vencer a indeterminação e a fluidez do olhar mesmo: uma arte da focalização ordenada. O que a pessoa vê de si mesma, com um olhar educado, é um duplo de si mesmo. Mas um duplo racionalizado, estabilizado, convenientemente espacializado, adequadamente exposto. Um duplo que a pessoa pode ver de forma tranquila posto que se conjurou sua indeterminação e sua capacidade de surpresa. E um duplo que a pessoa pode ver com o atento e repousado olhar do amo. Tecnologias do eu e educação. Jorge Larrosa

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Este projeto de pesquisa em Educação tem por objetivo investigar as histórias de vida dos educandos e as relações que eles estabelecem com a cultura no contexto escolar, narrando e fotografando essas relações e suas histórias de vida. Ao conjunto de fotos estamos dando o nome de narrativas fotográficas, ou seja, um caminho através da fotografia narrativa. A motivação para o projeto veio do grupo de crianças do terceiro ano, que pouco liam, escreviam, sabia e falavam de si e de seus familiares. Indivíduos quase invisíveis que acreditavam não ter nada a contar. A pesquisa teve uma abordagem qualitativa. Na medida em que formos fotografando, escrevendo e narrando as histórias dos alunos, fizemos também nossos adensamentos, ressaltando o que nos tocava. Para realizar este trabalho nos apoiamos nos referencias teóricos de Walter Benjamim, Cèlestin Freinet e Paulo Freire e olhamos para as narrativas fotográficas e escritas das crianças sobre suas histórias e de seus familiares. Desta forma esse material nos parece rico e prenhe de significados. As fotografias tomadas enquanto elaboravam suas narrativas orais, ligadas a narrativas escritas que vieram a produzir nesse processo de aquisição de conhecimento da escrita e de quem são, trouxe aumento da autoestima, interesse e empatia. Apresentamos ao final um material sobre como foram pensadas as fotografias das crianças, para que a metodologia seja difundida.

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This research Project in Education have the objective of investigate the life narratives of the students and the established relation of these stories with the culture in the school life context using photography as a toll for the project purposes producing what we called a photo-narratives as a way to understand the life story of the individuals. The project motivations came from a group of third grade fundamental school students which read and write little, and not talked about themselves and their relatives and which believed to be invisible individuals with nothing to tell. The research had a qualitative approach. As long as the photographs, notes and narratives were taken, the researchers were emotionally involved with the object of study highlighting what touched them. The work have as theoretical references the texts of Walter Benjamin, Cèlestin Freinet and Paulo Freire and attended registration providing a valuable source of information, significance and an enhance of the students self esteem, interest and empathy. By the end of this manuscript we present the way in which photographs were planned to be taken in order to provide a better way of dissemination to other schools as an educational methodology.

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FOTOS – O CHEIRO DO PÃO E A POESIA DA VIDA!

Lembrança 01 – Avó Generosa, Tia Teresa, minha irmã Isabel e bisavó Maria (Madrinha Velha)

Lembrança 02 – Escola Rural da Fazenda Califórnia, em Inúbia Paulista – acervo pessoal

Lembrança 03 – Minha mãe Maria, eu e minha irmã Isabel – acervo pessoal Lembrança 04 - Alunos do projeto Letra Viva, em 2004 – acervo pessoal Lembrança 05 – Plano de Trabalho – acervo pessoal

Lembrança 06 – Eu no curso de fotografia – acervo pessoal

Lembrança 07 – O chão da Faculdade de Educação – acervo pessoal

Lembrança 08 – Turma do MP na aula da Professora Adriana Koiama – acervo pessoal

Lembrança 09 – Aula da Professora Nima com a turma toda do MP – acervo pessoal Os Amigos

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Narrativas fotográfica 01 - Jubiscleiton - Eu nasci na Itália, mas quero viver aqui no Brasil

Narrativas fotográfica 02 - Bárbara – Meu pai está preso!

Narrativas fotográfica 03 – Aqui nesta escola eu tenho muito amigos!

Narrativas fotográfica 04 - Dadinho - Eu gosto de brincar com meus amigos Narrativas fotográfica 05 - Carlos – A minha história

Narrativas fotográfica 06 - Jooj – Eu não gosto de fotos, pode tirar somente partes de mim

Narrativas fotográfica 07 – Os melhores amigos

Narrativas fotográfica 08 - Flare – Meus antepassados Narrativas fotográfica 09 - Bela – A alegria vem pela manhã Narrativas fotográfica 10 - Mauro – O casamento dos meus pais Narrativas fotográfica 11 - Anne – Eu nasci prematura

Narrativas fotográfica 12 - Luz – Viva a vida leve!

Narrativas fotográfica 13 - Mineira – Eu sou feliz, sou mineira!

Narrativas fotográfica 14 - Flash – Eu amo meu pratinho, minha herança! Narrativas fotográfica 15 - Clark – Eu chorei muito quando nasci!

Narrativas fotográfica 16 - Erica – Amizade verdadeira! Narrativas fotográfica 17 - Marina – Minha família!

Narrativas fotográfica 18 - Ferreiro – A partitura da minha vida! Narrativas fotográfica 19 - Dene Grady – Eu gosto de ciências. Narrativas fotográfica 20 - Zack – Eu torço para o São Paulo Narrativas fotográfica 21 - Pablo – O folclore está em minha vida! Narrativas fotográfica 22 - Messi – Eu amo desenhar!

Narrativas fotográfica 23 – Minha prima e eu na aula de Libras Narrativas fotográfica 24 - Gilbert - Queria conhecer o mundo!

Narrativas fotográfica 25 - Cachinhos Dourados – Eu cresci! Narrativas fotográfica 26 - Lunna - Eu morava em Juiz de Fora

Narrativas fotográfica 27 - Aruana –Eu fiquei feliz em saber minha ancestralidade indígena

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APM – Associação de Pais e Mestres BNCC – Base Nacional Comum Curricular

Cenp – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas EMAI – Educação Matemática nos Anos Iniciais

FDE – Fundo para o Desenvolvimento da Educação

IDESP – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC – Ministério da Educação PC – Professor (a) Coordenador (a)

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação

PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

PROERD – Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência SARESP – Sistema de Avaliação e Rendimento do Estado de São Paulo SEE-SP – Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

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Quadro 1 – Temas do Projeto – Ler para Escrever Quadro 2 - Participação dos alunos no SARESP 2018

Quadro 3 - Níveis de Proficiência em Língua Portuguesa – SARESP Quadro 4 - Descrição dos Níveis de Proficiência

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O cheiro do Pão e a poesia da Vida! ...18

QUAL MÁQUINA FOTOGRÁFICA E QUAIS LENTES? – Primeiras escolhas ... 19

INTRODUÇÃO... 22

ORGANIZANDO O TEXTO - AGUÇANDO O OLHAR DO PESQUISADOR ... 26

O OLHAR - Delimitação do Problema e Objetivos ... 26

A QUALIDADE DO OLHAR - Princípios Metodológicos ... 29

O FOCO DO OLHAR - O Observador Atento – Localizando a Escola ... 30

AJUSTANDO O OLHAR - A Prática, o Mestrado Profissional e as Narrativas...32

O ZOON... 34

A NARRATIVA DA VIDA DE UMA PROFESSORA/PESQUISADORA ... 34

O PRIMEIRO CLICK DA CÂMERA ... 52

A LENTE EXTERNA - IMPRESSÕES INICIAIS – O Programa Ler e Escrever.. 52

A LENTE EXTERNA – A NITIDEZ - A avaliação da Escola no SARESP 2018.. 58

A LENTE EXTRA - A Base Nacional Comum Curricular no contexto do Ensino Fundamental I ... 62

LENTES E FILTROS ... 66

A QUALIDADE ... 66

Cèlestin Freinet: fragmentos de vida ... 66

SEM DESFOQUE DE IMAGEM ... 68

Os instrumentos propostos por Freinet - mudando o olhar... 68

A expressão da identidade na pedagogia Freinet ... 77

AS LENTES A PARTIR DE BENJAMIM ... 79

O ensaio “Pequena História da Fotografia” ... 79

OS FILTROS COM BENJAMIM ... 82

O ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica”... 82

ANGLO DE VISÃO - METODOLOGIA ... 85

COMPONDO AS NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS ... 88

FIXANDO A IMAGEM ... 90

O OLHAR D A FOTÓGRAFA, PROFESSORA, PESQUISADORA ... 90

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Narrativa 04 - na primeira serie fizemos uma traquinagem... ... 95

Narrativa 05 - Somos uma família muito unida... 96

Narrativa 06 - eles eram Mineiros de Poços de Caldas...96

Narrativa 07 - Esse tênis aqui é de quando eu tinha apenas 2 meses... ... 99

Narrativa 08 - Eu tenho muitos amigos... ... 100

Narrativa 09 - foram substituindo os escravos... ... 101

Narrativa 10 - Foi um dos dias mais felizes da minha vida... ... 103

Narrativa 11 - A minha família é descendente de indígena... ... 105

Narrativa 12 - Porque eu gosto de jogar no gol ... 106

Narrativa 13 - Essa foto é de quando eu morava em São Paulo ... 107

Narrativa 14 - Esse ursinho era da minha mãe... ... 108

Narrativa 15 - quando minha avó me pegou no colo. ... 109

Narrativa 16 - Esse pratinho de porcelana era da minha bisavó...111

Narrativa 17 - eu fazia teatro na outra escola era bem legal ... 112

Narrativa 18 - Eu gosto muito das minhas tias ... 113

Narrativa 19 - Somos descendentes de italiano e indígena... 114

Narrativa 20 - A música que eu mais gosto é Galileu ... 114

Narrativa 21 - Eu também gosto do livro de ciências... ... 115

Narrativa 22 - Eu preferia ficar na piscina do hotel ... 116

Narrativa 23 - Eu vou contar uma lenda que foi meu avô que me contou... ... 117

Narrativa 24 - Esse patinho é de quando eu morava em Minas Gerais ... 118

Narrativa 25 - “Te amo mamãe! ” ... 119

Narrativa 26 - Eu e meu irmão fizemos uma seção de fotos ... 120

Narrativa 27 - Um dia eu fui no jogo da Ponte Preta ... 121

Narrativa 28 - Pegava a vassoura e ia fazer minha faxina ... .123

A LENTE MACRO – 100 mm- FOTOGRAFANDO E NARRANDO COM O CORAÇÃO ... 125

OLHANDO PARA AS NARRATIVAS ... 125

O RETRATO FINAL ... 130

REFERENCIAS ... 134

APÊDICES ... 137

Apêndice 1 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - crianças ... 137

Apêndice 2 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – pais ou responsáveis ... 138

Apêndice 3 - Termo de autorização do diretor da Unidade Escolar ... 140

Apêndice 4 - Produção de Texto Livre ... 141

Apêndice 5 - Produção de texto livre do aluno “Dene Grady”... 142

Apêndice 6 - Desenho realizado pela criança para representar sua família ...142

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Apêndice 9 - Registro produzido pela criança, de Produção de Texto, sobre a origem e descendência da família... 144 Apêndice 10 - Registro produzido pela criança, de Produção de Texto, sobre a origem e descendência da família... 145 Apêndice 11 - Texto produzido pela mãe da criança para auxilia-la em sua

apresentação oral para a turma do 3º ano. ... 146 Apêndice 12 - E-book – Fotografias, narrativas de vida e fotográficas ... 147

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O cheiro do Pão e a poesia da Vida!1

1 Fotos da Fazenda onde morei em minha infância, dos pães feitos por minha tia e meu tio Manezinho, cuidando de sua roça. Essas imagens fazem parte da história da minha família - cuidando Acervo Pessoal.

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QUAL MÁQUINA FOTOGRÁFICA E QUAIS LENTES? – Primeiras escolhas

TARDES DE INVERNO

Às vezes minha mãe me levava para fazer compras em tardes de inverno. Era uma Berlim escura e desconhecida que, à luz de gás, se estendia à minha frente. Ficávamos no antigo Oeste, cujos arruamentos eram mais uniformes e despretensiosos que os preferidos posteriormente. Àquela hora já não se podia perceber com clareza as sacadas e as colunas, mas nas fachadas havia luz. Fosse por causa das cortinas de musselina, fosse por causa das venezianas ou da camisa da lâmpada de gás suspensa, aquela pouco revelava dos aposentos iluminados. O tinha a ver com nada, a não ser consigo mesma. Atraia-me e deixava-me pensativo. Ainda hoje isso me acontece na memória. E é assim que sou conduzido a um de meus cartões postais. Este exibia uma praça em Berlim. As casas que a rodeavam eram de um azul delicado; o céu noturno no qual pairava a Lua, de um azul mais escuro. Não haviam colorido nem a Lua nem as janelas na camada azul do cartão. Era preciso coloca-las contra a luz, o que fazia emanar das nuvens e da série de janelas um súbito clarão amarelo. Eu não conhecia a paisagem representada. Abaixo estava escrito “Posta de Halle”. Porta e átrio nela se mesclavam, formando a gruta iluminada, na qual encontro a lembrança da Berlim hibernal. (Walter Benjamin – Infância em Berlim por volta de 1900)

Fiquei pensando em como deveria iniciar meu texto, escrever uma dissertação, escrever uma narrativa com tantas narrativas... Pensei em escrever também sobre a beleza da vida, a leveza da infância com que trabalho no entrecruzamento com a minha infância.

Ao ser apresentada a Walter Benjamim no mestrado e na reflexão e adensamento de Infância em Berlim por volta de 1900, penso na minha infância, que mesmo sem conhecer Berlim ou ter vivido em lugar parecido, minhas lembranças são lembranças de infância, de minha mãe e de nosso lugar. O que me vem a mente são as alegrias de ser criança livre a brincar em uma fazenda do interior de São Paulo, local onde meus pais, tios e muitos primos trabalharam e eu, só fui criança. Era livre das responsabilidades dos adultos, mas repleta das responsabilidades de ser criança.

Brincava na chuva, corria de um lado a outro com um cavalo de pau, as gotas caiam sobre meu rosto, me molhava inteira e depois ainda ia escorregar na beira da casa... É, dava pra fazer isso... Subia nas árvores para pegar e comer frutas, não lavava nenhuma e não tinha nenhum verme me incomodando... Carambolas a comer, seriguelas também, mangas, bananas e abacates... Tantas frutas que eu comia do pé, da vida, da minha infância... Mas o mais interessante não era comer as frutas, hoje repenso minha infância e vejo que o que eu mais gostava era de estar com minha mãe.

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Com ela aprendi a contar histórias fazendo algo muito gostoso, pão. Aquele cheiro gostoso que vinha do forno de barro que tinha no quintal. Minha mãe levava um bom tempo para fazer o pão, primeiro ela juntava todos os ingredientes, misturava tudo e amassava até ficar uma massa homogênea. Eu ficava ali, ao seu lado, conversando, ouvindo suas histórias, histórias da família que eram passadas de geração em geração. Depois ela separava um pequeno pedaço e colocava em um copo com água, eu sempre perguntava por que ela fazia aquilo e ela respondia a mesma coisa: É para saber a hora de colocar o colocar o pão no forno para assar! Eu ria e ficava feliz com a resposta e voltava a brincar, pois sabia que aquele pão iria demorar a ficar pronto!

Quando ela amassava novamente para dar o formato do pão, me chamava novamente, pois sabia que eu gostava de amassar também e de fazer meu pequeno pão, e com isso mais histórias... Lembro-me daquela vez em que contou sobre quando ficou uma noite inteirinha em cima de uma árvore, pois embaixo dela tinha um touro, ela estava indo na casa da minha tia Rosa, que morava na cidade, o touro escapou e correu atrás dela, que para escapar, teve que subir na árvore, pois poderia morrer. Eu sempre pensava, que minha mãe era minha heroína, sempre vencia suas batalhas! No dia seguinte prenderam o touro e demitiram o administrador, que dormira em seu serviço! Foram muitas histórias contadas por ela e ouvidas por mim, por minha irmã... Hoje conto-as a meus sobrinhos!

Bom, voltamos aos pães...

Minha mãe os colocava em folhas de bananeiras, posso até sentir o cheiro do pão na folha de bananeira, nunca mais vi alguém fazer pão daquele jeito ou pude fazer na “cidade grande”... Mas o que aprendi ali, não foram apenas histórias, foram as trocas de vida e de experiências passadas de geração a geração. Muita vida, muito amor!

Quando o pão estava quase pronto, dava para sentir aquele perfume de pão bem de longe, corria para a cozinha, arrumávamos a mesa, minha irmã e eu, toalha, talheres, o café que já estava pronto, o leite para a gente, pois criança não tomava café! Ah! A maravilhosa manteiga... Mau o pão ficava pronto e lá estávamos nós comendo, degustando cada fatia com aquela manteiga derretendo. Era muito bom e com esse café da tarde, vinha também as histórias de lobisomem, de mula sem cabeça, dos fantasmas da fazenda e das aventuras dos meus pais e avós na colheita do café...

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Era muito bom ser criança, era muito bom morar naquela casa de fazenda, com toda aquela vida que corria a nossa volta! Das brincadeiras no quintal, dos pés de arvores que subi, mas principalmente e mais importante, das histórias contadas pela minha mãe regadas ao maravilhoso pão caseiro!

Tocada pela ausência de histórias de meus alunos e com a certeza de que as narrativas familiares de minha mãe me fizeram ser quem sou, iniciaram a montar a minha identidade, parti em busca de maneiras de auxilia-los não só como professora alfabetizadora, mas também como alguém que gosta de ouvir e contar histórias e de fotografar!

Na discussão de como apresentar um texto, resolvemos manter os entrecruzamentos de vida, de histórias, de teoria, de práticas, de descobertas, de construções e desconstruções tão significativas para que nos tornemos indivíduos melhores e que possamos colaborar nas desconstruções e construções dos sujeitos que nos passam e nos tocam no dia a dia da sala de aula. As produções de texto escrito das crianças estão pelo texto, estão nos resultados e nos apêndices.

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INTRODUÇÃO

Quando, em 1992, ingressei meus estudos no antigo magistério, na E.E. “Culto à Ciência”, meu maior medo era o de alfabetizar. Fazia os estágios sempre na mesma escola e tínhamos a mesma orientadora de estágio, a Professora Zezé. Foram tempos de muito aprendizado, porém as incertezas e medos de alfabetizar continuavam. Eram muitas as perguntas que vinham em minha mente enquanto lecionava em escolas pequenas de Campinas: Como a criança aprende? Se eu errar, o que pode acontecer a essa criança? O que eu preciso aprender para alfabetizar? Foram muitas as inquietações acerca desse assunto e o medo desse momento, pois ainda não tinha lecionado para uma turma de alfabetização, trabalhava com a educação infantil, medos da possibilidade de lecionar para uma turma de 1º série, hoje 2º ano do Ensino Fundamental, sempre me vinha a mente.

Foi com essa professora Zezé que aprendi a amar Paulo Freire e seus livros, o primeiro livro que eu li dele foi “Pedagogia da Autonomia”, esse livro me levou a ter um sonho, lecionar na escola pública. Lecionar para os “mais simples”. Isso demorou um pouco a acontecer, pois muitas adversidades e outros caminhos foram percorridos. Trabalhei por muito tempo em escolas particulares de Campinas e região, aprendi muito nessas escolas, elas adicionaram tijolos na construção da professora que sou hoje.

Quando, em 2016, assumi uma turma de 2º ano, no Estado de São Paulo, as lembranças sobre meu primeiro contato com o magistério e os medos em alfabetizar vieram à tona e as indagações voltaram, mesmo após lecionar por muitos anos e já apresentar experiência em alfabetizar.

Essa turma de 2º ano me levou a mais indagações sobre a questão da identidade infantil, pois fui percebendo que eles não se conheciam, e percebi a diferença das crianças que eu tinha lecionado em escolas particulares e agora das crianças do estado, porém as inseguranças e medos daquele momento, das dificuldades em adaptar-me à rede estadual e da avaliação do estágio probatório, optei por não trabalhar sobre esse assunto, identidade, fui trabalhar outros, que julguei serem mais importantes e necessários para que eu conseguisse terminar o ano letivo. Foi um ano muito difícil, de grandes questionamentos.

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No ano seguinte, em 2017, mudei de escola, fui removida para a E.E. Milton de Tolosa”. Percebi ali que meus alunos, agora um 3º ano, também não conheciam suas próprias histórias e isso incomodou a mim e à gestão também, pois os alunos não sabiam sobre suas famílias, sobre imigração, emigração e outros assuntos relacionados a essa temática. Tivemos a parceria de uma pesquisadora e iniciamos o projeto, os alunos amaram se conhecer e esses conhecimentos possibilitaram outras descobertas, mas possibilitaram também a escrita do projeto de pesquisa para pleitear a vaga no Mestrado Profissional, o que aconteceu no ano seguinte.

Fui buscar embasamento teórico para poder construir o projeto, recorri a Celèstin Freinet, teórico que conheci na Escola Curumim, situada em Campinas e a Paulo Freire, que trago comigo desde o magistério.

Mudei mais uma vez de escola para poder realizar meu projeto de pesquisa do Mestrado Profissional. Fui para a E.E. Cristiano Volkart” e mais uma vez, fui lecionar para um 3º ano do Ensino Fundamental. Percebi ali que eles também não conheciam muito sobre sua origem, seus antepassados, ancestrais. A mesma coisa, famílias e percursos perdidos no tempo. Fui à busca de uma pedagogia que poderia me ajudar a desenvolver meu trabalho, agora, já não estava mais com tanto medo das avaliações do estágio probatória, pois no início, recebi a orientação na escola para não desenvolver meu trabalho utilizando a pedagogia que fundamentava minha prática pedagógica, porém sabia que para poder realizar meu projeto como gostaria, seria necessário trabalhar de acordo com o que eu mais conhecia e sabia, deveria utilizar Freinet em meu fazer diário do chão da escola e, assim o fiz!

Na E.E. “Cristiano Volkart”, deparei-me com uma turma que apresentava muitas lacunas em seu processo de aprendizagem, principalmente em relação a alfabetização, mas também em relação a segurança e aceitação de quem eles eram. Era uma turma muito insegura. Intensifiquei meus estudos sobre Freinet, sobre práticas de alfabetização, a construção e a possibilidade de desenvolvimento de um projeto de pesquisa que propiciasse a aprendizagem desses conhecimentos e, consequentemente, aprenderem a ler e escrever e conhecerem a sua identidade.

No início, como era nova na escola, eles, gestores, professores, alunos e pais, não me conheciam e não sabiam como eu trabalhava, iniciei os trabalhos com a pedagogia Freinet, de forma lenta, utilizava apenas o texto livre e a roda de conversa. Depois fui introduzindo outros instrumentos, como jornal de parede, a correspondência escolar, os ateliês e por último, o plano de trabalho. Eles amaram

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trabalhar com o plano de trabalho e com a possibilidade de escolherem o que estudar e como estudar. Percebi que muitos pais também gostaram desse instrumento, pois estavam, diariamente, verificando o que seus filhos desenvolviam e como esse processo ocorria, percebi que isso ajudou na interação e interesse dos pais em desenvolver a pesquisa sobre identidade, sobre a história de vida dos sujeitos da pesquisa.

A tessitura desse trabalho possibilitou as narrativas fotográficas dos meus alunos e possibilitou a elaboração e finalização desse projeto de pesquisa, e, a partir delas, contar a história desses indivíduos, das relações que eles tiveram com vários objetos, com as pessoas, com as autoridades, com o brincar, com seus amigos, com a escola, ou com a comunidade em que moram entre outros processos de construção de suas identidades. No desenvolvimento do projeto também foi possível reunir alguns textos das crianças também narrando suas histórias. Apresentaremos os que foram produzidos na forma oral (transcritos e ligeiramente textualizados pela professora/pesquisadora) e de forma escrita, que é a consagração do esperado com as práticas de sala de aula estabelecidas para a pesquisa.

Apresento, então, os pressupostos discursivos do texto e dos dados produzidos e a seguir apresento como a pesquisa narrativa foi dividida.

No ORGANIZANDO O TEXTO há a delimitação do problema de pesquisa, bem como os princípios metodológicos e a escola onde se desenvolveu a pesquisa. Aqui também inicio a apresentação dos referenciais teóricos.

No ZOON apresentamos o memorial da pesquisadora no que diz respeito às escolhas e caminhos que a trouxeram a este projeto.

No PRIMEIRO CLICK DA CÂMERA temos um breve estudo sobre o programa “Ler e Escrever”, utilizado pelo Estado de São Paulo nas escolas do Fundamental I, as avaliações externas e a escola do projeto.

No LENTES E FILTROS é o capítulo onde falamos sobre fragmentos da vida de Cèlestin Freinet e a identidade das crianças. Walter Benjamin e seus textos “Pequena História da Fotografia” e “A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica, na relação com esse projeto”.

Destacamos um capítulo para a METODOLOGIA, onde temos as discussões das concepções sobre a produção de narrativas e a adaptação para que venham também a partir dos textos das crianças.

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No FIXANDO A IMAGEM, vem o Olhar da Fotógrafa, Professora, Pesquisadora e são apresentadas as narrativas produzidas nessa pesquisa.

No LENTE MACRO – 100mm - Fotografando e Narrando com o Coração, apresentamos os nossos adensamentos dentre os possíveis adensamentos de cada leitor, observador e ouvinte que venha a passar por este texto. É o adensamento das fotografias captadas pela pesquisadora que vai narrando esse fazer com um coração e olhares atentos.

Em CONSIDERAÇÕES FINAIS falamos sobre a importância da metodologia e memória para a formação de indivíduos leitores e produtores de textos, críticos, autônomos e conscientes de suas identidades.

No final trazemos o e-book com dicas e sugestões aos professores que queiram se aventurar nas narrativas fotográficas de momentos mobilizadores de outras narrativas.

Produção de texto em sala de aula:

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ORGANIZANDO O TEXTO - AGUÇANDO O OLHAR DO PESQUISADOR

Foto – Iniciando o caminho2

O OLHAR - Delimitação do Problema e Objetivos

Uma fotografia digital apresenta um registro sobre a captura da imagem, nele estão contidas datas, horários, tipo de câmera, dentre outras informações de rastreabilidade da imagem, tais informações são importantes no contexto da pesquisa e só foram usadas as fotografias registradas após a aprovação do projeto pelo comitê de ética, embora inicialmente eu desejasse fotografar todo o processo de aprendizagem durante aquele ano, mas são limitações que ocorreram dentro do contexto ético e acadêmico do processo de mestrado profissional.

Os estudos iniciais, em serviço e no Mestrado Profissional, somados ao percurso através das narrativas, trouxeram o diálogo de três autores. Da formação do magistério, reporto-me a Paulo Freire, educador brasileiro que apresenta um simples e belo relato sobre a vida, e que irá perpassar por todo o texto. Da experiência como professora/educadora, reporto-me a Cèlestin Freinet, educador francês que leva o educando a ser autônomo e pesquisador de sua própria prática. Foi nele que busquei também o tema da construção da identidade. E por último, no universo da pesquisa, me encontrei com o terceiro pilar teórico, Walter Benjamim, filósofo alemão, que discorre de forma fascinante sobre narrativas, a obra de arte e a fotografia. De Benjamin, também me envolvi com a produção de narrativas como metodologia a partir de Petrucci-Rosa (2011; 2018).

2 Acervo Pessoal

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A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorremos todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos (Benjamim, 1985, p. 198).

Hoje se faz recorrente a reclamação de que a sociedade se esqueceu de mostrar às crianças o universo das narrativas, sejam orais ou escritas, de sentar à beira da mesa para degustar um café da tarde, com pão e bolo e ali transcorrerem inúmeras histórias da vida cotidiana, sendo transmitidas de pai para filho, de avô para neto. Essa contação de experiências de pessoa a pessoa parece não ocorrer mais, são poucas as pessoas que assim o fazem, tornando a criança um sujeito sem origem. Um sujeito esquecido.

“[...] o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é” (FREIRE, 1983, p. 39).

Estamos aqui, portanto, estabelecendo relações entre os ditos e escritos daquele que não se expressou como educador e sim filósofo, e crítico de arte e ensaísta, Walter Benjamin, e Paulo Freire com as inúmeras contribuições no seu campo, a Educação, assim como Cèlestin Freinet que apresentou uma epistemologia da infância e para a infância.

Os três teóricos apresentam uma filosofia da história, de inspiração marxista, que leva a pensar e romper com as velhas concepções da criança “vazia”, “depositaria” e a construir uma filosofia, pedagogia e educação de infância viva, transformadora, de pratica pedagógica cotidiana, rica em ruídos, de uma revolução acerca do que é ser criança.

É preciso ir para além das técnicas apresentadas nos manuais, é preciso ir para a escuta atenta, para a cultura da infância, para sua história de vida, suas narrativas, suas experiências. É preciso ir para além do chão da escola, digo isso, pois a educação, as trocas de saberes, de conhecimentos, de aprendizado não acontecem apenas no chão da escola, já rompeu com esse paradigma e foi para o mundo. As relações que ocorrem fora da escola, somadas com as da escola, assentam tijolos na construção de quem essas crianças poderão vir a ser.

Nas observações do caminho como educadoras, podemos afirmar que a escola também participa do abandono das narrativas, ela tem (des)construído a relação da criança com a escrita da palavra e muitas vezes não tem permitido a livre expressão delas. Os estudantes e os educadores têm perdido suas autonomias a

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partir de materiais didáticos prontos e engessados, o que pode leva-los a não perceber suas relações com o mundo cotidiano, apenas lidando o que está pronto e geralmente distante.

Bruce Davidson3 (apud Short, 2013, p. 98) afirma que: “Se eu estiver

procurando alguma história que seja, ela está em minha relação com o objeto – não a história que eu conto, mas aquela que me conta” A fotografia conta a história através do olhar, dos sentidos que estabelecem as relações e, dentro dessas possibilidades, é importante olhar para o que é comum: a história das relações de cada aluno com o cotidiano escolar e as relações que ele traz para o cotidiano da escola.

Nesse sentido a fotografia ganha grande importância, pois ela foi um dos registros históricos desse projeto. Ela forneceu dados das crianças, sujeitos nessa pesquisa, dos lugares que elas frequentaram na escola, das pessoas com quem elas se relacionaram, sendo também a criação marcada pelos desejos, pela imaginação e representação daquele que fotografa.

A presente investigação teve por objetivo estudar as narrativas produzidas pelas crianças, quanto à sua história de vida, respondendo à pergunta: Quais saberes são evidenciados nas narrativas (visuais, escritas e orais) produzidas pelas crianças do 3º ano do ensino fundamental I?

A partir desses pressupostos, cabe ressaltar que os estudos propostos tiveram também como objetivos levar os sujeitos a:

 Investigar as suas histórias de vida, bem como as relações que eles estabeleceram com as pessoas, a arquitetura, o dinheiro, a natureza, a culinária, o trabalho, as artes e o tempo, no contexto escolar e familiar, narrando e fotografando essas relações que fazem parte do cotidiano e principalmente de sua história de vida e construção de suas identidades.  Problematizamos os saberes contidos nas narrativas produzidas,

relacionando com referenciais teóricos e os contextos locais;

3 Fotógrafo estadunidense, nascido em 1933, membro da “Magnum Photos” desde 1958, conhecido por fotografar comunidades periféricas, por vezes hostis a pessoas de fora.

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A QUALIDADE DO OLHAR - Princípios Metodológicos

A metodologia da pesquisa foi realizada a partir da perspectiva da narrativa como princípio teórico-metodológico, embasada nos escritos de Petrucci-Rosa (2011, 2018). Benjamin afirma que “Contar histórias sempre foi a arte de conta-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais contadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história” (Benjamin, 1985, p.205).

A narrativa possibilita, a cada sujeito, rememorar a sua experiência vivida. Cada sujeito é singular e cada experiência vivida também. Assim ao narrar os fatos, é possível que o sujeito reconstrua sua trajetória percorrida atribuindo-lhe novos significados. Em outras palavras, a narrativa pode ser transformadora da própria realidade e é esse o ponto que nos interessa. (Albrecht, 2017, p. 249).

Aqui pensamos na narrativa como uma forma da criança expressar aquilo que ela vem vivenciando ou ouvindo de seus familiares, que também foram estimulados a contar histórias em casa, não falamos da leitura de livros infantis, não eram essas histórias que estavam interessados, pedimos que falassem de si e dos seus. As crianças que ouviram foram aprendendo a contar suas experiências. Estabeleceram relações com a vida e para a vida, rememorando fragmentos de um tempo, não tão distante assim, mas que para elas, era um tempo bem distante.

Trazendo a discussão para a aprendizagem da linguagem escrita, Freinet afirma que essa escrita deve ter significado, cuja função principal é comunicar. Toda criança tem a necessidade de escrever, da mesma maneira que tem a necessidade de comunicar através do gesto, do desenho, da fala. Cabe ao adulto ajudá-la a apropriar-se do significado real da escrita. Freinet critica os métodos tradicionais que criam linguagens extremamente escolásticas, moldadas no discurso livresco, totalmente desvinculadas da vida das crianças, baseadas no que o adulto acredita ser necessário ensinar. (BUSCARIOLO, 2015, p. 68)

Dado o exposto, essa pesquisa assume um caráter qualitativo e tem como fundamentação teórica e metodológica a perspectiva de narrativas em Walter Benjamim, buscando a compreensão de infância, das relações que ela estabelece com o outro, com o meio em que está inserida, levando-a a se perceber como cidadão do mundo e para o mundo, mesmo que apresente uma visão limitada desse universo que a circunda. Nessa perspectiva apresentada temos os espaços de relações, relações que transformam a si mesmas e transformam também a vida do

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pesquisador, devido ao fato do pesquisador ocupar um outro papel, o lugar de professor/pesquisador/fotógrafo.

O FOCO DO OLHAR - O Observador Atento – Localizando a Escola

O projeto de pesquisa foi desenvolvido na Escola Estadual “Cristiano Volkart”, na cidade de Campinas – SP. Criada em 19 de março de 1935, está localizada na Praça Paul Harris, 105, no Bairro Nova Campinas, recebeu o terreno para sua fundação da Prefeitura Municipal de Campinas. Compreende a Jurisdição da Diretoria de Ensino Campinas Leste.

https://www.google.com.br/maps/@-22.8987107,-47.0434539,17z

O Ensino Fundamental Ciclo I, tem dois turnos: matutino – 7h-12h e vespertino – 13h-18h. Os recursos físicos disponíveis para a realização dos trabalhos de professores e gestores da escola são: 09 salas de aula; 01 sala de informática (essa sala tem um computador para cada três alunos); 02 banheiros para os alunos: masculino e feminino; Cozinha da Merenda; Almoxarifado; Diretoria; Sala dos Professores; Sala de Vice-Diretor e Coordenação Pedagógica; Sala de reunião; Inspetoria; Secretaria; 02 banheiros professores: masculino e feminino; Biblioteca; Pátio coberto; Quadra Esportiva coberta; 01 cantina; Sala de Educação Física e Artes; Área coberta; Área arborizada para lazer. A escola é cercada com muros e alambrados e possuía duas saídas de alunos, uma onde saem alunos com os pais e outra daqueles que vão com os perueiros.

O prédio da escola fica em um local plano, bem iluminado e com um jardim de inverno, bem arborizado. Nele são efetuadas manutenções pequenas com a

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utilização dos recursos oriundos da APM e de repasse de verbas do governo. Havia na época a necessidade de reforma do telhado, porém até o termino do projeto, essa reforma não aconteceu, devido à falta de recursos. Também apresentava a necessidade de uma reforma na rede hidráulica, elétrica e na cozinha da merenda, e estavam aguardando recursos do FDE.

Os alunos pertencem às classes média e baixa, sendo que muitos dos alunos residem em outras localidades de Campinas, como Jardim Itatiaia, Jardim São Fernando, Jardim Icarí, Souzas, Joaquim Egídio, Jardim Flamboyant, Vila Brandina, Jardim Carlos Lourenço, que são bairros distantes da escola, o que traz a necessidade de transporte escolar, poucos eram levados por seus pais, porém não apresentavam crianças do entorno, do bairro Nova Campinas, um bairro de classe média com uma população idosa e residências que foram transformadas em clínicas e escritórios.

Mesmo apresentando certa distância da escola, a comunidade era bem participativa e, quando os pais eram solicitados a comparecer na escola, assim o faziam. Acredito que essa participação acontecia, pois, os pais optaram por essa escola, acreditando nela, em sua qualidade pedagógica e organizacional. Não era uma escola sem problemas, mas na medida do possível, mantinham um diálogo constante com os pais e com a comunidade escolar para que essa qualidade pudesse acontecer.

A maioria das crianças permanece do 1º ao o 5º ano, isso facilita o trabalho do professor, pois, as dificuldades de um aluno podem gerar conquistas a partir das trocas de informações entre os professores. Quando necessário o comparecimento de um responsável na escola para uma reunião, para segurança do professor estas sempre envolvem o professor da sala acompanhado de um gestor (Diretor, Vice-diretor ou Coordenador Pedagógico).

Na turma que realizei a pesquisa, o 3º ano C, haviam quatro alunos que as famílias tinha direito e uso do “Bolsa Família”. Uma das alunas apresentava dificuldades de aprendizagem e foi encaminhada a fonoaudióloga, psicóloga e psicopedagoga. A mãe, mesmo apresentando sérias dificuldades financeiras, conseguiu esses acompanhamentos que colaboraram com o desenvolvimento e a aprendizagem de sua filha.

Os pais dos alunos que se envolveram na pesquisa apresentavam diversas profissões: segurança, empregada doméstica, bailarina, confeiteiro, desempregados,

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comerciantes, vendedor, etc. Algumas das crianças já tinham viajado para o exterior, como: Estados Unidos, África, Venezuela. Ou para o nordeste Brasileiro, em férias, mas essa não era a realidade da maioria, alguns passavam as férias na casa dos avós em outras regiões, como Minas Gerais, Bahia ou em Campinas mesmo, devido ao trabalho dos pais.

Houve uma aluna que necessitava de acompanhamento psicológico, porém a mãe não conseguiu naquele ano, mesmo com a solicitação da professora.

A escola apresentava uma parceria com o Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência, o PROERD, a turma em questão não participava desse programa, porém as conversas sobre assuntos relacionados à violência e prevenção ao uso de drogas de abuso eram constante.

O Hino Nacional era cantado uma vez por semana, todas as segundas-feiras, no início do período escolar, as crianças ficavam enfileiradas, de acordo com suas turmas. Após cantarem o Hino, seguiam para suas salas e davam continuidade ao trabalho.

AJUSTANDO O OLHAR – A Prática, o Mestrado Profissional e as Narrativas

Esta pesquisa teve seu início a partir dos estudos em Celéstin Freinet e Paulo Freire, partindo para uma abordagem qualitativa e com foco principal em estudos narrativos. Depois vieram as disciplinas oferecidas ao Mestrado Profissional, não somente sobre narrativas, mas também sobre formação de professores na práxis. Tudo dando continuidade a formação como professora. Sobre isso Nóvoa (2009) fala que essa formação deve acontecer dentro da profissão, no chão da escola, ou seja, o conhecimento, a cultura profissional, o fazer pedagógico, o trabalho em equipe e o compromisso social são essenciais à constituição dos professores nos dias atuais. Com o mestrado profissional essa perspectiva se amplia, pois somos todos professores em exercício e a formação do chão de escola sempre é compartilhada e discutida nas disciplinas.

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No decorrer da formação4 e das disciplinas no mestrado, li o livro Palomar, de

Ítalo Calvino (CALVINO, 1994), esse livro conta a história do mundo sendo dividida em várias partes, através das histórias do Sr. Palomar, contendo as observações dele sobre várias coisas, como o mar, o jardim, o universo, a cidade... Ele vai refletindo suas descobertas sobre o mundo, não apresenta uma linha narrativa, mas cada narrativa que nos é contada tem a sua importância e nos leva a reflexão. Neste momento, vejo o Sr. Palomar como um observador, da vida, que olha o mundo de forma atenta. Ele se põe a observar a onda e, principalmente em ler essa onda. Ele está em uma praia e observa ondas. Seleciona apenas uma das ondas que observa, “não são as “ondas” que ele pretende observar, mas uma única onda e basta”. (CALVINO, 1994, p. 5).

Como o Sr. Palomar, observamos as ondas que estão postas, as narrativas de vida dos sujeitos dessa pesquisa e as narrativas fotográficas que surgiram a partir das observações das narrativas que foram sendo contadas. Colhemos os componentes simultâneos sem descuidar de nenhum. A observação se tornou mais apurada durante o processo. O Sr. Palomar buscava a repetição das imagens das ondas, um modelo de onda. Assim como ele, buscamos uma repetição de narrativas fotográficas e de narrativas de vida que revelaram as identidades para os sujeitos.

4 Na disciplina oferecida pelo professor Guilherme Prado, Escola, Cultura e Formação II: Escola e Formação de Professores.

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O ZOON

A NARRATIVA DA VIDA DE UMA PROFESSORA/PESQUISADORA

É contando histórias, nossas próprias histórias, o que nos acontece e o sentido que damos ao que nos acontece, que nos damos a nós próprios uma identidade no tempo.

Jorge Larrosa 5

Construímos ao longo de nossas vidas, pequenos baús de memórias, de histórias guardadas dentro de todas as lembranças, como se fossem um pequeno museu de nós mesmos. Organizamos objetos como cartas trocadas entre pessoas queridas, câmeras fotográficas antigas, cartões postais, fotografias de diferentes momentos de nossas vidas, livros lidos e aqueles que ainda pretendemos ler, CD’s de músicas que marcaram as nossas histórias, e um tempo, aliás, um tempo para o qual somos transportados ao ouvi-las, e muitas outras coisas que nos são importantes. Desta forma acabamos guardando fragmentos de nossas histórias pessoais e coletivas, preservando-a e marcando assim uma época.

Quando vamos recontar uma história utilizando um objeto que nos marcou, cada detalhe é importante para recapitularmos aquele momento de nossas vidas, pois estamos recapitulando um relato de um tempo distante. Ao relembrarmos muitas vezes ressignificamos, o tempo passou, o mundo girou e com isso nos transformamos, amadurecemos e podemos olhar de forma diferente. Uma amizade tão linda na foto, mas que o tempo separou ou um grande amor numa carta, mas a vida apagou. A isso quero chamar de memória, uma memória que não está associada apenas a lembranças que um objeto especifico nos traz, ela está muito além disso, ela está associada a lembranças de algo que nos aconteceu, sentimentos que tivemos, ou seja, a capacidade de lembrar, e que sabemos que afetou a construção da nossa identidade. Quando contamos nossas lembranças/memórias por narrativas, essas lembranças tomam vida e nos transformam. Benjamim (1994, p.198) afirma que, “a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores. E, entre as

5 Larrosa, 1994, p.69

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narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos”.

A vida vai passando e muitos acontecimentos vão ocorrendo em um dia, uma semana, um mês, um ano, imagine em uma vida toda? Pois bem, muitas memórias vão sendo guardadas, algumas até em caixas de recordações ou na forma de diários, escolhendo os melhores momentos para ficarem registrados na história de nossas vidas ou de alguém importante, a nossa história está em constante mudança e acontecendo, transforma nossas vidas.

Como professora, sempre guardo os presentes que recebo de meus alunos, uma carta, um desenho, uma fotográfica, um poema, um bilhete, uma toalha, até mesmo fotos de trabalhos realizados em sala, escaneio trabalhos. A fotografia sempre fez parte da minha prática pedagógica, com ela fui congelando momentos desse fazer diário da sala de aula, esses momentos trazem conteúdos que me marcaram. Fui juntando um baú de memórias, cheio de lembranças, cheio de recordações, de emoções e, com o passar dos anos, enchi esse baú de memórias escolares. Quando eu olho uma foto e uma turma, me lembro, às vezes, de um fazer diário que me faz refletir sobre minha prática e talvez modificá-la, sempre com o objetivo de melhorar.

E aquela vontade de congelar os momentos marcantes de minha vida é bem antiga, porém não tenho como dar uma data precisa ou um momento que me leve a lembrar esse fato, lembro-me apenas de sempre ver minha mãe com aquela câmera fotográfica nas mãos, uma Kodak Instamatic 133-X, uma câmera inglesa.

Amava ouvir o barulho da câmera quando a preparávamos para a foto, principalmente o barulhinho ao tirar a foto, aquele barulho era mágico e continua sendo, pois foi nesse exato momento que aquela imagem foi congelada e passou a fazer parte da história!

Conversávamos, minha mãe e eu, sobre como acontecia para congelar a imagem, sempre que possível, eu ia com minha mãe levar os filmes

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para serem revelados, mas principalmente quando íamos buscar as fotos, a mágica em ver cada foto que foi revelada era muito importante para mim. Quando havia oportunidade perguntava para o rapaz que as revelava, como isso acontecia e alguns acabavam me explicando.

Lembro-me de ter comprado minha primeira câmera analógica, uma Yashica EZ Mate, por volta dos meus 16 anos. Com ela registrava momentos que eu julgava importantes para a família, uma reunião de final de ano, um aniversário,

mesmo não apresentando conhecimento teórico, havia em mim, um amor pela fotografia, para poder congelar fragmentos de nossas vidas e guarda-las “para sempre”.

Com a fotografia tenho muitas lembranças de momentos importantes da história de minha família, mas também de momentos importantes no meu fazer como professora, pois fotografava minha prática em sala de aula, um aluno fazendo uma atividade, em momentos de leitura, de escrita, de trocas de conhecimentos com um colega, esses momentos ficaram registrados nas fotografias, com elas eu posso rememorar acontecimentos desse fazer diário em sala de aula.

Fui resgatar minha caixa de lembranças com fotografias de turmas antigas. Deparei-me com minha primeira turma, uma sala com 13 alunos de cinco anos, uma turma de pré-escola de uma escola particular de Campinas. Eu estava com 15 anos. Lembrei-me do primeiro dia que entrei nessa sala, estava com muito medo, pavor na realidade. Eu tinha feito apenas estágio em uma escola de Campinas e em turmas de Fundamental I. Mas consegui, fui resgatando os estudiosos da área de educação infantil para me ajudarem, pois, os donos da escola, não se preocupavam com isso, mas eu sim. Li Piaget, Wallon, Paulo Freire, mesmo não falando do ensino infantil, sempre esteve presente em minhas leituras e reflexões. De Freire (1996) tenho claro fala que “o preparo científico do professor ou da professora deve coincidir com sua retidão ética”. Isso era o que eu queria: ética profissional em minha carreira, em meus estudos e pesquisas, mesmo não percebendo, eu pesquisava e essas reflexões influenciavam a minha formação docente e prática educativa-crítica, como ele mesmo falava.

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Nasci na cidade de Campinas, no ano de 1978, porém meus pais se mudaram para uma cidade chamada Inúbia Paulista, onde moravam meus antepassados, meus bisavós maternos (pais de minha avó materna), Manoel Sousa Oliveira e a Madrinha Velha, Maria Souza Oliveira (eles migraram de Minas Gerais para São Paulo, pós Revolução de 32) e avós maternos José Santos da Silva e Generosa Maria de Oliveira Silva, descendentes da miscigenação, escravizados, portugueses e índios e avós paternos, Isabel

Bondejan da Silva (que imigrou da Itália) e José da Silva (que migrou de Alagoas). Eu morei nesta cidade por aproximadamente cinco/seis anos. Passei boa

parte de minha infância morando em uma fazenda chamada Fazenda Califórnia, lá eu era livre, subia em árvores, comia as frutas do pé, corria na chuva, foi um período maravilhoso de minha infância. Eu tinha um sonho, estudar na escola dessa fazenda, mas a escola fechou e, entre outras coisas, meus pais decidiram voltar a morar em Campinas, para tentar uma vida melhor. Eu, já estava com 7 anos e fui para a 1º série, na EE 31 de março, no Jardim Santa Mônica, em Campinas. Lembro-me de sentar na primeira carteira, ao lado de um menino com o cabelo “tijelinha”, ele tinha uma caixa de lápis de cor com 24 cores, para mim, criança, ele era rico! Fiquei nessa escola somente um ano e mudamos novamente, dessa vez para o bairro Jardim Itatiaia, meus pais tinham comprado uma casa neste bairro e eu fui estudar em uma escola recém-inaugurada, a EE Júlia Luiz Ruete.

Estudei nesta escola até terminar a sétima série, gostava muito de estudar lá, mas estávamos com uma turma de sete alunos, por esse motivo, fui transferida para uma escola municipal. Não gostei da mudança, pois a escola anterior era pequena, com poucos alunos por turma e os professores, em sua grande maioria, nos

Imagem 1 - Avó Generosa, Tia Teresa, minha irmã Isabel e bisavó Maria (madrinha velha).

Imagem 2 - Escola Rural da Fazenda Califórnia, em Inúbia Paulista arquivo pessoal

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Imagem 3- Minha mãe Maria, eu e minha irmã Izabel acervo pessoal.

ensinavam através de projetos, não usavam muitos livros didáticos ou cartilha, pelo menos essas são minhas memórias. A diretora era a Dona Estela, firme e que fazia diferença na escola, levava a comunidade a lutar por melhores condições de ensino e qualidade na educação.

Mas o que aconteceu em minha vida que me levou a escolher ser professora? Essa é uma boa lembrança. Nas tardes de minha infância, brincava eu de ser professora... Ficava a ensinar meus amigos e vizinhos menores, pelo menos pensava eu que assim o fazia. Foi ali que eu, criança, escolhi minha profissão. Tinha aproximadamente 8 ou 9 anos. Isso aconteceu em Campinas mesmo, por volta de 1986/1987.

Na Escola Júlia Luíz Ruete, nessa época mesmo (86/87), a professora pediu para que escrevêssemos sobre nossas histórias. Eu sabia apenas a história de quando meus pais se conheceram, em uma cidade pequena do interior de São Paulo, Inúbia Paulista. Essa cidade fica a 542 km de Campinas. É uma cidade agrícola, conta com propriedades produtoras de café, milho, cana-de-açúcar e com uma população de pouco mais de 3 mil habitantes. As pessoas, hoje, trabalham na lavoura, na usina de cana-de-açúcar e em uma cooperativa de alimentos, a Cocipa.

A história que me cerca, que ecoa em meu ser, Vem de dentro do eu peito, do meu sangue, da minha alma... Ela está impregnada dos mandos e desmandos De um tempo vorás! Tempo este que ecoa na voz dos meus antepassados, Me dizendo e afirmando, Que eu sou a cor da minha pele, Tatuada em meu ser, sou os açoites sofridos, Pelos meus entes queridos! Sou o Negro da África, esquecido, Sou o pé curvado das índias caçada A laço desse meu Brasil! (Elizabeth Silva).

Na foto (imagem 3), da esquerda para a direita, estávamos minha mãe, Maria, eu e minha irmã, Izabel. Era minha formatura do magistério, no ano de 1997. Eu tinha iniciado meus estudos no Colégio Estadual Culto à Ciência, em Campinas.

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Estudei nessa escola até o terceiro ano, porém, no último ano, devido há um período de transição e me vi mudando para a E.E. Carlos Gomes.

Professores e alunos não gostaram nada dessa mudança, pois passamos a ser perseguidos. Várias pessoas daquela escola foram humilhados, tivemos até professores não ministrando aulas para quem vinha do Colégio Culto à Ciência.

Galzerani (2000) nos fala sobre os desafios enfrentados pelos sujeitos e as experiências que lhes causam choque. Sobre o estar alerta e modificar sua trajetória. Neste caso, tanto os professores que foram enviados para o Colégio Carlos Gomes, quanto os alunos, sofreram traumas e choques e para sua sobrevivência, em meio àquele caos, se uniram ainda mais e modificaram a sua história, aquelas disciplinas em que os professores não queriam ministrar, eram feitas pelos professores que eram do Culto à Ciência e não recebiam nada a mais por isso!

[...] sobretudo nas grandes cidades industriais, o desafio da sobrevivência humana é tão grande, que a experiência do choque (conceito construído nas pegadas do pensador alemão, George Simmel), instala-se fortemente nas relações estabelecidas com o universo. O homem moderno tem que estar em alerta, tem que ter um olhar armado, tem que captar rapidamente as ocorrências que se dão à sua frente (GALZERANI, 2000. p.5)

Foi no Culto à Ciência que eu aprendia a importância da pesquisa e da construção do conhecimento com a mediação dos professores. Intensifiquei meus estudos e principalmente meu prazer pela leitura. Lembro-me da professora Zezé, de Didática, ela era uma senhora que usava coque e me apresentou Paulo Freire. Foi com ela meu primeiro contato com Paulo Freire, lemos o livro Pedagogia da

Autonomia e me apaixonei pelo autor, com ela discutíamos sobre as “pessoas

simples” que ele tanto falava e outro sonho surgiu, o de ensinar para essas pessoas. Fazíamos estágio supervisionado em uma Escola Estadual de Campinas, nosso estágio acontecia toda quinta-feira. No primeiro ano tivemos apenas que observar as aulas das professoras e preparar eventos para a escola, como Saraus literários, peças de teatro, eventos de músicas. Nos outros anos tivemos que preparar as aulas e ministra-las, além de sermos observadas e avaliadas pela professora, também éramos avaliadas e observadas pelas crianças.

[...] Quer dizer, mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um “não-eu” se reconhece como “si própria”. Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz mas também do que sonha,

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que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se inaugura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude (PAULO FREIRE, 1996, p. 20).

Conhecê-lo no magistério me ajudou nos eventos inesperados que me levaram a dar uma pausa no sonho de ser professora, agora já não importava mais ser de escola pública ou privada, a pausa aconteceu, eu necessitava cuidar de minha mãe. Tínhamos descoberto um câncer.

A foto acima foi de minha formatura do magistério, a formatura foi bem longa, tínhamos cerca de 400 alunos recebendo o certificado de conclusão de curso, minha turma era a antepenúltima a receber o canudo, quando recebi, lembro-me que não tinha quase ninguém nos prestigiando... Riamos muito desse fato. Saímos com minha família para comemorar em uma pizzaria na Av. Princesa D’Oeste. Foi um dia glorioso!

Infelizmente minha mãe veio a falecer no ano de 1998, ela viveu e sentiu apenas a emoção desse dia, o que vinha a acontecer posteriormente, ela não presenciou.

É interessante olharmos a nossa história pelo viés de uma fotografia e podermos rememora-los. Uma simples fotografia nos leva para mais do que um simples momento, ela nos transporta para o passado, para momentos significativos de nossas vidas e minha história de vida, se entrelaça com a minha formação.

Após o falecimento de minha mãe, fui alçar voo em busca de outros tantos sonhos escondidos no baú dos meus desejos. Mudança de cidade, de vida, de projetos e de sonhos. Ano de 1999. Fui fazer Licenciatura em Educação com ênfase em Teologia.

Iniciei meus estudos no curso, em Atibaia, estado de São Paulo. Estudei de 1999 até 2001 e, assim, viajei por alguns estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, algumas cidades de São Paulo e no estado do Pará.

Foi no Pará que tive vários estranhamentos, escolas com pessoas de enorme coração e vontade, mas pouco conhecimento. Ali, ensinando a escrever, a ler e a viver um mundo que eu não conhecia, pouquíssima estrutura física e recursos mínimos para ensinar nas vilas ribeirinhas em que eu estive. Essa experiência me trouxe inquietações: Como podem trabalhar sem recursos mínimos? Com pouco espaço? Que amor é esse que elas têm pelo ensino com essa realidade social?

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Como ensinar crianças de diferentes idades na mesma sala? Esse novo mundo transformou minha vida, minha história e me levou de volta para a educação escolar.

Mais uma vez me deparei com o comprometimento citado por Paulo Freire (1996, p. 108): “Como impossível seria sairmos na chuva expostos totalmente a ela, sem defesas, e não nos molhar”. Não pude passar por aquela realidade despercebida, sem sentir a dor daquelas crianças, a vontade em aprender, em viver, os sonhos da professora em ensinar, em querer, assim como eu, mudar o mundo de seus educandos sem nenhum recurso. Voltei do estágio, daquela inquietação e, no final daquele ano de 2001, recebi uma proposta de trabalho.

Fui dar aulas no Ensino Fundamental do Colégio Batista em Monte Verde, Minas Gerais, no ano de 2002. Foi um período de grande aprendizagem, de receber meus alunos em minha casa para tomarmos um café, ou para almoçarmos juntos e conheci muitas professoras comprometidas com sua profissão. Permaneci em Monte Verde somente aquele ano. Queria estudar mais e lá não tinha como, a faculdade mais próxima ficava a três horas de viagem e, como queria ir além do magistério voltei para Campinas.

Voltei para Campinas e outros desafios apareceram, consegui um trabalho como professora auxiliar em uma escola particular durante o dia e, à noite, ministrava aulas em um projeto de alfabetização de adultos baseado nas concepções de Paulo Freire, o projeto chamava Letra Viva. Consegui 10 alunos e as aulas aconteciam em uma igreja católica que cedeu o espaço, porém devido à violência da região, os alunos decidiram paralisar as atividades e não tivemos mais aulas. Tivemos apenas três meses de aulas e eles, nesse tempo conseguiram grandes avanços, alguns precisavam usar óculos, outros mudaram seus RGs, agora com a assinatura, assinaram seus nomes nas escolas de seus filhos... Foi um período de grandes conquistas!

Dois anos depois desses acontecimentos, no ano de 2005, iniciei meus estudos na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, no curso de Pedagogia. Tive bolsa integral pelo PROUNI no primeiro ano de implantação desse projeto. Estudava a noite e trabalhava no período do dia e tantos desafios surgiram!

Imagem 4 - Alunos do projeto Letra Viva, em 2004 – acervo pessoal.

Referências

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