• Nenhum resultado encontrado

Agressividade e subjetividade: sobreviventes do mal-estar na modernidade líquida

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Agressividade e subjetividade: sobreviventes do mal-estar na modernidade líquida"

Copied!
38
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO- DHE

CURSO DE PSICOLOGIA

ANDRIZE GRIZA

AGRESSIVIDADE E SUBJETIVIDADE: sobreviventes do mal-estar

na modernidade líquida.

Santa Rosa 2019

(2)

ANDRIZE GRIZA

AGRESSIVIDADE E SUBJETIVIDADE: sobreviventes do mal-estar

na modernidade líquida.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao término do Curso de Graduação Psicologia da Faculdade Regional Do Noroeste Do Estado Do Rio Grande Do Sul – UNIJUÍ.

Orientador(a): Sônia Aparecida da Costa

Fengler

Santa Rosa 2019

(3)

ANDRIZE GRIZA

AGRESSIVIDADE E SUBJETIVIDADE: sobreviventes do mal-estar

na modernidade líquida.

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como parte das exigências para obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Santa Rosa, 12 de dezembro de 2019.

Aprovado em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ MESTRE SÔNIA APARECIDA DA COSTA FEGLER(Orientadora)

Docente do Curso de Psicologia – UNIJUÍ

________________________________________ MESTRE NILSON HEIDEMANN

(4)

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais, que foram a base fundamental para que eu pudesse acreditar em mim, no meu potencial, e que Deus estaria no meu lado para poder me dar o suporte total nesse longo trajeto cheio de surpresas.

Agradeço ao meu esposo, por me incentivar a voltar a estudar, acreditar em mim, por não me deixar desistir nos momentos frágeis desse percurso, pelas comidinhas quentes depois de longas aulas em noites frias, e principalmente por me dar certeza de que nosso filho ficava bem sempre que eu saia. Com certeza sem seu apoio nunca teria conseguido.

Ao meu filho, por compreender minha ausência em tantos momentos importantes.

As minhas colegas, amigas, Nadine L. Kraus e Debora Mapeli, pelo suporte emocional, pelo amparo, pelas risadas descontraídas, pela ajuda em momentos difíceis, e pela eterna amizade.

A todos os professores do curso, e em especial a minha orientadora Sônia Aparecida da Costa Fengler, pela colaboração na construção desse trabalho, obrigado por o incentivo e pela paciência.

(5)

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, Lirio Griza e Marlene Griza, que através de seus ensinos e esforços tornaram possível minha entrada na universidade. Ao meu esposo Luis Fernando Rohden, que deu continuidade ao esforço e apoio para que pudesse terminar o curso. Dedico também ao meu filho Pietro Griza Rohden, por ser meu alicerce nessa construção.

(6)

RESUMO

No contexto social, é cada vez mais comum observar a emergência da agressividade nas relações subjetivas. Esta agressividade, carregada de pressa constante, vem ao social com um instinto violento, trazendo consigo fortes expressões de dor e sofrimento. É na teoria psicanalítica que faz-se possível destacar que a agressividade faz parte da estruturação psíquica formadora do sujeito. Um sujeito envolto com a relação dele com o Outro, formado pelo olhar materno e das funções formadoras, este, busca sempre a satisfação de seus desejos. Por trás destes desejos, reprimidos na instancia do inconsciente, encontram-se as pulsões, carregadas de energia psíquica que movimentam o sujeito rumo a sua satisfação, seja no real ou no simbólico. Considerando a neurose, estas pulsões dividem-se em Pulsão de Vida e de Morte, que interagem sempre na manutenção da existência humana. As implicâncias do sujeito com sua própria constituição estrutural, tem um reflexo no âmbito coletivo, aonde a sociedade moderna traz um cenário hostil e ameaçador, que levam ao sujeito a buscar novos métodos de expressão de sua agressividade.

(7)

ABSTRACT

In the social context, it is increasingly common to observe the emergence of aggression in subjective relationships. This aggressiveness, charged with constant haste, comes to the social with a violent instinct, bringing with it strong expressions of pain and suffering. It is in psychoanalytic theory that it is possible to highlight that aggressiveness is part of the psychic structuring of the subject. A subject involved with his relationship with the Other, formed by the maternal gaze and the formative functions, the latter always seeks the satisfaction of his desires. Behind these desires, repressed in the instance of the unconscious, are the drives, charged with psychic energy that move the subject towards his satisfaction, whether in the real or in the symbolic. Considering neurosis, these drives are divided into Life and Death Pulses, which always interact in the maintenance of human existence. The implication of the subject with its own structural constitution has a reflection in the collective sphere, where modern society brings a hostile and threatening scenario, which lead the subject to seek new methods of expression of their aggressiveness.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1. CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA ...11

1.1. Pulsão e agressividade ... 16

2. MODERNIDADE LÍQUIDA E MAL ESTAR NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ...26

2.1. Laço social e discurso capitalista... 28

2.2. A psicanálise diante do discurso capitalista, breves considerações sobre o contexto da agressividade na constituição subjetiva do sujeito ... 30

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...35

(9)

9

INTRODUÇÃO

Tendo a fundamentação psicanalítica como pano de fundo sobre a abordagem do tema da agressividade, apresenta-se uma pesquisa qualitativa tomado como referências os escritos de Freud: Mal-Estar na Civilização (1930), Além do Princípio do Prazer (1927) e textos freudianos que dissertam o cerne da constituição do sujeito psíquico e a agressividade nessa constituição.

Considerando os trabalhos desenvolvidos dentro do campo da psicanálise, voltados à dinâmica da agressividade no contexto social, faz-se necessário retornar para a essência da teoria, em Freud. Além disso, percebe-se a necessidade de falar sobre a agressividade ao observar aspectos de ordem cultural que tem se manifestado na modernidade. Detendo-se a análise em uma perspectiva social, a modernidade escorregadia, de uma necessidade de pressa constante, mostra-se agressiva e violenta ao se direcionar ao Outro.

Para compreender isso, faz-se necessário abordar, de forma teórica, o que Freud fala sobre a agressividade. Assim, é possível deter-se na noção que o fundador da psicanálise trabalha em relação a constituição do sujeito psíquico. Nessemomento, o primeiro capítulo apresenta-se como um apanhado geral do que constitui o sujeito estruturalmente, em que a pesquisa se depara com os alicerces da subjetividade, na qual encontra-se as relações parentais como formadores da estrutura psíquica.

Por outro lado, em um segundo momento do primeiro capítulo, a psicanálise freudiana ajudará a compreender a agressividade dentro desta estruturação psíquica. Freud faz constatações muito importantes voltadas à teoria da pulsão, fundamental para compreender a agressividade na subjetividade. A pulsão de vida e a de morte, interagindo, direcionam o sujeito. É com essa base que é possível trabalhar conceitos como masoquismo e sadismo. Em Pulsão e Agressividade, trabalha-se conceitos de ordem impulsionadores do sujeito, que sob a ótica da teoria, ajudam a compreender a agressividade e a subjetividade.

Já no segundo capitulo deste estudo, é possível trazer a abordagem de Zygmunt Bauman nos textos O mal-estar da pós-modernidade (1998), e Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias (2008). Estes são os que

(10)

abordam as questões da modernidade líquida juntamente com o laço social na contemporaneidade, complementando com a releitura de outros autores referente a esses temas. Em uma continuação do segundo capítulo, trata-se da psicanálise diante do discurso capitalista.

Em este ponto, vê-se que o capitalismo é acelerado e instantâneo. Compreendendo as noções de Bauman, a pós-modernidade líquida apresenta-se como uma necessidade constante de rapidez e agilidade no que tange a satisfação do desejo. Nesse sentido, o discurso capitalista carrega consigo o ideal de que o a satisfação está ao alcance de uma compra, na lógica moderna do mercado. A realização pessoal está na aquisição objetal e acumulo do capital. É pelo capital que as movimentações subjetivas sociais são realizadas.

É possível também afirmar que à medida que a sociedade se transforma, os laços sociais e os sintomas também se transformam, pois, os sintomas assim como a linguagem é sempre remetido ao Outro. Nesse contexto, faz-se possível uma discussão sobre a possibilidade da subjetividade e agressividade no mundo moderno sob o olhar da psicanálise. Para isso, a análise aborda uma passagem pela constituição psíquica do sujeito, a relação com o social e os impactos de elementos como a pulsão, sadismo e masoquismo.

A relação entre estes conceitos, trabalhados sob o pano de fundo da modernidade, compreendem um apanhado teórico que levam a noções sobre a agressividade e a subjetividade. Assim, possibilita-se uma teorização voltada para discernir o que traz a agressividade no contexto social atual, assim como também o que há de constitutivo nestas formações, muitas vezes violentas. Buscando trabalhar a relação do sujeito com o Outro, como também as relações objetais, é possível chegar a reflexões teóricas referentes ao pensamento psicanalítico sobre a temática.

(11)

1. CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA

Durante muito tempo, Freud debruçou-se sobre a questão da agressividade diante da realidade histórica na qual ele se encontrava, escritos como Mal-Estar na Civilização e Além do Princípio do Prazer demonstram isso. Inicialmente, em seus escritos sobre o tema, sublinhou a ideia da fenomenologia evolucionista, tomando o ser humano como repleto de instintos destinados a conservação da espécie. Porém, no decorrer de sua prática clínica, foi esboçando novos conceitos acerca da agressividade que foram se cruzando e construindo mais solidez para sua teoria.

Freud, em seus estudos sobre a estruturação do sujeito, apresenta a agressividade como uma força autônoma originária e independente da sexualidade, onde “a tendência agressiva é uma disposição pulsional autônoma, originária, do ser humano” (FREUD, 1930, p. 116). Sendo assim:

O ser humano não é um ser manso, amável, no máximo capaz de defender-se defender-se for atacado, mas é lícito atribuir à sua dotação pulsional uma boa dodefender-se de agressividade. Em consequência disso, o próximo não é apenas um possível auxiliar e objeto sexual, mas uma tentação para satisfazer nele a agressão, para usá-lo sexualmente sem seu consentimento, para despojá-lo de seu patrimônio, humilhá-lo, infligir-lhe dores, martirizá-lo e assassiná-lo (FREUD, 1930, p. 108).

É desta forma que Freud apresenta outra face da realidade humana, tendo a agressividade como algo, não do todo negativo, mas necessário para a formação do sujeito. Esta agressividade constitutiva é necessária para a sobrevivência da raça humana e é formada por pulsões que movimentam o homem para existência.

Para compreender este processo, de ordem inicial, pode-se trazer os apontamentos de Jerusalinsky (2005), na etapa inicial do desenvolvimento do sujeito, o psiquismo e as funções mentais se encontram nos primórdios da sua formação. Para isso, depende que seus pais e cuidadores efetuem as operações necessárias para que se configurem e se inscrevam as matrizes que permitam organizar os aspectos psíquicos propriamente ditos.

Ainda segundo Jesusalinski (1999), o humano é constituído pelo Outro, no qual o sujeito está numa posição de ser falado, de ser tocado, ser investido por esse Outro. O bebê ocupa o lugar de objeto de desejo materno, assim é efeito da obra da linguagem, como tal antecipado no discurso parental, incluindo-o em uma cadeia de

(12)

significantes. Para que dada estrutura opere na criança é necessário, em parte, a permeabilidade que o constitucional e o maturativo lhe ofereçam desde o plano biológico. Porém, a forma decisiva depende com que os personagens em contato com o sujeito, sustentem essa estrutura. O que se desenvolve é a capacidade de se apropriar dessas instâncias e, consequentemente, do uso dos sistemas simbólicos que organizam suas relações de desejo no campo fantasmático, e por efeito desse, no campo da realidade.

Considerando o trabalhado por Lacan (1963), no que se refere a constituição do sujeito psíquico, é possível trabalhar, de forma mais aprofundada, esta supremacia do Outro em relação ao sujeito. É através do amor do Outro que o homem, no caso o bebê, se constitui como sujeito. Sob o olhar, o cuidado e a inscrição fálica do Outro que a criança passa a fazer parte do discurso. Tomando os significantes pertencentes ao discurso familiar, o sujeito passa a ser inserido no campo simbólico através da fala. É por isso que se diz que o sujeito passa a ser falado, tocado e investido pelo Outro, para assim estruturar-se na neurose.

O Outro primordial é aquele que vem inserir o bebê num laço de filiação, e com os seus cuidados tecendo a articulação entre as manifestações espontâneas do bebê e a significação simbólica que ele lhe atribui, é preciso que Outro o faça por meio de significantes. Assim, o processo do seu desenvolvimento vai ocorrer em função desse Outro que preencherá suas faltas e, que irá lhe fornecer elementos que estabeleçam um lugar de onde o bebê será capaz de iniciar o seu reconhecimento e a sua estrutura subjetiva. Nesse laço com o Outro, com sua cadeia de significante, que as funções do organismo poderão vir a se inscrever como funcionamento erógeno dos diferentes circuitos pulsionais (Jerusalinsky, 2002). Reforçando, o autor afirma que:

[...] a mãe não só estabelece a demanda do bebê – colocando em cena seu saber inconsciente para ler, para outorgar significação ao choro –, ela produz outro movimento fundamental: após formular uma resposta à demanda do bebê, ela se certifica de que a significação que atribuiu a tal demanda tenha sido acertada. É como se a mãe se interrogasse: “será que é isso mesmo que ele queria?” Nesse movimento ela supõe sujeito no bebê, supõe nele um desejo que não necessariamente coincidiria com o dela. A mãe sustenta uma posição de sujeito desde muito cedo, ainda quando as reações do recém-nascido são reflexas, carecendo de qualquer intencionalidade, ela está a supor um desejo no bebê. (JERUSALINKY 2002, 137).

(13)

Em uma outra perspectiva, Winnicott (1988) usa o termo “holding” para falar dos cuidados prestados pela mãe no atendimento as necessidades da criança. Ele diz que, na fase onde o bebê é dependente de um outro existe uma complementaridade entre a mãe e seu filho, onde o eu da mãe supriria o eu da criança, que seria inexistente. E havendo uma falha nessa relação, pode haver problemas no desenvolvimento da criança, assim colocando-o em risco psíquico. É necessário para o bebê, estar sob os cuidados de uma “mãe suficientemente boa”, assim possibilitando o filho um contato satisfatório com o mundo. Isso nos diz que o saber não é da ordem do biológico, mas são marcas na relação da mãe com seu bebê, ou de um cuidador com o bebê.

No entanto, segundo Jerusalinski (2002) é a partir das sanções simbólicas do agente materno que se imprimem os ritmos de funcionamento de funções orgânicas de um bebê. É por meio da alternância entre fome-saciedade, sono-vigília, repouso-atividade, que o desenvolvimento pulsional do bebê se organiza de acordo com a letra impressa em seu corpo pelo gozo e desejo materno. E esse modo como o bebê é situado pelo Outro imprime peculiaridades no funcionamento de suas diferentes funções.

Já a incorporação simbólica também é um momento fundamental para a constituição do sujeito bebê, que se trata do estágio do espelho, pelo qual o sujeito assume um Eu ao identificar-se a imagem que o Outro lhe oferece para reconhecer-se. A criança primeiramente não se vê separada da mãe, ela está em condição de alienação, o bebê com o outro materno. Neste ponto, é possível trazer o que Lacan compreende como:

O Estádio do Espelho é um drama cujo impulso precipita-se da insuficiência para a antecipação – e que fabrica para o sujeito, apanhado no engodo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de ortopédica – e para a armadura enfim assumida de uma identidade alienante que marcará com sua estrutura rígida todo o seu desenvolvimento mental (1953, p.100).

Assim sendo, segundo Lacan (1963), diz sobre o estádio do espelho como sendo a fase da constituição do ser humano que se situa entre os seis e os dezoito meses. Em esse momento a criança, ainda num estado de impotência e de falta de coordenação motora, antecipa imaginariamente a apreensão e o domínio da sua

(14)

unidade corporal. No momento em que o sujeito se olha no espelho, e lhe é falado, reconhece que aquele reflexo é seu, ocorre o reconhecimento, com o qual o sujeito pode contar para posicionar-se em um lugar discursivo. Para que um bebê se constitua como sujeito é preciso que o agente materno sustente quatro operações fundamentais, as operações de estabelecimento da demanda, a suposição do sujeito, a alternância e a alteridade.

É possível ainda, ver em Lacan (1964) que a criança é um sujeito constituído, construído, a partir de uma história e demanda ao Outro, ingressando em uma cadeia de significantes através da linguagem, onde começa e se desenvolver. O corpo para ser humano, depende da subsistência de um Outro. Ele metaforiza-se na linguagem, e essa é a sua condição. Lacan (1964) também fala de uma separação, que é onde marca a instituição do sujeito do inconsciente.

Para isso, é preciso um tempo, uma diacronia, para que os efeitos destas operações se façamsucessivas inscrições para o bebê. Porém, a relação mãe-bebê não se sustenta por si só para a constituição de um sujeito na criança, tendo o estádio do espelho como sendo um processo de subjetivação e conquista da sua identidade. Esta formação, pensada por Lacan, antecede o complexo de Édipo (Freud 1924), o qual realiza uma intervenção que possibilita a criança ser retirada desta fusão imaginária que foi constituída inicialmente com a mãe. A entrada de um terceiro, ou seja, o pai simbólico torna o mediador essencial do mundo simbólico e de sua estruturação, e permite que a criança saia da alienação diante dos significantes maternos, fazendo assim com que possa estar referenciada a outros significantes. Sendo assim:

A função paterna marca o atravessamento de uma legalidade no exercício da maternidade – dado que o bebê não pode ficar situado como um simples objeto de satisfação da mãe, ele tem que responder ao sobrenome que carrega, que o situa em família, em uma cultura (JERUSALINSKY, 2002, p. 121).

Em uma observação feita por Lacan (1958), o Complexo de Édipo se caracteriza pela intervenção paterna na relação mãe-filho, intermediando a relação do “eu” e do Outro. Assim também o fundamental do complexo de Édipo é o que ele comporta de estrutural ao tratar da sexualidade do humano a uma lei simbólica, introduzida pelo pai, onde essa, passa pelas marcas da linguagem, por um circuito

(15)

pulsional, e pelo desfiladeiro dos significantes. Segundo Lacan (1955-1956), o pai simbólico é o mediador essencial do mundo simbólico e de sua estruturação.

Freud (1915), em seu livro “Cinco lições da psicanálise”, em escuta clínica de suas pacientes, através do método de “associação livre”, percebe que elas expressavam em seu corpo vários sintomas, que poderiam ter sua existência estabelecida pelas experiências vividas na infância, traumas e conteúdos reprimidos. Freud constatou que as “fantasias” relatadas pelas pacientes histéricas eram verdades, levando em consideração essas escutas, o psicanalista passou a pensar na existência do inconsciente.

A obra de Freud “A Interpretação dos Sonhos” (1900), foi o marco inicial da psicanálise, aonde é ressaltado que o sonho é a realização disfarçada de um desejo inconsciente, devindo de conteúdos recalcados. A interpretação destes conteúdos, de ordem inconsciente, colabora com a compreensão da estruturação psíquica, base deste estudo.

O aparelho psíquico em Freud, no que se domina primeira tópica, é constituído a partir de sistemas as quais perpassam por fases e se interpõe em uma espécie de teste, a censura. Sendo assim:

Na primeira fase, o ato psíquico é inconsciente e permanece no sistema Ics; se, no teste, for rejeitado pela censura, não terá permissão para passar à segunda fase, diz-se então que foi “reprimido”, devendo permanecer inconsciente. Se porem, passar por esse teste, entrara na segunda fase e, subsequente, permanecerá ao segundo sistema, que chamaremos de sistema CS. Mas o fato de permanecer a esse sistema ainda não determina o modo inequívoco sua relação com a consciência. Ainda não é consciente, embora, certamente, seja capaz de se tornar consciente... (Freud 1915, p. 178).

Nesse sentido, Freud mostra que o inconsciente é um sistema articulado, um sistema com conteúdos rejeitados pelo consciente, também denominado de “pré-consciente”, após sofrer a ação do recalque. A constituição psíquica para Freud (1905) é um processo pelo qual o bebê precisa passar para que venha a se constituir enquanto sujeito. O bebê quando nasce, é um ser dependente e precisa do Outro para lhe dar um lugar de existência, para isso é necessário a linguagem.

Complementando isso, Lacan (1969-1970) descreve o sujeito a partir da linguagem. É importante ressaltar que ele reconhece e parte das suposições de Freud

(16)

que ele deixa claro a importância da linguagem, onde o sujeito é um ser social, e por meio de Outro lhe é transmitido uma cadeia de significantes que o subjetivam. Assim sendo, uma cadeia enunciativa, é um discurso sem palavras, um “discurso como estrutura necessária, que ultrapassa em muito a palavra, sempre mais ou menos ocasional” (Lacan, 1969-1970, p.11). Dessa forma, a estruturação psíquica compreendida por Lacan, perpassa a linguagem, aonde o sujeito é inserido no discurso para ser subjetivado a este.

1.1. Pulsão e agressividade

A partir do ângulo da fisiologia, Freud (1915) começa a elaborar o conceito de uma pulsão relacionada a um estímulo, em que ele afirma que uma pulsão é um estímulo aplicado a psique, mas não se pode ter como sinônimo pulsão e estímulo mental, pois existem outros estímulos à psique, não apenas os da ordem da pulsão, mas também aqueles que são da ordem do orgânico. Um estímulo pulsional não provém do exterior de um sujeito e, sendo assim, ele atua de diferentes formas sobre o psiquismo, e para removê-lo é preciso diferentes ações.

Em esse sentido, Freud (1915) diz que a pulsão não atua momentaneamente, mas sim sempre de forma constante, incidindo de dentro do organismo, sendo assim, não existe a possibilidade de fugir dela. Ele utiliza o termo “necessidade” para caracterizar um estímulo pulsional, e, para eliminar essa necessidade seria através da satisfação. Freud pontua que os estímulos externos impõem a tarefa de afastamento, o qual é realizado convenientemente pelo sistema muscular, tornando-se uma disposição hereditária. Já os estímulos pulsionais, que tornando-se originam dentro do organismo, “constituem as verdadeiras forças motrizes por de traz dos progressos que conduziram o sistema nervoso, com sua capacidade ilimitada, a seu alto nível de desenvolvimento atual” (Freud 1915, p. 126). Visto que, as próprias pulsões, ou parte delas, se precipitam aos efeitos da estimulação externa.

Freud se dedica a considerar as pulsões sendo um conceito que está situado entre o psíquico e o somático (1915), e utiliza termos para referenciar mais detalhadamente essa teoria, como a pressão, a finalidade, o objeto e a fonte das pulsões. Com isso, Freud no seu texto “As Pulsões e suas Vicissitudes” (1915), o autor apresenta que, por pressão de uma pulsão, compreende-se o seu fator motor. A

(17)

quantidade de força que exige para essa fazer seu trabalho, sendo de fato sua própria essência e característica comum a todas as pulsões.

A finalidade, como já citado, é sempre a satisfação de uma pulsão, qual só pode ser alcançada eliminando o estado de estimulação na fonte da pulsão. Para que a finalidade final de cada pulsão permaneça imutável, pode perfazer diversos caminhos para conduzir a essa última finalidade. Freud (1915) verifica que uma pulsão possui várias finalidades aproximadas e intermediárias, qual permite dizer que as satisfações pulsional podem ser inibidas ou atender o objetivo, e ainda haver uma satisfação parcial.

Neste tramite, Freud apresenta o objeto de uma pulsão, que ele nomina como a “coisa em relação à qual ou através da qual o instinto é capaz de atingir sua finalidade” (Freud, 1915, p.128). Ele diz que o objeto é o que mais varia em uma pulsão, pois não está diretamente ligado a ela, através desse objeto é possível chegar à satisfação. Esse objeto pode se modificar várias vezes no decorrer do percurso que a pulsão percorre até chegar na sua finalidade, não precisa ser algo estranho ao sujeito, as vezes pode ser até parte do seu próprio corpo, e também há a possibilidade que um mesmo objeto sirva para a satisfação de diferentes pulsões. Essas mudanças, deslocamentos, são muito importantes para a existência da pulsão, mas pode ser que haja uma forte ligação da pulsão com o objeto, que Freud nomeia de “fixação”, onde não há esse deslocamento.

Por fim, Freud cita mais um termo que é a fonte. É por ela que se entende o processo somático que ocorre no corpo ou parte dele, e que este estímulo é representado na vida mental por uma pulsão. Freud diz que “os estudos dos instintos está fora do âmbito da psicologia. Embora os instintos sejam inteiramente determinados por sua origem numa fonte somática, na vida mental nós os conhecemos apenas por suas finalidades” (Freud, 1915, p. 129). Explica que não é extremamente necessário para fins psicológicos saber a fonte exata da pulsão, basta entender a sua finalidade.

Freud no decorrer de sua construção teórica, desenvolveu duas teorias das pulsões. Primeiramente sem seu texto, “As pulsões e seus destinos” (1915) ele propôs a “teoria da libido”, e logo após revê suas teorias, em “Além do Princípio do Prazer”

(18)

(1920), propôs uma segunda teoria. A primeira consistia em uma divisão das pulsões, entre pulsões do ego e sexuais, quais eram voltadas para manutenção e a conservação do indivíduo. Na sua segunda teoria Freud propôs a pulsão de vida que buscava o investimento e a unificação, seriam aquelas que consistiam no agrupamento das pulsões sexuais e de autopreservação, onde ele diz que essas pulsões referiam as excitações que induzem as buscas de objetos. E a pulsão de morte, que seu objetivo seria a diminuição da excitação, a inanição e a descatexização levando a estagnação, é descrita como a que busca a paz, ou seja, a ausência de estimulação no organismo, onde o objetivo do seu trabalho seria a descarga, a falta do novo e da vida, ou seja, a morte (Freud, 1920). Freud (1923) entende as duas pulsões, como pulsão de vida (Eros) e a pulsão de Morte (Thanatos), afirmando que a vida se constituiria entre esses dois lados, sendo que o surgimento da vida e sua continuação, ao mesmo tempo pode ser, um mesmo esforço, no sentido da morte.

A partir dessa ideia que Freud, diz que a formulação dessa ambivalência (vida e morte), se mostraria claramente na ideia de amor e ódio, que assim como as pulsões são dissociáveis.

Ora, a observação clinica demonstra não apenas pelo ódio (ambivalência), e que, nos relacionamentos humanos, o ódio é frequentemente um precursor do amor, mas também que, num certo número de circunstâncias, o ódio se transforma em amor e o amor em ódio. (FREUD, 1923, p. 57)

Porém, quando a pulsão passar pelo ego, ela altera sua polaridade, tornando o que era um amor, que foi visto como não aceitável e reprimido, em ódio, pois ao passar pela consciência se transforma no oposto em forma de defesa do ego (FREUD, 1915). Pensando nisso, em Além do Princípio de Prazer (1920), Freud desenvolve dois princípios, o princípio do prazer como sendo, o segundo princípio, algo natural do homem buscar em prazer que seja absoluto e sem restrições, acontecendo antes da castração. Após o início do processo de castração o sujeito vai sendo barrado, e com isso começa a se deparar com a realidade, a qual não possibilita a hipótese de um prazer absoluto, e sim traz o sujeito para a realidade.

Esse último princípio não abandona a intenção de fundamentalmente obter prazer, não obstante, exige e efetua o adiamento da satisfação, o abandono de uma série de possibilidades de obtê-la, e a tolerância temporária do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho ao prazer (FREUD, 1920, p. 20).

(19)

Neste momento, Freud dá o exemplo de uma experiência que fez com seu neto, observando enquanto ele brincava com um carretel de linha, onde o objeto ia e vinha, causando sentimentos diferentes no menino. Essa brincadeira, Freud (1920) chama de Fort-da (ir-vir) uma brincadeira que ele associa a agressividade, ao amor e ao ódio. Freud associa o arremesso do objeto, uma forma agressiva qual a criança exterioriza com ódio o que sente da mãe por se ausentar. Essa agressividade é necessária, dessa forma o sujeito elabora a perda dando lugar a uma passagem, da alienação com a mãe (princípio de prazer) a uma queda onde o outro se mostra faltoso, onde o sujeito cai em falta saindo da alienação com o Outro (princípio de realidade).

Freud (1933), nesse sentido, não favorece a ideia de que haja uma pulsão especial de destruição ou de agressão que seja devido os ensinamentos transmitidos ao longo da vida, porém, leva em consideração que a segunda teoria das pulsões para dar base a outros entendimentos como os fenômenos do sadismo1 e masoquismo2.

Freud (1933) fala de um “problema especial” que o masoquismo nos coloca, uma tendência que tem como objetivo a própria destruição.

...o sadismo é instinto de destruição voltado para fora, que desse modo adquire o caráter de agressividade. Certo montante do instinto de destruição original pode ainda permanecer no interior; parece que a nossa percepção se dá conta dele apenas nessas duas condições: quando ele se liga a instintos eróticos, no masoquismo, ou quando – com maior ou menos ingrediente erótico – se volta contra o mundo exterior, como agressividade. (FREUD 1933, pag. 254-255)

É assim que, já nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (FREUD, 1905), enquanto o sadismo é visto como expressão do caráter ativo da pulsão, o masoquismo, seu oposto, é tratado como:

Uma continuação do sadismo que se volta contra a própria pessoa, que com isso assume, para começar, o lugar do objeto sexual. A análise clínica dos casos extremos de perversão masoquista mostra a colaboração de uma ampla série de fatores (como o complexo de castração e a consciência de culpa) no exagero e fixação da atitude sexual passiva originária (FREUD, 1908, p.160).

1 Freud (1933) denomina ‘’sadismo quando a satisfação sexual é ligada á condição de que o objeto sexual

experimenta dores, maus tratos e humilhações’’, ligando-o com a masculinidade.

2 Freud (1933) diz que o masoquismo se dá ‘’quando a pessoa tem necessidade de ser ela mesma o objeto

(20)

Dez anos depois, em “Pulsão e destino das pulsões” (FREUD, 1918), para exemplificar a reversão ao oposto, o que é um dos destinos da pulsão, se a fórmula da reversão do sadismo sobre o próprio sujeito mantém-se na explicação do masoquismo, a mesma pulsão sexual muda de objeto e se fixa no eu, uma explanação mais detida sobre o masoquismo será exposta minuciosamente em dois outros momentos relevantes da obra. Já em 1919 e em 1924, quando Freud debruça-se, respectivamente, sobre as associações entre narcisismo e masoquismo e, uma vez introduzido o conceito de pulsão de morte (1927), entre masoquismo, agressividade e compulsão à repetição.

Considerando ainda o trabalhado por Freud, a agressividade humana não é a que se observa em outros animais, expressa na luta pela conservação da espécie. Mesmo assim, considera-se o que ele trabalha na sua primeira tópica, que se aproxima muito a aquilo que seria do instintivo, em uma forma bem evolucionista, onde pode-se notar o ciúme e o medo da perda. Aproxima-se da noção de instinto animal e nela não permanece porque a agressividade humana, para ele demonstra, outra herança, a que ele destaca como sendo a inscrita na ordem social, referente à herança de uma lei a que o humano se submete e faz com que ele articule proibição, hostilidade e ética, como no mito Totem e Tabu (FREUD, 1913).

Dessa forma, para Freud (1930), no humano há hostilidade e ódio. Tais afetos expressam que há uma intenção agressiva por parte do eu, ou seja, algo diferente de instinto agressivo. Ódio é a versão originária da hostilidade e ambos estão, dessa forma, na base do princípio do prazer.

Considerando o aspecto cronológico das considerações freudianas na construção teórica, partindo da origem estrutural do sujeito, percebe-se que a apropriação psicanalítica dos termos sadismo e masoquismo consistem na elaboração do conceito metapsicológico de pulsão sadomasoquista. No estudo do fenômeno dos pares de opostos sadismo e masoquismo, Freud (1913) mostrou que há um reviramento tanto da pulsão como da fantasia, ou seja, a fantasia sádica se torna fantasia masoquista; assim também a pulsão sádica se torna masoquista (D'AGORD, 2010).

(21)

Quando apresenta o destino "redirecionamento contra a própria pessoa", Freud destaca que o essencial desse processo é a troca de objeto sem alteração de meta. Assim, o masoquismo é um sadismo voltado contra o próprio Eu e a exibição inclui a contemplação do próprio corpo.

Se Freud (1915) chamou o sadismo e masoquismo de pares de opostos, é porque são polos opostos no movimento pulsional. Primeiramente, o sadismo em um prazer na dor, em exercício de poder contra outra pessoa tomada como objeto. Logo, esse objeto é deixado de lado e substituído agora pela própria pessoa. O redirecionamento contra a própria pessoa transforma, ao mesmo tempo, a meta pulsional ativa em passiva. E por último, novamente outra pessoa é procurada como objeto, a qual, devido à transformação ocorrida na meta, tem então de assumir o papel de sujeito.

Freud (1915) introduz, no masoquismo, um terceiro tempo no qual a satisfação ocorreria ainda pela via do sadismo original; nesse caso, o Eu passivo se transporta fantasisticamente a seu lugar anterior, o qual havia sido deixado ao encargo de outro sujeito que agora o ocupa. Ou seja, a fantasia sádica é realizada, o circuito pulsional se fecha, mas quem ocupa a volta de fechamento desse circuito é um outro: um sujeito indeterminado.

Dessa forma, Freud (1933), afirma que pode haver a possibilidade dessa agressividade não encontrar satisfação no mundo exterior, porque os obstáculos são reais. Sendo assim, essa agressividade pode retroceder, se voltando para o interior, chegando à autodestruição.

A agressividade impedida parece envolver graves danos; realmente é como se tivéssemos que destruir as outras coisas, outras pessoas, para não destruirmos nós mesmos, para nos guardar da tendência à autodestruição (Freud, 1933, p. 255).

Ainda em Freud, na sua obra O Ego e o Id (1923), afirma que a pulsão de vida precisa encontrar maneiras de se manter viva em contrapartida da pulsão de morte. Freud então aponta uma solução, desviar a pulsão de morte para fora do organismo, para o exterior, assim se manifestaria em forma de destruição, mas não interna e sim externa.

(22)

Em outra perspectiva, Freud diz de como é difícil viver em nossa sociedade, com uma cultura que nos faz restringir nossas pulsões, principalmente os impulsos agressivos. As restrições impostas aos indivíduos se tornam fardos psíquicos pesados, não podendo expressar sua agressividade o Super-eu3 pode se instaurar,

“que toma para si os perigosos impulsos agressivos, como que estabelece uma guarnição numa área inclinada a revolta” (FREUD,1933. pág 262).

Em esse sentido, Freud ainda elabora que, quanto maior for a dedicação do ego em controlar a agressividade exterior, mais será agressivo com o seu ideal de ego, "quanto mais um homem controla a sua agressividade para com o exterior, mais severo - isto é, agressivo - ele se torna em seu ideal do ego" (1930, p. 66).

Em seu texto “Mal-Estar na Civilização” (1930), Freud cita a frase “Amas a teu próximo como a ti mesmo”, como sendo uma das exigências ideais da sociedade. Sendo uma frase tão antiga até mesmo antes do cristianismo como cita Freud, até hoje encontramos dúvidas se isso é possível. Como amar alguém que pouco conhecemos, ou pessoas próximas de alguém que pouco conhecemos, ou então um desconhecido simplesmente porque vivemos no mesmo espaço? Pensando assim numa ideia de que apenas nós mesmos somos merecedores do nosso próprio amor, e para que possamos destina-lo a outros, devem ser merecedores. É um mandamento difícil de ser aceito, assim como o “Ama teus inimigos”. Essa ideia no apresenta o quanto a sociedade é opressora das pulsões sexuais dos seres humanos, de forma agressiva, que poderia ser de forma mais suave, nos revelando que “o ser humano é como uma besta que não poupa os de sua própria espécie” (FREUD, 1930, P. 77):

O quê de realidade por trás disso, que as pessoas gostam de negar, é que o ser humano não é uma criatura branda, ávida de amor, que no máximo pode se defender, quando atacado, mas sim que ele deve incluir, entre seus dotes instintuais, também um forte quinhão de agressividade. Em consequência disso, para ele o próximo não constitui apenas um possível colaborador e objeto sexual, mas também uma tentação para satisfazer a tendência à agressão, para explorar seu trabalho sem recompensá-lo, para dele se utilizar sexualmente contra sua vontade, para usurpar seu patrimônio, para humilhá-lo, para inflingir-lhe dor, para tortura-lo e matá-lo. Homo homini lúpus [O homem é o lobo do homem] (FREUD, 1930, p. 76-77)

3 O Super-Eu é um depositário das normas e princípios morais do grupo social a que o indivíduo se vincula, nele

se concentram as regras e as ordenações da sociedade e da cultura, representadas inicialmente, pela família e posteriormente, internalizadas pela pessoa (NASCIMENTO, 2014, p. 24).

(23)

Como tentativa de controlar esses impulsos agressivos, através da razão e da moral, criamos leis e regras, com intuito de inibir as pulsões destrutivas, e manter a ordem em sociedade. O homem possui entre si uma hostilidade primária, que ameaça a sociedade de desintegração, por conta disso a civilização tem que recorrer a tudo e diferentes tentativas de aproximação, para pôr limites e manter os impulsos dentro de um padrão possível de convivência (FREUD, 1930, p. 78).

Freud levanta a ideia de que uma parte do instinto se volta contra o mundo externo e depois se mostra como instinto de agressão e destruição, podendo destruir outras coisas4, em vez de si próprio. Inversamente, a limitação dessa agressão voltada

para fora teria de aumentar a autodestruição (FREUD, 1930. p. 86).

Sendo assim, se propõe interesses em comum, com propósito de juntar, aproximar as nações, as pessoas de todas raças, lugares, crenças, instigando os seres humanos a estabelecerem relações e se manter numa posição de amor ao próximo.

Prevenir os excessos mais grosseiros da violência, conferindo a si mesma o direito de praticar a violência contra os infratores, mas a lei não tem como abarcar as expressões mais cautelosas e sutis da agressividade humana. (FREUD. 1930. P. 78)

Logo percebemos que essas normas impõem ao instinto natural de agressão dos seres humanos, “a hostilidade de um contra todos, e de todos contra um” (FREUD, 1930, P. 90). Sendo assim, Freud não tem dúvida de que o sentido da evolução cultural da espécie humana apresenta uma luta entre instinto de vida (Eros) e instinto de destruição (FREUD. 1930. P. 90-91).

O autor deixa claro que não é fácil renunciar a gratificação a agressividade, e não nos sentimos bem ao ter que fazê-la. Freud dá o nome de “narcisismo das pequenas diferenças”, onde grupos menores se permitem uma pequena satisfação do instinto tão reprimido, hostilizando quem não pertencem a ele, assim como alguns sujeitos também se permitem ao falar mal e criticar um próximo. Assim Freud pensa que, “sempre é possível ligar um grande número de pessoas pelo amor, desde que restam outras para que se exteriorize a agressividade” (FREUD. 1930. p. 80-81).

(24)

Por outro lado, a civilização se preocupa imensamente em controlar esse prazer de agredir que possui os sujeitos, sendo assim tenta enfraquecê-lo, desarmá-lo e vigia-desarmá-lo por uma instancia chamada Super-Eu, punindo a si próprio. Como menciona Freud:

A agressividade é introjetada, internalizada, mas é propriamente mandada de volta para o lugar de onde veio, ou seja, é dirigida contra o próprio Eu. Lá é acolhida por uma parte do Eu que se contrapões ao resto como Super-Eu, e que, como “consciência”, dispõe-se a exercer contra o Eu a mesma severa agressividade que o Eu gostaria de satisfazer em outros indivíduos. À tensão entre o rigoroso Super-eu e o Eu a ele submetido chamamos de consciência de culpa; ela se manifesta como necessidade de punição. (FREUD, 1930, p.92)

É essa instância psíquica que trabalha simbolicamente agressividade do sujeito, qual se encontra em declínio e fragilizada, restando a ele a violência. Não tendo nenhuma capacidade de lidar simbolicamente ou através da linguagem, a resposta será sem o sujeito, mas exteriorizada em atos ou verbalizações, imersa na violência.

Freud, ao citar o sentimento de culpa, descreve duas origens, o medo da autoridade e o medo do Super-eu. “O primeiro nos obriga a renunciar a satisfações instintuais, o segundo nos leva também ao castigo, dado que não se pode ocultar ao Super-eu a continuação dos desejos proibidos” (FREUD. 1930. p. 97). O que nos faz renunciar nossos instintos é o medo da autoridade externa, medo de não ser mais amado e com isso correr o risco de não fazer mais parte dos laços de afeto, os quais pertencem. Podemos esconder essa renúncia ao instinto da sociedade, e dos outros, porém não do Super-eu, pois o desejo ainda persiste. A renúncia faz com que surja um sentimento de culpa por esse desejo ser existente.

Ainda em seu texto de 1930, Mal-estar na civilização, Freud descreve que um montante da agressividade contra a autoridade, deve ter se desenvolvido enquanto criança, onde as primeiras e mais significativas satisfações instintuais já estão sob a privação, e ela é obrigada a renunciar a satisfação da agressividade vingativa (FREUD 1930. p. 100).

...a vingativa agressão da criança é também determinada pela medida de agressão punitiva que espera do pai. A experiência ensina, no entanto que de modo algum a severidade do Super-eu desenvolvido pela criança reflete a severidade do tratamento que recebeu, surge independente dela, uma criança educada brandamente pode ter uma consciência bastante severa. (FREUD.1930 p. 101)

(25)

Sendo assim perceptível, ao observar os sujeitos, a grande influência cultural que gera significantes na formação do Super-eu, o que pode explicar muitas coisas que acontecem na sociedade contemporânea.

(26)

2. MODERNIDADE LÍQUIDA E MAL ESTAR NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Zygmunt Bauman, filósofo e sociólogo polonês, se dispôs a estudar as questões da expressão “civilização moderna”, partindo dos escritos de Freud (1930) em “Mal estar na Civilização”, levando em consideração que “é sob esse título que o provocador desafio de Freud ao folclore da modernidade penetrou em nossa consciência coletiva e, afinal, modelou o nosso pensamento a propósito das conseqüências - intencionais e não-intencionais - da aventura moderna” (BAUMAN: 1998, p. 07). Bauman entendeu que Freud falava da história da modernidade e das ações civilizatórias da sociedade moderna em busca de desmontar a realidade herdada da cultura ou civilização, pondo ordem no caos e no mal-estar.

Bauman (1998), diz que Freud parte da ideia de que quando há um ganho, também existe uma perda.

Assim como "cultura" ou "civilização", modernidade é mais ou menos beleza ("essa coisa inútil que esperamos ser valorizada pela civilização"), limpeza ("a sujeira de qualquer espécie parece-nos incompatível com a civilização") e ordem ("Ordem é uma espécie de compulsão à repetição que, quando um regulamento foi definitivamente estabelecido, decide quando, onde e como uma coisa deve ser feita, de modo que em toda circunstância semelhante não haja hesitação ou indecisão"). (BAUMAN 1998, pag. 7-8)

Não é natural do ser humano preservar a beleza, procurar se manter limpo, ou se quer observar a ordem, se isso acontece é algo ensinado por uma civilização5

em atividade, onde se torna uma obrigatoriedade respeitar e apreciar a limpeza, a harmonia e a ordem (BAUMAN, 1998, p 8). Predominando assim um estado sólido, em que surge um mal-estar vindo de uma falta de liberdade e de busca da felicidade individual, não podendo agir sobre seus próprios impulsos, acarretando sofrimento por conta da defesa de seus próprios sofrimentos. Bauman (1998, p. 9), aponta que “dentro de uma estrutura de uma civilização concentrada na segurança, mais liberdade significa menos mal-estar”.

Bauman (2001) trabalha o conceito de modernidade líquida, pós-moderna, que seria a sociedade contemporânea a qual nos encontramos. Diferentemente, da sociedade moderna que era por sua vez caracterizada como sólida, a modernidade

5 Cultura ou modernidade, podendo ser pensado no mesmo sentido como se refere no texto ”o Mal-Estar da

(27)

liquida é caracterizada pela sua fluidez. Para entendermos esse conceito é necessário recordarmos as propriedades dos líquidos, como Bauman enfatiza:

Os fluidos se movem facilmente. Eles “fluem”, “escorrem”, “esvaem-se”, “respingam”, “transbordam”, “vazam”, “inundam”, “borrifam”, “pingam”; são “filtrados”, “destilados”; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos — contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho. Do encontro com sólidos emergem intactos, enquanto os sólidos que encontraram, se permanecem sólidos, são alterados — ficam molhados ou encharcados. A extraordinária mobilidade dos fluidos é o que os associa à idéia de “leveza”. Há líquidos que, centímetro cúbico por centímetro cúbico, são mais pesados que muitos sólidos, mas ainda assim tendemos a vê-los como mais leves, menos “pesados” que qualquer sólido. Bauman ( 2001, pag. 08).

Com isso, é possível observar que, modernidade liquida, se contrapõe a modernidade anterior, sólida, que era uma sociedade rigidamente ordenada, estável podendo ser previsível. Portanto, a modernidade liquida, é caracterizada por uma sociedade em tempos de instabilidade, mudanças continuas e adaptações infindáveis, sendo assim imprevisível.

Bauman (2001), afirma que essa mudança do estado sólido para o líquido, veio como forma de “poder de derretimento” da modernidade, para quebrar “configurações, constelações, padrões de dependência e interação, tudo isso foi posto a derreter no cadinho, para ser depois novamente moldado e refeito; essa foi a fase de “quebrar a forma” (2001. Pág. 13). Porém, Bauman (2001), afirma que nenhum molde foi ou é quebrado sem ser substituído por outro, as pessoas foram libertadas daquele sistema rígido, mas em contrapartida são criticadas e recriminadas se não conseguem se recolocar na nova ordem6, através de seus méritos e esforços.

Na modernidade liquida, nada está fixo, parado ou impossível de mudar. Nesse tempo tudo pode ser adaptável, relacionamentos (familiares os conjugais), profissão, religião, bens materiais, etc. Caracterizada pela vulnerabilidade e fluidez, é incapaz de manter a mesma identidade ou ideia por muito tempo, por conta das mudanças em ritmo intenso, o que reforça um estado temporário das relações sociais, e do consumismo.

Freud em sua obra Mal-Estar na Civilização (1930) argumenta o antagonismo entre instintos, cultura e como a sociedade reprime o sujeito. Sendo uma civilização

(28)

que quer proteger seus indivíduos do sofrimento, da natureza e com intenção de regulamentar as próprias relações.

Para Bauman (2008), a pós-modernidade é marcada pela desregulamentação, não apenas na questão de leis e normas, mas como uma dissolução de um parâmetro legal. Os indivíduos pós-modernos estão trocando parte da segurança por mais felicidade.

2.1. Laço social e discurso capitalista

Para fomentar essa questão, busca-se entender como fica a questão dos laços sócias diante da modernidade liquida. Lacan, no Seminário 17 (1969-1970), propõe nova forma de se entender o laço social. Sabemos que os laços sociais são estruturados pela linguagem, denominados de discursos, sendo um relacionamento social representado por uma estrutura sem palavras. Nesse sentido:

Lacan propõe os discursos como sendo modos de uso da linguagem como vínculo social, pois é na estrutura significante que o discurso se funda. É a articulação da cadeia significante que produz o discurso. Os quatro discursos (do mestre, universitário, da histérica e do analista, além do quinto discurso, o do capitalista) são quatro configurações significantes - embora nem tudo seja significante na estrutura do discurso - que se diferenciam e se especificam por sua distribuição espacial. O que está em jogo é aquilo que ordena e regula um vínculo social entre os sujeitos. (COELHO, 2016, p. 37).

Lacan afirma que os discursos são articulações dos significantes, “o aparelho, cuja mera presença, o status existente, domina e governa tudo o que eventualmente pode surgir de palavras. São discursos sem palavras, que vêm em seguida alojar-se nele” (LACAN, 1969-1970, p. 158). Propondo assim, que os discursos são como um modo, uma maneira, de usar a linguagem como vínculo social, sendo produzido pela articulação das cadeias significantes.

O discurso do mestre foi o discurso dominante por muito tempo até meados da época feudal, até o surgimento do capitalismo. Lacan faz alusão a um outro discurso, pode-se dizer ser uma forma mais contemporânea de pensar o discurso do mestre7, o capitalista, onde as posições mudam e o lugar da verdade permanece.

Esse discurso se diferencia dos outros quatro por sua diferente estrutura discursiva.

7 [...] é fato, determinado por razões históricas, que essa primeira forma, a que se enuncia a partir

desse significante, que representa um sujeito ante outro significante, tem uma importância toda particular na medida em que, entre os quatro discursos, ela se fixará no que iremos enunciar este ano como discurso do mestre (LACAN, 1992, p. 18. Apud COELHO. 2016).

(29)

Segundo Lacan (1969-1970, p. 169) “Alguma coisa mudou no discurso do mestre a partir de certo momento da história. [...], pois o importante é que, a partir decerto dia, o mais-de-gozar se conta, se contabiliza, se totaliza. Aí começa o que se chama de acumulação de capital”.

De cardo com Soler (2005, apud SILVA 2017) o discurso capitalista produz uma certa precariedade subjetiva em todos os níveis dos sujeitos, parecendo que responde a tudo por suas escolhas individuais. Com efeito disso, o que resulta é a fragilidade dos laços afetivos, onde todos estão se reduzindo a um objeto, objeto no trabalho, na vida conjugal, na família, nas amizades, etc.

O discurso capitalista, segundo Teixeira (2005, apud SILVA, 2017, p. 12):

(...) provoca outras mudanças na condição do sujeito, que passa a ser regida pelos aparelhos que os objetos comandam e não pelo aparelho de gozo do inconsciente que os quatro discursos condicionam. O sujeito perde sua relação com o saber inconsciente, que passa a ter valor de mercadoria, produzido em larga escala, valendo quanto vende; o objeto causa de desejo é confundido com o objeto de consumo. A falta do Outro falta, o Outro é tomado como não barrado, modificando o destino da impossibilidade real, que deixa de ser o recalque, e passa à foraclusão com a falsa promessa de que tudo é possível, pois tudo se vende e tudo se compra, desde que o sujeito esteja incluído no sistema, o que é privilégio de alguns, mesmo assim, até para estes, essa promessa não passa de um engodo.

Conforme Teixeira (2005 apud SILVA, 2017), um dos grandes problemas do discurso do capitalista é perceptível através da violência, que segundo autor não é mais da ordem do discurso ou do mal-estar da cultura, mas sim ordem da destruição, do nó, do desejo decorrente e da precariedade dos recursos que sustentam tais laços.

De acordo com Silva (2017), o efeito do discurso capitalista está cada vez mais evidente no nosso dia a dia, se apresentando fortemente na contemporaneidade, onde as violências apresentam garantia da impunidade quando os criminosos zombam abertamente da lei. O autor quer dizer com isso, que tudo leva a crer que sujeitos dessa ordem discursiva, substituíram a angustia, a culpa, a autopunição superegoica, pelos atos de violência, onde não há a intermediação simbólica da demanda do Outro. “Reina soberano uma espécie de imperativo de gozo cruel sem Outro, uma operação de redução do Outro a objeto, cujo destino é ser cruelmente destruído” (SILVA, 2017).

(30)

As relações que estão se estabelecendo através dessa lógica do capitalismo, se apresentam como uma oportunidade de gozar através do outro. São “relações vazias de sentido e significados cujos vínculos são, na maioria das vezes, frágeis, supérfluos e meramente ocasionais” (TAVARES, 2010 Apud CIELUK, 2016, p. 56).

O discurso capitalista se constitui por excessos, em que o sujeito busca suprir a falta e o vazio existencial. Trabalhão com a lógica da cultura do imperativo de gozo, uma vez que as pessoas não têm que se a ver com a castração, o limitante do gozo, pois a sociedade postula que não há a necessidade de nos limitarmos, decorrente disso, os sujeitos tentam tamponar a falta que constitui o sujeito desejante, através dos excessos (CIELUK, 2016, P. 19).

2.2. A psicanálise diante do discurso capitalista, breves considerações sobre o contexto da agressividade na constituição subjetiva do sujeito

O autor Silva (2017), cita Soler (2012) no que diz respeito aos psicanalistas de hoje, que culpam e incriminam o capitalismo por tudo:

Mas nos diz que essas queixas merecem ser pesadas, pois não se pode imputar ao capitalismo as infelicidades do sexo. Pensou-se que, se alguém goza mal, é por efeito de um mau arranjo da sociedade a união que se espera das almas e dos corpos. Não é culpa da sociedade se a coisa não vai bem. Lembra que o axioma “não há relação sexual”, que a psicanálise lacaniana atesta, não é efeito do capitalismo. Os arranjos propostos pelos discursos são, em todos os casos, incapazes de estancar uma “maldição sobre o sexo”, que vem de outro lugar (SOLER 2005, apud SILVA 2017).

Com isso as satisfações que parecem ser alcançadas, implicam em um individualismo extremo, competição, ruptura e enfraquecimento de laços afetivos, sociais, do trabalho, etc. pois essas satisfações são na verdade insatisfações em um mercado de falta de gozo generalizada, como diz o autor Soler (2012, p. 208, Apud SILVA 2017),por conta das ofertas feitas pelo discurso capitalista, gerando consumo e êxito “narcísico”.

Nesse sentido, o capitalismo inclui nos sujeitos valores objetais, estéticos, morais e religiosos, quais permitem que os sujeitos possam dar sentido as suas atribuições e compensa-las, como defesa, para poder suporta-las. Valores que hoje são globalizados, de forma fragmentada onde as coisas não são mais compartilhadas

(31)

(SILVA, 2017). Com isso as pessoas se tornam individualizadas, não se importando com os outros para conseguir sua satisfação.

Por outro lado, a psicanálise surge com um novo discurso, o capitalista, não com o intuito de trabalhar no mesmo âmbito de ideias e valores do capitalismo, mas pensando nos sujeitos que estão se desenvolvendo nesse meio de seduções, empreendimentos capitalistas, objetos, buscas incessantes, se separando de “quaisquer que fossem suas invenções para operar uma nova prática clínica e, num movimento inverso, reafirmou a soberania da economia psíquica, apostando num novo laço social baseado exclusivamente no poder de reinvenção da vida pela fala” (TEIXEIRA, 2014, Apud SILVA, 2017, p. 12).

O discurso psicanalítico é convidado a analisar vários fatores que são relevantes durante o percurso histórico, para o surgimento de um laço social capitalista. Silva (2017) relaciona a relação do saber com o gozo qual pode ser especificada por dois lados, pelo mais de gozo e por outro, pelo saber como meio de gozo, satisfazendo simultaneamente, a mais-valia e ao novo mercado.

Cabe à psicanálise, sem pretensões revolucionárias ou subversivas e sem estar atrelada a ideologias, partidos ou tendências morais, imprimir sua política no exercício da sua prática clínica, ao convocar cada sujeito a dizer a sua verdade. Podemos também considerar que é da ordem da política da psicanálise conceber a subjetividade – entre inconsciente e pulsão – como estrutura de linguagem e como discurso, modalidades de gozo no laço social (TEIXEIRA, 2014 apud SILVA 2017).

Sendo assim, os psicanalistas também são sujeitos de desejo e fala inseridos na sociedade capitalista, também tem suas ideias e relação com o mundo, mas não podemos esquecer que diante de sua pratica profissional, não é possível imprimir suas tendências, pois cada sujeito tem seus ideais e verdades. Conforme Soler (2012. Apud Silva 2017), cabe ao psicanalista acolher o mal estar, sem pensar em elimina-lo. Afinal o que lhe interessa é o que é produzido pelo inconsciente, no sujeito individual, qual inscreve uma barreira entre as satisfações/insatisfações, comodidades e mal-estares padronizados, de um lado, e, do outro lado, a verdade do gozo, essa verdade que em cada um, responde por ficções, ou fixões, sempre particulares (SOLER, 2012. Apud SILVA, 2017).

Nesta pesquisa para a compreensão do conceito de agressividade na teoria psicanalítica, foi necessário partir da teoria da pulsão, trabalhada por Freud ainda na

(32)

década de 1890, nos primórdios da psicanálise em Viena. É na obra “Três ensaios sobre a Sexualidade” (FREUD, 1905) que se observa inicialmente a relação entre a sexualidade e a pulsão. Tomando conceitos como pulsão, libido e a sexualidade em suas dimensões sádicas e masoquista, é que poderá ser compreendido a ideia da agressividade em um contexto constitutivo perante a teoria psicanalítica.

Neste momento, é necessário compreender o sublinhado por Freud no que se refere as pulsões:

É o conceito limite entre o psíquico e o somático, como representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e alcançam a psique, como medida da exigência de trabalho imposta ao psíquico em consequência de sua relação com o corpo (FREUD, 1915, p. 148).

Partindo dos pressupostos de Freud (1933), em seu texto “Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise”, supõe que há dois tipos de pulsões que são extremamente distintas, as sexuais que são mais amplas, e as agressivas, qual a meta é a destruição. Mesmo parecendo uma transfiguração da teoria de amor e ódio, Freud percebe que há entendemos sendo uma novidade não muito aceitável, a qual deveria ser afastada rapidamente. Freud pressupõe que há um forte elemento afetivo nessa rejeição, e questiona porque nós levamos tanto tempo para decidir a reconhecer uma pulsão.Ironicamente, Freud, diz que não teríamos essa resistência se tivéssemos que atribuir essa característica aos animais, mas como estamos falando em constituição humana se torna uma difamação a tudo que nos é posto socialmente desde nossos antepassados, pois, tendemos ver o ser humano como um ser bom e amável por natureza, consequência da crença na “bondade”8 da natureza humana, que através

da história é apresentada. Freud diz que qualquer movimento que se apresenta contrário disso, como violento, brutal e cruel, entendemos como sendo algum transtorno passageiro de sua vida emocional, ou algum fator externo que foi lhe provocado, por conta desses, agimos de tal forma inadequada.

Tanto Freud como Lacan, se referenciam a agressividade como constitutiva do sujeito, na base da constituição e na relação com os objetos. Afirmam que é algo da ordem humana e libidinal. Da mesma forma, encontra-se na base da fundação teórica de Freud as noções de sexualidade infantil, assim como recalque e defesa, o

8 Segundo Freud (1933.pág. 253), a crença na “bondade” da natureza humana é uma dessas ilusões ruins das

(33)

que constituiu uma grande revolução na visão que se tinha do infantil no início do século XX. Freud acabará por ressignificar profundamente a noção de perversão, situando a sexualidade infantil e perversa no fundamento da sexualidade humana. É justamente nesse contexto que a noção de pulsão sexual emergirá (PADILHA NETTO e CARDOSO, 2012, p. 530). Sendo assim, tomando o narcisismo, os instintos de autopreservação, representadas nas pulsões, compreende-se já a agressividade como formadora e necessária para a constituição do Ego, instância psíquica que se verá com o social.

Considerando a agressividade pela via teórica, Freud a sinaliza como formadora do Ego, na base da constituição do sujeito e em constante confronto com os seus objetos. A relação objetal estabelece-se numa constante luta entre amor e ódio, o que acarreta a agressividade como um elemento comum no estabelecimento destas relações. Mesmo assim, Freud não nega a sua existência também no âmbito cultural e social, como movimentador do sujeito perante a realização do desejo. Também afirma que a agressividade está na ordem humana, em algo que denomina como ordem libidinal, o que mantêm a estruturação social. Desta forma, pode-se reafirmar, utilizando o pensamento construído por Freud, que existe a agressividade, mas ela pode ser sublimada, pode ser recalcada, não precisa ser atuada, pois o humano conta com o recurso da palavra, da mediação simbólica como um mecanismo de descarga destas energias socialmente inaceitável (FERRARIL, 2006, p. 51-52). É neste momento que pode se considerar o trabalhado por Freud em relação as pulsões, começando uma análise sobre os mecanismos motivadores da agressividade no sujeito.

Posto isso, a violência atual, colocada na ordem de sintoma, mostra, como todo sintoma, que o gozo não caminha no ritmo dos significantes únicos, dos semblantes ordenadores da civilização. Ela é forma de expressar que algo não vai bem na ordem instituída pela civilização, no caso atual ordenada pelo sistema capitalista e seu mais gozar (FERRARIL, 2006).

É com essa perspectiva estrutural e fundadora do sujeito psíquico que nos deparamos com o contexto social da agressividade. Agressividade e apatia em todas as suas formas são, a nosso ver, os sintomas contemporâneos do mal-estar na civilização, tal qual definido por Freud, em sua obra de 1929, em que trata do trágico

(34)

da condição humana, e que, não por acaso, é contemporânea da quebra da bolsa de Nova York e da ascensão do nazismo na Alemanha, como aponta Ferraril (2006). Complementando assim, Freud diz que a humanidade nasce de um assassinato e o crime é fundador. Logo, não há como a violência não estar no âmago do humano, cada um de nós carregando em si o germe da guerra civil.

Bauman (2008) aponta a ideia da modernidade liquida, trazendo trabalhos que se referem as mudanças dos sujeitos na vida social, marcado por rupturas e descontinuidades. Ou seja, o que importa realmente é o agora. Nesse sentido, projetos duradouros, planejados, concretos e com uma possível segurança não são bem quistos e tudo que se enlaça em um tempo prolongado “representa um atraso se comparado à dinâmica excessivamente veloz do restante da sociedade” (Tavares, 2010, p. 55 apud CIELUK. 2016).

Pode-se pensar que os sujeitos na atualidade andam incessantemente satisfazendo suas falsas necessidades, buscando através do consumo e na lógica que tudo se compra e se substitui, até mesmo a relação com as pessoas, é a condição para o sucesso e a felicidade (CIELUK. 2016).

Nesta perspectiva que Ferraril (2006, p. 53) afirma:

Nesse contexto, hoje se diz, então, de violência como sintoma. A compreensão dessa afirmativa pode ser facilitada quando se pensa que todo sintoma, no sentido psicanalítico, é uma emergência de verdade que concerne ao gozo, é um gozo. Sintoma, como tanto já se escreveu, é o que condensa verdade e gozo. A violência, que é sintoma, supõe, então, uma ordem instituída da qual emerge, manifestando aquilo que não funciona bem em tal ordem estabelecida, aquilo que impede a intenção de felicidade, ou melhor, que impede o princípio do prazer.

Finalmente, Freud (1915) aponta elementos que desviam o que se compreende como agressividade em um conceito que ele nomeia como sublimação. Neste, o sujeito direciona os instintos reprimidos ao exterior numa forma moralmente aceita. Assim, os desejos advindos do inconsciente, que buscam descarregar a pulsão, são movimentados para uma forma amenizada e dissimulada de realizá-los. Considerando este aspecto, Freud constrói, o que poderia-se dizer, como os caminhos para o qual o sujeito direciona sua pulsão. Entre eles, Ferraril (2006) sinaliza a drogadição, o alcoolismo entre outros, um método adequado, aos padrões da civilização, de explanar a agressividade.

(35)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observando o trabalhado até este momento, referenciado nas teorias freudianas como plano de fundo, constrói-se estas considerações. Para isso, foi necessário realizar um apanhado geral da teoria da constituição psíquica, trabalhada por Freud, na origem da psicanálise. Nesse sentido, abordou-se também temáticas da formação do sujeito no aspecto estrutural neurótico.

Assim sendo, foi possível observar na teoria, de forma clara, o que forma o sujeito em seus alicerces. Considerando os processos psicológicos como o Estádio do Espelho, fundamentado por Lacan, é possível chegar ao conceito de Complexo de Édipo, contribuição freudiana. Sendo assim, compreendeu-se o caminho do sujeito para a sua estrutura, perpassando por estágios de alienação, de constituição simbólica para, somente assim, ser inserido no campo da linguagem.

Trabalhar com o sujeito desde sua origem, muito antes do nascimento biológico, traz uma noção mais clara de como se dão os destinos da pulsão, abordadas por Freud. Tendo uma historicidade como formadora, desde as relações parentais, o sujeito estrutura-se a partir do olhar do Outro. Tomando isso, é possível ver a relação entre o sujeito e o Outro. O Outro faz possível o sujeito. Partindo disso, as relações objetais de amor e ódio passam a ser compreendidas de uma melhor maneira, sob a luz da teoria psicanalítica.

Em esta noção de amor e ódio, que perpassa pela relação do sujeito com o Outro, faz-se possível compreender a díade de prazer e dor, que Freud aborda como sendo o sadismo e o masoquismo. Assim, estes dois processos, originários do inconsciente, banhado em pulsão, movimentam o sujeito rumo a uma satisfação destas pulsões reprimidas. A satisfação com a dor do Outro ou o Outro causando a dor, que carrega consigo a satisfação, abre caminho para uma visão estruturante da agressividade. Esta, perpassa a estrutura psíquica, formando o sujeito através de sua dualidade.

Dessa forma, compreender a agressividade em uma perspectiva teórica, tendo as noções de modernidade líquida, contribuições de Bauman, torna-se essencial para a formação acadêmica do psicólogo. Nesse sentido, trabalhar com a visão estrutural da agressividade e a inerência desta para os sujeitos, possibilita a compreensão de

Referências

Documentos relacionados

Passagem da condição de objeto para a condição de sujeito. Em que não se trata absolutamente da construção da identidade sexual. É em relação a esse momento que poderia talvez

Em analogia ao texto Freudiano sobre o Mal-Estar na Civilização de 1930, o sociólogo Zygmunt Bauman, em O Mal-Estar da Pós Modernidade (1988) pontua a mudança entre as

85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das

a) 1ª ETAPA: Cada equipe enfrentará todas as outras, uma vez. b) As 4 equipes com maior número de vitórias se classificarão para a fase final. Em Caso de empate, as equipes

De inicio cabe destacar que a área da educação e da formação de professores vem tratando a questão da formação inicial e continuada de forma intrinsecamente articulada

CONAMA 01/86, 306/02 e 381/06; Indicadores Ethos 2008 (ETHOS, 2008); Indicadores GRI 2006 (GRI, 2007); Norma AA1000; Norma SA 8000; Norma NBR 16.001; Indicadores

Não admira que, sobre a pressão de todas essas possibilidades de sofrimento, os homens se tenham acostumado a moderar suas reivindicações de felicidade, tal como,

Esses elementos sobre a conjuntura política atual revelam desafios importantes para identificar a correlação de forças que atravessa os sentidos e as práticas de