OCORRÊNCIA DE CIANOBACTÉRIAS POTENCIALMENTE
TÓXICAS DO GÊNERO CYLINDROSPERMOPSIS EM
MANANCIAIS DE ABASTECIMENTO PÚBLICO DO ESTADO DE
PERNAMBUCO / BRASIL - ABORDAGEM PRELIMINAR
Paulo Vladmir Van Den Berg da Costa Carvalho(1)
Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Especialista em Oceanografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Biólogo da Companhia Pernambucana de Saneamento (COMPESA).
Anapaula Nunes Silvestre
Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Criptógamas pela Universidade Federal de Pernambuco. Bióloga da COMPESA.
Edenilsa Barbalho de Andrade Moura
Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Micologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Bióloga da COMPESA.
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RESUMO
Grande parte dos mananciais de abastecimento público do estado de Pernambuco apresentam-se em condições eutróficas ou em acelerado processo de eutrofização. Por conseqüência, freqüentes florações de cianobactérias têm comprometido a qualidade das águas. Nesse sentido, a escassez d’água associada à perda progressiva da qualidade têm motivado a intensificação de estudos de monitoramento hidrobiológico dos mananciais de superfície, objetivando identificar florações de cianobactérias potencialmente tóxicas. Desta forma, este trabalho visou inventariar e mapear a ocorrência da cianobactéria Cylindrospermopsis nas três sub-regiões do Estado (Zona da Mata, Agreste e Sertão), reservando especial ênfase aos mananciais com histórico positivo para florações.
A cianobactéria Cylindrospermopsis ocorreu em cerca de 39% dos mananciais investigados, onde 15% dos registros foram para a Zona da Mata, 36% no Agreste e 49% no Sertão. Houve predomínio de florações de "alta intensidade e estabelecida". Verificou-se uma tendência à proliferação desta cianobactéria nos mananciais do Sertão devido às condições climáticas favoráveis, ao longo de todo o ano. Na Zona da Mata, as florações de Cylindrospermopsis são determinadas pela eutrofização dos mananciais.
INTRODUÇÃO
As cianobactérias são componentes naturais da comunidade biótica de ecossistemas lóticos e lênticos. Além de sua importância na teia trófica aquática, enquanto produtores primários, algumas espécies desempenham relevante papel no ciclo do nitrogênio na água, por serem fixadoras deste na forma elementar. Esses organismos são especialmente abundantes em lagos e represas eutrofizados, principalmente de regiões tropicais, onde fatores relevantes ao seu metabolismo como temperatura, luminosidade e nutrientes encontram-se favoravelmente disponíveis. Segundo Tundisi (1992), a eutrofização de represas constitui um filtro ecológico muito seletivo em relação à diversidade de espécies. O predomínio das cianobactérias, assim como suas freqüentes florações no fitoplâncton desses ecossistemas, constitui o principal reflexo de tal seletividade . Além disso, o fenômeno da estratificação térmica, aliado à baixa turbulência inerente aos corpos d’água confinados, potencializam uma das principais adversidades à permanência dos seres fotossintetizantes na zona fótica: a sedimentação. Sob tais condições, há um favorecimento das populações de cianobactérias resultante da capacidade que possuem de regular, favoravelmente, seu posicionamento na coluna líquida (Klemer et al. 1996; Yoo, et al. 1995).
A proliferação massiva de cianobactérias nesses ecossistemas tem suas conseqüências já bastante conhecidas e discutidas. Nos últimos anos, porém, o escopo do problema tem se voltado para o fenômeno "El Niño", como novo parâmetro que, em larga escala, tem contribuído para o agravamento dos efeitos cíclicos da estação seca, na Região Nordeste. Nesse sentido, a escassez d’água associada à perda progressiva da qualidade têm motivado a intensificação de estudos de monitoramento hidrobiológico dos mananciais de superfície, objetivando identificar florações de cianobactérias potencialmente tóxicas. Por outro lado, essas pesquisas visam subsidiar estratégias operacionais para assegurar a qualidade hidrobiológica das águas de abastecimento.
Grande parte dos mananciais de abastecimento público do estado de Pernambuco apresentam-se em condições eutróficas ou em acelerado processo de eutrofização. Desta forma, as cianobactérias têm comprometido drasticamente a qualidade das águas quando em explosão populacional.
Dentre as cianobactérias ocorrentes nos mananciais utilizados para abastecimento no Estado, o gênero Cylindrospermopsis tem se destacado por apresentar o maior número de florações. As espécies deste gênero, ultimamente, têm sido objeto de vários estudos, devido a sua importância negativa, tanto enquanto produtoras potenciais de neuro e hepatotoxinas, como por incorrerem em problemas ao tratamento convencional, comprometendo a qualidade organoléptica das águas.
Portanto, este trabalho visa inventariar e mapear a ocorrência do gênero Cylindrospermopsis nas três sub-regiões do Estado (Zona da Mata, Agreste e Sertão), reservando especial ênfase aos mananciais com histórico positivo para florações.
METODOLOGIA
O levantamento (em fase preliminar) das ocorrências de Cylindrospermopsis se deu ao longo do período de junho de 1997 à junho de 1998 e foi resultante da compilação de resultados de análises hidrobiológicas do monitoramento rotineiro realizado pela Companhia Pernambucana de Saneamento (COMPESA), nos mananciais de abastecimento público do estado de Pernambuco.
Da totalidade dos mananciais de abastecimento (de superfície) inventariados, somente foram considerados aqueles com fornecimento d’água durante o período de estudos. Por outro lado, dentre os mananciais de superfície explorados pela COMPESA, apenas foram incluídos, no contexto do estudo, aqueles que durante o referido período, foram objeto de pelo menos uma amostragem hidrobiológica.
Utilizou-se como critério de presença ou ausência da cianobactéria por manancial, somente a sua ocorrência pontual. À luz dos resultados hidrobiológicos, observaram-se as situações onde o gênero Cylindrospermopsis encontrava-se em explosão populacional em relação aos demais constituintes da comunidade planctônica, caracterizando fenômeno de floração Com o intuito de tipificar as florações de cianobactérias quanto à sua densidade populacional, convencionou-se que mananciais com índices hidrobiológicos de Cylindrospermopsis entre 2.000-20.000 cél/mL apresentavam floração ou “bloom” de “baixa intensidade”; enquanto que para números superiores a 20.000 cél/mL, floração de “alta intensidade”. Tal critério numérico foi embasado em índices de segurança para a presença de células de cianobactérias e cianotoxinas na água bruta, de acordo com um padrão proposto por Burch (1993), adotado na Austrália, e em normas da “American Water Works Association” (1995), referendado pela OMS, em 1997 (apud UFRJ/NPPN, 1998), para controle de qualidade de mananciais de abastecimento. Por outro lado, do ponto de vista temporal (duração da floração), denominou-se a floração como “pouco estabelecida”, quando de curta duração (poucos dias à uma semana) ou “estabelecida” (semanas ou meses), porém, este critério apenas foi considerado para freqüências amostrais, no máximo, quinzenais e ao longo de um período de dois meses consecutivos. Ressalta-se que tais denominações foram adotadas neste trabalho apenas sob o ponto de vista prático, para facilitar o mapeamento e tipificação das florações.
Os dados meteorológicos utilizados foram fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET/3ª DISME). Os resultados dos parâmetros foram obtidos do período de junho de 1997 a junho de 1998, em três estações meteorológicas distintas: na Zona da Mata, Estação Recife (Curado); no Agreste, Estação Garanhuns e, no sertão, Estação Ouricuri.
Figura 1: Distribuição dos mananciais de abastecimento público no estado de Pernambuco, por sub-região, no período de 06/1997 a 06/1998.
48% 30% 22% Zona da Mata Agreste Sertão
Ao longo do período de estudo, aproximadamente 44% dos mananciais do estado constituíram objeto de amostragem hidrobiológica, no contexto dos programas de amostragens rotineiras para controle de qualidade das águas brutas. Do ponto de vista da distribuição espacial, a maioria dos mananciais investigados, esteve situada no Agreste (figura 2). Contudo, considerando-se as proporções numéricas de mananciais por sub-região, o Sertão exibiu o maior número de corpos hídricos amostrados (72%), seguido do Agreste (39%) e da Zona da Mata (30%) (figura 3)
As análises hidrobiológicas assinalaram a ocorrência da cianobactéria Cylindrospermopsis nas amostras de fitoplâncton de 39% dos mananciais investigados no estado, dos quais 15% dos registros foram para a Zona da Mata, 36% para o Agreste e 49% para o Sertão (Figura 3). O predomínio de ocorrências de Cylindrospermopsis no Sertão foi refletido no maior número de problemas de qualidade hidrobiológica apresentados pelas águas superficiais dessa região. Essa problemática, certamente foi preponderante para a intensificação das amostragens hidrobiológicas no Sertão, ao longo do período de estudo. Ficou revelada uma superioridade no número de casos de florações nesta região, com relação às demais (figura 3).
Concomitantemente, também foram verificadas diferenças na intensidade e no tempo de duração das florações de Cylindrospermopsis entre as três sub-regiões do estado. Nesse sentido, o Sertão mostrou ser a região mais propícia à florações, já que apresentou em seus mananciais os mais elevados valores médios de células por mililitro d'água em associação ao maior tempo duração desses fenômenos (figura 3 e tabela 1).
Figura 2: Distribuição dos mananciais pesquisados no estado de Pernambuco entre 06/1997 e 06/1998.
37%
21%
42%
Figura 3: Ocorrência de florações de Cylindrospermopsis por sub-região do estado de Pernambuco, no período de junho de 1997 a junho de 1998.
51 37 19 7 110 43 14 2 69 21 6 3 0 20 40 60 80 100 120 Zona da Mata Agreste Sertão
total de mananciais por sub-região mananciais pesquisados
total de ocorrências de Cylindrospermopsis floração de"alta intensidade e estabelecida"
Tabela 1. Valores médios de células de Cylindrospermopsis (por mililitro d'água) em mananciais de abastecimento público de Pernambuco, ao longo do período de junho de 1997 a junho de 1998.
SUB-REGIÃO/MANANCIAL TIPOS DE FLORAÇÕES (média do nº de cél./mL)
AIE a AIP b BIE c
Zona da Mata
Barragem Tapacurá - Vitória de Stª Antão 395.565 _ _
Barragem Duas Unas - Jaboatão 31.560 _ _
Barragem Goitá - Paudalho _ 30.220 _
Barragem Várzea do Una - Moreno 53.720 _ _
Agreste
Barragem Riacho Cangueno - Carpina 1.004.585 _ _
Barragem Tabocas - Brejo M. de Deus 147.888 _ _
Sertão
Barragem Laje dos Gatos - Ibitiranga 2.258.846 _ _
Açude Algodões - Ouricuri _ _ 14.675
Açude Barriguda - Ouricuri 41.320 _ _
Açude Lagoa do Barro - Araripina 25.522 _ _
Açude Ingazeira - Venturosa 2.004.520 _ _
Açude Barra - Sertânia 122.714 _ _
Açude DNOCS - Custódia 3.527.973 _ _
Açude Cachoeira II - Serra Talhada 436.692 _ _
Observações:
a) floração de “alta intensidade e estabelecida” b) floração de “alta intensidade e pouco estabelecida” c) floração de “baixa intensidade e estabelecida”
Foram descritos três tipos de florações e Cylindrospermopsis nos diversos mananciais pesquisados, havendo um predomínio do de "alta intensidade e estabelecido" (Tabela 1). Nos corpos límnicos com positividade para esta cianobactéria, foram detectadas florações de "alta intensidade e estabelecidas", em 50% nos da Zona da Mata, 14% nos do Agreste e, em 37% nos mananciais do Sertão (figura 3). Já florações de "alta intensidade e pouco estabelecidas" e de "baixa intensidade e bem estabelecidas" foram raras, com apenas um registro para a Zona da Mata e para o Sertão, respectivamente (Tabela 1). Não foram assinaladas florações de "baixa intensidade" e "pouco estabelecidas".
As características climatológicas demonstradas, pelo conjunto dos parâmetros meteorológicos das três sub-regiões (figuras 4, 5, 6 e 7), apontam condições ambientais propícias aos florescimentos descontrolados de cianobactérias em todo o estado, a exemplo das elevadas taxas de insolação e temperatura, associada a reduzidos influxos d'água e altos níveis de evaporação. Tais fatores, associados às perdas d'água para as captações de abastecimento público, contribuem para a redução acelerada da lâmina d'água dos mananciais. As perdas volumétricas, principalmente em represas, podem interferir no aumento da concentração de nutrientes nesses ambientes favorecendo, de sobremaneira, a ocorrência de florações de cianobactérias. A figura 1 demonstra uma tendência ao agravamento dessas condições, no sentido litoral-continente, ou seja, a partir da Zona da Mata até o Sertão. Nesse sentido, é conspícua a drástica redução das precipitações pluviométricas e uma elevação nas taxas de evaporação. Pode-se sugerir, que a temperatura e a insolação têm menor influência neste processo, onde destacam-se pela sinergia, evaporação e as taxas de precipitações.
A figura 3 aponta para um número crescente de ocorrências de Cylindrospermopsis a partir da Zona da Mata, com registros em cerca de 29% de seus mananciais; o Agreste, em aproximadamente 33%, e, em 51% dos localizados no Sertão. Essa tendência é coincidente com o já citado agravamento das condições de estiagem (figuras 4, 5, 6 e 7).
Nesse sentido, pode-se inferir que períodos sazonais de estiagem, típicos do nordeste brasileiro, favorecem a instalação e proliferação de população(ões) de Cylindrospermopsis, em mananciais de abastecimento.
A tipologia das florações permitiu através da observação da distribuição espacial desses fenômenos a demonstração da existência de estreitas relações entre as intempéries da estação seca e o sucesso (predomínio populacional) da cianobactéria Cylindrospermopsis, na comunidade fitoplanctônica de mananciais de superfície do estado de Pernambuco. A figura 3, assim como a tabela 1, assinalam o predomínio de florações "de alta intensidade e estabelecidas" em todo o estado, que são altamente deletérias à qualidade das águas de abastecimento. Em grande parte dessas florações, foram registrados números elevadíssimos de células de Cylindrospermopsis por mililitro de água bruta, demonstrando condições de extremo estresse ambiental. Esses números decrescem à medida que atravessa-se o Agreste, no sentido continente-litoral, até chegar à Zona da Mata. Tal fato também reforça ao já referido favorecimento das condições climáticas das região do semi-árido.
A Zona da Mata, por sua vez, apresentou um elevado percentual (50%) de florações de Cylindrospermopsis de "alta intensidade e estabelecidas" - até mesmo superior ao Sertão (37%) - quando relacionadas ao número de registros do gênero (figura 3). Porém, cabe salientar que, ainda assim, os fenômenos de floração ocorrentes no Sertão possuem maior
gravidade, em virtude dos números médios de células de Cylindrospermopsis por mililitro serem, por vezes, cerca de dez vezes superiores aos da Zona da Mata. Provavelmente, a elevada freqüência dessas florações em mananciais da Zona da Mata deve-se, em larga escala, aos incrementos nutricionais característicos de mananciais artificialmente eutrofizados dos grandes centros urbanos e industriais, do qual seus principais mananciais fazem parte e constituem exemplo.
Figura 4: Variação anual dos parâmetros meteorológicos nas sub-regiões do estado de Pernambuco, no período de junho de 1997 a junho de 1998.
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 Temperatura (média
anual)(ºC) Precipitação (méd. anual)
(mm) Evaporação (média anual)(mm) Insolação (média anual)(h) Parâmetros
Zona da Mata Agreste Sertão
Figura 5: Variação mensal dos parâmetros meteorológicos na Zona da Mata pernambucana, no período de junho de 1997 a junho de 1998.
10 25 40 55 70 85 100 115 130 145 160 175 190 205 220 235 250 265 280 295
Jun./97 Jul./97 Ago./97 Set./97 Out./97 Nov./97 Dez./97 Jan./98 Fev./98 Mar./98 Abr./98
Figura 6: Variação mensal dos parâmetros meteorológicos no Agreste pernambucano, no período de junho de 1997 a junho de 1998.
0 30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 330 360 390 420 450 480 510 540 570 600 630 660 690 720 750
Jun./97 Jul./97 Ago./97 Set./97 Out./97 Nov./97 Dez./97 Jan./98 Fev./98 Mar./98 Abr./98
Maio./98 mesesJun./98
Temp. méd. mensal (ºC) Precipitação tot. (mm) Evapor. tot. (mm) Insolação total(h)
Figura 7: Variação mensal dos parâmetros meteorológicos na Zona da Mata, no período de junho de 1997 a junho de 1998.
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300 320
Jun./97 Jul./97 Ago./97 Set./97 Out./97 Nov./97 Dez./97 Jan./98 Fev./98 Mar./98 Abr./98
Maio./98 Jun./98
meses
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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