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A EFICÁCIA RELATIVA DAS NORMAS E DOS DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA PARA A PREVENÇÃO DA EXPOSIÇÃO DOS FRENTISTAS AO BENZENO

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A EFICÁCIA RELATIVA DAS NORMAS

E DOS DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA

PARA A PREVENÇÃO DA EXPOSIÇÃO

DOS FRENTISTAS AO BENZENO

Matheus Maia Diniz matheusmaia2112@gmail.com Erick Xavier de Oliveira erickoliveiraxavier@hotmail.com Ana Carolina dos Anjos de Melo carol_anjosmelo@hotmail.com Kathllen Ferreira de Campos ketcampos@gmail.com

Os combustíveis estão presentes em diversos setores da economia. Aqueles que são derivados do petróleo possuem benzeno em sua composição e são largamente utilizados. O benzeno, devido à sua toxicidade, pode trazer problemas para a saúde dos trabalhadores que mantêm contato frequente com essa substância, como é o caso dos frentistas. Dessa forma, normas regulamentam a exposição ocupacional ao benzeno, porém elas não são capazes, isoladamente, de eliminar o risco relacionado. Nesse contexto, o artigo pretende investigar as razões pelas quais os frentistas desenvolvem estratégias de defesa, não prescritas, para a execução de suas atividades, com a intenção de reduzir sua exposição à contaminação desse agente. Para isso, utilizou-se o método da Grounded Theory (GT), teoria fundamentada em dados, e a Análise Ergonômica do Trabalho (AET) para analisar e compreender as situações de trabalho através de entrevistas em autoconfrontação. Finalmente, foi possível observar que, nem mesmo, as estratégias adotadas pelos frentistas conseguem protegê-los da exposição ao benzeno.

Palavras-chave: Benzeno. Frentista. Norma Regulamentadora. Riscos. Exposição. Prevenção.

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1. Introdução

Substância presente nos combustíveis, o benzeno (C6H6) é um composto líquido, inflamável,

incolor e é altamente tóxico, classificado como hidrocarboneto aromático. Em contato com o ar, evapora rapidamente. Está presente na composição de diversos produtos, principalmente do petróleo e na produção do carvão. Quando inalado pode causar sérios problemas para a saúde. Nesta condição estão os profissionais dos postos de combustíveis, chamados de frentistas, que são comumente lembrados pela exposição a sérios riscos ocupacionais, sendo um dos mais graves a constante exposição ao benzeno.

Na tentativa de reduzir a exposição ao benzeno e garantir a segurança dos frentistas dentro dos Postos Revendedores de Combustíveis (PRC’s), são estabelecidas normas regulamentadoras. Porém, nem sempre conceitos embasados estritamente em termos técnicos são capazes de conceber um ambiente livre de contaminação, visto que, para algumas situações, as normas não abordam todas as situações às quais o trabalhador está inserido, o que inclui eventos imprevistos e não prescritos. Nesse caso, o conhecimento do trabalhador se mostra essencial para promover a adequação do ambiente de trabalho.

A análise aqui apresentada ocorreu em um posto de combustível localizado em Belo Horizonte, trazendo à tona a discussão a respeito da efetividade das normas criadas com o intuito de garantir a segurança tanto dos frentistas como dos clientes. O objetivo deste artigo é investigar as causas que fazem com que os frentistas executem ações não prescritas para a realização das atividades em seu trabalho, com o intuito de reduzir sua exposição à contaminação, uma vez que as normas e mecanismos não são suficientes para controlar a exposição ao risco.

2. Fundamentação Teórica

A gasolina é um composto derivado do petróleo que pode conter em sua composição até 1% de benzeno (MENDES, 2017). O benzeno é um composto químico presente em combustíveis, plásticos, agrotóxicos, e pelas diversas aplicações na indústria química, petroquímica e na siderurgia. Em contrapartida, é também um composto reconhecidamente cancerígeno pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE (COSTA, 2017), para o qual não são definidos limites seguros de exposição, “sendo que sua fonte principal de exposição se dá no ambiente ocupacional” (FERREIRA, 2010).

Quando descoberto em 1825, o benzeno começou a ser usado de forma bastante restrita, mas já com potencial de causar danos à saúde. No entanto, foi apenas a partir do século XX, com a consolidação do seu uso nas indústrias e com o melhor entendimento de suas características,

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que os seus riscos passaram a ser mais conhecidos, dando início à difusão da necessidade da prevenção (COSTA, 2017).

No Brasil, as primeiras legislações sobre o benzeno são da década de 1930, antes de surgirem as principais atividades relacionadas à sua produção. Essas primeiras legislações consistiam em restrições ao trabalho de mulheres e menores em contato com o benzeno e instituíam o adicional de insalubridade. No entanto, até os anos 1960, a questão do benzeno não tinha muita significância. Por isso, não havia uma cultura de prevenção de risco dos trabalhadores neste período, até porque os registros de danos causados à saúde pelo benzeno nessa época eram escassos (COSTA, 2017).

Posteriormente, houve uma ampliação da produção e uso do benzeno, fazendo com que surgissem muitos casos de intoxicação e, consequentemente, algumas regulamentações. Mas foi em 1994 que o MTE reconheceu o benzeno como substância cancerígena, de modo que houve uma mudança de abordagem a seu respeito (COSTA, 2017). No entanto, segundo Mendes (2017) “o setor de revenda de combustíveis somente passou a ser incorporado como um ambiente de risco de exposição ao benzeno e monitoramento da saúde e segurança a partir de 2001”.

Outro passo importante no sentido da regulamentação relacionada ao benzeno foi a inclusão do Anexo 2 da Norma Regulamentadora 9 (NR-9) em 2016, que trata da exposição ocupacional da substância em PRC’s. Essa norma estabelece requisitos mínimos de segurança no trabalho quando existe exposição ao benzeno.

No entanto, apesar da existência de uma norma regulamentadora para a atividade nos postos, não há garantia de que os riscos sejam minimizados. Isso ocorre porque muitas vezes as práticas e equipamentos exigidos pela norma não são adequadas ao contexto do trabalho, existindo também influências organizacionais, comportamentais ou sociais.

A percepção do risco pelo trabalhador, a dinâmica e as variabilidades do ambiente de trabalho se mostram fatores que levam à dificuldade de cumprimento da norma. Segundo Kouabenan (2007) apud Goutille (2016) “cada pessoa, confrontada a diferentes situações de trabalho, construirá suas próprias representações dos riscos, uma ideia das consequências dos acidentes, da maneira de se prevenir e os processos perceptivos”. Em algumas situações, apenas a experiência do trabalhador será capaz de alterar sua percepção com relação ao risco.

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3. Metodologia

A Análise Ergonômica do Trabalho (AET) é um método em que as hipóteses são previamente elaboradas e explicitadas, construídas, validadas e/ou refutadas ao longo do processo. Estas características permitem investigar o trabalho real do sujeito, respeitando sua variabilidade. Este método não propõe encaixar tarefas em um modelo predefinido, mas sim assegurar a possibilidade de ajustes e regulações introduzidos durante a ação na busca da qualidade dos resultados, que pode ser avaliada em termos da satisfação dos trabalhadores, da redução dos riscos à saúde e da melhoria da produção (ABRAHÃO, 2009).

Em campo, aplicou-se o método da Grounded Theory (GT), uma abordagem ascendente fundamentada em dados, utilizada para analisar e interpretar as situações de trabalho juntamente com a AET. Seguindo as orientações escritas por Tarozzi (2011) em “O que é a Grounded

Theory”, o trabalho de campo tinha o objetivo de observar as tarefas, os métodos e as

dificuldades no trabalho dos frentistas, para depois confrontá-los em entrevistas com as observações feitas ao longo da pesquisa.

Um recurso utilizado na pesquisa de campo foi a autoconfrontação. O aprofundamento da análise se torna viável devido a esse recurso, que permite a retomada de assuntos-chave com os frentistas através de entrevistas semiestruturadas. Ao total, contabilizou-se mais de 60 horas de observações e conversas com os trabalhadores, em turnos e dias da semana distintos.

As conversas foram gravadas e transcritas, a fim de realizar uma análise mais aprofundada em torno do contexto. Além disso, foram usados os termos Frentista 1, Frentista 2, Frentista 3 e Frentista 4 para se referir às verbalizações dos trabalhadores.

4. Análise dos resultados e discussão

4.1. Risco evidente

A exposição ao benzeno pode ocorrer por contato cutâneo, vias aéreas ou ingestão. Segundo o Ministério da Saúde, a gravidade dos efeitos à saúde está relacionada diretamente às vias e quantidades as quais os trabalhadores forem expostos. Dentro dos PRC’s, bem como no posto analisado, foi possível perceber que os frentistas estão, em certas situações, expostos ao benzeno através das vias dérmicas e aéreas, não sendo descartada a contaminação via ingestão quando ocorre contato com alimentos. A exposição prolongada ao benzeno pode levar ao desenvolvimento de benzenismo, quadro clínico que atinge o sistema nervoso e a medula óssea, gerando de dores de cabeça e tontura até anemias e a leucemia.

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A compreensão dos efeitos nocivos do benzeno ao longo do tempo por parte das entidades trabalhistas e governamentais possibilitou a criação de normas para regulamentar o setor. Contudo, observou-se que esses não são capazes de abranger com precisão as formas de contaminação existentes nos PRC’s, fazendo com que os trabalhadores desenvolvam as próprias estratégias para minimizar a exposição.

4.2. Contexto normativo

A portaria do MTE Nº 1.109 de 21.09.2016, que inclui o anexo II na NR-9, norma que trata do programa de riscos ambientais, trouxe para a categoria dos frentistas uma série de diretrizes e recomendações acerca do manuseio dos equipamentos do posto, uso e função dos EPI’s dentre outras recomendações que visam reduzir a exposição ao benzeno.

A promulgação contínua de normas de segurança para PRCs, iniciada na década de 1990, foi de grande importância para a redução da exposição ao benzeno. Destaca-se neste período o Acordo Nacional do Benzeno, em que foram constituídas diversas restrições de exposição e uso do benzeno, e a inclusão do benzeno como substância cancerígena no anexo 13 da NR 15 (MENDES, 2017).

Foi verificado durante o trabalho em campo que, apesar das normas propostas terem como objetivo amenizar a exposição ao benzeno, variáveis por vezes não identificadas durante a prototipagem dos PRC’s e dos dispositivos de segurança acabam criando novas situações de contaminação.

A percepção dos riscos dos frentistas torna-se fundamental nesse cenário para a prevenção à exposição. Assim, serão apresentadas as análises dos conflitos entre a atividade real, a norma e as percepções dos frentistas. Inicialmente serão evidenciadas as percepções de riscos dos trabalhadores acerca da contaminação por benzeno e em seguida serão apontadas situações criadas, tanto por elementos normativos quanto pela atividade real, em que se torna complexo ou inviável a adoção das estratégias criadas pelos trabalhadores.

4.3. Efeitos do benzeno e percepção de risco

Devido às características individuais de cada trabalhador, a percepção dos riscos é variável, inclusive daqueles que trabalham dentro de um mesmo posto. Fatores como cognição, experiências prévias em outros locais de trabalho, treinamento recebido e adequação ao uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) são elementos que ajudam a compreender como é construída cada percepção. O Frentista 1 alegou que a real contaminação se dava através dos vapores dos combustíveis, como foi apontado em algumas verbalizações.

Eu reparei, eu comecei a perceber da mão... ficar segurando no bico num dia. Eu estava indo embora no ônibus reparando essa mão aqui ressecada e essa não. Aí eu

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reparei que era porque fica segurando o bico e comecei a ir mudando meu modo de trabalhar também.

Posteriormente, o Frentista 1 afirma que “depois de uns anos pra cá eu senti que até negócio de gripe, quando ela vem mais forte, mudou... dor de garganta... esses negócios tudo assim. Depois de ficar respirando, ficar muito próximo dos abastecimentos”. Isso mostra que o contato com o combustível ao longo dos anos trouxe consequências para a sua saúde.

Nesse contexto, apoiados pela sua vivência e conhecimento repassado entre frentistas, entendeu-se que, ao perceber que o contato com os vapores de combustível estava sendo prejudicial para o seu bem-estar, os frentistas desenvolveram algumas estratégias para tentar minimizar a sua exposição.

4.4. Estratégias de adequação ao ambiente de trabalho

No posto de combustível analisado, observou-se que um dos frentistas menos experientes costumava receber recomendações dos frentistas mais experientes para se afastar dos veículos durante o abastecimento, pois o vapor é prejudicial à saúde. Segundo o Frentista 1, quando entrou no posto, ele “ficava em cima (do tanque). Aí os caras costumam dizer: Não, fica inalando isso aí não, sô. Põe o bico aí e afasta, vai olhar a frente do carro, não fica cheirando isso não, faz mal à saúde”.

Nesse sentido, os trabalhadores mais experientes dizem buscar outras atividades para serem feitas durante o abastecimento, seja para organização do posto ou uma interação com o cliente. Com a estratégia de afastamento em virtude da realização de outras atividades, os frentistas conseguem fazer um atendimento personalizado e, ao mesmo tempo, se afastam das fontes emissoras de benzeno. O Frentista 2 afirmou que vai “lá perguntar o cliente se ele quer que olha a frente do carro. Pra mim sair daqui. Porque esse benzeno ele é mais pesado que o ar. (...) Aí se você ficar assim no tanque... Querendo ou não você inala um pouco”.

Além do compartilhamento de experiências entre os trabalhadores, observou-se outras maneiras com que os frentistas identificavam a necessidade de se afastar do local de abastecimento de veículos. O Frentista 1 disse que, após perceber que estava tendo problemas de saúde, começou a se afastar dos veículos após iniciar os abastecimentos.

A gente nem sabia disso. Eu comecei a me afastar depois que eu comecei a perceber que estava me fazendo mal. Eu já ficava um pouco afastado porque eu respirando o vapor da gasolina estava me fazendo mal (...). Eu comecei a perceber da mão... ficar segurando no bico num dia. Eu estava indo embora no ônibus reparando essa mão aqui ressecada e essa não. Aí eu reparei que era porque fica segurando o bico e comecei a ir mudando meu modo de trabalhar também.

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4.5. Dispositivos de segurança

Dentre as disposições do anexo 2 da NR-9, destaca-se que as bombas de abastecimento de combustíveis líquidos contendo benzeno devem estar equipadas com bicos automáticos. O automatismo do bico possibilitou a interrupção do abastecimento quando o combustível preenche certo volume do tanque do veículo, uma vez que o bico possui um sensor que detecta quando o combustível está retornando para a bomba, como mostra a figura 1. Isso possibilita eliminar danos ao carro relativos ao derramamento de combustível em sua lateral, por exemplo, bem como reduzir a ocorrência de derramamento na pista, amenizando a exposição ao benzeno.

Figura 1 - Sensor de volume no bico de abastecimento

Fonte: Os autores

A Lei 10.943/2016 determina que o abastecimento de veículos além do desarme é proibido nos postos de combustíveis em Belo Horizonte. Porém, é comum presenciar clientes solicitando que os frentistas abasteçam após o desarme automático das bombas. Ademais, conforme relato do Frentista 4, esse é um pedido comum dos clientes e, apesar de terem conhecimento de que este é um procedimento que faz mal para a saúde, eles realizam o abastecimento alegando que “a gente [o frentista] é teimoso. (...)Por que o normal é desarmou, parou. Agora é lei, desarmou, parou (...)”.

Ainda que haja uma lei que os proíbam de abastecer após o desarme, além de saberem o quanto essa atitude prejudica a saúde do trabalhador e do cliente, os frentistas, de maneira geral, não se recusam a prosseguir com o abastecimento após o desarme da bomba. Isso faz com que um sistema de proteção contra o benzeno perca um pouco a sua eficácia, pois para prosseguir com o abastecimento, o frentista precisa se aproximar do bocal e, como consequência, inala maior

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quantidade de vapores tóxicos, além da possibilidade de derramamento do combustível em suas mãos.

Por outro lado, o enchimento de tanques veiculares após o desarme pode ocorrer quando houver o desligamento precoce do bico, segundo o anexo 2 da NR-9. Durante a realização dos abastecimentos no posto analisado foi possível notar diversas situações onde os frentistas necessitavam reiniciar o abastecimento devido a interrupções indesejadas do sistema de desarme. Conforme relatado pelo Frentista 1, diferentes modelos de veículos, intensidade de vazão do combustível despejado no bocal dos automóveis e quantidade de vapor presente no interior dos tanques se mostraram fatores potenciais para interromper o abastecimento precocemente.

Os carros da ‘marca 1’, eles desarmam bem antes e, depois que desarma, você consegue colocar uns 15 litros, aí desarma, né, geralmente desarma tá cheio, lá no marcador do carro não marca cheio e é lei: você não pode, desarmou você tem que parar. Mas aí, pô, você vai olhar o lado do cara e não encheu, realmente. A ‘marca 2’ também é desse jeito, desarma.

Nessas situações, o frentista precisa abastecer os veículos próximo ao tanque, visto que o controle do volume de combustível a ser injetado no tanque deve ser feito manualmente. Nesse contexto, a exposição aos gases tóxicos provenientes do combustível é intensificada, já que o trabalhador não pode se afastar da área de abastecimento. Segundo o Frentista 1, o bico “(...) encosta e tá, desarma. Aí você tem que segurar ele na mão e tentar regular ele na mão. Tem que ser bem devagarzinho, porque senão volta”.

No caso de motocicletas, na maioria dos casos o bico de abastecimento não fica posicionado no bocal do tanque sem o auxílio de um frentista. Além disso, o desarme automático não se mostrou eficiente no abastecimento de motos. Segundo relatos do Frentista 3, “as motos você tinha que armar o bico lá e soltar ele, mas infelizmente não acontece isso. Porque as motos têm uma telinha ali na boca que não deixa você enfiar o bico lá dentro”. Nesse contexto, os trabalhadores não podem atender outras demandas para se afastarem do local do abastecimento. Essas falhas no automatismo nas bombas representam também uma ineficácia de um mecanismo que deveria minimizar o contato do frentista com o benzeno. Em parte, porque ele precisa permanecer próximo à região de abastecimento e, além disso, ocorre muitas vezes o derramamento do combustível na pista, o que expõe os trabalhadores aos vapores de combustível.

No caso do desarmamento precoce, não é possível reduzir a exposição aos riscos por meio da estratégia de afastamento do tanque, visto que, nesses casos, a proximidade do local se mostra necessária, pois a quantidade de combustível a ser depositada nos tanques passa a ser definida

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por meios manuais. Como a visualização do volume do tanque se enchendo não é nítida, é necessário reduzir a vazão do líquido e, ao mesmo tempo, aproximar o rosto do tanque, a fim de identificar o mais rápido possível quando o volume máximo está próximo.

Outra tarefa comum atribuída aos frentistas é o enchimento de embalagens avulsas certificadas pelo INMETRO. Apesar de haver garantia de qualidade do material da embalagem, reduzindo o risco de extravasamento e explosões, não é possível garantir a segurança dos frentistas contra a exposição ao benzeno durante a envase do combustível. O Frentista 2 relata: “Tem que segurar o galão, a gente não tem como ficar longe. Aí é normal, coloca o bico lá e segura, segura o galão e o bico. A inalação é maior (...) se você colocar ele no chão você tem que abaixar né?! Se você ficar com ele na mão aquele vapor vai subir”.

Os frentistas relatam ainda que adotam estratégias na tentativa de amenizar a inalação dos vapores durante o abastecimento. Segundo o Frentista 2, “procuro sempre observar a posição do vento, faço isso. Sempre quando eu estou abastecendo eu olho a posição do vento, onde que o vento está jogando. Aí eu fico ao contrário do vento, para o vento jogar pra lá”.

É possível observar que os frentistas adotam diversas estratégias cognitivas, oriundas da experiência adquirida no ambiente de trabalho, para se protegerem de situações de contaminação por benzeno. É importante ressaltar a relevância das normatizações para a regulação dos PRC, contudo elas não são capazes de garantir a segurança plena dos que laboram nestes ambientes. Nota-se também que as estratégias por vezes não podem ser aplicadas à determinados contextos, pois as variabilidades, seja dos automóveis, seja na prestação de serviço, podem inviabilizá-las.

5. Recomendações

Segundo Guérin (2001), “a formulação do diagnóstico é uma tomada de posição em relação a representações anteriores da situação de trabalho que não permitiam explicar os problemas encontrados”. A etapa de diagnóstico, neste caso dos frentistas, se mostrou particularmente importante para propor recomendações que fossem além das medidas preventivas existentes. A atividade desempenhada por frentistas está diretamente associada ao contato direto com o benzeno. Assim, é necessário que exista um processo de melhoria contínua de todas as ferramentas e dispositivos de segurança para que haja uma gradativa redução dos níveis de contaminação aos quais os frentistas estão expostos. Conforme Anexo XIII-A da NR-15, “o princípio da melhoria contínua parte do reconhecimento de que o benzeno é uma substância

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carcinogênica, para a qual não existe limite seguro de exposição. Todos os esforços devem ser despendidos continuamente a tecnologia mais adequada para evitar a exposição ao benzeno”. Com base na imersão no contexto dos PRC’s, ficou evidente que a inalação dos vapores de combustíveis é um risco presente nas condições do trabalho dos frentistas. Para essa situação, foi sugerida a implantação de um sistema de recuperação de vapores. Bem resumidamente, o sistema é capaz de fazer a sucção dos vapores de combustível provenientes do abastecimento dos veículos e reaproveitá-los em abastecimentos posteriores, pois o vapor retorna para os tanques de armazenamento subterrâneos.

Para que o sistema funcione, a mangueira deve ser coaxial, ou seja, com uma passagem para o combustível e outra passagem para o vapor. Aparentemente, as mangueiras das bombas do posto analisado são do tipo coaxial. Por outro lado, o bico de abastecimento deve conter aberturas em suas laterais para que os gases possam ser “sugados” para o interior do tanque do posto. Constatou-se que os bicos no posto em questão não possuem essas aberturas, logo devem ser trocados para implementação do sistema de sucção.

Para a implantação do sistema, é necessário instalar um dispositivo para fazer a recuperação desses vapores já que a sucção é feita por uma bomba. Um filtro composto por membranas é necessário para separar impurezas e oxigênio do vapor de combustível. Por fim, um condensador faz a passagem do combustível do estado gasoso para o estado líquido.

Do ponto de vista dos trabalhadores, a solução foi bem aceita por todos os entrevistados, quando questionados a respeito da utilidade de sua implantação no posto. No que diz respeito às normas, é importante destacar o posicionamento favorável a essa modificação. A portaria nº 1.109 aprovou alterações no Anexo II da NR-9 em 2016, que estabelece prazos para os postos instalarem um sistema de recuperação de vapores de acordo com o ano de fabricação da bomba.

6. Considerações Finais

O artigo propôs o estudo da exposição ao benzeno por frentistas em um posto de combustível. Com isso, foi possível constatar que os trabalhadores do PRC estão continuamente expostos e que as ferramentas legais destinadas a amenizar os efeitos dessa exposição nem sempre funcionam em contextos reais de trabalho. Por isso, surgem dos trabalhadores estratégias para se proteger da exposição, como se afastar do local de abastecimento. Porém, o desarme precoce do bico, pedidos dos clientes, abastecimento de motos e galões, dentre outros fatores, impossibilitam a adoção desta estratégia em todas as situações.

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Logo, a regulamentação não se mostra efetiva no que diz respeito à prevenção de exposição dos frentistas aos vapores provenientes dos combustíveis. As variabilidades e características particulares dos locais de trabalho são alguns dos fatores que contribuem para continuar a exposição. Assim, as melhorias dos equipamentos de proteção coletiva e de outras condições de trabalho são essenciais para a redução do contato dos trabalhadores com substâncias tóxicas.

7. Referências Bibliográficas

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