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XXIII S

EME

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Seminários em Administração

novembro de 2020 ISSN 2177-3866

AGRICULTURA FAMILIAR, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E

SUSTENTABILIDADE: UMA ANÁLISE TEÓRICO-REFLEXIVA DESSA RELAÇÃO THIAGO CHAGAS DE ALMEIDA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO (UFES)

MARIA CLARA DE OLIVEIRA LEITE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO (UFES)

Agradecimento à orgão de fomento:

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES)

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AGRICULTURA FAMILIAR, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E

SUSTENTABILIDADE: UMA ANÁLISE TEÓRICO-REFLEXIVA

DESSA RELAÇÃO

INTRODUÇÃO

Um dos principais desafios na atualidade é desenvolver mecanismos produtivos com Sustentabilidade. Essa pauta se coloca a partir do momento que vem discutindo cada vez mais – sejam em fóruns internacionais, nacionais ou até locais – caminhos a serem seguidos para garantir recursos às futuras gerações. Um exemplo é a Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas), que apresenta 17 objetivos para o DS. Tal medida tem por pretensão elencar práticas sustentáveis a serem desenvolvidas até 2030 por diversos países e pessoas ao redor do mundo. Nota-se, portanto, que a Sustentabilidade e o DS são temas bem pertinentes e que, com o passar dos anos, foram sendo progressivamente colocados na agenda pelas autoridades.

Os conceitos de Sustentabilidade e DS também são amplamente discutidos na academia, tendo diversas abordagens, de acordo com cada autor, assim como há múltiplas indicações de meios para alcança-los. Nesse sentido, a Agricultura Familiar pode ser entendida como uma prática que se articula ao alcance da Sustentabilidade, visto que contribui para o desenvolvimento social e o crescimento equilibrado do país (DAMASCENO; KHAN; LIMA, 2011). Entretanto, partindo dessa perspectiva, faz-se necessário o seguinte questionamento: Como a Agricultura Familiar pode contribuir para a Sustentabilidade e o que

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de fato é Sustentabilidade, DS e Agricultura Familiar? A fim de responder essas indagações, o presente artigo objetivou analisar, através de estudos bibliográficos, a relação entre a Agricultura Familiar, DS e Sustentabilidade. Além disso, observou-se os limites e desafios do uso da Agricultura Familiar como ação sustentável.

Tal objetivo se justifica pela carência de estudos, evidenciada ao longo da pesquisa, que definam de forma mais objetiva os conceitos de DS e Sustentabilidade. Lelé (1991), já havia identificado em seu trabalho inconsistências na interpretação de termos envoltos ao conceito de DS. Além disso, percebeu-se na pesquisa bibliográfica uma lacuna teórica de estudos que articulam conceitualmente a Agricultura Familiar, o DS e a Sustentabilidade. Essa consideração se coloca, apesar da Agricultura Familiar ser muito indicada como prática para o alcance da Sustentabilidade.

Destarte, este artigo se desmembrará nas seguintes seções: Metodologia, elencando os materiais e métodos para obtenção dos resultados analisados; Desenvolvimento Sustentável, trazendo discussões acerca de como o conceito pode ser usado; Sustentabilidade, da mesma forma, levantando as possibilidades perspectivas do conceito; Agricultura Familiar, apresentando a definição dessa atividade produtiva e cultural, se atendo às peculiaridades brasileiras; Agricultura Familiar como Instrumento do DS, que infere que Agricultura Familiar pode ser percebida como instrumento do DS para o alcance da Sustentabilidade; e Considerações Finais, com as principais reflexões feitas após a análise dos dados.

METODOLOGIA

Este artigo trata-se de uma pesquisa exploratória, buscando conhecer intersecções entre os temas estudados e provocar questionamentos para investigações futuras. O trabalho partiu da metodologia qualitativa, que segundo Flick (2007), é uma abordagem que procura compreender, descrever e as vezes explicar os fenômenos sociais, permitindo diferentes interpretações. Além disso, utilizou-se como técnicas de coleta de dados a pesquisa bibliográfica e o levantamento documental.

De acordo com Eco (2015), fazer uma bibliografia é procurar por aquilo que não se conhece ainda a existência. A pesquisa bibliográfica também proporciona um nova discussão e entendimento do tema proposto (ECO, 2015). Dessa forma, esta técnica de coleta foi tida como adequada ao problema estudado. Foram investigados livros e artigos, disponíveis em bases de periódicos. Os trabalhos foram selecionados de acordo com a possibilidade de articulação com os três temas analisados, havendo para tanto, um período prévio de leitura dos resumos. Ressalta-se que, apesar dos conceitos de Sustentabilidade, DS e Agricultura Familiar serem universais, buscou-se referências que refletissem melhor a realidade brasileira e suas peculiaridades.

Em relação ao levantamento documental, extraiu-se documentos disponíveis em portais públicos, de leis que regulamentam a Agricultura Familiar nacional, da Agenda 2030 da ONU e de relatórios do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Partindo da concepção de análise documental de Coffey (2014), os documentos analisados foram observados tanto pela ótica dos recursos (quando eles são utilizados apenas como repositório de informação, recorrendo-se à definição ou descrição de algo expresso nele), como pela ótica dos artefatos (indo além do que está registrado nele, explorando o seu sentido próprio).

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Para análise dos dados, aplicou-se a técnica análise de conteúdo do tipo temática, apresentada por Bardin (1977). Segundo a autora, essa técnica compreende em identificar núcleos de sentidos que compõe a comunicação, podendo eles trazer significados relevantes ao objetivo analítico estudado. Desse modo, os dados foram associados a três categorias conceituais definidas à priori: a Sustentabilidade, o DS e a Agricultura Familiar (no contexto brasileiro). Essas categorias foram sistematizadas em três tópicos de discussão, que resultaram um tópico posterior, com as inferências da relação entre os conceitos.

DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL

A Sustentabilidade e o DS vêm ganhando cada vez mais destaque nas discussões acadêmicas, porém ainda não há uma delimitação clara das fronteiras entre esses termos. Cada autor vai buscar trazer uma definição a partir dos seus estudos. Além de muitos outros os utilizarem de forma abstrata, sem uma caracterização mais precisa. No senso comum, costuma-se tratar os dois conceitos como sinônimos, mas será que Sustentabilidade e DS indicam a mesma coisa? Ou seriam bem próximos a ponto de serem complementares, mas não ambíguos? Este trabalho apresentou algumas perspectivas desses temas e a partir delas construiu um eixo teórico que ajuda a entender e articulá-las ao conceito de Agricultura Familiar.

Iniciando a discussão pelo DS, Tayra (2009) coloca que em 1983 foi criada a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Segundo a autora, a Comissão foi instituída pela Assembleia Geral da ONU e presidida pela primeira ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. O então evento viria a trazer pela primeira vez o conceito de DS, através do Relatório Brundtland, publicado em 1987 e intitulado “Our Common Future” (Nosso Futuro Comum). Pontua-se, que já haviam construções de expressões com sentidos próximos a esse desde a década anterior (TAYRA, 2009). Contudo, o DS passou a ser conhecido como “(...) o desenvolvimento que atende as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de conhecer suas próprias necessidades” (WCED, 1987, p. 43).

A definição de DS do Relatório Brundtland, podendo ser tida como a precursora, trouxe uma ideia bem ampla acerca do tema, o que impulsionou diversos debates para a busca de um conceito mais preciso. Tayra (2009), interpretando o Relatório, mostra que o DS não deve ser visto como algo estático. Mas, deve ser considerado como algo que se transforma de acordo com as mudanças no acesso aos recursos e conforme a distribuição de ganhos e perdas do desenvolvimento. Já Lélé (1991), ao fazer uma crítica ao mainstream do DS, que se relaciona à definição do Relatório, aponta para a necessidade de tornar os fundamentos conceituais mais delimitados. O autor também indica, que ao mesmo tempo que se deve demarcar melhor o conceito, é necessário possibilitar uma maior diversidade e flexibilidade nas estratégias. Só assim seria possível atingir os objetivos do desenvolvimento de múltiplas formas e harmonicamente, destacando tanto a lógica social como a ambiental (LELÉ, 1991).

A busca por estratégias que atendam aos objetivos do DS acaba por provocar o questionamento do que precisa ser “sustentado”, ou seja, desenvolver-se sustentavelmente. Nesse sentido, também é questionável, como e por quem deve ser colocado esse juízo de valor do deve ser “sustentado”. Nesse sentido, Pierantoni (2004) acredita que o DS é um processo de tomada de decisão, em que os tomadores de decisão interpretam e escolhem as metas a serem cumpridas. Assim, complementa a autora, o DS não deve ser constituído por bases

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objetivas, por ser esculpido a partir de decisões políticas. Dessarte, percebe-se que o DS, apesar de ser um conceito amplo, se manifesta por singularidades perspectivas.

Segundo Carvalho (2019), o DS precisa ser analisado tanto por elementos ambientais, como por sociais. No sentido ambiental, o DS promoveria processos para o uso adequado de recursos naturais e matérias-primas, se preocupando também com o destino correto de resíduos produtivos (CARVALHO, 2019). No campo social, o DS promoveria uma distribuição de renda justa, fazendo que toda a população tenha uma qualidade de vida adequada, inclusive as futuras gerações (CARVALHO, 2019).

Outros autores também vão indicar que este tipo de desenvolvimento vai muito além da questão ecológica, que muitas das vezes é a mais enfatizada. Gomis et al. (2011), por exemplo, pontuam que para haver DS é necessário buscar um equilíbrio entre as lógicas social, econômica e ambiental. Feil e Schreiber (2017), com uma interpretação próxima a essa, acreditam que o DS deve ser pensado como uma estratégia a longo prazo, que integra os domínios econômicos, sociais e ambientais de forma contínua. Segundo os autores, as estratégias de desenvolvimento são elaboradas com base em parâmetros que estabeleceram a Sustentabilidade. Observa-se então que, após algumas definições de DS, foi possível perceber que há uma certa complementariedade com a Sustentabilidade. Basta agora, adentrar na discussão do que seria Sustentabilidade.

SUSTENTABILIDADE

A Sustentabilidade é outro termo complexo que pode variar seu critério de acordo com quem toma as escolhas do que deve ser “sustentado” ou não, além das suas diversas formas de atingir um único objetivo preterido. Segundo Sartori et al. (2014), a Sustentabilidade pode ser vista tanto como objetivo final de longo prazo, a partir do processo de DS, quanto o inverso, em que o DS seria o objetivo e a sustentabilidade o processo. Sartori et al. (2014) indicam que a Sustentabilidade, assim como o DS, busca o equilíbrio entre os pilares ambiental, social e econômico. Dessarte, nota-se que a utilização desses dois termos é cada vez mais confusa e utilizada de maneira ambígua.

Carvalho (2019) também evidencia um entrelaçamento entre esses dois conceitos. Contudo, a autora defende e a Sustentabilidade é o objetivo do DS e orienta que o enfoque de ambos deve ir além do campo ecológico/ambiental, devendo se preocupar também com as questões sociais e seus aspectos culturais, econômicos, políticos e históricos. Diferente dos papeis do DS que foram apresentados no tópico anterior, a autora acredita que na vertente ambiental, a Sustentabilidade condiz à preservação dos ecossistemas e das condições ecológicas essenciais à vida das futuras gerações. No campo social, a Sustentabilidade seria representada pelos direitos que garantem a justiça social a todos os indivíduos (CARVALHO, 2019).

De modo similar, Feil e Schreiber (2017) vão trazer que a Sustentabilidade representa uma preocupação com um sistema integrado, avaliando-se as propriedades ambientais, econômicas e sociais. Segundo os autores, tal processo não ocorreria de forma estática. Mas, seria similar a uma fotografia, sendo parâmetro de um determinado momento que se reformula dinamicamente. A avaliação, contudo, seria operacionalizada por meio de indicadores que resulta em informações quantitativas, possibilitando metas a serem cumpridas a longo prazo (FEIL; SCHREIBER, 2017). Essa perspectiva, mesmo deixando uma ideia de Sustentabilidade como indicador, a coloca como meta ou intento final.

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Nesse sentido, é possível perceber que de acordo com os indicadores que são avaliados, os parâmetros que definem o que é Sustentabilidade (as metas) podem remeter e exigir ações bem distintas. Dessa forma, a consideração de Lelé (1991) faz muito sentido, em que ao mesmo tempo que se deve demarcar o que precisa ser sustentável e com isso seus parâmetros, é necessário se ater e propiciar uma flexibilidade de estratégias que podem ser utilizadas.

Observou-se nesses dois tópicos que as duas definições discutidas englobam diversos aspectos. Talvez por isso muitos autores não chegam a estabelecer bases mais precisas desses termos amplos. No entanto, por questões objetivas, optou-se por utilizar a Sustentabilidade como resultado ou meta a ser alcançada e o DS como processo para se chegar a essa meta dinâmica. Vale ressaltar que ambos os conceitos se associam à harmonia entre as dimensões social, econômica e ambiental, sendo essa associação um “eixo conceitual” entre os termos. Dito isso, esse artigo passa a analisar a Agricultura Familiar como um instrumento do DS para se chegar à Sustentabilidade, identificando os possíveis limites e os desafios entre Agricultura Familiar e Sustentabilidade. Porém, antes de analisar esses contrapontos, cabe a discussão do que seria Agricultura Familiar.

AGRICULTURAFAMILIARBRASILEIRA

Diferente da Sustentabilidade e do DS, o conceito de Agricultura Familiar segue linhas mais definidas. Segundo o MAPA (2016), na Agricultura Familiar o trabalhador tem uma relação particular com a terra, estabelecendo um vínculo maior que um mero ambiente de trabalho, sendo também local de moradia e de laços familiares. Além disso, a Agricultura Familiar se caracteriza por sua produção ser feita em pequenos espaços e de forma diversificada, comparada ao agronegócio (MAPA, 2016). De maneira geral, é um tipo de cultura agrícola em que há o predomínio da mão de obra da família para o plantio e o cultivo de alimentos agropecuários.

No Brasil, o termo Agricultura Familiar começou a ser tratado na década de 1990, período em que o país foi marcado por forte pressão dos movimentos sociais agrícolas e agrários, tendo destaque o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Essa mobilização - que de certa forma também contribuiu para concepção do que viria a ser Agricultura Familiar - reivindicava soluções para a falta de crédito agrícola, pouca abertura comercial e redução do preço dos principais produtos agrícolas exportados na época (ASSIS; PRIORE; FRANCESCHINI, 2015). Segundo Assis et al. (2015), a Agricultura Familiar, por um longo período, foi vista como uma mera atividade de subsistência. Contudo, no cenário atual, a Agricultura Familiar vem mostrando cada vez mais sua importância, sendo a principal fornecedora de produtos básicos para alimentação humana e essencial para a produção do mercado interno de alimentos.

De acordo com o MAPA (2018), a Agricultura Familiar produz 21% do trigo nacional, 34% do arroz, 38% do café, 46% do milho, 70% do feijão e 87% da mandioca. Além disso, o setor é responsável por 30% do rebanho bovino nacional, 50% das aves, 59% dos suínos e 60% da produção de leite (MAPA, 2018). Esses dados por si só representam a importância da atividade para o país. Porém, se observar a Agricultura Familiar brasileira em um panorama mundial, tem-se a noção de que sua relevância vai muito além disso. Como mostra a tabela 1 a seguir, se o Brasil considerasse apenas a Agricultura Familiar, teria o 8º maior faturamento com produção de alimentos do mundo.

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Tabela 1: Faturamento anual com produção de alimentos

FATURAMENTO ANUAL COM PRODUÇÃO DE ALIMENTOS

Ranking Países Faturamento (US$)

1º China 958,2 bi 2º Índia 353,6 bi 3º Indonésia 125,4 bi 4º Nigéria 84,9 bi 5º Brasil 84,6 bi 6º Paquistão 64,7 bi 7º Japão 56,9 bi 8º Agricultura Familiar do Brasil 55,2 bi 9º Rússia 54,8 bi 10º Turquia 53,4 bi

Fonte: MAPA (2018). Elaborado pelo autor. A Tabela 1 apresenta o protagonismo da Agricultura Familiar brasileira, tanto no cenário nacional, como global. Observa-se ainda que o setor representa aproximadamente 65,2% do faturamento com alimentos do Brasil, sendo assim, o maior responsável por essa arrecadação. Fazendo essa análise de faturamento, é preciso entender o que foi considerado produção agrícola familiar, ou seja, quais especificações são necessárias para que um produtor rural seja considerado agricultor familiar. Objetivando essa e outras aplicações gerais, criou-se em 24 de julho de 2006 a Lei 11.326, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. A Lei elenca os seguintes critérios para categorizar um agricultor familiar:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:

I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;

III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011)

IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. (BRASIL, 2006).

Ainda de acordo com a respectiva Lei, também podem ser beneficiários dessa política os grupos rurais de: comunidades extrativistas, silvicultores, aquicultores, quilombolas, indígenas e pescadores artesanais. No sentido de operacionalizar essa Lei, de maneira que faça um registro dos agricultores familiares, criou-se a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP). Segundo o MAPA (2019), a DAP é o instrumento para qualificar e identificar as Unidades Familiares de Produção Agrária (UFPA) da Agricultura Familiar e suas respectivas formas de organizações como pessoas jurídicas. Para tanto, a partir dos critérios categóricos da Lei, a UFPA considera apenas a DAP principal do estabelecimento rural para efeitos de sua contabilização, ou seja, de um único

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membro que reside no estabelecimento (MAPA, 2019). Seguindo esses parâmetros, o Censo Agropecuário do IBGE (2006), último a ser concluído, computou 4,3 milhões de estabelecimentos rurais de produção agrícola familiar. Tais estabelecimentos ocupam uma área de 80 milhões de hectares e correspondem a 84,4% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros (IBGE, 2006).

Durante essa seção observou-se que o campo da Agricultura Familiar brasileira, em quase três décadas, teve um avanço significativo no que tange sua categorização e relevância. Busca-se adiante entender como esse potencial pode ser explorado e ponderado como ação a ser desenvolvida para o alcance da Sustentabilidade.

AGRICULTURAFAMILIARCOMOINSTRUMENTODODS

O presente artigo buscou conceituar a Sustentabilidade e o DS para a partir daí construir uma articulação com a Agricultura Familiar. Portanto, nesta etapa, por meio dos diversos posicionamentos teóricos, decidiu-se pela ótica da Sustentabilidade como meta indicativa ou objetivo a ser atingido. Também optou-se por enxergar o DS como um processo para se chegar à Sustentabilidade. Dito isso, nesta seção será feita uma reflexão sobre de que forma a Agricultura Familiar pode ser utilizada como instrumento do DS. Nesse sentido, suas ações deveriam ser fomentadas harmonicamente - pelas dimensões ambiental, social e econômica. Sua contribuição à Sustentabilidade seria de longo prazo, considerando o atingimento de indicadores pré-estabelecidos, almejados a partir de um processo de tomada de decisão.

Como destacou Pierantoni (2004), a definição das ações de DS acabara por ser uma decisão política, em que os tomadores de decisão colocam o que deve ou não ser sustentável. Pondera-se, que essa decisão política também pode ser motivada por pressões sociais. Cabe questionar com isso, o porquê da Agricultura Familiar ser vista como uma ação potencialmente sustentável. Atualmente, a principal referência de posicionamentos sobre questões que giram em torno do DS é a Agenda 2030, com orientações globais. A Agenda 2030 foi promovida pela ONU entre os dias 25 e 27 de setembro de 2015, sendo realizada em sua sede em Nova York (ONU, 2015). Buscando desenvolver os objetivos do DS até o ciclo de 2030, o evento reuniu os chefes de Estado e de Governo e altos representantes (ONU, 2015). A Figura 1 a seguir apresenta os 17 objetivos definidos no evento:

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Figura 1: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - Agenda 2030

Fonte: ONU (2015). Observa-se, previamente, a partir da Figura 1, que a Agricultura Familiar pode ter relação direta ou indireta com vários objetivos da Agenda, como a erradicação da pobreza (1), fome zero e agricultura sustentável (2), trabalho decente e crescimento econômico (8), redução das desigualdades (10), etc. Seu grau de influência sobre cada objetivo dependerá de como os esforços do setor estarão sendo direcionados. Além disso, deve-se levar em conta o alinhamento das características de cada objetivo com a Agricultura Familiar. Fazendo uma leitura do relatório da ONU (2015) quanto aos aspectos de cada objetivo, identificou-se uma relação direta e explicita com o objetivo 2. Por isso, esse será destacado como a via de inserção da Agricultura Familiar à Agenda do DS.

2.3 Até 2030, dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos, particularmente das mulheres, povos indígenas, agricultores familiares, pastores e pescadores, inclusive por meio de acesso seguro e igual à terra, outros recursos produtivos e insumos, conhecimento, serviços financeiros, mercados e oportunidades de agregação de valor e de emprego não agrícola (ONU, 2015). O item 2.3 do objetivo 2 da Agenda 2030 indica que a Agricultura Familiar é colocada de fato como pauta sustentável, com vistas a dobrar produtividade e renda dos agricultores até o final do ciclo. Portanto, além de seu fomento poder ser considerado potencial para alcance da Sustentabilidade, ele também foi considerado pelos tomadores de decisão. No entanto, apesar do seu potencial e indicação como medida a ser desenvolvida para a Sustentabilidade, será feita uma reflexão sobre até que ponto a Agricultura Familiar pode se relacionar ao conceito geral de Sustentabilidade. Para tanto, será utilizado o conceito desenvolvido por Feil e Schreiber (2017), em que a Sustentabilidade se preocupa com a qualidade de um sistema indissociável entre os elementos ambiental e humano, avaliando ao mesmo tempo as dimensões sociais, econômicas e ambientais. Complementando esse conceito, será reforçado o

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posicionamento da Sustentabilidade como resultado ou meta, como mencionado anteriormente.

Por meio dessas diretrizes conceituais, buscar-se-á analisar como a Agricultura Familiar viria a harmonizar as dimensões sociais, econômicas e ambientais para que haja um sistema integrado indissociável entre o humano e o ambiente. Segundo Lélé (1991), a agricultura é uma das principais atividades com interface ambiente-humano. Em vista disso, a Sustentabilidade tem focado significativamente nesse setor. Entretanto, a literatura da “agricultura sustentável” é pouco aprofundada, havendo confusão entre termos que não significam a mesma coisa, como agroecologia, agricultura orgânica, etc. (LÉLÉ, 1991).

O autor também coloca que a relação da agricultura com o DS deve ir muito além das questões ecológicas que são expostas como o “slogan” principal na articulação entre essas vertentes. Seria necessário se ater e desenvolver complexas condições sociais e econômicas em relação ao desenvolvimento agrícola, como o retorno financeiro e social justo ao agricultor, para satisfazer suas necessidades e as da população. O desenvolvimento agrícola é um campo de estudo ainda mais confuso e menos aprofundado que a condição ecológica/ambiental (LÉLÉ, 1991). Dessa forma, alguns dos principais desafios para desenvolver a Agricultura Familiar visando a Sustentabilidade são, construir um campo teórico delimitado, pensar e promover ações que equilibrem as dimensões ambiental, social e econômica

Ao avançar em possibilidades equilibradas para lidar com os desafios da Agricultura Familiar sustentável, os agricultores esbarram em alguns limites. Dentre eles, os colocados pelas próprias ações públicas. Segundo Capellesso et al. (2016), as principais políticas públicas agrícolas são associadas a um referencial produtivista, que viria a criar um dualismo tecnológico entre a agricultura convencional (que almeja um progressivo aumento da produção) e a agroecologia (que almeja uma adequação ecológica). Dalmoro et al. (2017), em uma perspectiva próxima, indicam que as políticas públicas agrícolas hegemônicas são voltadas às lógicas simbólicas do agronegócio e não às da Agricultura Familiar. Nesse sentido, essas políticas públicas voltadas ao produtivismo, de acordo com Capellesso et al. (2016), induzem à prática produtiva dependente de fatores externos. Tal prática viabiliza o uso de recursos de baixo custo financeiro para ampliação abrupta da produção, o que pode trazer riscos ambientais, como uma maior vulnerabilidade dos alimentos às pragas e doenças (sem métodos de controle) e escassez hídrica (CAPELLESSO et al., 2016).

Nota-se, que as políticas públicas de fomento à Agricultura Familiar brasileiras, ao focar em práticas distintas da agricultura sustentável, podem impor limites à atuação dos agricultores familiares, que muitas vezes se subvertem à lógica de desenvolvimento que são apresentadas a eles pelo poder público. Não que o aumento da produção agrícola familiar seja algo negativo, muito pelo contrário. O problema é que a lógica das políticas públicas predominantes pode incentivar uma visão unidimensional de desenvolvimento, de expansão econômica. Desse modo, é necessário repensar as políticas públicas agrícolas, de maneira que se fomentem iniciativas capazes de promover realmente o DS, integrando as dimensões econômica, social e ambiental.

CONSIDERAÇÕESFINAIS

Foi possível perceber ao longo deste trabalho que a importância da Agricultura Familiar brasileira, perpassa os campos: social, pela sua capacidade de gerar alimento,

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dignidade e bem estar aos agricultores e demais atores envolvidos (como familiares, fornecedores de insumos, compradores, etc); econômico, por gerar renda aos trabalhadores e movimentar o mercado, tendo a Agricultura Familiar brasileira o 8º maior faturamento com produção de alimentos do mundo (conforme a Tabela 1); e ambiental, pelo seu método de plantio ser convencionalmente muito menos invasivo ao solo, comparado ao agronegócio, por realizar um cultivo multicultural.

Observou-se também, por meio da análise bibliográfica, que estudos teóricos indicam esses campos (social, econômico e ambiental) como “eixo conceitual” entre as definições de Sustentabilidade e DS. Porém, há de se ponderar a necessidade de que esses estudos avancem no sentido de esclarecer melhor tais definições. Ressalta-se, que apesar da literatura não estabelecer linhas congruentes acerca desses conceitos, para fins de aplicação, foi feita uma interpretação e delimitação que se voltasse da melhor maneira para ao objetivo proposto pelo artigo. No entanto, manteve-se um certo cuidado para que não fossem perdidos os elementos essenciais desses conceitos (o “eixo conceitual”).

Por fim, notou-se que a Agricultura Familiar tem um potencial de prática sustentável a ser desenvolvida, sendo amparada e pautada inclusive pelos tomadores de decisão, através da Agenda 2030. Todavia, percebe-se que há alguns percalços a serem superados, de certa forma até complementares. Destacam-se como principais: a limitação sustentável das políticas públicas agrícolas predominantes e o desafio de buscar alternativas que articulem de fato a Agricultura Familiar ao DS para o então alcance da Sustentabilidade, na sua essência e proposta.

REFERÊNCIAS

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Referências

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