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Academic year: 2021

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Quanto ainda resta da Caatinga? Uma estimativa preliminar Carlos Henrique Madeiros Casteleti

José Maria Cardoso da Silva Marcelo Tabarelli André Maurício Melo Santos

Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Biológicas, Núcleo de Biodiversidade.

Documento para discussão no GT

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Introdução

A região da caatinga compreende uma área aproximada de 734.478 km2, incluindo partes dos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. Este bioma é dominado por um dos poucos tipos de vegetação cuja distribuição está totalmente restrita ao Brasil (Ferri 1979).

De modo geral, a biota da região da caatinga tem sido geralmente descrita na literatura como pobre, abrigando poucas espécies endêmicas e, portanto, de baixa prioridade para conservação. Estudos recentes mostram que isto está longe de ser verdade (Andrade-Lima 1982, Rodal 1992, Sampaio 1995, Garda 1996, Silva & Oren 1997). A região possui sim um considerável número de espécies endêmicas. Além disso, várias espécies novas de animais e de plantas endêmicas têm sido descritas recentemente para região, indicando um conhecimento zoológico e botânico bastante precário. Por exemplo, um estudo sobre o esforço amostral das coletas de um grupo de anfíbios identificou a Caatinga como uma das regiões menos conhecida em toda a América do Sul , com extensas áreas não possuindo uma única informação (Heyer 1988).

A Caatinga tem sido bastante modificada pelo homem. Garda (1996) indica que os solos nordestinos estão sofrendo um processo intenso de desertificação devido à substituição da vegetação natural por culturas, pri ncipalmente através de queimadas, e que o desmatamento e as culturas irrigadas estão levando a salinização dos sol os, aumentando ainda mais a evaporação da água contida neles e acelerando, desta maneira, o processo de desertificação. De acordo com Garda (1996), somente a presença da vegetação adaptada das caatingas tem impedido a transformação do nordeste brasileiro num imenso deserto. Apesar das ameaças à sua integridade, menos de 2% da caatinga está protegida como unidades de conservação de uso restrito (Tabarelli et al. 2000).

Este artigo tem como objetivo estimar a área total do bioma Caatinga já alterado pelo homem. A estimativa é baseada nos mapas gerados pelo Projeto Radambrasil (IGBE 1993) mais uma simulação util izando as estradas da região como eixos de alteração ambiental. A lógica para isso baseia-se nos efeitos bem

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documentados que a construção e a manutenção das estradas trazem ao ambiente (Forman 2000).

Material e Métodos

Como mapa base foi utilizado o Mapa de Vegetação do Brasil, na escala 1:5.000.000 (IBGE 1993). Este mapa foi digitalizado na projeção geográfica, por Edmar Moretti (IBAMA, DIREC/DICRI, Brasília), a partir do mapa impresso. Este mapa foi sobreposto ao mapa com os limites do bioma Caatinga, tal como definido para fins do Subprojeto “Áreas e Ações Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios do Bioma Caatinga” (www.biodiversitas.org/caatinga).

Em uma primeira análise, todas as classes vegetacionais que foram classificadas pelo IBGE como dominadas por atividades agrícolas foram selecionadas e suas áreas calculadas uti lizando a opção geoprocessing do programa ARCVIEW (ESRI 1998). Esta análise simples gera a primeira estimativa da área alterada no bioma Caatinga. Esta estimativa é, entretanto, conservadora, pois é baseada em informações coletadas durante todo o Projeto Radambrasil, que se estendeu durante a década de 70 e 80. Por isso, é necessário também adicionar uma outra estimativa, que leve em conta os principais ei xos de pressão antrópica sobre a região: as estradas.

As estradas alteram significativamente a paisagem de uma determinada região. Estes diversos efeitos incluem, por exemplo, alterações na vegetação, alterações no ambiente químico, modificações no ambiente físico, expansão de espécies exóticas, modificações no uso humano da terra e água, modificações no comportamento dos animais, mortalidade de animais devido à construção e manutenção das estradas, além da mortalidade devido a colisão com veículos (Trombulak & Frissell 2000). Para estimar a área de alteração de uma estrada, é essencial conhecer a largura da “zona de efeito da estrada” (Forman 2000). Como as estradas podem interromper fluxos ecológicos na paisagem (Forman 1995), os efeitos ambientais que elas causam se estendem muito mais do que simplesmente as áreas utilizadas nas suas construções e manutenções (Forman 1995). Infelizmente, poucos estudos existem estimando a largura média da “zona de efeito da estrada” (Reijnen et al. 1995; Forman 2000).

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Para estimar o efeito das estradas sobre o bioma Caatinga, um mapa das principais estradas da região foi digitalizado. Ao longo deste sistema de estradas, simulações foram feitas utilizando-se como largura média da “zona do efeito da estrada” as seguintes distâncias: 1, 3, 5, 7 e 10 km. A área total do impacto para cada simulação foi calculada e adicionada à estimativa baseada somente no mapa do Projeto Radambrasil. Áreas de sobreposição entre as duas estimativas foram adicionadas somente uma vez. Estas simulações foram feitas utilizando o Xtools, ferramenta do Arcview (ESRI 1998). O cálculo das áreas foi realizado utilizado o script

“calc_area”, que deve ser utilizado com a projeção “Equal_Area Cylindrical.

Resultados

Utilizando somente o mapa do Projeto Radambrasil (1993), estimou-se que a área coberta por atividades agrícolas no bioma é de 201.786 km2, o que corresponde a 27,47% do limite da Caatinga. Esta área modificada se estende por praticamente toda a Caatinga (Figura 1).

Os resultados das simulações feitas a partir da rede de estradas principais que existe na região estão apresentados na Figura 2. A área de impacto das estradas cresce substancialmente de acordo com a largura média adotada para a “zona de efeito da estrada”. Assim, com largura de 1 km, a área adicionada foi de 20.950 km2; com 3 km, foi de 60.033 km2; com de 5 km, foi de 94.152 mm2; com 7 km, foi de 131.044 Km2; e com 10 km, foi de 177.778 km2. Assim, dependendo do da largura adotada, a área alterada pelo homem no bioma da Caatinga variará de 222.736 km2 (30,3%) a 379.564 km2 (51,67%).

Discussão e Recomendações

Independente da estimativa adotada, uma importante parcela do bioma Caatinga foi bastante modificada pelas atividades humanas. Algumas destas áreas previamente ocupadas pela agricultura possuem grande risco de desertificação, exigindo ações urgentes de restauração da vegetação original (Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, 1998).

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alterada pelas atividades humanas é superior aos 28% estimados através do mapa produzido pelo IBGE (1993) e uma análise do impacto causado pelo sistema de estradas certamente adiciona informações importantes para uma estimativa mais acurada. O nó crítico desta estimativa está na determinação de uma largura média da “zona de impacto de estrada” adequada para a região, pois há poucos estudos sobre este assunto no mundo (Forman, 2000). Um estudo-piloto (Santos 2000) realizado na região da caatinga nos arredores de Xingó pode ajudar na escolha de uma largura média mais adequada à região. Este autor estudou o efeito das estradas na paisagem de uma área de 283.178,8 ha, e concluiu que o impacto se estende em média por até 7 km. Esta conclusão foi baseada em estudos de imagens de satélite da região para determinar a distribuição dos remanescentes de caatinga na paisagem. Santos (2000) descobriu que a faixa de 7 km ao longo das estradas continha apenas 10% da cobertura vegetal e que todos os remanescentes de caatinga localizados nesta faixa eram pequenos (<200 ha) e isolados, portanto ecologicamente inviáveis.

Se adotarmos a largura média da “zona de impacto da estrada” de 7 km como válida para todo o bioma da Caatinga, a área total alterada pelo homem na região será de 332.830 km2 , ou seja, 45.32% da região (Figura 3). Este valor coloca a Caatinga como um dos biomas mais modificados pelo homem no Brasil, sendo ultrapassado apenas pela Floresta Atlântica e Cerrado.

O mapa com as áreas com baixo impacto na Caatinga (Fig. 3) se parece com um arquipélago, composto por "ilhas" de diferentes tamanhos, cercados por uma rede intricada de áreas alteradas. No total, são 202 "ilhas" de baixo impacto. A área destas "ilhas" varia de 0,00002 km2 até 23.926,63 km2 (média de 1.988, 35 km2 e desvio-padrão de 4.026,52). A grande maioria destes polígonos (31,19%) não é maior do que 50 km2 e apenas 9 "ilhas" possuem área igual ou maior do que 10.000 km2 (Figura 4). Com base no mapa que prediz realisticamente a distribuição da área alterada pelo homem na região da Caatinga (Figura 3), as seguintes recomendações podem ser feitas:

•Novas unidades de conservação devem ser criadas no centro das grandes áreas nucleares de vegetação original ainda existentes entre as áreas alteradas. Isto garantiria uma proteção maior para estas áreas e um custo menor de fiscalização (Peres & Terborgh, 1995);

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•Pelo menos uma grande unidade de conservação de tamanho apropriado (com no mínimo 250.000 há de área) deve ser criada em cada uma das "ilhas" de baixo impacto. Naturalmente, estas reservas devem complementar a representatividade ambiental do sistema de unidades de conservação atualmente existente (Tabarelli et al., 2000). •Estratégias devem ser desenvolvidas para utilizar de forma eficiente, para fins econômicos, as áreas do bioma Caatinga já alteradas, evitando assim pressões sobre áreas ainda pouco alteradas.

Bibliografia

Andrade-Lima, D. 1982. The caatingas dominium. Rev. Bras. Bot. 4: 149-153. ESRI, 1998.Arcview GIS 3.1. ESRI, United States.

Ferri, M.G. 1980. A vegetação brasileira. EDUSP, São Paulo.

Formam, R. T. T. 1995. Land mosaics: the ecology of landscapes and regions. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom.

Formam, R. T. T. 2000. Estimate of the area affected ecologically by the road system in the United States. Conservation Biology 14(1):31-35.

Garda, E. C. 1996. Atlas do meio ambiente do Brasil. Editora Terra Viva, Brasília. Heyer, R. H. 1988. On frog distribution patterns east of the Andes. In P. E. Vanzolini &

R. H. Heyer (eds.), Proceedings of a Workshop on Neotropical Distri bution Patterns. Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro, Brasil. pp. 245-273.

IBGE, 1993. Mapa de vegetação do Brasil. IBGE, Rio de Janeiro.

Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, 1998. Desertificação: caracterização e impactos.

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Reijnen, M. J. S. M., G. Veenbaas, & R. P. B. Foppen. 1995. Predicting the effects of motorway traffic on breeding bird populations. Ministry of Transport and Public Works, Delft, The Netherlands.

Rodal, 1992. Fitossociologia da vegetação arbustivo-arbórea em quatro áreas de caatinga em Pernambuco. Tese de doutorado. Campinas: Universidade de Campinas.

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Sampaio, E.V.S.B. 1995. Overview of the Brazilian caatinga. pp. 35-58. In Bullock, S.H., Mooney, H.A. & Medina, E. (eds.), Seasonally dry forests. Cambridge University Press, London.

Santos, A. M. M. 2000. Ação antrópica e estratégia de conservação da Caatinga na região de Xingó- Brasil. Monografia, Curso de Bacharelado em Ciências Biológicas, Universidade Federal de Pernambuco.

Silva, J. M. C. & D. C. Oren. 1997. Geographic variation and conservation of the Moustached Woodcreeper (Xiphocolaptes falcirostris), na endemic and threatened species of northeastern Brazil. Bird Conservation International 7: 263-274.

Tabarelli, M; Silva, J. M. C.; Santos, A. M. M. 2000. Análise de representatividade das unidades de conservação de uso direto e indireto no bioma Caatinga. Documento Temático, Seminário Biodiversidade da Caatinga (www.biodiversitas.org/caatinga). Trombulak, S. C. & Frissell, C. A. 2000. Review of ecological effects of roads on terrestrial and aquatic communities. Conservation Biology 14(1):18-30.

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Figura 1. As áreas em vermelho representam as áreas de atividade agrícola no bioma Caatinga. Baseado no mapa de vegetação do Brasil. IBGE (1993). Escala 1:5.000.000.

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Figura 2. Aumento da área alterada no bioma Caatinga a medida que se aumenta a largura média da "zona de efeito da estrada". Estes valores são adicionados aos 27,47% da região já alterados pel as atividades agrícolas.

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Figura 3. As áreas em vermelho representam as áreas alteradas no bioma Caatinga. Como áreas alteradas entende-se as áreas de atividade agrícola mais a “zona de efeito da estrada” (7 km) ao longo das principais rodovias do bioma Caatinga.

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Figura 4. Distribuição das "ilhas" de áreas de baixo impacto em categorias de tamanho no bioma da Caatinga. Note que a maioria das "ilhas" está na categoria de menor tamanho.

Referências

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