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Vidas cativas: uma biografia dos escravos envolvidos no plano de revolta de 1832 Campinas

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Academic year: 2021

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plano de revolta de 1832 – Campinas

Ricardo Figueiredo Pirola Mestrando UNICAMP

No ano de 1832 foi descoberto em Campinas um plano de revolta escrava, envolvendo quinze grandes propriedades. Durante vários meses os cativos conspiraram para matar os brancos e tornarem-se livres. Partindo, então, desse plano de revolta, a nossa apresentação pretende discutir pontos de coesão e conflito na comunidade escrava. Formariam, os escravos, uma comunidade homogênea pelo simples fato de todos experimentarem a mesma condição cativa? Ou, essa “comunidade escrava” era rachada por diferenças de origem? Ou, ainda, a conquista de um casamento e a ocupação de uma tarefa especializada (como a de feitor, tropeiro) eram suficientes para formar uma comunidade distinta na senzala e avessa a revoltas coletivas?

Para tentar trabalhar essas questões apresentarei uma biografia coletiva dos 32 escravos indiciados no plano de revolta, procurando ressaltar aspectos como a origem desses cativos, as relações de parentesco, a data de chegada na cidade, as ocupações exercidas nas fazendas, etc. Utilizo basicamente cinco tipos de fontes: 1) O processo-crime de 1832; 2) O censos populacionais da vila; 3) Os registros de casamento escravo; 4) Os registros de batismo escravo; 5) Inventários post-mortem. A minha fala buscará mostrar alguns dados encontrados a partir da análise desses documentos.

O projeto vem alcançando interessantes resultados. Já foi possível identificar vários aspectos da vida dos revoltosos e dos escravos moradores da cidade de Campinas ao longo das três primeiras décadas do século XIX. Conseguimos também alguns dados sobre a relação crioulo/africano para o começo dos anos de 1830. A historiografia tem mostrado que principalmente na Bahia e Rio de Janeiro a relação entre os escravos nascidos no Brasil e os cativos provenientes da África não era muito amistosa – ver principalmente os trabalhos de João Jose Reis “Rebelião escrava no Brasil”e Manolo Florentino e Jose Roberto Góes “A paz das senzalas”1. Segundo essa

1 Florentino, M. Góes, J.R., A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro – 1790-1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. Reis, João Jose, Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos males, 1835. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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bibliografia os dois grupos de escravos (crioulos e africanos) não se misturavam nem em tempos de paz, nem em momentos de revoltas coletivas – os escravos crioulos procuravam se casar com outros escravos crioulos, enquanto que os africanos também tendiam a se casarem com outros africanos; já em momentos de insurreições coletivas, os africanos não participavam dos planos de revoltas de crioulos e estes não entravam nos levantes dos africanos.

Os dados que tenho encontrado em Campinas, entretanto, apresentam características um pouco diferentes destas do Rio de Janeiro e Bahia. Pelo menos em tempos de revoltas coletivas, os escravos crioulos e africanos do velho oeste paulista acabaram lutando lado a lado. Segundo o processo-crime instaurado para investigar a trama dos revoltosos, a grande maioria dos envolvidos era de africanos – 85% de africanos e 15% de crioulos. Porém, o que a primeira vista parece mostrar uma certa rivalidade entre estes dois grupos, toma outra feição quando analisamos a porcentagem de crioulos e africanos existentes nas fazendas envolvidas na trama.

O censo populacional de 1829 mostra que as quinze fazendas envolvidas na insurreição possuíam em média 77% de africanos e 23% de crioulos. Quando separamos os crioulos adultos das crianças, percebemos que os crioulos adultos (aqueles com 15 anos ou mais) não chegam a 5% do total – importante notar que no plano de revolta foram identificados apenas crioulos adultos. Isto nos leva a perceber que na verdade os 15% de escravos nascidos no Brasil envolvidos no plano de insurreição é um número bastante alto. Assim, diferentemente de outras regiões, Campinas não apresenta uma forte tensão entre crioulos e africanos, pelo menos em momentos de rebeldia coletiva – um estudo dos padrões de casamento escravo nessas quinze propriedades talvez nos ajudem a entender a relação dos dois grupos em momentos de paz nas senzalas.

Outro resultado encontrado por nossa pesquisa relaciona-se com a origem dos africanos que vieram para Campinas ao longo das três primeiras décadas do século XIX. A partir da analise dos inventários post-mortem abertos entre os anos de 1800-1835 conseguimos identificar a porcentagem de certos grupos de africanos na região. Segundo a tabela 1, a grande maioria dos africanos era proveniente do centro-oeste da África. O número de escravos que vieram dessa região decaiu ao longo do tempo, porém, sempre se manteve hegemônico. Os cativos provenientes da África Ocidental, majoritários na Bahia, neste período, nunca chegaram a 10% em Campinas. Já os africanos originários da África Oriental apresentam seus números aumentando ao longo do período. Sem representantes na primeira década do século XIX, passaram a significar 3,9% dos escravos entre 1811-1820, 4,4% entre 1821-1830 e 7,9% entre

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1831-1835. Este aumento de cativos da África Oriental possivelmente esta ligado a pressões internacionais para a abolição do tráfico de escravos e a uma maior fiscalização na costa centro-oeste africana, levando os traficantes a irem mais longe em busca de escravos2.

Tabela 1

Porcentagens das Nações Africanas em Campinas 1800 - 1835

Inventários Censo 1801 1800-1810 1811-1820 1821-1830 1831-1835 África Ocidental 2,4 8,8 5,9 4,4 7,9 Centro-Oeste Africano 96,9 91,0 89,8 87,6 67,2 Congo Norte 6,6 23,5 10,5 50,0 45,2 Norte Angola 17,8 35,2 17,7 15,5 16,4 Sul Angola 72,5 32,3 61,6 22,1 5,6 África Oriental 0,0 0,0 3,9 4,4 7,9 Desconhecido 0,7 0,0 0,7 3,7 16,9

Fonte: Censo populacional de 1801 e Inventários de Campinas

Outra informação apresentada pela tabela 1 é a divisão da região do centro-oeste africano em Congo Norte, Norte de Angola e Sul de Angola. Apesar das variações dos dados podemos notar que os escravos provenientes do Congo Norte aumentaram sua presença em Campinas, desde a primeira década do século XIX até os anos de 1831-1835. Já os cativos vindos do Sul de Angola decaíram ao longo do período – se nos primeiros dez anos eram maioria entre os cativos do centro-oeste africano, acabaram perdendo espaço ao longo do tempo. Finalmente os escravos do

2 A divisão África Ocidental, Centro-Oeste Africano e África Oriental foi baseada no livro de Mary Karasch, A vida dos escravos no Rio de Janeiro. Segundo a autora África Ocidental representa os africanos vindos da atual Gana, Benin, Nigéria, Camarões e Togo. O Centro-Oeste Africano estava dividido em três partes: Congo Norte – desde o Cabo Lopes até a foz do rio Zaire (Congo); Norte de Angola compreendia a cidade de Luanda e seu interior, o vale do rio Cuanza e a região entre esse rio e Caçanje; Sul de Angola englobava o porto de Benguela e seu interior. África Oriental representa o que são hoje o sul da Tanzânia, o norte de Moçambique, Malauí e o nordeste de Zâmbia. Karasch, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro(1808 – 1850); traduçao Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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Norte de Angola, que entre 1800-1810 representavam por volta de 30% da população do centro-oeste africano, passam nas décadas seguintes representarem perto de 17% do total.

A comparação desses dados com a origem dos africanos envolvidos no plano de revolta de 1832 nos tem revelado interessantes informações. A maioria dos indiciados na tentativa de insurreição era proveniente do centro-oeste africano, mais especificamente da região denominada congo norte (87,5% eram originários do centro-oeste africano, destes 95% vinham do congo norte), assim como a grande parte dos escravos existentes nas fazendas de Campinas, no começo dos anos 1830. O que nos parece significativo, entretanto, são as ausências de certos grupos de escravos africanos neste plano de revolta. Os escravos caracterizados como Benguelas, por exemplo, mesmo representando uma considerável proporção em Campinas no começo da década de 1830, não tiverem nenhum participante no plano, assim como os cativos provenientes da África ocidental. O inventário de Floriano de Camargo Penteado, aberto em 1838, vem reforçar esses dados apresentados acima. Em suas três propriedades os escravos Benguelas representavam 14,3% dos africanos, porém, nenhum deles colaborou na revolta3.

Outros dados identificados pela nossa pesquisa relacionam-se com o estado civil e o tempo de permanência dos escravos participantes do plano de revolta de 1832 nas fazenda da região. Partindo do censo populacional da cidade e dos registros de batismo e casamento escravo da matriz da Vila de São Carlos, passamos a procurar os 31 escravos indiciados no processo crime. Desta busca encontramos dados e informações para 22 desses indivíduos. Notamos que a maioria deles estava na categoria de solteiros, quando da descoberta do movimento, 14 ou 63,3% do total. Mas verificamos, também, que o número de casados não era nenhum pouco desprezível, 8 ou 36,7%. Quando comparamos a porcentagem dos casados envolvidos com o movimento (que são todos homens), com a porcentagem dos homens casados nas 15 fazendas envolvidas na revolta, nos percebemos que o número de 36,7% é bastante alto. As 15 fazendas possuíam uma média de 22,5% de homens escravos casados. Essa porcentagem de um pouco mais de vinte por cento de homens escravos casados, também, é encontrada para a população da Vila de São Carlos, como um todo. No ano de 1829, por exemplo, o número de homens cativos casados estava por volta de 23%4. Dessa forma, a porcentagem de quase 40% de homens escravos casados, dentro de uma revolta, é extremamente alta.

3 Inventários de Campinas – 1a. Ofício – cx 82 – no. 1941 – Centro de Memória da Unicamp. 4 Slenes, Robert W. Na senzala, uma flor., op. cit.

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Com as listas dos censos populacionais da primeira metade do século XIX foi possível identificar também, há quanto tempo cada uma das pessoas indiciadas pela participação no plano de revolta de 1832 convivia nas fazendas em que foi apresentada no processo. Para isso localizamos esses indivíduos no censo de 1829 e retornamos no tempo até o momento em que eles desapareciam das listas. Com isso conseguimos perceber que a grande maioria dos escravos que participaram do plano de revolta convivia há mais de 10 anos na mesma propriedade. Das 21 pessoas com o tempo de permanência nas fazendas identificado, 12 foram compradas entre os anos de 1818 e 1822 e 4 escravos nasceram e 2 foram comprados em anos anteriores a 1817. Quanto às outras três pessoas, 2 foram adquiridas pelos seus senhores no ano de 1825 e apenas 1 pessoa em 1829. Esses números são muito semelhantes quando isolamos apenas os líderes da revolta.

Dos 15 capitães da revolta, conseguimos captar dados sobre o tempo de permanência em suas fazendas para 6 deles. Assim, 3 haviam sido comprados entre 1818 e 1822, 1 em 1819, 1 em 1817 e outro em 1829. Isto nos mostra que o tempo de convivência dos capitães nas fazendas é muito próximo ao tempo de convivência dos demais, mas que por alguns motivos estes acabaram se tornando lideranças importantes do movimento. Mas esses números acabam nos mostrando também que os escravos recém chegados às fazendas não estavam trabalhando na elaboração do plano de revolta. Isto nos parece ser resultado da pouca confiança que esses recém chegados transpareciam aos demais cativos. Com relação ao estado civil desses capitães, conseguimos informações para 6 deles. Quatro líderes eram casados e 2 solteiros, ou seja, uma porcentagem de casados bem maior do que a porcentagem de casados para todo o movimento e também superior à porcentagem de casados para toda a população escrava daquelas 15 fazendas.

Isto tudo acaba nos revelando que existia uma parcela significativa de pessoas envolvidas com o movimento de rebelião escrava que já haviam conseguido certas conquistas de melhoria de vida dentro do cativeiro. Como vimos acima, as altas taxas de concentração de homens escravos dificultava incrivelmente a realização de casamentos e conseqüentemente a formação de famílias. Mas mesmo assim, nos encontramos uma taxa de 36% de escravos casados para todo o movimento e de quase 67% para os líderes, arriscando serem vendidos e, portanto, de ficarem separados de suas famílias, como punição por participarem do plano de revolta. Encontramos também um número significativo de escravos com bastante tempo de permanência na mesma fazenda. Isto poderia significar, portanto, maiores chances de alcançar certos benefícios dentro do cativeiro, como um cargo de maior especialização

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(que é identificado como menos penoso que o trabalho na roça), ou o acúmulo de um certo pecúlio material ou até mesmo a confiança de seus senhores, tudo sendo arriscado pela participação no movimento de rebelião.

Isto nos leva a concluir que, pelo menos para a revolta de 1832 na Vila de São Carlos, todas essas conquistas dos cativos não provocaram uma completa desmobilização na senzala, como a bibliografia acaba sugerindo5. Ao contrário, esses

dados vêm nos mostrar um pouco mais da complexidade dos projetos de vida desses cativos. Projetos que, em muitos casos, conciliavam a formação de famílias escravas e revoltas coletivas na Vila.

5 Ver, por exemplo, Mattos, H.M. Das cores do silencio; Florentino, M. Góes, J.R. A paz das senzalas; Reis, João Jose, “Quilombos e revoltas escravas no Brasil”, Revista USP, n.28, ano 1995-1996.

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