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A SOCIOLOGIA COMO FERRAMENTA PARA COMPREENDERMOS O MUNDO NO QUAL VIVEMOS

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UNID

ADE

V

PARA COMPREENDERMOS O

MUNDO NO QUAL VIVEMOS

Objetivos de Aprendizagem

■ Discutir as razões pelas quais a Sociologia é um campo perito pelo qual podemos construir análises científicas acerca da sociedade em que vivemos, considerando metodologias de pesquisa específicas. ■ Apresentar a função da Sociologia no que concerne à possibilidade

de construir uma visão crítica da sociedade.

■ Trabalhar a conceituação de Imaginação Sociológica como mecanismo importante para desconstruirmos e descortinarmos a realidade social, para, assim, compreendê-la de modo mais dinâmico e complexo.

■ Tratar das viabilidades e das impossibilidades de pensarmos autores e teorias clássicas, já estudados, na contemporaneidade.

■ Trabalhar alguns temas atuais ligados ao fazer sociológico, mostrando, assim, a potencialidade da Sociologia para a compreensão dos dilemas que nos cercam.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A legitimidade da Sociologia enquanto campo científico

■ O despertar da criticidade por meio da Sociologia: desafios atrelados à consolidação desta área do conhecimento no ensino médio ■ A Imaginação Sociológica como perspectiva do “fazer sociológico” ■ Sociologia e contemporaneidade: o desafio de pensarmos os

clássicos da Sociologia na atualidade

■ Temas atuais de Sociologia: identidades, direitos humanos, questões raciais e desigualdades sociais

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INTRODUÇÃO

A Sociologia, como a estudamos até aqui, nasce em um contexto complexo, consi-derando mudanças histórico-estruturais: tanto de paradigmas científicos, quanto de transformações sócio-políticas ocorridas na Europa desde o século XV, agudi-zando-se nos séculos XVIII e XIX. Pensadores clássicos deram à Sociologia uma ossatura, uma densidade e uma representatividade de campo científico necessá-rias à compreensão de questões e problemas intrínsecos à sociedade moderna na qual eles viveram. Já tivemos a oportunidade de analisar estes pensadores e as suas principais teorias e, agora, voltaremos a nossa atenção para os dilemas cir-cunscritos à Sociologia na contemporaneidade. Deste modo, trataremos, nesta unidade, da legitimidade dela enquanto campo científico apto a promover expli-cações acerca do mundo em que vivemos. Conectado a isso, entenderemos por quais razões a ela auxilia no processo de despertar, no alunado, dimensões de criticidade, dinamizando, assim, a visão naturalizada – o senso comum – que eles podem conservar sobre a vida em sociedade.

Nessa direção, trabalharemos com a conceituação de Imaginação Sociológica, ratificando que esta pode funcionar como um mecanismo importante no pro-cesso de desconstrução da realidade social e, dessa forma, compreendê-la mais dinamicamente e complexamente. Ao aderirmos à Imaginação Sociológica, tam-bém teremos maiores condições de tratar das viabilidades e impossibilidades de pensarmos autores e teorias clássicas, que já estudamos, na contemporaneidade. Nesta unidade, entenderemos esse processo de modo exemplificativo, apresen-tando, assim, trabalhos que visam a utilizar perspectivas sociológicas canônicas, ou então, reelaborá-las no sentido de as tornar inteligíveis e dialógicas aos con-textos atuais.

Por fim, ainda, nesta unidade, apresentaremos temas contemporâneos atrelados à Sociologia e ao fazer sociológico, evidenciando, desta maneira, a potencialidade deste campo disciplinar para a compreensão dos dilemas atuais que nos cercam, a partir do momento que eles são abordados segundo dadas métricas sociológicas de constituição do conhecimento. Bom estudo a todos!

Introdução Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

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Repr odução pr oibida. A rt. 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

A LEGITIMIDADE DA SOCIOLOGIA ENQUANTO

CAMPO CIENTÍFICO

Como estudamos em nossa Unidade 1, foram as diversas transformações eco-nômicas, políticas, sociais e culturais sucedidas na Europa depois do século XVIII – especialmente o Renascimento, o Iluminismo, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa – que proporcionaram mudanças expressivas na vida da sociedade ocidental, principalmente, se pensarmos nas formas societais de produção de conhecimento e de reprodução material-econômica de existência humana anteriores à Modernidade; estas formas precedentes, vistas também como mais “arcaicas” eram, por sua vez, fundamentadas nas tradições, na religião, na estratificação social, ou então, em estruturas políticas pouco afetas à participação popular. Neste ambiente, surge a Sociologia, no final do século XIX, como uma possibilidade de forjar pesquisas e estudos sociais de modo cientificamente dis-ruptivo, ou seja, rompendo com cátedras ligadas às Ciências Humanas – Filosofia e Psicologia – que não tinham, naquele momento, a caracterização de científi-cas. Nesta empreitada, devemos destacar as teorizações de Auguste Comte sobre a necessidade de construirmos um campo científico do conhecimento capaz de responder aos dilemas da Modernidade, imersa no sistema capitalista.

Assim, a Sociologia institui uma métrica distinta para pensarmos a reali-dade social. Segundo Émile Durkheim, diferentemente da Filosofia de sua época (marcada pela busca de verdades em um terreno mais abstrato e ideacional) e da psicologia do século XIX (focada na subjetividade humana e nos dilemas do indi-víduo, do individual ou da individualidade), a Sociologia encara a produção do conhecimento de modo: 1) a se orientar metodologicamente de acordo com princí-pios científicos de produção de conhecimento, como na perspectiva durkheimiana de tratamento dos fatos sociais, de neutralidade, objetividade ou exterioridade; 2) a privilegiar o conjunto social, os agrupamentos humanos, as estruturas sociais, as instituições políticas, os sistemas econômicos, ou seja, tudo aquilo que tende à coletividade em detrimento de aspectos mais restritos, imateriais, individuais ou abstratos. Exemplificamos esta questão, utilizando a perspectiva metodológica durkheimiana. No entanto, como vimos, anteriormente, nas Unidades 2, 3 e 4 deste livro, todos os clássicos pensadores da Sociologia resguardavam:

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A Legitimidade da Sociologia Enquanto Campo Científico Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

1. Densas percepções cientifico-metodológicas acerca da compreensão da realidade segundo as suas teorias.

2. Desígnios muito bem definidos acerca do emprego de suas ideais no pro-cesso de transformação, revolucionário ou reformista, da realidade social. Essa nova maneira de pensar a realidade social propõe a desvinculação com os modos transcendentais, mitológicos, subjetivos e tradicionais de produção de conhecimento sobre a vida e a história/trajetória humana: tem algo mais repre-sentativo disso do que a proposição do materialismo histórico-dialético marxiano em contraposição ao idealismo hegeliano (perspectivas distintas de compreensão dos fenômenos sociais)? Ou ainda, a conceituação ontológica de trabalho dada por Karl Marx, que explica a fundação do ser humano enquanto ser social? Nesse sentido, podemos afirmar que a Sociologia se diferencia das outras ciências huma-nas, enquanto campo racionalizado e sistemático de compreensão da sociedade.

Enquanto muitas das explicações enquadradas dentro da Filosofia ancoram-se em especulações individualizadas – por vezes classificadas de análises de “gabinete” – calcadas, na maioria das vezes, em observações casuais de determinados fatos, estu-dos e pesquisas sociológicas consideram métoestu-dos estatísticos, observações empíricas e uma “relativa” neutralidade metodológica. E isto não é um postulado residual do positivismo. Karl Marx, pensador distante do positivismo e, muitas vezes, crítico deste, na feitura de sua grande obra O Capital, recorreu a dezenas de pesquisas esta-tístico-econômicas para compreender o sistema capitalista em sua essência.

Assim como as demais ciências, a Sociologia por si só não transforma o mundo. Nesse sentido, são as operacionalizações dos conhecimentos e dos sabe-res que dela derivam que realizam esse processo. Ao pensarmos dessa forma, observamos que a produção sociológica pode fomentar positivamente: (1) a “emancipação humana” por meio da ampliação da criticidade dos sujeitos; (2) a melhor compreensão dos indivíduos sobre si mesmos, para, assim, alcançarem maior liberdade política e bem-estar social. Negativamente, a Sociologia pode auxiliar na orientação da ordem social (tal como postulava Auguste Comte no lema positivista “ordem e progresso”); ou seja, os seus produtos, em termos de conhecimento, podem ser empregados no aperfeiçoamento das estruturas de dominação do Estado ou das elites em detrimento da coletividade mais exten-siva e dos valores democráticos com o intento de manutenção do status quo, por

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Repr odução pr oibida. A rt. 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

vezes, lócus de processos históricos de desigualdade social, de exclusão de mino-rias e de segregação de dados agrupamentos sociais.

Sebastião Vila Nova (1995), em Introdução à Sociologia, nos mostra que a repre-sentação social dela tem, dentro do senso comum, significados muito peculiares e demasiadamente distantes daqueles que os sociólogos e estudiosos empregam em suas atividades. Para Vila Nova (1995), o senso comum: (1) pode promover explicações coerentes sobre a realidade social; (2) não deve ser descartado/aban-donado, afinal, integra a sociedade e, por conta disso, deve ser objeto de estudo da Sociologia e de outros campos das Ciências Humanas. Todavia o pensador pernambucano acredita que a Sociologia é mais confiável no processo de com-preensão da realidade social por seguir métodos de investigação mais coerentes, empíricos, testados e legitimados (VILA NOVA, 1995).

Rompendo com o espectro do senso comum e das visões relativamente vazias do que é a Sociologia, Vila Nova (1995) circunscreve a definição nos termos de “ciência”. Esse procedimento é eficiente pois, segundo a nossa visão, a caracteriza como: (1) um modo de produção de conhecimento que possui especificidades metodológicas, temáticas e de objeto; (2) um campo do conhecimento distinto dos demais existentes e, por vezes, representacionalmente mais consolidados. Dessa forma, o pensador brasileiro, concomitantemente, delimita a Sociologia como ciência e se distancia das visões não muito coerentes imersas no senso comum.

Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da

eco-nomia política é a obra de Karl Marx que apresenta, de modo não muito siste-mático justamente por ser um manuscrito, os estudos empíricos e estatísticos utilizados pelo pensador alemão no processo de feitura de sua grande obra,

O Capital. Nesse livro, temos acesso ao laboratório de estudo de Marx e

pode-mos observar as áreas do conhecimento que ele estudou para compreender o sistema capitalista e confeccionar o seu método de trabalho.

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A Legitimidade da Sociologia Enquanto Campo Científico Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

Na visão de Sebastião Vila Nova (1995), a ciência é um espaço de desen-volvimento de determinadas habilidades e faculdades humanas que precisa ser inteligível e apta de transmissão entre os indivíduos; para isso, ela precisa engen-drar, em seu processo de construção e perpetuação, conceitos, proposições e teorias que resguardem “coerência e harmonia”, considerando, sistematicamente, bases de verificação empíricas.

Além disso, a ciência diferencia-se

de outras formas de conhecimento por

conta da métrica observacional que ela

postula e obedece, a saber: a

observa-ção metódica, ordenada e sistematizada

dos fatos para, com isso, propor e

alcan-çar níveis aceitáveis de generalizações

(realização e aplicação de metodologias

indutivas, tendo como consequência

proposições, conclusões ou hipóteses

derivadas disso, ou seja, quistas como

dedutivas).

Sebastião Vila Nova mostra como a Sociologia carrega essas determinações definidoras da ciência, aliás, ele avança ao discutir a questão da neutralidade científica dentro dela. Para ele, há a valorização da neutralidade no interior dessa área, como necessária para interpretarmos a realidade em que vivemos. Segundo ele, isso garante à Sociologia o compromisso com a objetividade que a observa-ção e a análise dos fatos e dos fenômenos podem alcançar. Assim, a busca pela neutralidade ajuda na transitoriedade do conhecimento científico sociológico, afinal, ele poderá ser acessado em diferentes espaços e situações de modo a res-guardar a legitimidade determinada constituída pelo engendramento/uso de procedimentos científicos em seu processo de edificação.

É importante estudar essas ideias, pois elas vão ao encontro do nosso intento de, aqui, legitimar embasadamente a Sociologia como um campo científico produ-tor de conhecimentos peritos que ajudam no processo científico de compreensão da realidade social, auxiliando, consequentemente, o processo de desenvolvi-mento mais orientado e propositivo da humanidade. Nessa direção, a Sociologia

Figura 1 – Sebastião Vila Nova Fonte: Gaspar (2008, on-line)1.

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Repr odução pr oibida. A rt. 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

não é senso comum, muito menos determinadas “opiniões” heurísticas veicu-ladas por um grupo de pensadores gabaritados e bem formados. A sua feitura engendra métodos rigorosos, como outras ciências, e é por isso que ela merece respeito dentro do contexto de produção no qual estamos, atualmente, imersos.

O DESPERTAR DA CRITICIDADE POR MEIO DA

SOCIOLOGIA: DESAFIOS ATRELADOS À CONSOLIDAÇÃO

DESTA ÁREA DO CONHECIMENTO NO ENSINO MÉDIO

Quando entramos em contato com os documentos educacionais que englobam a educação brasileira – tais como a LDB de 1996 – e com os seus comentadores, sempre nos deparamos com o termo criticidade. A presença dessa expressão se acentua ainda mais quando buscamos compreender teorias educacionais – pia-getianas, por exemplo – que versam sobre a função e os desígnios da educação escolar. Mas o que significa criticidade? Qual a função dela na contemporanei-dade? Por quais razões a escola é lócus privilegiado à promoção da criticicontemporanei-dade? Como a Sociologia pode estar conectada com ela, no sentido de promovê-la? Responder essas questões é o objetivo deste tópico de nossa Unidade 5.

A criticidade simboliza, antes de tudo, a capacidade de os indivíduos, no nosso caso, os educandos, de compreender complexamente a realidade na qual eles estão inseridos, afastando-se assim, do senso comum, em busca da percep-ção/interpretação mais dinâmica e coerente do real. Ou seja, ser crítico é ser analítico e, mais do que isso, realizar a análise do real que considere os diversos problemas, questões e imperativos que inflexionam a constituição e o desenvol-vimento de dado fenômeno. É olhar a realidade de maneira “caleidoscópica” e, com isso, emitir em relação a ela uma opinião fundamentada em ideias e fatos dialógicos, inteligíveis e, em certo sentido, distantes de paixões, subjetividades, individualismos e generalizações (classistas/econômicos, religiosos, culturais, sociais e políticos).

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O Despertar da Criticidade por Meio da Sociologia Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

Desenvolver a criticidade, na contemporaneidade, é necessário para esta-belecermos escolhas racionais e densamente ponderadas durante as nossas existências individuais; ou seja, que medem as consequências de uma ação em curto, médio e longo prazo. Esse procedimento vai desde a escolha do voto em um candidato político até a compra de uma mercadoria pirata, falsificada ou contrabandeada. Um sujeito crítico pensa, dessa forma, caleidoscopicamente no impacto de suas ações e, por conta disso, a orienta de modo a respeitar os limites instituídos pelas regras jurídicas e éticas circunscritas em nossa socie-dade. Atualmente, isso se potencializa ainda mais por conta do: (1) fenômeno da globalização e a interligação físico-ambiental, comunicacional e econômica do planeta; (2) da consolidação do sistema capitalista e, consequentemente, da ampliação das desigualdades sociais, da pobreza e do desemprego em nível global; (3) da constituição da democracia em vários países e da correlata emer-gência de segmentos sociais, grupos imersos no léxico das “diversidades” e das minorias culturais que interpelam o poder, o acesso aos direitos e à cidadania plena em seus países; (4) e dos problemas atrelados às questões ambientais que abalam o mundo, tendo sempre como prisma orientador o fato de que a preser-vação do meio ambiente precisa ser global, pois uma ação no hemisfério sul do planeta pode refletir, anos depois, no hemisfério norte.

Você sabe o que é um caleidoscópio? É um instrumento óptico constituído por um tubo de metal com fragmentos de vidros coloridos. Por meio da luz externa refletida em espelhos inclinados em seu interior, ele apresenta, a cada movimento, imagens e combinações variadas. Por isso, quando falamos no desenvolvimento de uma visão caleidoscópica atrelada à criticidade, intuí-mos para a capacidade do educando de observar um determinado fenôme-no social dinamicamente, fenôme-notando assim, que esse fenômefenôme-no se materializa de forma rígida e estanque, mas, ao analisá-lo considerando diversos fatores que o interpelam e o circunscrevem, há a possibilidade de estabelecermos em relação a ele diferentes “imagens”, leituras, hipóteses e definições.

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Repr odução pr oibida. A rt. 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

Ter criticidade dentro deste cenário contemporâneo não é uma tarefa fácil de ser alcançada, e é por isso que os indivíduos precisam de “ferramentas” para desenvolvê-la. Mas quais ferramentas são essas? A Sociologia é uma delas. Onde isso pode aconte-cer? Na escola. Mas para a primeira pergunta, é importante que o leitor observe, em termos de conteúdo, o último tópico desta unidade. A escola é, certamente, um lócus privilegiado de promoção da criticidade humana. Atualmente, é neste ambiente que o aluno, membro de uma sociedade mais ampla, diversa e complexa, entra em con-tato com conteúdos formais – selecionados e dispostos em nossas Bases Nacionais Comuns Curriculares – que o afastam do senso comum, direcionando, assim, o seu desenvolvimento intelectual de modo a engendrar, em seu interior, elementos pro-pulsores (conteúdos formais) da interpretação mais caleidoscópica da realidade.

É nesse diapasão que a Sociologia, assim como outras disciplinas, pode aju-dar, por meio de seus conteúdos e do processo de transmissão e assimilação destes, no processo de construção da criticidade dos educandos. É ao encon-tro disso que temos, atualmente, a Sociologia como disciplina obrigatória no ensino médio no Brasil.

A obrigatoriedade da Sociologia para alunos de ensino médio em todo o país atrela-se à constituição de uma ciência reflexiva, atrelada à conscientização e à compreensão mais profunda das relações humanas dadas, neste caso, pela presença de conteúdos peritos – edificados por meio de pesquisas científicas imersas nesse campo do conhecimento – transmitidos aos educados inscritos nessa fase da educação formal.

Em junho de 2008, após quase 40 anos, as disciplinas de Filosofia e Sociologia foram reintegradas ao currículo do ensino médio por meio da Lei n. 11.684 (como sabemos, a Sociologia havia sido retirada do currículo escolar em 1971 e substituída por Educação Moral e Cívica). Assim, tornou-se um imperativo o ensino da Sociologia. Os desafios dessa disciplina, enquanto respeitabilidade, questões metodológicas, formação de professores, conteúdos e consolidação no interior do ambiente escolar, é tema para outro livro didático. Até o momento, entendemos um dos motivos/justificativas de sua inserção na educação brasi-leira, especialmente, quando pensamos na ampliação da criticidade de nossos

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Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

educandos. Por hora, observemos os dispositivos legais que ensejaram a rein-serção da Sociologia no ensino médio de nosso país.

A seguir, podemos observar os documentos legais que instituem, aprovam e normatizam a Sociologia no ensino médio:

■ A Lei n. 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB) dispõe, em seu Art. 36, que o currículo do ensino médio observará, no disposto da Seção I deste Capítulo, especificamente, em seu § 1º, que “Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre [...] III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania” (BRASIL, 1996, on-line).

■ A Lei n. 11.684/2008 altera o Art. 36 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos cur-rículos do ensino médio.

A Câmara de Educação Básica aprovou parecer e resolução que tratam da inclusão obrigatória das disciplinas de Filosofia e Sociologia no currículo do Ensino Médio:

■ Parecer CNE/CEB n. 38/2006, aprovado em 7 de julho de 2006: inclu-são obrigatória das disciplinas de Filosofia e Sociologia no currículo do ensino médio.

■ Resolução CNE/CEB n. 4, de 16 de agosto de 2006: altera o Art. 10 da Resolução CNE/CEB n. 3/1998, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

■ Parecer CNE/CEB n. 22/2008, aprovado em 8 de outubro de 2008: consulta sobre a implementação das disciplinas Filosofia e Sociologia no currículo do ensino médio.

■ Resolução CNE/CEB n. 1, de 18 de maio de 2009: dispõe sobre a imple-mentação da Filosofia e da Sociologia no currículo do Ensino Médio, a partir da edição da Lei n. 11.684/2008, que alterou a Lei n. 9.394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

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A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA COMO PERSPECTIVA

DO “FAZER SOCIOLÓGICO”

Aprender a pensar sociologicamente – olhando – em outras palavras, de forma mais ampla – significa cultivar a imaginação. Estudar Sociologia não pode ser apenas um processo rotineiro de adquirir conhecimento. Um sociólogo é alguém que é capaz de se libertar das imediaticidades das circunstâncias pessoais e apresentar as coisas num contexto mais amplo. O trabalho sociológico daquilo que o autor norte-americano C. Wright Mills, numa frase famosa, chamou de imaginação sociológica (GIDDENS, 1988, p. 24-25).

Quando pensamos na noção de imaginação sociológica de Wright C. Mills, intuímos a possibilidade de colocarmos em prática aquilo que, anteriormente, nominamos de criticidade caleidoscópica. Sendo assim, ela exige que pense-mos de modos distanciado de nosso senso comum, de nossas rotinas familiares e de nossas vivências cotidianas. Vamos tratar esse dilema sociológico de modo exemplificativo e mais dinâmico? Peguemos o ato de tomar chá, ato corriqueiro e cotidiano que fazemos, ordinariamente, sem pensar nas implicações sociais, políticas, econômicas e culturais implícitas nele. Historicamente, o consumo de chá está associado a uma prática britânica que engendra pontualidade, pra-zer e hábitos alimentares. Todavia a história desta erva pode ser reportada à Antiguidade Chinesa (há 5.000 passados, no regime do Imperador Sheng Nong).

Outra dimensão atrelada ao consumo do chá liga-se ao fato de que o sujeito que o consome envolve-se em uma rede de relações sociais, econômicas e cul-turais. Quem consome chá em nosso país? Ricos, pobres, homens, mulheres, negros, brancos, orientais, ocidentais etc. Ou seja, esta é uma bebida capilarizada em nossa cultura. No entanto, o modo como cada grupo faz esse consumo varia, não é mesmo? Quem consome os chás mais caros, raros e provenientes de ervas mais sofisticadas e detentoras de poderes medicinais mais complexos/poten-tes? Veja que essa variabilidade, certamente, se dará por questões econômicas. Falando em questões econômicas, de onde vem o chá que consumimos? Quem os planta? Qual o impacto desse segmento econômico nos índices das atividades produtivas de nosso país? Se considerarmos que, ao consumir chá, também con-sumimos o açúcar, o adoçante, a xícara e a água. Podemos complexificar ainda mais essas pontuações, afinal, tais produtos possuem, assim como o chá, trajetórias

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A Imaginação Sociológica Como Perspectiva do “Fazer Sociológico” Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

históricas, econômicas, políticas e culturais inscritas em suas existências.

Atualmente, a produção mundial de chá está em 2,34 bilhões de quilogramas por ano. A Índia é o país que mais o produz no mundo, cerca de 850 milhões de qui-logramas por ano. A China, por sua vez, produz 22% da produção global de chá. A estes dois, temos também o protagonismo na produção desta mercadoria por meio da Argentina, do Sri Lanka, da Turquia, da Geórgia, do Quênia, da Indonésia e do Japão. Observando a distância entre esses países e as nações/mercados que conso-mem as suas produções de chás, notamos o impacto comercial e econômico que essa mercadoria causa no mundo. Produção, transporte, comercialização, distribuição, transações financeiras e impactos ambientais são dinâmicas envoltas na produção do chá em escala mundial. Obviamente, todos esses processos podem ser estuda-dos pela Sociologia dentro de um registro propositivo acerca do entendimento deles.

Em certo sentido, analisamos criticamente o consumo de chá e vimos as várias dimensões que envolvem a sua produção. Nesse sentido, vale indagar: o que fazemos com esse conjunto amplo de informações? Ora, ponderamos as nossas ações de modo a executá-las de modo mais consciente.

Por exemplo, quando, no supermercado, nos deparamos com um pacote de chá extremamente barato em comparação com os outros produtos semelhante-mente ali dispostos, devemos pensar por quais razões esse produto está com o preço, vertiginosamente, mais vantajoso. Assim, precisamos indagar: essa mer-cadoria está vencendo (perdendo a validade)? Foi produzida no Brasil e, por isso, não possui taxas/impostos de importação? A pessoa que produziu esse chá trabalhava em quais condições? É produto fruto de reforma agrária e, conse-quentemente, orgânico e inscrito no registro do desenvolvimento sustentável? Utilizaram agrotóxicos/defensivos em sua feitura e, consequentemente, amplia-ram a produção, dando vantagens comerciais? Ou então, ele pode ser um produto transgênico (modificado geneticamente em prol de melhoria do seu desempe-nho produtivo)? Há quanto tempo essa marca está no mercado? É produto de uma pequena empresa (local) ou multinacional (transnacional)?

Obviamente que, ao comprar uma mercadoria, não intuímos todos es-ses questionamentos; no entanto, se ao menos atentarmos para um ou dois deles, teremos condições de, aos poucos, entendermos as relações intrínsecas e os impactos gerados pelo simples consumo de uma mer-cadoria, nesse caso, considerada cotidiana.

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Repr odução pr oibida. A rt. 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

Foi Wright Mills, em 1960, que cunhou o conceito de imaginação sociológica. Este sociólogo, da tra-dição crítica estadunidense, pensou nesta conceituação como uma saída prática para os seus alunos par-ticiparem de movimentos sociais progressistas atrelados às liberdades sexuais, aos direitos civis e ao fim da Guerra com o Vietnã. 

Para Mills, o pensamento socio-lógico é uma prática criativa que daria sentido, ao sujeito, à relação que ele estabelece, cotidianamente, com a sociedade mais ampla que o cerca. Assim, institui-se a capacidade de os atores sociais conectarem:

1. As situações da realidade. 2. Os interesses em disputa. 3. As posições de mundo.

4. As questões contextuais e conjunturais amplas que os cercam (economia, cultura, política e instituições sociais).

Esse modo de pensar a realidade social leva, certamente, à percepção de que a sociedade não está determinadamente apresentada por um “acaso”. Ela é um constructo humano forjado e reforjado cotidianamente por meio de decisões e interesses.

Nessa direção, Mills dilata a possibilidade da criticidade caleidoscópica: os indivíduos comuns, não só os sociólogos, precisam empreender a imaginação sociológica. Todos, peritos ou não, devem compreender as conexões instituídas

Figura 2 - Wright Mills

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A Imaginação Sociológica Como Perspectiva do “Fazer Sociológico” Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

entre o (i) a vida cotidiana mais pessoal e imediata e (ii) a vida em sociedade que, por sua vez, determina a conformação dos sujeitos.

Mas como imaginar sociologicamente? Mills busca responder essa per-gunta de modo a resgatar posições metodológicas clássicas ligadas à fundação da Sociologia. Dessa forma, ele aponta que os indivíduos precisam desenvol-ver e exercitar a capacidade de analisar a sociedade de modo mais distanciado, neutro e exterior, se afastando, assim, de perspectivas fundadas unicamente em experiências privadas/particulares/pessoais e das preconcepções culturais (mui-tas vezes, propulsoras de preconceitos e discriminações).

Devemos destacar que, segundo Wright Mills, a efetivação da imaginação sociológica não se daria, unicamente, pelo aumento quantitativo de informações, saberes e conhecimentos que uma pessoa poderia engendrar em suas vidas coti-dianas ou acadêmicas, mas, sobretudo:

O que precisam, o que sentem precisar, é uma qualidade de espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a fim de perce-ber, com lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos (MILLS, 1982, p. 11). 

O uso da imaginação sociológica atrela-se à prerrogativa de que devemos com-preender o “sentido social e histórico” dos sujeitos imersos em sociedade e em um momento histórico no qual a sua existência e a sua vida, se manifestas, existem e estão em “potência”. Para Mills, segundo esse modo de despertar a criticidade, os sujeitos resguardam a possibilidade de entender o que ocorrem no mundo que os cercam e, assim, compreender o que incide latente ou tangencialmente em suas existências, unindo, como vimos no exemplo do consumo de chá, “os minús-culos pontos de cruzamento da biografia e da história, na sociedade” (MILLS, 1982, p. 14). Dessa forma, a imaginação sociológica caracteriza-se como um ins-trumental que empodera/confere poder aos atores sociais, oportunizando a eles um olhar que transcende a compreensão restrita/limitada/reduzida do compor-tamento humano; ou seja, viabiliza uma visão nova do mundo e das pessoas, mediada por uma lente mais alerta/potente do que aquela que é dada pelo olhar cotidiano e habitual.

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Repr odução pr oibida. A rt. 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

SOCIOLOGIA E CONTEMPORANEIDADE: O DESAFIO

DE PENSARMOS OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA NA

ATUALIDADE

Entender o uso de autores e ideais, no nosso caso, sociólogos e teorias sociológicas na atualidade, requer, anteriormente, uma discussão acerca da utilização destes em espaços que não são os de sua origem. Nesse caso, como pensar a presença das posições durkheimianas ou marxianas no Brasil? Como se dá esse fluxo de ideias em diferentes contextos históricos e de produção? Para nós, a Sociologia do Conhecimento pode ajudar no processo de “resposta” dessas inquietações e, além disso, evidenciar como o trânsito de ideias foi necessário à forja de uma Sociologia brasileira (FONTANA, 2015). A Sociologia do Conhecimento é uma importante área do pensamento sociológico, na qual uma série de estudos se insere e também é um método de pesquisa extremamente eficiente para auxi-liar pesquisadores preocupados com a constituição do conhecimento. Fazer essa observação é de extrema importância para não causar espanto aos leitores que, em um primeiro momento, podem estranhar uma exposição sobre a Sociologia do Conhecimento no tópico deste livro destinado à compreensão da vitalidade de teorias clássicas em meio à contemporaneidade (FONTANA, 2015).

Como uma relevante área da Sociologia, esse campo das humanidades prima pelos estudos que busquem averiguar a constituição do conhecimento, levando em consideração os sujeitos do conhecimento e a posição deles em meio à realidade da qual faziam parte. A questão central posta pela Sociologia do Conhecimento, desde a sua concepção e teorização mais formal dada por Karl Mannheim, em sua obra clássica Ideologia e Utopia, é o profundo entendimento dos vínculos existentes entre o nascimento de determinados conhecimentos com os contextos e as condi-ções históricas nos quais o seu criador ou criadores estavam localizados; buscando estabelecer, assim, as relações de influência entre o “conhecimento e a existência” (FONTANA, 2015). Segundo Michael Löwy (1994), notamos esta importante questão posta pela Sociologia do Conhecimento, qual seja, o sujeito do conheci-mento e o meio do qual faz parte. De acordo com esse pensador, observamos que:

É com Ideologie and Utopie (1929) e o artigo Wissensoziologie (1931) que Mannheim vai sistematizar sua concepção da sociologia do

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conhe-Sociologia e Contemporaneidade: O Desafio de Pensarmos os Clássicos da conhe-Sociologia na Atualidade Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

cimento e fornecer uma contribuição original à problemática histori-cista. A ideia central do livro (em continuidade com os ensaios de 1924-25) é a de Standortgebundekheit ou Seinsgebundenheit do pensamento geral e do conhecimento (histórico-social) em particular. A tradução habitual destes termos gebundenheit não implica determinação, mas,

dependência, ligação, vinculação: seria preciso, portanto, falar antes de

dependência do conhecimento com relação ao ser (social) ou vincula-ção do conhecimento a uma posivincula-ção (social). Que entende Mannheim por ser ou posição sociais? O termo inclui vários grupos ou categorias sociais: gerações, círculos, seitas religiosas, grupos profissionais, mas a estrutura decisiva é a das classes sociais (LÖWY, 1994, p. 81, grifos do autor).

Karl Mannheim, em sua definição da Sociologia do Conhecimento, afirma que esta possui duas dimensões, uma teórica e outra prática; no entanto, como a própria citação a seguir diz, tais dimensões não são, necessariamente, excluden-tes, assim, segundo o pensador alemão, temos a possibilidade de observar que a Sociologia do Conhecimento:

[...] é um dos mais novos ramos da Sociologia; enquanto teoria, procura analisar a relação entre conhecimento e a existência; enquanto pesquisa histórico-sociológica, busca traçar as formas tomadas por esta relação no desenvolvimento intelectual da humanidade (MANNHEIM, 1976, p. 286).

Enquanto teoria, a Sociologia do Conhecimento vincula-se com duas impor-tantes questões. A primeira é a necessidade de investigarmos e analisarmos, de maneira empírica, como se dá a influência das relações sociais e dos aconteci-mentos históricos em relação ao pensamento (FONTANA, 2015). E a segunda, como afirma Karl Mannheim (1976), relaciona-se com a averiguação episte-mológica, ou ainda, a busca pela validação de um determinado conhecimento. A Sociologia do Conhecimento é, por um lado, uma teoria, e, por ou-tro, um método histórico-sociológico de pesquisa. Enquanto teoria, pode assumir duas formas. É, em primeiro lugar, uma investigação pu-ramente empírica, através da descrição e análise estrutural das manei-ras pelas quais as relações sociais influenciam, de fato, o pensamento. O que pode levar, em segundo lugar, a uma inquirição epistemológica voltada para o significado desta interrelação para o problema da valida-de. É importante notar que estes dois tipos de indagação não estão ne-cessariamente ligados, podendo-se aceitar os resultados empíricos sem se tirar as conclusões epistemológicas (MANNHEIM, 1976, p. 288).

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A necessidade de nos colocarmos a serviço do estudo da constituição de determinados pensamentos simboliza, em um primeiro momento, a própria reflexibilidade em relação ao conhecimento e suas origens; desse tipo de pesquisa resulta, de maneira mais direta, a compreensão das condições em que determi-nado pensamento emergiu e quais as relações dessas com a constituição de um dado conhecimento (FONTANA, 2015). Segundo Léo Rodrigues Júnior (2002), no artigo denominado “Karl Mannheim e os Problemas Epistemológicos da Sociologia do Conhecimento”, notamos:

A Sociologia do Conhecimento tem por objetivo identificar, conhecer, explicar e validar os nexos existentes entre as “condições sociais” po-sicionadas historicamente, e as produções culturais de atores indivi-duais e coletivos oriundas da interação de conteúdos cognitivos desses atores com a própria realidade coletiva (tipos de instituição, crenças,

doutrinas, racionalidades sociais). Neste sentido, estaríamos diante da

categoria conceitual denominada “interatividade” ou, como preferem correntes pós-estruturalistas, reflexividade do conhecimento, ou seja, o conhecimento do conhecimento. É desta forma que a Sociologia do Conhecimento tem sido legitimada como ramo da própria Sociologia (RODRIGUES JÚNIOR, 2002, p. 116, grifos do autor).

A atenção voltada para este importante vínculo entre os sujeitos do conhecimento e as condições históricas de seu tempo é fundamental para apreendermos e iden-tificarmos, além dos próprios sujeitos do conhecimento, quais as contribuições destas na formação de ideias e de teorias que, de maneira geral, influenciaram na constituição de um dado saber, o qual, por vezes, está ligado com a própria interferência, construção e modificação de uma determinada realidade política, econômica, intelectual ou cultural (FONTANA, 2015). Em relação aos sujeitos do conhecimento, destacamos as palavras de Emilio Lamo de Espinosa, José Garcia e Cristóbal Albero, que estão presentes na obra La Sociología del Conocimiento y

de la Ciencia, para, assim, apreendermos de maneira mais precisa essa questão:

A singularidade da Sociologia do Conhecimento deriva do fato de que toma por objeto todo o conhecimento, tornando-se um conhecimento do conhecimento, um conhecimento reflexivo [...]. Deste modo, a re-flexividade é a operação que permite botar em descoberto o sujeito do conhecimento, tematizando-o como parte, como parte ativa, do ato de conhecer (ESPINOSA; GARCÍA; ALBERO,1994, p. 48).

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A Sociologia do Conhecimento possui, de fato, várias vertentes críticas que buscam problematizá-la e colocar em evidencia as suas novas possibilidades interpretativas frente aos novos estudos que a levam em consideração. David Bloor (Conhecimento

e Imaginário Social, 2009), Léo Rodrigues Júnior (“Karl Mannheim e os

proble-mas epistemológicos da Sociologia do Conhecimento – É possível uma solução construtiva”, 2002) e Emilio Lamo de Espinosa (La Sociología del Conocimiento y

de la Ciencia, 1994) são exemplos de autores e buscam trazer algumas

contribui-ções para esta questão. Essas discussões envoltas na Sociologia do Conhecimento são importantes para entendermos como determinados pensamentos e ideias sociológicas podem ser empreendidos em contextos distintos daqueles nos quais eles emergiram (FONTANA, 2015). Segundo Simone Meucci (2001), os manuais introdutórios de Sociologia foram, frequentemente, utilizados pelos intelectuais brasileiros no início do século XX, que recorriam a esta alternativa devido à difi-culdade de obter as obras diretas/originais de autores estrangeiros; segundo a própria autora, dentre os autores estrangeiros da escola francesa que mais foram traduzidos e reproduzidos em nossos manuais, destaca-se Émile Durkheim:

O mais representativo e o mais influente sociólogo membro dessa “es-cola” é certamente Émile Durkheim, cujas contribuições ocupam as pá-ginas de muitos de nossos manuais. Especialmente os livros “Sociologia

Criminal” (1915) de Paulo Egydio Carvalho, “Princípios de Sociologia”

(1935) de Fernando de Azevedo, “O que é sociologia” (1935) de Rodri-gues Merèje, e “Sociologia Educacional” (1940) de Fernando de Aze-vedo são importantes veículos divulgadores das idéias de Durkheim. Seus autores pretendiam, por meio da difusão dos conceitos e das in-vestigações do sociólogo francês, legitimar a sociologia em nosso meio intelectual (MEUCCI, 2001, p. 127, grifos da autora).

Márcio de Oliveira (2010) também atenta para o fato de que a introdução de alguns autores estrangeiros fundamentais para a Sociologia Geral no Brasil tenha sido feita por meio de manuais de Sociologia; falando, especificamente, da pre-sença de Émile Durkheim em nosso país, o autor assegura que:

A relação desses livros indica, de certa forma, a própria recepção da obra de Durkheim no Brasil. A obra foi inicialmente introduzida no campo do Direito, frequentou grande número de “manuais de Sociolo-gia” e desempenhou papel crucial no processo de implantação da So-ciologia como disciplina científica e universitária (particularmente na USP) (OLIVEIRA, 2010, p. 1).

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Atualmente, quais pesquisas empreendidas no Brasil que utilizam os clás-sicos da Sociologia? Ora, são muitas. Selecionamos aqui dois autores importes: (1) Ricardo Luis Coltro Antunes, dentro do eixo marxista; (2) e Raquel Andrade Weiss, como uma durkheimiana que aplica as ideias de Émile Durkheim ao entendimento de fenômenos estudados pela Sociologia.

Raquel Andrade Weiss desenvolve trabalhos articulados com Émile Durkheim que vão desde a promoção de uma Teoria Sociológica Durkheimiana até a pro-posição de estudos mais aplicados que visam a remontar as ideias do autor ao entendimento de fenômenos circunscritos ao nosso contexto atual. Dentre sua vasta obra, destacam-se os livros: (1) Durkheim, Apesar do Século (2018); (2)

Durkheim, Émile (2016); (3) David Émile Durkheim: A Atualidade de um Clássico

(2011); (4) Durkheim: 150 anos (2009).

Raquel Andrade Weiss propõe, nas obras citadas, a leitura mais atenta e acu-rada acerca dos conceitos durkheimianos e, mais do que isso, acredita que esse procedimento é vital para trazer, à análise de fenômenos contemporâneos, as con-ceitualizações cunhadas pelo sociólogo francês. Por exemplo, de modo aplicado, a autora vem mobilizando a noção de anomia e de efervescência para compreen-der manifestações políticas e momentos de rupturas experimentados, de modo cada vez mais frequente, pela humanidade, atualmente (é isso o que vemos, por exemplo, no artigo intitulado “Efervescência, Dinamogenia e a Ontogênese Social do Sagrado”, 2013). No estudo das religiões, a autora reporta os conceitos de sagrado e de profano, ambos durkheimianas, para entender as dinâmicas religiosas que nos interpelam hoje, especialmente àquelas intrínsecas ao debate da laicidade como um imperativo dos Estados Democráticos Modernos (isso é o que vemos no texto “O Sagrado, a Dualidade Humana e a Natureza Social da Religião”, 2012). Dentro de uma dimensão teórico-sociológica, ele aprofundou seus estudos acerca das noções de moral e de moralidade intrínseca ao pensamento de Émile Durkheim. Em “Émile Durkheim e a revolução copernicana no conceito de moral”, capítulo imerso na obra David Émile Durkheim: A Atualidade de um Clássico (2011), Raquel Weiss apresenta, segundo resenha de Cristina Matos (2012, p. 342):

[...] a perspectiva durkheimiana acerca da moral em suas implicações metodológicas, epistemológicas e também teóricas. A moral, noção cha-ve para a explicação da vida social, recebe em Durkheim um tratamento radicalmente novo, daí a ideia de revolução copernicana defendida pela

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autora. Em um horizonte no qual a moral é tema de filósofos, e os fatos sociais servem como ilustração de sistemas previamente definidos, onde o que ‘deve ser’ ocupa o lugar do ‘que é’, Durkheim propõe um outro tra-tamento para o problema, oferecendo a perspectiva da Sociologia como a única capaz de esclarecer os fundamentos e a dinâmica da vida moral, por-tanto, da vida social. Weiss mostra que, recusando postulados filosóficos, e entrando no debate crítico com kantianos e utilitaristas, Durkheim erige uma concepção da moral sobre bases sociológicas. O artigo acompanha a crítica feita por Durkheim às duas escolas e à teoria da moral erigida a par-tir daí, em que o duplo caráter da moral – de dever (imperativo social) e de bem (desejabilidade da moral) – relevam a sociedade como fundamento último da autoridade, ou seja, daquilo que transcende os indivíduos e que é fonte do bem. Weiss também descortina as relações entre essa descoberta teórica e as ações de intervenção social pensadas por Durkheim, em que a institucionalização de uma moral cívica cumpriria a função de fortalecer o laço social, pela via da racionalidade.

Ricardo Luís Coltro Antunes (1998; 2000), dentro do eixo do pensamento mar-xista, assim como Raquel de Andrade Weiss, tem trabalhos que remontam às ideias marxianas no interior de pesquisas e que vão: (a) desde uma dimensão mais teórica (teoria sociológicas); (b) até uma dimensão de maior aplicabili-dade, utilizando, dessa forma, os conceitos de Karl Marx para compreender a realidade desigual de nosso país que, por sua vez, está correlacionada ao modo como as relações de produção aqui estão estabelecidas (indissociáveis do capita-lismo e, consequentemente, das mazelas intrínsecas a este modo de produção). Dentro de sua imensa produção bibliográfica, destacamos: (1) O Privilégio da

Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital (2018); (2) Os sentidos do tra-balho: ensaio sobre afirmação e a negação do trabalho (2000); (3) Adeus ao Trabalho? ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho (1988); (4) Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil III (2014); (5) O Continente do Labor (2012); (6) O Avesso do Trabalho (2010); (7) Infoproletários: degradação real do trabalho virtual

(2009); (8) Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil (2006); (9) A Dialética do Trabalho (2004); (10) O Que é Sindicalismo (1999); (11) Neoliberalismo, Trabalho e Sindicatos:

reestruturação produtiva no Brasil e na Inglaterra (1999); (12) Lukács: um Galileu no século XX (1996); (13) O Novo Sindicalismo no Brasil (1995); (14) A Rebeldia do Trabalho (O Confronto Operário No ABC Paulista: As Greves de 1978/80 (1992); (15) Classe Operária, Sindicatos e Partido no Brasil: da Revolução de Trinta até a Aliança Nacional Libertadora (1982); (16) Movimento Operário: novas e velhas lutas (1979).

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Particularmente, nas obras Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre afirmação e

a negação do trabalho (2000) e Adeus ao Trabalho? ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho (1988) temos densas análises do mundo

laboral na atualidade, observando, assim, as modulações e os múltiplos senti-dos que ele evidencia atualmente. Sempre partindo da perspectiva ontológica do trabalho dada por Karl Marx e da dimensão humanizadora que a atividade oferece aos sujeitos (o trabalho como fundador do ser social), Ricardo Antunes observa que, após a derrocada do Estado de Bem-Estar Social entre os anos de 1930 e 1960, e com a agudização do neoliberalismo em 1980, tivemos, no mundo, a reconfiguração do trabalho engendrada por meio da desregulação dele, da reti-rada de direitos dos trabalhadores e do desmantelamento do sistema produtivo (toyotismo/acumulação/flexibilização) (ANTUNES, 2000).

Esse processo desarticulou a classe trabalhadora, anteriormente, mais homogê-nea, coesa e arregimentada em uma luta sindical e progressista que intentava uma mudança estrutural de nossa sociedade (socialismo). Para o autor, por conta da reestruturação produtiva (decadência do fordismo e do taylorismo), o trabalho foi pauperizado e novos dilemas foram vinculados a ele. Por exemplo, o autor mostra como, na atualidade, as empresas e indústrias cobram de seus trabalhadores maiores níveis de formação, contudo, acabam utilizando, em seu funcionamento, técnicas e mecanismos organizacionais e de gerenciamento que tendem a degenerar e a fragili-zar as capacidades intelectuais e cognitivas de seus empregados (ANTUNES, 1988).

TEMAS ATUAIS DE SOCIOLOGIA: IDENTIDADES,

DIREITOS HUMANOS, QUESTÕES RACIAIS E

DESIGUALDADES SOCIAIS

Aqui, neste último tópico, trabalharemos um importante tema ligado à Sociologia, os Direitos Humanos. Nesse sentido, é importante destacar que a Sociologia emerge, se consolida enquanto campo científico e pesquisas e mais pesqui-sas são empreendidas em seu processo de desenvolvimento, desnaturalizando,

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Temas Atuais de Sociologia: Identidades, Direitos Humanos, Questões Raciais e Desigualdades Sociais Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

assim, fenômenos sociais, anteriormente, normatizados por nossa sociedade. Desigualdades econômicas, políticas, sociais, identitárias e culturais foram “descortinadas” por dezenas de investigações sociológicas que, por sua vez, impulsionaram a construção de artefatos políticos quistos, atualmente, como indispensáveis para a vida em sociedade mais igualitária (PIOVESAN, 2005).

Um exemplo evidente é a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, como resposta local a ela, as Políticas Públicas Afirmativas que visam, de modo mais pragmática, a subverter a lógica das desigualdades sociais oriundas do capi-talismo e de processos culturais assimétricos/discriminatórios. Se não fossem os movimentos sociais, a Sociologia e os estudos que dela derivam, certamente, não poderíamos encarar a Declaração Universal dos Direitos Humanos como um salto qualitativo no processo de construção de uma sociedade mais justa e digna para todos. Vamos compreender, então, o que são as identidades, os Direitos Humanos e o vínculo destes com os dilemas intrínsecos às questões raciais no Brasil?

Há uma conexão profunda entre a constituição de paradigmas globais vincu-lados com os Direitos Humanos e a forja, em níveis locais, de políticas afirmativas que visam a resguardar tais princípios. De modo pactuado, muitos países aderiram à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e, com fins de materializar os direitos ali estimulados, adotaram políticas afirmativas em meio ao fomento de suas políticas públicas. Não por acaso, a Constituição Brasileira de 1988 é considerada um constructo legal amplamente responsivo aos Direitos Humanos. Todavia esse panorama precisa ser pormenorizado e intentamos, neste tópico, fazer uma discussão que engendra: (1) a especificidade dos Direitos Humanos (o seu histórico, o que significam e o que representam politicamente); (2) o vín-culo deles com a construção de políticas públicas afirmativas; (3) o impacto de dadas políticas afirmativas no Brasil pós-Constituição de 1988, com a correlata discussão acerca da necessidade de políticas públicas deste tipo; (4) e, por fim, defender que uma política afirmativa só pode obter sucesso em seu intento – diminuição de desigualdades econômicas e discriminações em geral – se essa política “trabalhar”, “agir”, “modificar” e “inferir” tanto no eixo distributivo-ma-terial quanto no eixo do reconhecimento identitário (PIOVESAN, 2005).

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Nações Unidas (ONU), filosoficamente, resguarda inspiração no pensamento político moderno jus naturalista e contratualista de John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau que, por sua vez, preceitua – mesmo diante de distintas interpretações e diagnósticos fornecidos por esses pensadores acerca dos direitos naturais dos seres humanos – que os indivíduos são detentores, em um estado de natureza, de direi-tos naturais desde o nascimento: “todos os homens são titulares de todos os direidirei-tos” (PIOVESAN, 2005). Segundo Norberto Bobbio (1988), os Direitos Humanos não nas-cem todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Assim, os desrespeitos à dignidade humana provocados pela Revolução Industrial (1750), pela Revolução Francesa (1789), pela Revolução Russa (1917), pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), pelo colo-nialismo e pela escravidão iniciados globalmente desde o século XVI, por exemplo, não foram suficientes para que, mundialmente, as nações pactuassem princípios bási-cos que visassem a proteger os direitos básibási-cos dos indivíduos (PIOVESAN, 2005).

Certamente, esses acontecimentos serviram – em longo prazo e histori-camente – como mecanismos que influenciaram a forja de nossa Declaração Universal de 1948; contudo, foi somente com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e as mazelas inomináveis trazidas por ela que temos a resposta mais enfática, que objetiva combater, pactuadamente, as violações à dignidade humana (a ONU é criada, aliás, em 1945) (PIOVESAN, 2005).

O surgimento dos governos totalitários – especialmente, o nazismo e a conse-quente aniquilação em massa de judeus e demais minorias em campos de concentração – assim como a explosão das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, consti-tuíram um novo panorama, no qual se fez necessário discutir os limites das ações humanas em relação a outros humanos; não só das ações, mas do modo como enxer-gamos outros indivíduos detentores de identidades culturais, raciais, étnicas, religiões, visões políticas, condições econômicas e de identidades de gênero distintos, mas dentro de um léxico de igualdade de direitos extensivo. Considerando que nem as condições econômicas e identitárias são fixas e elas se modulam no decorrer da his-tória, Hannah Arendt (1979) postula que os Direitos Humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução, ou seja, refletem um construído axiológico a partir de um espaço sim-bólico de luta e ação social. Para Carlos Santiago Niño (1991), complementarmente, os Direitos Humanos são uma construção conscientemente vocacionada, que busca

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Temas Atuais de Sociologia: Identidades, Direitos Humanos, Questões Raciais e Desigualdades Sociais Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

assegurar a dignidade humana e evitar sofrimentos, em face da persistente brutali-dade exercida pela/na humanibrutali-dade (PIOVESAN, 2005).

Dentro deste contexto de meados do século XX, tivemos a feitura da Declaração dos Direitos Humanos que, já em seu preâmbulo, é contundente em afirmar que a construção desse documento liga-se à necessidade de estabelecer a paz entre os povos e as nações mediante a reflexão crítica acerca das diferenças existentes entre os indivíduos, diminuindo, assim, a probabilidade de mais barbáries e violações à liberdade. Dentre os seus 30 artigos, destacamos: (a) o primeiro, o qual ratifica que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos e devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade; (b) o terceiro, o qual afirma que todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal; (c) o quarto, que postula que ninguém será submetido à escravatura e à escravidão; (d) o quinto, o qual evidencia que ninguém será torturado; (e) o sétimo, que versa que todos são iguais perante as leis; (f) o décimo oitavo, o qual afirma que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; (g) o décimo nono, que pos-tula que todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão; (h) o vigésimo primeiro evidencia que toda pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país; (i) o vigésimo segundo mostra que toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; (j) o vigésimo terceiro, que ratifica que toda pessoa tem direito ao trabalho e todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igualmente desempenhado; (k) o vigésimo sexto preceitua que toda pessoa tem direito à educação, especialmente à educação que enseja a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos.

Ao assinar a Declaração dos Direitos Humanos e se comprometer com seus prin-cípios, o Brasil, como signatário, passa a responder internacionalmente pela violação dos direitos instituídos na declaração; sendo assim, é necessário garantir constitu-cionalmente o que fora acordado em 1948, junto à ONU. No caso brasileiro, estes princípios demoraram 40 anos (de 1948 até 1988) para eclodirem em nossa Carta Magna de modo representativo (vide os mais de 20 anos de ditadura militar em nosso país que, na verdade, violavam tais princípios – como é o caso da tortura e da negação dos direitos jurídicos e políticos de representação e de defesa, por exemplo), ou seja, de modo a engendrar paradigmas legais capazes de funcionar como sustentáculos

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para a confecção de políticas públicas que, por sua vez, enfrentassem tangencial ou enfaticamente as violações aos Direitos Humanos em território nacional.

Antes de nos aprofundarmos na dimensão representacional e de reconhe-cimento ligada aos Direitos Humanos, vale indagar: você sabe o que Identidade Social? O conceito de Identidade Social evidencia a maneira como nós nos defi-nimos, nos colocamos e entendemos o mundo. De modo prático, a constituição e a assimilação da Identidade Social se dão por meio do convívio social, da lín-gua, da educação (familiar e institucional), da mídia, da tradição, do território, dos costumes, das particularidades culturais, religiosas e dos processos políti-cos, históricos e econômicos. Tais atributos das identidades são transmitidos de maneira geracional, ou seja, de geração em geração por meio dos mecanismos educacionais e de socialização intrínsecos às coletividades/sociedades.

O conceito de Identidade Social nos ajuda a compreender o sentimento de pertencimento dos indivíduos em dado agrupamento social, ou seja, ela demonstra o estado de união e de simpatia entre os indivíduos de uma mesma comunidade:

[...] é o sentido da imagem de si, para si e para os outros [grupo social ou comunidade]. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros. Nessa construção da identidade - e aí recorro à literatura da psicologia social, e, em parte, da psicanálise - há três elementos essenciais. Há a unidade física, ou seja, o sentimento de ter fronteiras físicas, no caso do corpo da pessoa, ou fronteiras de pertencimento ao grupo, no caso de um coletivo; há a continuidade dentro do tempo, no sentido físico da palavra, mas também no sentido moral e psicológico; finalmente, há o sentimento de coerência, ou seja, de que os diferentes elementos que formam um indivíduo são efetivamente unificados (POLLAK, 1992, p. 2-3).

Nessa direção, um dos fatores que colaboram para a construção de uma Identidade Social liga-se à possibilidade de fortalecer ainda mais os vínculos entre os indi-víduos da mesma comunidade e as suas práticas culturais. Além disso, devemos observar o “jogo das identidades e a sua reafirmação” como um mecanismo neces-sário ao estabelecimento dos limites geográfico-territoriais de uma população, que é narrado para determinar a trajetória e as especificidades de um povo em certo espaço e tempo. Por vezes, essa “narração” também pode ser construída diante

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Temas Atuais de Sociologia: Identidades, Direitos Humanos, Questões Raciais e Desigualdades Sociais Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

de uma contraposição em relação a outras comunidades/nações, ratificando a percepção de que o estabelecimento de uma identidade, em dadas ocasiões, é edificado em detrimento de outros sujeitos e outros agrupamentos sociais; ou seja, eu afirmo “aquilo que sou” e “aquilo que não sou” em comparação, ou peri-gosamente, em detrimento “daquilo que o outro é e representa”:

A identidade é uma construção que se narra. Estabelecem-se acontecimen-tos fundadores, quase sempre relacionados à apropriação de um território por um povo ou à independência obtida através do enfrentamento dos es-trangeiros. Vão se somando façanhas em que os habitantes se defendem, ordenam seus conflitos e estabelecem os modos legítimos de convivência, a fim de se diferenciarem dos outros (CANCLINI, 1999, p. 163).

Esse procedimento comparativo pode ser encarado como perigoso, pois ele inaugura, dentro destes “jogos das identidades”, a perspectiva de alteridade pro-blemática que faz com que reafirmemos as nossas especificidades de modo a negar as peculiaridades “do outro”. De modo exacerbado, isso levou, como vere-mos aqui, a guerras, conflitos e extermínios/genocídios em todo o mundo, os quais foram justificados, na maioria das vezes, pelas diferenças identitárias dos sujeitos envoltos nesses tristes eventos.

Nesse sentido, não podemos negar que a constituição dos Direitos Humanos é uma resposta a um problemático jogo identitário-cultural empreendido pela humanidade, embrenhado em relações complexas de alteridade, que colocavam o eu versus o outro. Ora, as violações mais graves empreendidas pela humani-dade tinham como justificativa o esvaziamento “do outro” de sentido, tornando-o comerciável (escravidão) ou descartável (holocausto judeu e os genocídios indí-gena e armênio, por exemplo). Por mais que interesses econômicos estivessem sempre ligados aos movimentos de violações da dignidade humana, o discurso da diferença, da repulsa em relação ao dessemelhante e da discriminação sempre embasaram violações, tais como, a escravidão, o nazismo, o sexismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia e outras práticas de intolerância. Pensar os Direitos Humanos deslocados da luta pelo reconhecimento de maior igualdade entre identidades culturais, raciais, religiosas, étnicas e sociais é extremamente con-traproducente, e é nesse sentido que ações mais concretas – políticas públicas – das nações pactuadoras com os princípios dos Direitos Humanos precisam ser desenvolvidas, assegurando, assim, essa dimensão de “reconhecimento”.

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Repr odução pr oibida. A rt. 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

Ora, esse reconhecimento parte do princípio de que, em um primeiro momento, se a “diferença” embasava a justificativa da violação/aniquilação de direitos, agora, no terreno pós-Segunda Guerra Mundial, era ela que endossaria a necessidade de protegermos determinados grupos e assegurá-los direitos (é nessa diapasão que temos, por exemplo, em nossa Constituição de 1988, mecanismos legais que dialo-gam com as especificidades das populações indígenas, das mulheres, das crianças, de minorias étnico-raciais, dos deficientes, dos idosos e de demais grupos que, de certa forma, sofrem algum nível de discriminação). No caso dos negros brasileiros, se o critério racial era utilizado para promover a sua discriminação e exclusão, agora, a sua raça, a negra, serve de mola propulsora para a consolidação e a ampliação de direitos (políticas públicas afirmativas de cotas em concursos públicos federais e em instituições de ensino superior mostram bem essa questão).

A ONU, pactuada com 170 países – inclusive o Brasil – aprovou, em 1965, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial que, por sua vez, abominava qualquer doutrina e práxis calcada na afirmação da superioridade ou da inferioridade de um povo dada pelas diferenças raciais, afir-mando, ainda, que era cientificamente falsa qualquer teoria que empreendesse esse intento (como as teorias eugênicas dos séculos XVIII, XIX e XX). Nessa mesma convenção, da qual o Brasil é signatário, estipula-se a necessidade urgente de as nações adotarem medidas para eliminar a discriminação racial em todas as suas formas, para, dessa maneira, prevenir e combater doutrinas e práticas racistas e discriminatórias. Conectadamente, de modo mais enfático, ratificou-se, nessa declaração, que a discriminação racial deve ser combatida pelas nações e, sobre isso, entende-se discriminação em sentido amplo, qual seja:

Toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o exercício, em igualdade de condi-ções, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos po-lítico, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo (PIOVESAN, 2005, p. 48).

Além disso, temos a Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, em Durban, na África do Sul (2001), na qual o Brasil pactuou acerca da implementação, por parte do Estado brasileiro, de medidas que enfrentassem o racismo, considerando

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Temas Atuais de Sociologia: Identidades, Direitos Humanos, Questões Raciais e Desigualdades Sociais Repr odução pr oibida. A rt . 184 do C ódigo P enal e L ei 9.610 de 19 de f ev er eir o de 1998.

a inserção de afrodescendentes no mercado de trabalho e no sistema educacional por meio de políticas públicas específicas (por exemplo, as cotas nas universida-des e nos concursos públicos com fins de mitigar o passado discriminatório e as consequências culturais, econômicas, política e sociais decorrentes dele).

Exemplificadamente, após esse diagnóstico e essas recomendações da ONU, como se deve combater as discriminações raciais no Brasil? Ora, há duas estra-tégias e a combinação de ambas é que garantirá o sucesso da “empreitada”. A primeira é a repressora punitiva que visa a punir, proibir e eliminar atitudes con-sideradas discriminatórias de modo enfático e emergencial, considerando uma legislação especifica. Por ser emergencial, não soluciona o problema em sua raiz; para compensar esse déficit, temos a segunda estratégia: a promocional compen-satória. De caráter mais processual, ela se edifica por meio de políticas públicas que agem no binômio inclusão-exclusão, obviamente, ampliando a inclusão de grupos considerados marginalizados e discriminados aos diversos espaços da vida que conferem níveis aceitáveis de estabilidade econômica, social, cultural e política. É nesse panorama que surgem as ações afirmativas, as quais influirão de modo compensatório – em relação ao passado de exploração e de violação aos Direitos Humanos – mas, sobretudo, de modo a construir uma realidade nova, transformada dentro do prisma da promoção da igualdade. Não pode-mos esquecer o caráter transitório das ações afirmativas, significa que elas não devem perdurar, no espaço e no tempo, definitivamente; ou seja, elas existirão enquanto houver desigualdade, assim, quando houver níveis aceitáveis de igual-dade, equidade e justiça social entre os indivíduos, a existência dessas ações não farão mais sentido, ou então, serão necessárias.

Como tocamos nesses temas, devemos perguntar: você sabe a diferença entre igualdade e equidade? A igualdade atrela-se a circunstâncias semelhantes e análogas veiculadas para todos os indivíduos e situações. Já a equidade liga-se à capacidade de observar e avaliar situações, considerando integridade, retidão, imparcialidade e justiça. Dessa forma, politicamente falando, a igualdade signi-fica que todos os sujeitos são iguais perante a lei e, dessa forma, têm direitos e deveres iguais. Assim, ela determina circunstâncias idênticas para todas as pes-soas e em todas as situações. 

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Quando aludimos ao termo equidade, devemos ponderar a necessidade de analisar situações e fenômenos sociais de forma imparcial, igualitária e justa. Nessa direção, a equidade hipostasia a necessidade de estabelecermos a justiça, no nosso caso, a justiça social. Quando pensamos em igualdade, no registro das Políticas Públicas, pensamos em direitos iguais para todos em relação a deter-minados serviços. Por exemplo, a universalização da saúde e da educação, no Brasil, são políticas que inferem na promoção da igualdade, afinal, todo brasileiro possui direito ao acesso à educação e à saúde sem nenhum tipo de discrimina-ção. No entanto, todos os brasileiros acessam tais serviços? As universidades públicas, por exemplo, possuem mais alunos brancos ou negros? Mais alunos de classe média alta ou de classe baixa? Isto é, mesmo diante de políticas públicas quistas como igualitárias, nós não temos a promoção da diminuição das desi-gualdades em nosso país. É nesse “déficit” que pensamos as ações públicas que visam à equidade, tratando, assim, as diferenças econômicas, sociais, políticas e culturais por meio de políticas públicas específicas, distantes do léxico de uma proposta universalizante das ações estatais.

Nesse contexto, são oferecidas condições de acesso diferenciadas aos ambien-tes promotores de direitos e cidadania no Brasil. As políticas públicas afirmativas educacionais agem em um ambiente de promoção da equidade, afinal, o acesso de negros e de pessoas de baixa renda (mediado pela existência das cotas sociais) às universidades públicas se edifica, distintivamente, daquele experimentado pela maioria da população.

As ações afirmativas podem ser dirigidas a diversos grupos, por exemplo, mulheres, negros, LGBTQI+, crianças, deficientes, entre outros (sempre dentro da necessidade de promover o acesso a oportunidades e, consequentemente, o alcance de mais igualdade). Aqui, analisaremos o caso das ações dirigidas à popu-lação negra e às mulheres brasileiras.

No caso das mulheres, temos na Constituição de 1988 (Art. 7º, inciso XX), a proteção do mercado de trabalho para elas e, em 1995, a promulgação da Lei n. 9.100, que reserva às mulheres 20% das vagas das candidaturas às eleições muni-cipais. Nesse caso, busca-se combater as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho e na arena política que, por sua vez, foram constituídos por séculos de misoginia, discriminação e diferenciações de gênero (não podemos

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