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[LIVRO] Claude Dubar - Socialização

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Academic year: 2021

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Autor: Dubar. Claude.

Título: A socialização : construçã 271821 111836 UFES BC AG

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Martins Fontes

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ES/ÍT obra foi publicada originalmente1 em franecs eoin o título LA SOCIALISATION: CÒNSTRUCTION DÊS IDENTITÉS SOCIALES ET PROFESS1ONNELLLS, por Armaml Colin, Paris.

Copyright © Annanã Colín/HER Éditeur, 2000, 3» edição. it €> 2005, Limaria Martins Fontes Editem Ltda.,

São Paulo, para a presente edição.

l2 edição 2005

Tradução ANDRÉA STAUEL M. DA SILVA

Acompanhamento editorial Luzia Aparecida dos Santos

Preparação do original Maria Fernanda Alvares Revisões gráficas Rita de Cássia Sam Sandra Garcia Cortes Dinarie Zorzaneüi da Silva

Produção gráfica Geraldo Alves Paginação/Fotolitos Studio 3 Desenvolvimento Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Título original: La socialisation : constmcticm dês identités sociales et professionnelles.

Bibliografia. ISBN 85-336-2192-2

1. Identidade (Psicologia) 2. Identidade social 3. Socializa-ção 4. SocializaSocializa-ção profissional I. Título.

05-5740 CDD-303.32 índices para catálogo sistemático:

1. Socialização : Ciências sociais 303.32

Todos os direito? desta edição para o Brasil reservados à Livraria Martins Fontes Editora Ltda. Rua Conselheiro Rjmnlho, 330 01325-000 São Paulo SP Brasil

Tcl. (11) 3241.3077 Fax (U) 3101.1042

c-mail: infoSmartiHStonlcs.com.br http:llwww.mcirtinsfontes.com.br

Prefácio à 3? edição francesa XIII Introdução XXV

PRIMEIRA PARTE

SOCIALIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE

1. A socialização da criança na psicologia piage-tiana e seus prolongamentos sociológicos 3 1. A abordagem piagetiana da socialização 4 2. Durkheim e Piaget: um debate inacabado 10 3. Uma aplicação em sociologia da educação 16 4. Uma transposição para a socialização política 22 5. Uma abordagem "genética" e "restrita" da

socia-lização 26 Bibliografia 32 2. A socialização na antropologia cultural e no

fun-cionalismo 35 1. Cultura e personalidade: uma abordagem

"cul-turalista" da socialização 36 , 1.1. A hipótese da personalidade básica 45 1.2. A socialização na abordagem culturalista 49 2. A "suprema teoria" da socialização: Parsons e o

sistema LIGA 51

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2.1. A teoria da Ação segundo Parsons 52 2.2. A socialização: o sistema LIGA 54 Críticas ao funcionalismo: da hipersocíalização à socialização antecipatória 62 3.1. A contenda da hípersocialização 62 3.2. Merton e a socialização antecipatória: a teoria

do grupo de referência 65 3.3. Um estudo empírico: formação contínua e

contramobilidade social 69 . Uma abordagem funcional e "generalizada" da

socialização 72 Bibliografia. 74

3. A socialização como incorporação dos habitus.. 77 \. Uma definição problemática do habitus 77 Classes sociais e habitus: posições e trajetórias.... 82 2. Uma problemática ambígua dos campos sociais .. 3. Do habitus à identidade: da dupla redução à

du-pla articulação

4. Uma abordagem "causal-probabilista" da socia-lização Bibliografia 95 85 93 97 98 107 4. A socialização como construção social da

reali-dade

1. A dualidade do social: trabalho e interação (He-gel); ação instrumental e ação comunicativa (Ha-bermas)

2. Socialização comunitária e socialização societá-ria: uma leitura de MaxWeber

O deslocamento operadb por MaxWeber 110 3. A socialização como construção de um

Si-mes-mo na relação com o Outro (G. H. Mead) 115 4. Socialização secundária e transformação social

(P. Berger e T. Luckmann) 120 5. Uma abordagem "compreensiva" da socialização. 129 Bibliografia 130

5. Para uma teoria sociológica da identidade 133 1. O ponto de partida: a dualidade no social 133 2. O cerne da teoria: uma articulação de dois

pro-cessos identitários heterogêneos 137 3. Um mecanismo comum aos dois processos: a

tipificação 143 4. O processo identitário biográfico 146 5. O processo identitário relacionai 151 6. A identidade como espaço-tempo geracional 155 Bibliografia 156

SEGUNDA PARTE

AS ABORDAGENS DA SOCIALIZAÇÃO PROFISSIONAL

6. Das "profissões" à socialização profissional 163 1. História e terminologia 163 2. A questão das "profissões": um consenso dos

pais fundadores da sociologia? 167 3. Institucionalização da sociologia das "profissões"

nos Estados Unidos 169 4. A teoria funcionalista das "profissões" 172 5. A abordagem do interacionismo simbólico 177 6. A socialização profissional em Hughes 182 7. Alcance e limites do paradigma interadonista.... 186 Bibliografia 189 7. Profissões, organizações e relações profissionais. 193

1. A "profissão" como organização: processos so-ciais esfruturantes 193 2. A organização profissional do trabalho na

pro-dução capitalista: a dupla fonte do poder 196 3. Profissionalização e desprofissionalização:

deba-te permanendeba-te e duplo movimento recorrendeba-te .... 200 4. A qualificação como produto codificado de

"mo-delos profissionais" 205

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sultado e identificação com um cargo (Job) 207 4.2. O modelo do oficial: valorização pela

fun-ção e identificafun-ção com um status 208 4.3. O modelo do físico: valorização pela

forma-ção e identificaforma-ção com a disciplina (setor, indústria...) 209 4.4. Na tipologia de Moore encontra-se um

quar-to espaço de identificação, constitutivo do modelo da EMPRESA 210 5. A qualificação como resultado instável das

rela-ções profissionais 211 6. Socialização, organização e relações profissionais:

uma comparação internacional 214 Bibliografia 218 , Das profissões aos mercados de trabalho 221

1. Profissão e mercado de trabalho: indagações fe-cundas 222 2. Mercado primário e mercado secundário: a

hi-pótese dualista 228 3. Mercados de trabalho fechados e modo

integra-do de socialização profissional 232 Qualificação e mercado interno de trabalho 235 4. Mercados secundários de trabalho e modo al-" ternativo de socialização profissional? 239 5. Mobilídades profissionais e mercados de

traba-lho: uma pesquisa empírica 242 A. L. Stinchcombe (1979): tipos de mobilidade e segmentos do mercado de trabalho na Noruega.... 242 Bibliografia 247

TERCEIRA PARTE

A DINÂMICA DAS IDENTIDADES PROFISSIONAIS E SOCIAIS

Introdução à terceira parte 251

exclusão: a identidade de executor "estável" ameaçada , 255 1. A identidade para o outro: a exclusão fora do

modelo da competência 255 2. A identidade "biográfica" para si: saberes

práti-cos e estabilidade de emprego 256 3. A identidade "relacionai" para si: dependência

do chefe e trabalho instrumental 259 4. Uma identidade de classe ou de fora do trabalho? . 261 5. Crítica ao "modelo do distanciamento" 264 6. O processo de exclusão: a articulação

impossí-vel das transações 266 7. Configuração identitária e geração: a gênese

bio-gráfica da identidade ameaçada 268 10. Do operário por ofício ao "novo profissional":

a identidade bloqueada 273 1. A identidade para o outro: o modelo do

opera-dor polivalente e administraopera-dor 273 2. A identidade "biográfica" para si: diplomas

téc-nicos e carreiras 274 3. A identidade "relacionai" para si:

reconhecimen-to suspenso e conflireconhecimen-to latente 277 4. Uma articulação problemática entre as duas

tran-sações 278 5. Uma (nova) identidade de ofício? 279 6. A crise do espaço social de reconhecimento 282 7. A crise das "ideologias defensivas de ofício" 284 8. Configuração identitária e geração: a

transfor-mação do ensino profissional 286 11. Do modelo "carreirista" ao processo de

mobili-zação: a identidade de responsável em promo-ção interna 289 1. A identidade para o outro: o modelo da

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2. A identidade "biográfica" para si: evolução pro-fissional e formação contínua interna-e "inte-grada" 291 3. A identidade "relacionai" para si:

reconheci-mento recíproco e mobilização para o trabalho .. 292 4. A transação bem-sucedida? Coincidência real

ou aparente? 293 5. Uma (nova) identidade de empresa? 295 6. Uma identidade competitiva? 297 7. Modelo fusional ou negociatório? 298 8. Configuração identitária e geração: a gênese

es-trutural da identidade promovida 300 12. Do "modelo afinitário" ao processo de

recapa-citação: a identidade autônoma e incerta 303 1. A identidade para o outro: assalariados que

cons-tituem um problema 303 2. A identidade biográfica para si: a

contramobili-dade social 304 3. A identidade relacionai para si: postura crítica e

senso de oportunidade 307 4. Uma articulação instrumental das duas

transa-ções ! 308 5. Identidade em formação ou identidade de rede? .. 310 6. Uma identidade social individualista? 312 7. Configuração identitária e geração: o estudante

tradicional, o assalariado estudante 317 Bibliografia da terceira parte 319 Conclusão. As formas elementares da identidade profissional e social atual 323

Lista de siglas 333 índice temático 335 índice onomástico 339

Agradecimentos

Agradeço imensamente os colegas que, ao criticar as sucessivas versões deste manuscrito, me obrigaram a mais clareza e rigor em minha escrita: Béatrice Appay, Catherine Cailloux, Catherine Marry, Catherine Paradeise, Pierre Do-ray, Henri Mendras e Jean-René Treanton, a quem se diri-gem especialmente esses agradecimentos. Agradeço tam-bém Martine Laplanche, Violaine Lecerf e Véronique Teste-lin, que examinaram e corrigiram os sucessivos textos: sem sua paciência e seu profissionalismo, esse resultado não te-ria sido alcançado.

(7)

O termo "socialização" faz parte desses conceitos bási-cos da sociologia (e também da antropologia e da psicolo-gia social) que possuem tantos universos de significação quantos são os pontos de vista sobre o "social". Por isso, as teorias da socialização praticamente não se distinguem das grandes teorias das ciências sociais. Pensei ser útil, por ocasião desta terceira edição, voltar às razões que me con-duziram a agrupá-las em quatro conjuntos, na primeira parte deste livro (capítulos l a 4). Essas razões são tam-bém, em parte, as que me levaram a colocar no cerne des-ta obra a noção de identidade (capítulo 5) - ou melhor, de "forma identitária" (terceira parte) - que, desde a primeira edição (1991), sofreu inflexões significativas. Também me explicarei quanto a isso. Enfim e sobretudo, o fato de ter cla-ramente privilegiado a socialização e as identidades pro-fissionais (segunda parte) me foi, de diversas maneiras, e com razão, criticado1. Também voltarei a isso. Na mesma

ocasião me esforçarei para indicar em que meus trabalhos e obras posteriores (mencionados nesta nova edição) modi-ficaram - ou inflectiram - um pouco as concepções iniciais defendidas na obra.

1. Principalmente por François de Singly em Lê sói, k couple et lafamille [O indivíduo, o casal e a família], Paris, Nathan, 1997, pp. 14 e 220.

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XIV

As teorias da socialização

A SOCIALIZAÇÃO

O agrupamento e a ordem de exposição dos grandes pontos de vista sobre a socialização obedecem a uma preo-cupação com a ordem histórica. Proponho, de fato, uma certa leitura da história das ciências sociais que tentarei explicitar. Se parti da teoria de Piaget, e do debate Piaget-Durkheim que encerra Lê Jugement moral chez l'enfant [O juízo moral na criança] (1932), é porque ele foi, me parece, um dos primeiros a colocar claramente - e a tentar supe-rar -> ao menos em língua francesa2, a oposição entre

"in-dividualismo" e "holismo" (e, conseqüentemente, entre psi-cologia genética e sociologia positiva) na abordagem das ciências sociais. Durante muito tempo, a noção de sociali-zação, na França, permaneceu ancorada na questão dos processos e mecanismos de "socialização da criança", ou seja, das maneiras de analisar o acesso "biográfico" dos se-res humanos à qualidade de sese-res sociais, de seu nascimen-to à idade adulta. Se Piaget critica Durkheim por superva-lorizar a coerção e subestimar a cooperação, é porque o fundador da sociologia francesa permanecia prisioneiro de uma concepção "holista" do social, que Piaget recusa em no-me de uma concepção "relacionista" das sociedades moder-nas, fundamentada principalmente na observação das ativi-dades infantis. A socialização já não pode, segundo Piaget, ser pensada e analisada como uma inculcação, pelas institui-ções, de "maneiras de fazer, de sentir e de pensar" a seres passivos e egoístas. As atividades e as interações que ela implica constituem, segundo ele, um vetor primordial da so-cialização das crianças.

As objecões a essa maneira "genética" (e, às vezes, vista como "restrita" porque limitada à ontogenia) de considerar

2. A tradição sociológica alemã parte de outra concepção da socialização (So:iali:tcniug) enraizada na filosofia da história de Hegel e ancorada na ques-tão da gênese da individualidade e da modernidade (cf. a noção de Verge-ifilschaftun^sm Simmel). Abordo-a no capítulo 4.

PREFACIO A 3." EDIÇÃO FRANCESA XV

a socialização um processo de desenvolvimento regido por mecanismos gerais, se não universais, vieram dos antropó-logos e principalmente dos "culturalistas" americanos (Ruth Benedict, Margaret Mead, Ralph Linton...). A partir dos anos 1930, as pesquisas etnográficas sobre populações di-versas, que Durkheim teria qualificado de "primitivas", che-gavam todas à mesma conclusão: não há nenhuma lei geral que reja a educação das crianças nas sociedades tradicio-nais. Não há complexo de Édipo generalizado, nem tam-pouco "estágios" identificáveis por toda parte. A socialização como aprendizagem da cultura de um grupo é tão diversa quanto as próprias culturas. Às vezes dominam as práticas mais autoritárias, às vezes as mais permissivas. ÀS vezes recorre-se a instituições especializadas, às vezes a educação é completamente difusa. Às vezes as crianças são educadas pela mãe, às vezes por outras pessoas (por exemplo, nas ilhas Marquesas, pelos maridos secundários). Se por quase toda parte encontram-se cerimônias de iniciação que mar-cam a passagem à idade adulta, elas não ocorrem na mes-ma idade e, em geral, concernem apenas aos meninos. Ainda é possível defender uma teoria geral da socialização das crianças?

É o que Talcott Parsons e sua equipe tentarão elaborar em uma obra intitulada Family, Sodalization and Interaction Process [Família, socialização e processo de interação] (l 955), que desenvolve um ponto de vista tipicamente "funciona-lista", ligado a uma interpretação própria da psicanálise. Para superar o obstáculo das variações empíricas das insti-tuições das práticas de socialização, eles constróem uma espécie de modelo sistemático, uma "metateoria"3

funda-mentada em um postulado simples: as sociedades, sejam quais forem, devem, para sobreviver, reproduzir ao mesmo tempo sua cultura e sua estrutura social. Elas apenas podem fazê-lo garantindo a interiorizacão das funções sociais

vi-3. No sentido de que ela não está diretamente ligada a observações empíricas, mas provém de um modelo teórico.

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tais pelas crianças ao longo de sua socialização, primeira-mente na família, depois na escola e enfim no mercado de trabalho. Agentes socializadores intervém, no decorrer do processo, para garantir ao maior número de crianças essa interiorização ativa que lhes permite, no final do trajeto, quan-do se tornam adultos, serem por sua vez "socializaquan-dores". Essa posição será criticada por um artigo célebre de Wrong (1961) que a qualifica de "concepção hipersocializada" do ser humano.

Historicamente, o funcionalismo entra em crise, pri-meiro nos Estados Unidos, em seguida em todos os outros lugares, ao longo dos anos 1960-1970. Torna-se claro que a "suprema teoria" de Parsons, como a chama Wright Mills, não permite interpretar os movimentos sociais, culturais e políticos que nesse período se manifestam por toda parte nos países ocidentais e que questionam os modelos educa-cionais. Quer se trate do feminismo, quer do movimento pela igualdade dos direitos, quer da luta de classes, todos esses movimentos sociais revelam e contestam não somen-te o carásomen-ter fundamentalmensomen-te desigual das sociedades in-dustriais "avançadas" mas também as formas de dominação sobre as quais repousam: dominação masculina, domina-ção cultural, dominadomina-ção econômica. Essas formas de domi-nação são produzidas e reproduzidas por instituições de so-cialização (a família, a escola, as forças armadas, as Igrejas, as grandes empresas etc.) que perdem, assim, sua legitimi-dade "natural" e seu caráter "consensual". Desse modo, de-senvolvem-se teorias "críticas" da socialização, principal-mente "marxistas" e "estruturalistas", que fazem dela o me-canismo de reprodução da dominação social, da domina-ção de classe particularmente. Na França4, a teoria exposta

por Bourdieu e Passeron em La Reproduction. Éléments d'une théorie dn système d'enseignement [A reprodução: elementos

4. Na mesma época, são produzidas teorias semelhantes nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha; c/., por exemplo, Bowles, S. e Gentis, H., School-ing in Capítalíst America, Nova York, Basic Book, 1976; ou Berstein, B., Class, Codes and Contrai, Londres, Routledge and Keagan, 1971.

para uma teoria do sistema de ensino] (1970) é uma de suas versões mais conhecidas. Ela será levada a se tornar com-plexa e a se desenvolver em dois níveis: o primeiro, institu-cional, faz do sistema de ensino um aparelho de imposição simbólica da cultura burguesa legitimando a reprodução das desigualdades sociais; o segundo, individual, é feito dos ha-bitus de classe Incorporados ao longo da socialização, con-cebida como um processo de impregnação das condutas pelas condições sociais, mais precisamente de um ajusta-mento das condutas aos destinos mais prováveis, assegu-randç assim subjetivamente a reprodução legítima das posi-ções de origem.

Será ao longo dos anos 1980 que novas correntes, nas-cidas geralmente nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha durante o período precedente, promoverão novos concei-tos e novas concepções da socialização, resumidos por mim na expressão "construção social da realidade". Em particu-lar, a redescoberta de Max Weber e de sua posteridade fe-nomenológica (Schultz), e também de Georg Simmel e de sua posteridade interacionista (Mead), vai fecundar a abor-dagem construtivista de Peter Berger e Thomas Lückmann, The Social Construction of Realíty [A construção social da realidade] (1966). É a partir dessa obra que a distinção en-tre "socialização primária" e "socialização secundária" per-mitirá que o conceito se emancipe do campo escolar e da infância, se aplique com um sucesso crescente ao campo profissional (e também a outros) e, sobretudo, se conecte às problemáticas da mudança social. Se a, socialização já não é definida como "desenvolvimento da criança", nem como "aprendizado da cultura" ou "incorporação de umjza-bitus", mas como "construção de um mundo vivido", então esse mundo também pode ser desconstruído e reconstruí-do ao longo da existência. A socialização se toma um proces-so de construção, desconstrução e reconstrução de identida-des ligadas às diversas esferas de atividade (principalmente profissional) que cada um encontra durante sua vida e das quais deve aprender a tornar-se ator.

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XVIII A SOCIALIZAÇÃO

Esse "retorno do ator" - sem falar no do sujeito1' - é

tam-bém a emergência de uma concepção nova da socialização, da qual Max Weber e Georg Simmel haviam esboçado pre-missas hoje amplamente reapropriadas em inúmeras pesqui-sas ao mesmo tempo "compreensivas" e "construtivistas". É ao estudar ações coletivas (ou organizadas) como elabora-ções sociais e ao reconstituir os "mundos" dos atores (simul-taneamente suas visões do mundo e suas categorizações da ação) que se tem mais chance de reconstituir e compreen-der os processos de socialização que permitem a coordenação das ações e a negociação dos "mundos" que sempre são mis-tos de interesses e de valores. Esses processos de socializa-ção produzem identidades de atores que não se reduzem nem a habitus de classe nem a esquemas culturais.

Sobre a noção de identidade e o conceito de forma identitária

É verdade que a noção de identidade ocupa nesta obra um lugar tão importante quanto o da socialização6.

Gosta-ria simplesmente, neste prefácio, de explicitar o vínculo en-tre as teorias "construtivistas" da socialização, como as que acabei de evocar, e a problemática "sociológica" da identi-dade, tal qual é apresentada no capítulo 5 e aplicada empi-ricamente na terceira parte deste livro. E, ao fazer isso, me esforçarei para justificar a decisão de utilizar a expressão "forma identitária", que usei como substituta da de identi-dade, após a primeira edição deste livro.

?. Tratei essa questão da subjetividade em relação com a construção iden-titária em La crifc dês identiiés. L'mterpréíation d'une mutation [A crise das identidades. A interpretação de uma transformação]. Paris, PUF, 2000 (col. "Lê lien social").

f. A crítica formulada por Francis de Chassey com respeito à passagem das problemáticas estruturais da socialização às abordagens interacionistas da identidade é inteiramente justificada, mas procede de urna recusa em constatar o "retorno do ator" -na sociologia recente. Cf. Utinam, tí" 8,1993, pp. 177-84.

PREFÁCIO À 3a EDIÇÃO FRANCESA XIX

A partir do momento em que se recusa a reduzir os atores sociais - inclusive e primeiramente as pessoas con-cretas que constituem o objeto das pesquisas empíricas - a uma "categoria" preestabelecida, seja ela socioeconômica (sua CSP [categoria socioprofissional] ou sua origem social), seja sociocultural (seu nível escolar ou sua origem étnica) -ou, às vezes, a uma combinação das duas -, a questão cen-tral, para o sociólogo que aborda um "campo" qualquer, torna-se a da maneira pela qual esses atores se identificam uns com os outros. Essa questão é indissociável da defini-ção do contexto de adefini-ção que é também contexto de defi-nição de si e dos outros. Como ator (tomado como tal), cada um possui certa "definição da situação" em que está inseri-do. Essa definição inclui uma maneira de se definir a si pró-prio e de definir os outros. Ela recorre a categorias que po-dem ter origens diversas e toma a forma de argumentos que implicam interesses e valores, posições e posicionamentos. O primeiro procedimento do sociólogo de campo, parece-me, é coletar, nas melhores condições possíveis, essas di-versas "definições de situação", que são condições de sua compreensão das regras da ação situada, tais como são sub-jetivamente definidas pelos atores.

Essas autodefinições de atores, em um contexto dado, não são estritamente determinadas pelo próprio contexto. Cada um dos atores tem uma história, um passado que também pesa em suas identidades de ator. Não se define somente em função de seus parceiros atuais, de suas inte-rações face a face, em um campo determinado de práticas, mas também em função de sua trajetória, tanto pessoal como social. Essa "trajetória subjetiva" resulta a um só tempo de uma leitura interpretativa do passado e de uma projeção antecipatória do futuro. As identidades de ator estão assim vinculadas a formas de identificação pessoal, socialmente identificáveis. Elas podem assumir formas diversas, assim como são diversas as maneiras de exprimir o sentido de uma trajetória, ao mesmo tempo sua direção e sua signi-ficação.

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Existem, assim, dois eixos de identificação de uma pes-soa considerada ator social7. Um eixo "sincrônico", ligado a

um contexto de ação e a uma definição de situação, em um espaço dado, culturalmente marcado, e um eixo "diacrôni-co", ligado a uma trajetória subjetiva e a uma interpretação da história pessoal, socialmente construída. E na articula-ção desses dois eixos que intervém as maneiras como cada um se define, simultaneamente como ator de um sistema determinado e produto de uma trajetória específica. Essa dualidade torna problemáticas as identificações: entre as definições "oficiais", atribuídas por outrem, e as identifica-ções "subjetivas", reivindicadas por si e submetidas ao reco-nhecimento de outrem, todas as combinações são possí-veis, em um contexto dado. A elucidação dessas formas de identificação socialmente pertinentes em uma esfera de ação determinada o que denomino formas identitárias -constitui o objetivo da "abordagem sociológica das identi-dades" desenvolvida aqui, no capítulo 5 e na última parte. Ela articula dois sentidos do termo "socialização" e do termo "identidade": a socialização "relacionai" dos atores em inte-ração em um contexto de ação (as identidades "para o ou-tro") e a socialização "biográfica" dos atores engajados em uma trajetória social (as identidades "para si"). ÀS vezes denominei esses dois sentidos: socialização das atividades e socialização dos indivíduos. Eles resultam de uma con-cepção de ator que se define a um só tempo pela estrutura de sua ação e pela história de sua formação.

Acrescentarei uma última observação epistemológica. Mesmo que não esteja explicitada como tal no livro, a po-sição assim definida sobre a identidade é estritamente no-minalista8. Não existe nenhuma identidade "essencial" em

7. O que geralmente não é levado em conta nem pelas diversas versões da análise estratégica, mesmo as mais culturais (a de Sainsaulieu, por exem-plo), nem pelas diversas teorias da reprodução, mesmo as mais construtivistas (a de Bourdieu, por exemplo); cf. "Formes identitaires et socialisation profes-síonnelle", Revue française de sociologie, 1992, XXXIII-4, pp. 505-7.

8. Esse ponto é longamente explicitado em La crise dês identités. Paris, PUF, 2000.

qualquer que seja o campo social e, a fortiori, na história humana. Todas as identidades são denominações relativas a uma época histórica e a um tipo de contexto social. As-sim, todas as identidades são construções sociais e de lin-guagem que são acompanhadas, em maior ou menor grau, por racionalizações e reinterpretações que às vezes as fa-zem passar por "essências" intemporaís. Do mesmo modo que a definição que se dará de alguém por ocasião de sua morte não estava contida em sua "identidade nominal" por ocasião de seu nascimento, a identidade "cultural" de um grupo qualquer nunca é nem "natural" nem "dada" a prio-ri, mas construída por ações individuais e coletivas. Todas as identidades, coletivas e pessoais, são assim consideradas em processos históricos e contextos simbólicos. É por isso que o termo "identificações" decerto daria menos margem a contra-senso. Mas o de identidade tem a vantagem de en-fatizar uma das dimensões mais importantes da abordagem desenvolvida longamente neste livro: a subjetividade no cerne dos processos sociais.

Identidades profissionais e Si-mesmo íntimo: vida de trabalho e vida privada

Entre as críticas mais intensas dirigidas a essa proble-mática da identidade, as que me censuram por minimizar a importância da vida privada, do amor e/ou da família, enfim, da intimidade9, me pareceram tão importantes que

consa-grei a elas uma parte substancial de uma obra recente inti-tulada La crise dês identités (PUF, 2000).

As formas identitárias em questão em A socialização não são "identidades pessoais" no sentido de designações singulares de si, mas construções sociais partilhadas com to-dos os que têm trajetórias subjetivas e definições de atores

9. E o caso de François de Singly, op. cit., que qualifica minha abordagem de universalista porque ela repousa em uma equivalência socialização "pri-mária" = família + escola; socialização "secundária" = trabalho.

(12)

XXII A SOCIALIZAÇÃO

homólogas, principalmente no campo profissional. Se de-fendi a tese da centralidade do trabalho na vida pessoal e do lugar eminente das identificações profissionais na vida social, é porque o contexto econômico e social de "crise" me parecia suficientemente embasado por todos os tipos de pesquisas para defender essa posição. A privação de trabalho é um sofrimento íntimo, um golpe na auto-esti-ma tanto quanto uauto-esti-ma perda de relação com os outros: uauto-esti-ma ferida identitária geradora de desorganização social10.

In-versamente, o fato de ser reconhecido em seu trabalho, de travar relações — mesmo conflituosas - com os outros e de poder se empenhar pessoalmente em sua atividade é, ao mesmo tempo, construtor de identidade pessoal e de cria-tividade social. Desse modo, o sociólogo não reduz o tra-balho nem a uma simples troca econômica (tempo contra salário) nem a uma simples dimensão "estatutária", exterior à subjetividade.

No entanto, isso não significa que a identidade no tra-balho seja a única dimensão da identidade pessoal, do que pode ser chamado, não sem precaução, de Si-mesmo. Ja-mais pretendi identificar as formas de identificação profis-sional ao conceito de Si-mesmo, tal como foi produzido por uma ou outra das correntes da psicologia social. A questão difícil é, aqui, a da articulação das esferas de atividade na vida pessoal e a existência (ou não) de uma identificação principal por si ou pelos outros.

Uma das teses mais importantes dos últimos trabalhos de Françoís de Síngly é a da primazia crescente da vida pri-vada sobre as outras esferas sociais e da importância ca-da vez mais decisiva do Outro significativo (o cônjuge espe-cialmente) na socialização "secundária" na idade adulta. É na e pela relação amorosa que se constróem, junto e

li-10. Cf. Lazarsíeld, P., Jahoda, M. e Zeisel, H., Lês Chômeurs de Maríen-thal [Os desempregados de MaríenMaríen-thal], Paris, Minuit, 1981 (l? ed., 1932); e também Bourdíeu, P. (ed.). La misère du monde [A miséria do mundo], Paris, Seuil, 1996.

PREFÁCIO À 3:' EDIÇÃO FRANCESA XXIII

vremente11, identidades pessoais que são também formas

do "Eu conjugai" que asseguram e preservam a construção do "Si-mesmo íntimo". Por isso, a dupla transação pela qual se constróem (e se destroem) "formas identitárias" se torna complexa e se desdobra, segundo concirna aos papéis pú-blicos ou à intimidade privada. Tudo se passa como se a subjetividade já não fosse apenas "socialmente construída" mas também, e cada vez com mais autonomia, "intimamen-te trabalhada". A questão é saber quais relações exis"intimamen-tem, na idade adulta, entre as categorias ale identificação que pro-vêm das instituições "oficiais" e as categorias "indígenas" que emergem das interações da vida cotidiana. Ela é indis-sociável do problema das fontes de reconhecimento de si, e também da estrutura das atividades (de trabalho mas tam-bém sexuais, familiares, lúdicas, culturais...) na organização da vida social e psíquica.

A relação entre as diversas esferas de atividade é por-tanto uma questão essencial na construção da subjetivida-de: o "si-mesmo íntimo", inclusive (e talvez sobretudo) nas relações amorosas, se nutre das experiências familiares, pro-fissionais, políticas etc., e tenta, com a ajuda dos outros (Outro significativo e generalizado), mas também solitaria-mente, enredá-las. Esse enredamento permite, por si só, a produção compreensiva e narrativa de uma "identidade pes-soal" que articula as diversas esferas da existência. Quando se consegue coletá-los, esses "relatos de vida" são fontes extremamente ricas para o sociólogo (assim como para o an-tropólogo, para o psicólogo clínico, para o historiador...). Mas é preciso analisá-los e interpretá-los12. É aí que

come-çam os problemas...

Abril de 2000

11. Cf. Singly, F. de, Libres ensemble. L'mdmidualisme dans Ia vie commu-ne [Livres junto. O individualismo na vida comum], Paris, Nathan, 2000.

12. Cf. Demazière, D. e Dubar, C., Anah/ser lês cntretiens biographiques. 1'cxemple dês reate d'ínsertion [Analisar os relatos biográficos. O exemplo das narrativas de inserção], Paris, Nathan, 1997.

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O termo "identidade" está ressurgindo tanto no voca-bulário das ciências sociais como na linguagem corrente. Fala-se, em toda parte, em "crise das identidades" sem saber direito o que essa expressão engloba: dificuldades de inser-ção profissional dos jovens, aumento das exclusões sociais, desconforto diante das transformações, confusão das cate-gorias que servem para se definir e para definir os outros... Como em todos os períodos que se seguem a uma grande crise econômica, a incerteza quanto ao futuro domina to-das as tentativas de reconstrução de novos padrões sociais: os de ontem já não convém e os de amanhã ainda não es-tão estabelecidos.

No entanto, a identidade de uma pessoa é o que ela tem de mais valioso: a perda de identidade é sinônimo de alienação, sofrimento, angústia e morte. Ora, a identidade humana não é dada, de uma vez por todas, no nascimento: ela é construída na infância e, a partir de então, deve ser reconstruída no decorrer da vida. O indivíduo jamais a cons-trói sozinho: ele depende tanto dos juízos dos outros quan-to de suas próprias orientações e auquan-todefinições. A identi-dade é produto das sucessivas socializações.

Essa noção de socialização deve ser esclarecida, redefi-nida, até mesmo reabilitada. Ao longo da história das ciên-cias sociais - história ainda muito curta se comparada à das ciências da matéria ou da vida -, o termo "socialização" foi

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XXVI A SOCIALIZAÇÃO

utilizado em sentidos muito diversos e está carregado de conotações atualmente às vezes consideradas negativas ou ultrapassadas: inculcação das crianças, doutrinamento dos indivíduos, imposição de normas sociais, coerções exercidas por Poderes tão ameaçadores quanto anônimos... A ponto de alguns sociólogos estarem tentados a banir essa noção do vocabulário científico de sua disciplina. Mas suprimir uma palavra não elimina um problema essencial: como cir-cunscrever a dinâmica das identidades sem considerar sua construção, tanto individual como social?

A apresentação sucinta de algumas grandes teorias cen-tradas, parcial ou totalmente, na análise dos processos de socialização consagra-se a primeira parte deste livro, conce-bida como uma iniciação. Ela constitui um convite à (re)lei-tura de alguns textos e autores importantes; é acompanhada da apresentação esquemática de algumas pesquisas recen-tes inspiradas por essas grandes correnrecen-tes teóricas; termina em uma problemática do que poderia constituir atualmente as bases de uma teoria sociológica operacional da constru-ção das identidades.

Entre as múltiplas dimensões da identidade dos indiví-duos, a dimensão profissional adquiriu uma importância particular. Por ter se tornado um bem raro, o emprego con-diciona a construção das identidades sociais; por passar por mudanças impressionantes, o trabalho obriga a transforma-ções- identitárias delicadas; por acompanhar cada vez mais todas as modificações do trabalho e do emprego, a forma-ção intervém nas dinâmicas identitárias por muito tempo além do período escolar. A segunda parte apresenta algumas aquisições importantes e pouco conhecidas das ciências sociais nesse campo específico da socialização profissional. Da sociologia das "profissões" nos Estados Unidos à econo-mia dos "mercados de trabalho", passando pelo estudo das "relações profissionais", ela explora algumas fontes impor-tantes das pesquisas atuais sobre a dinâmica das identida-des profissionais.

A terceira parte sintetiza os resultados empíricos de vá-rias pesquisas francesas sobre essa dinâmica identitária,

rea-1NTRODUÇÃO XXVII lizadas nos últimos vinte e cinco anos. Apresenta tuna tipo-logia das identidades salariais em processo de reestrutura-ção nas empresas e na sociedade francesas. Apóía-se em trabalhos recentes, que às vezes acabaram de ser concluí-dos, mas também em estudos mais antigos, reinterpretados à luz desses trabalhos. Mostra enfim a que ponto a identi-dade profissional se tornou um objeto importante - mas sempre em construção e em debate - da sociologia france-sa atual.

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Socialização e construção

social da identidade

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Capítulo l i

A socialização da criança na psicologia

piagetiana e seus prolongamentos

sociológicos

O termo "socialização", aplicado à criança, designa um dos objetos essenciais da psicologia genética. A literatura consagrada ao desenvolvimento da criança é imensa, e cons-titui uma reserva importante de resultados e de análises em-píricas para toda teorização dos processos de socialização1.

Mas é raro encontrar nela reflexões epistemológicas sobre as condições da abordagem científica e sobre os problemas suscitados pela confrontação dos pontos de vista disciplina-res (biologia, psicologia, sociologia).

É o caso do texto de J. Piaget, publicado na primeira parte de Étttdes sociologiques [Estudos sociológicos] e intitu-lado "Uexplication en sociologie" [A explicação em sociolo-gia] (1965). Ele aborda de frente a questão das relações en-tre a explicação sociológica e as explicações psicológicas e biológicas, e desenvolve, quanto aos fatos de socialização, posições sugestivas. Estas, sem dúvida, constituem a pri-meira tentativa de superação das oposições entre os pon-tos de vista psicológico e sociológico - oposições fundadoras da sociologia, segundo Durkheim -, e a primeira tentati-va estimulante de definição de uma abordagem sociológica

L Entre as inúmeras sínteses de pesquisas sobre a socialização da crian-ça, citemos, em língua francesa, a reunida por Daval (1964), já antiga mas sempre sugestiva, e a de Doise e Deschamps (1986), mais recente, e, em lín-gua inglesa, as antigas de Erikson (1950) e de D. A. Goslin (1969) e as recentes de Bruner (1983) e de Malewska-Peyre e Tap (1991).

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da socialização que seja complementar e não antagônica às abordagens psicogenéticas e principalmente à que Piaget elaborou e aperfeiçoou ao longo de sua obra. Essa "nova" abordagem da socialização foi parcialmente aplicada tanto no campo da sociologia da educação como no da sociologia política.

1. A abordagem piagetiana da socialização

Piaget se interessa antes de mais nada pelo desenvol-vimento mental da criança, e o define como uma constru-ção contínua mas não linear, que procede por estágios su-cessivos e constitui o que Piaget chama de processo de equilibração, ou seja, "a passagem perpétua de um esta-do de menor equilíbrio a um estaesta-do de equilíbrio superior" (1964, p. 10). Esse processo põe em ação dois elementos heterogêneos: estruturas, variáveis, definidas como "formas de organização da atividade mental" sob seu duplo aspec-to inseparavelmente cognitivo e afetivo; e um funciona-mento constante que provoca a passagem de uma forma a outra por um movimento de desequilíbrio seguido de um restabelecimento do equilíbrio pela passagem a uma forma nova.

Esse desenvolvimento mental tem sempre uma dupla dimensão, individual e social: as estruturas pelas quais em geral todas as crianças passam são sempre a um só tempo "cognitivas" (internas ao organismo) e "afetivas", ou seja, relacionais (orientadas para o exterior). Assim, o reflexo de sucção do recém-nascido é, ao mesmo tempo, a manifesta-ção de uma tendência instintiva e a expressão das primeiras emoções dirigidas à mãe ou a quem assume o papel dela. Para Piaget, essas estruturas evolutivas.que ele utiliza para definir os estágios (cuja quantidade, dependendo de seus escritos, varia...) do desenvolvimento da criança são indis-sociáveis das condutas definidas, não em termos behavioris-tas, como simples reações a estímulos externos (o

conheci-do esquema E —> R* analisaconheci-do principalmente por Pavlov), mas como respostas a necessidades provenientes da inte-ração entre o organismo e seu entorno físico e social. Desse modo, toda ação (gesto, sentimento, pensamento...) é con-cebida como uma tentativa para reduzir uma tensão ou um desequilíbrio entre as necessidades do organismo e os re-cursos do entorno. Ela tem como finalidade um objetivo a alcançar (restabelecer o equilíbrio) e é definida pelos ins-trumentos utilizados para realizá-lo. Acaba quando a ne-cessidade é satisfeita, ou seja, quando o equilíbrio é (re)en-contrado. Esse modelo hoineostático (movimento definido como restabelecimento de um equilíbrio com o entorno), na época muito difundido nas ciências da vida, leva Piaget a conceber o desenvolvimento da criança - e portanto sua socialização, que constitui um de seus elementos essenciais - como um processo ativo de adaptação descontínua a for-mas mentais e sociais cada vez mais complexas.

Essa adaptação é descrita por Piaget, em cada estágio, como a resultante e a articulação de dois movimentos com-plementares, ainda que de natureza diferente:

- a assimilação consiste em "incorporar as coisas e as pessoas de fora" às estruturas já construídas. Assim, a suc-ção é primeiramente, para o recém-nascido, um reflexo de incorporação bucal do mundo (vivido como "realidade a ser sugada", segundo os termos de Piaget) que o leva a genera-lizar sua conduta (chupa seu próprio polegar, os dedos de outra pessoa, os objetos que lhe são apresentados...) a tudo que lhe proporciona prazer, depois de ter discriminado na prática o que correspondia à sua necessidade vital (o seio da mãe, a mamadeira...). Do mesmo modo, o reflexo do sorriso é reservado de início a certas pessoas (quinta semana) antes de ser generalizado a todo rosto humano. Mais tarde ele se transformará em expressão voluntária de um sentimento di-ferenciado. Essas condutas desencadeiam, assim, formas de assimilação específicas a cada estágio de desenvolvimento

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6 A SOCIALIZAÇÃO

da criança: elas constituem uma modalidade de relação com o mundo adaptado, por um tempo, ao estado de maturação biológica da criança. Quando a criança evolui, novas formas de assimilação tornam-se necessárias e possíveis;

- a acomodação consiste em "reajustar as estruturas em função das transformações externas". Assim, as modifi-cações no entorno são fontes perpétuas de ajustes: quando se passa do seio à mamadeira, o reflexo de sucção se modi-fica; os sorrisos se modificam conforme as pessoas que se debruçam sobre o bebê... Essas variações contribuem para o que Piaget chama de "construção do esquema prático do Objeto", condição da descoberta ativa da permanên-cia dos objetos (materiais ou humanos) mesmo quando es-tão ausentes. Elas também permitem as estruturações do espaço e do tempo e a emergência das modalidades suces-sivas de reconhecimento das relações de causalidade. Esses quatro elementos (esquemas práticos, espaço, tempo e cau-salidade) entram na composição das estruturas mentais ca-racterísticas de cada um dos estágios significativos do de-senvolvimento da criança.

As estruturas mentais são indissociáveis das formas re-lacionais pelas quais elas se exprimem para com outrem. Desse modo, a cada estágio distinguido por Piaget, é possí-vel fazer corresponder formas típicas de socialização que constituem modalidades de relação da criança com outros seres humanos. Passa-se assim, segundo o autor, do ego-centrismo inicial do recém-nascido, caracterizado por "uma indistinção entre o eu e o mundo", à inserção terminal do adolescente escolarizado no mundo profissional e na vida social do adulto. Entre esses dois estágios extremos, a crian-ça terá aprendido primeiro a exprimir sentimentos diferen-ciados graças à estruturação de percepções organizadas (e à solicitação de seu entorno imediato), depois a imitar seus próximos diferenciando claramente o pólo interno (o Eu) do pólo externo (o Objeto), em seguida a praticar, graças à fala, as trocas interíndividuais, descobrindo e respeitando as relações de coerção exercidas pelo adulto, enfim a passar da coerção à cooperação graças ao domínio conjunto da

SOCIALIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE 7

"reflexão como discussão interiorizada consigo" e da discus-são COIBQ "reflexão socializada com outrem", que lhe per-mitem adquirir simultaneamente o sentido da justificação lógica e o cia autonomia moral (cf. quadro 1).

Essa passagem da coerção à cooperação, ou seja, da submissão à ordem social (parental e escolar) à autonomia pessoal na cooperação voluntária (com os adultos e com as outras crianças), constitui um ponto essencial na análise piagetiana da socialização. E com base nesse ponto que, em 1932, em O juízo moral na criança, Piaget define o núcleo de sua concepção e a diferencia da de Durkheim.

Quadro l Desenvolvimento mental e socialização em seis estágios* segundo Piaget (1964)

j Os estágios de l desenvolvimento l " (versão 1964) i I. Estágio dos reflexos

'• II. Estágio dos

primeiros hábitos motores III. Estágio da inteligência sensório-motora IV. Estágio da inteligência intuitiva ' V. Estágio da inteligência concreta VI Estágio da inteligência abstrata - formal Dimensão individual: estruturas mentais Tendências instintivas Percepções organizadas Regulações elementares de ordem prática Imagens e intuições representativas "gênese do pensamento" Passagem às operações Explicações pelo atornismo Construção de teorias Pensamento hipotético-dedutivo Categoria do "possível" Dimensão social: formas de socialização Egocentrismo inicial Primeiros sentimentos diferenciados Imitação como primeira "socialização da ação" Submissão aos adultos por coerção

Sentimentos e práticas de cooperação Inserção social e profissional

* A partir do fim dos anos 1960, Piaget se referirá mais a um desenvolvimen-to em quatro estágios: sensório-modesenvolvimen-tor (I, II e III), pré-operatório (IV), opera-tórío concreto (V) e formal (VI).

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Para compreendê-la bem, sigamos o autor na descrição de seu exemplo favorito: o jogo de bolinhas de gude.

Um grupo de crianças joga bolinha de gude. Tanto do ponto de vista da prática das regras quanto do da consciên-cia destas, a conduta das crianças varia em função da idade... Os "pequenos", literalmente falando, não jogam. Eles mani-pulam as bolinhas segundo esquemas perceptivos e motores absolutamente simples... A criança responde às proprieda-des do objeto (forma, consistência, tamanho...) segundo al-guns esquemas corporais (empurrar, puxar, amontoar etc.). A criança brinca sozinha, mesmo que haja muitas; não há cooperação. Portanto não há, literalmente falando, o senti-mento de que um ganha e o outro perde. Isso porque, na verdade, ela não tem consciência de que algumas jogadas são permitidas e outras proibidas... Os "grandes", ao contrá-' rio, estão totalmente empenhados no jogo. Se são pergunta-dos sobre as regras, respondem: "nós que fizemos as re-gras... podemos mudá-las, se estivermos de acordo, mas, enquanto elas não forem modificadas, todo o mundo deve respeitá-las" (Piaget, 1932).

Nessa obra de juventude, Píáget distínguia quatro es-tágios que correspondiam, entre outras, a quatro concep-ções da norma:

- o estágio "motor e individual" (antes dos dois anos): não se pode falar efetivamente de norma, a não ser de "re-gras motoras";

— o estágio "egocêntrico" (dos dois aos cinco anos), que começa quando a criança recebe do exterior o conjunto das regras codificadas. Nesse estágio, mesmo brincando juntas, as crianças brincam cada uma por si. A confusão do eu e do mundo exterior e a falta de cooperação constituem apenas um único e mesmo fenômeno: o egocentrismo que não pode ser limitado senão, pela coerção;

- o estágio da cooperação nascente (sete-doze anos): cada jogador procura superar os outros, o que provoca o aparecimento da preocupação com o controle mútuo e da unificação das regras, que, no entanto, permanecem

ínfor-mais ainda que parcialmente negociadas (à medida que se faz necessário);

- o estágio da codificação das regras (depois dos doze anos): os jogadores se conscientizam da existência e da ne-cessidade de regras formais, cuja coerência eles verificam na esfera intelectual e cuja justificação eles discutem na es-fera moral.

Portanto, é possível associar essas quatro formas suces-sivas de socialização a quatro maneiras de atuar: uma ma-neira gestual e motora que é regulada apenas pela repres-são direta, que pode ser afetuosa ("jogo de mão, jogo de vi-lão!") ou violenta (um par de bofetadas); uma maneira so-litária e egocêntrica que não pode ser regulada senão pela coerção ("se você não vier comer, não terá nada..."); uma maneira cooperativa mas informal que sempre pode dege-nerar e que deve ser controlada de modo menos ou mais discreto ("não, isso não é permitido..."); uma maneira .coo-perativa, formalizada e dinâmica, baseada na negociação re-cíproca e na adaptação comum às situações: a regulamenta-ção inclui então a consciência das regras sociais existentes e a capacidade de atuar coletivamente com elas.

O próprio Piáget resume o processo geral da socializa-ção da criança por meio das quatro transformações seguin-tes (1964, pp. 71-5):

- a passagem do respeito absoluto (aos pais) ao respeito mútuo (crianças/adultos e crianças entre si);

- a passagem da obediência personalizada ao senti-mento da regra: esta torna-se, no último estágio, a expres-são de um acordo mútuo, um verdadeiro "contrato";

- a passagem da heteronomia total à autonomia recí-proca, que implica, no último estágio, a fixação de sentimen-tos novos, como "a honestidade, o coleguismo, o fair-play, a justiça";

— a passagem da energia à vontade, que constitui uma "regulagem ativa da energia" (supondo uma hierarquização entre dever e prazer, notadamente).

Ao fim do processo de socialização da criança, "os va-lores morais se organizam em sistemas autônomos

(20)

compa-10 A SOCIALIZAÇÃO

ráveis aos agrupamentos lógicos". Encontramos o "núcleo" da concepção piagetiana da socialização: a reciprocidade en-tre estruturas mentais e estruturas sociais, a correspondên-cia, em cada estágio, entre as operações lógicas e as ações morais, ou seja, sociais: "a moral é uma espécie de lógica dos valores e das ações entre indivíduos, assim como a ló-gica é uma espécie de moral do pensamento" (1964, p. 72).

• S'

2. Durkheim e Piaget: um debate inacabado

Na segunda parte de O juízo moral..., Piaget inicia um debate construtivo com Durkheim, debate que se insere em uma "confrontação das teses essenciais da sociologia e da psicologia genética, concernindo justamente à natureza em-pírica das regras morais".

Esse debate faz, de início, aparecer uma série de con-vergências entre as primeiras análises de Piaget e as conti-das, por exemplo, em L'édutation momle [A educação mo-ral] (Durkheim, 1902-1903) ou em De Ia division dn travail social [Da divisão do trabalho social] (Durkheim, 1893).

Piaget endossa a definição durkheimíana da educação como "socialização metódica da jovem geração" (Durkheim, 1911, ed. ir. 1966, p. 92), com a condição de precisar bem -como aliás faz Durkheim - que essa socialização não é pró-pria somente à geração precedente mas aos próprios indi-víduos. Cada geração deve se socializar com base nos "mo-delos culturais transmitidos pela geração precedente" (Dur-kheim, 1902-1903, ed. fr. 1963, p. 4). A socialização também é, para Piaget, uma "educação moral", mas não é inicial-mente, como para Durkheim, uma transmissão, pela coerção, do "espírito de disciplina" complementado por um "vínculo com os grupos sociais" e interiorizado livremente graças à "autonomia da vontade" (Durkheim, 1902-1903). Para Pia-get, ela é antes de tudo uma construção, sempre ativa e até interativa, de novas "regras do jogo" que implicam o desen-volvimento autônomo da "noção de justiça" e a substituição

SOCIALIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE 11

de "regras de coerção por regras de cooperação" (Piaget, 1932, p. 419). '

Por outro lado, Piaget reconhece, com Durkheim, que de início a socialização se baseou, historicamente, na coer-ção externa e na conformidade "natural" a modelos exterio-res. Ele .compartilha da teoria do crime desenvolvida por Durkheim (1893): "é somente com a condição de haver sanções que a própria existência da moralidade é assegura-da", e elas reforçam o sentimento moral na medida em que o crime é justamente "o que ofende os estados fortes e defi-nidos do sentimento coletivo". Nesse sentido, a socializa-ção comporta uma dimensão repressiva: quem transgride abertamente as regras aceitas por todos deve ser punido, e é essencial que as sanções aplicadas sejam proporcionais à gravidade dos crimes cometidos. Como escreve Piaget: "a ex-terioridade inicial das relações sociais leva fatalmente a certo realismo moral" (1932, p. 136). Se as regras, assim como as crenças e os valores que as fundamentam, se impõem pri-meiramente do exterior (tanto na criança como nas socie-dades ditas "primitivas"), também é necessário que as san-ções "recaiam" sobre quem as transgrediu, contribuindo, assim, para reforçar nos outros o respeito às regras.

Piaget e Durkheim também estão de acordo ao reco-nhecerem a índívidualizacão crescente da vida social à me-dida que as trocas sé desenvolvem e se tornam complexas. A passagem de uma solidariedade mecânica por "imitação externa" a uma solidariedade orgânica por "cooperação- e complementaridade" (Durkheim, 1893) desenvolve aindivi-dualizacão e a diferenciação das relações sociais. Logo, "a vida social, à medida que se individualiza, torna-se mais in-terior" (Piaget, 1932, p. 138). É necessário, então, recorrer à autonomia da vontade mais do que ao medo da repressão. A socialização torna-se cada vez mais voluntária.

O ponto em que Piaget se distingue de Durkheim é quando este estabelece uma equivalência pura e simples en-tre os objetivos e os efeitos da coerção externa e os da coo-peração voluntária. De fato, como bem observou Nisbet

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(1966, trad. fr. 1984, pp. 114 ss.), na obra Da divisão do tra-balho social, Durkheim, depois de ter oposto, termo por ter-mo, as sociedades ditas "primitivas", de solidariedade me-cânica, às sociedades industriais, de solidariedade orgânica, relativiza intensamente essa oposição na segunda parte. Ele escreve particularmente que "a divisão do trabalho só pode ser feita entre os membros de uma sociedade já cons-tituída... Há uma vida social exterior a toda divisão do tra-balho, mas que esta supõe... há sociedades cuja coesão se deve essencialmente à comunhão de crenças e de senti-mentos e... é dessas sociedades que se originaram as socie-dades cuja unidade é garantida pela divisão do trabalho" (Durkheim, 1893, 8? ed. fr. 1967, pp. 259-61). Assim, obser-va Nisbet com propriedade: "A sociedade se torna, na se-qüência da obra de Durkheim, um.conjunto complexo de elementos sociais e psicológicos sobre os quais ele havia afirmado inicialmente serem próprios apenas às sociedades primitivas." Efetivamente, "Durkheim faz dos atributos da solidariedade mecânica a característica permanente de to-dos os fatos sociais" (Nisbet, ia., p. 116). Sem ir tão longe, Piaget também constata e critica o fato de, para Durkheim, a coercão social característica da solidariedade mecânica possuir a mesma função e levar aos mesmos resultados que a cooperação, atributo essencial da solidariedade orgânica: desenvolver, em cada um, uma "consciência coletiva" ao mesmo tempo unificada e exterior ao indivíduo. É essa as-similação' que Piaget recusa, não por "psicologismo", mas porque não partilha com Durkheim a mesma concepção de sociedade moderna e não interpreta da mesma maneira que ele a passagem das sociedades tradicionais às sociedades industriais: "Nossas sociedades civilizadas tendem cada vez mais a substituir-a regra de coercão pela regra de coopera-ção. Faz parte da essência da democracia considerar a lei um produto da vontade coletiva e não a emanação de uma von-tade transcendente ou de uma autoridade de direito divino" (Piaget, 1932, p. 419).

Ao contrário de Durkheim, Piaget instaura uma cisão e uma oposição efetivas entre as relações de coercão

estabele-cidas sobre os vínculos de autoridade e o sentimento do sa-grado (sociedades tradicionais) e as relações de cooperação estabelecidas sobre o respeito mútuo e a autonomia da vontade (sociedades modernas). A passagem das primeiras às segundas é apresentada por Piaget como resultado con-junto de uma "evolução intelectual" e um "desenvolvimen-to moral" que "desenvolvimen-tornam possível a construção voluntária de novas relações sociais, inclusive pelas próprias crianças. O que Durkheim não viu é que "existem relações sociais es-pecíficas aos próprios grupos infaiTtis: nem por isso as re-gras das crianças são menos sociais. Elas repousam sobre outros tipos de autoridade... Alguns pedagogos se pergun-taram se essas regras não podiam justamente ser utilizadas em sala de aula" (Piaget, 1932, p. 417).

Uma divergência essencial entre Durkheim e Piaget concerne, enfim, à seguinte questão: ainda é possível falar "da" sociedade a propósito das sociedades modernas? Durk-heim acha que sim, Piaget duvida: "a moral apresentada ao indivíduo pela sociedade não é homogênea porque a pró-pria sociedade não é uma coisa única2. A sociedade é o

con-junto das relações sociais" (Piaget, 1932, id.). Ora, dentre elas, os dois tipos de relação precedentes (coerção/coope-racão) são fundamentalmente diferentes para Piaget, que não pode, pois, definir a socialização simplesmente como integração - mesmo ativa - a uma sociedade unificada. É preciso situar seu debate com Durkheim no próprio nível da concepção do social, e assim esclarecer as condições de uma abordagem sociológica da socialização.

A concepção paradigmática3 do social segundo Piaget

só será explicitada muito mais tarde, no texto citado no

iní-2. Gritos meus.

3. Ou seja, a representação rnais geral do que é "o social" entre a comu-nidade de especialistas das ciências sociais. Considera-se, em geral, que há dois grandes "paradigmas" do social: o paradigma "holista", que considera a sociedade uma totalidade, um "organismo", e o paradigma "individualista" ou "atomista", que a considera um agrupamento de indivíduos autônomos (Boudon e Bourricaud, 1982). Efetivamente, a maioria dos teóricos da sociolo-gia combina elementos desses dois paradigmas.

(22)

14 A SOCIALIZAÇÃO

cio deste capítulo e intitulado "Lfexplication en sociologie" (1965). Rejeitando tanto G. Tarde, que queria "explicar a sociedade pelo resultado da socialização dos indivíduos", concebida como imitação (1965, p. 28), quanto Durkheim, por ele fazer da "consciência coletiva" uma substância e uma causa, "um foco inconsciente de emanações conscientes" (p. 29), e sem dar razão a nenhum deles nessa polêmica es-téril, Piaget qualifica sua própria posição como sendo rela-tivista, definindo assim o que ele chama de "todo social": "nem uma reunião de elementos anteriores, nem uma en-tidade nova, mas um sistema de relações em que cada uma engendra como relação uma transformação dos termos que ela une" (p. 29). Nem individualista-atomísta, que define o social como agregação de indivíduos, nem holista-organi-cista, que considera o social uma totalidade realista, a posi-ção de Piaget pode ser qualificada de relacionista-constru-tivista por considerar a sociedade "um sistema de ativida-des cujas interações elementares consistem em ações que se modificam umas às outras segundo certas leis de organi-zação ou de equilíbrio" (pp. 29-30). Conseqüentemente, a socialização pode ser definida como processo descontínuo de construção individual e coletiva de condutas sociais que inclui três aspectos complementares:

- o aspecto cognitivo, que representa a estrutura da conduta e se traduz em regras;

- o aspecto afetivo, que representa a energética da con-duta e se exprime em valores;

- o aspecto expressivo (ou "conativo"), que representa os significantes da conduta e se simboliza em signos.

Piaget não fornece traduções operacionais desses três conteúdos de socialização em pesquisas precisas. Encontra-remos traduções sociológicas'diversas desses conteúdos ao longo desta obra (cf. quadro 2). Eles constituem, para ele, a matéria básica com a qual se estrutura o desenvolvimento da criança e se constrói sua socialização ativa.

Essa construção repousa na correlação essencial entre estruturas sociais e estruturas mentais, ou seja, entre a

so-SOCIAUZACÃO E CONSTRUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE 15 dalizacão concebida como construção de formas de orga-nização das atividades e a socialização concebida como modo de desenvolvimento dos indivíduos. Assim, o social sempre pode se analisar e se reconstruir tanto a partir da aná-lise "objetiva" das formas de organização coletiva e de sua gênese como a partir da análise "subjetiva" dos conteúdos de representações mentais individuais e de sua emergên-cia. A correspondência entre as duas abordagens se funda-menta no paralelismo psicossociológico que postula a reci-procidade entre as representações mentais, interiorizacão das estruturas sociais, e as cooperações sociais, exterioriza-ção das estruturas mentais.

Esse paralelismo psicossociológico explica o'fato de Piaget, em suas análises do desenvolvimento da criança, nunca ter podido separar - mesmo por uma abstração me-todológica que teria sido legítima - as formas sociais de cooperação das formas lógicas de construção mental. Não somente Piaget sempre se recusou a postular a anteriorida-de lógica ou cronológica das estruturas sociais sobre as es-truturas mentais, mas também nunca operou nenhuma dissociação metodológica entre as duas. "Assim", escreve ele, "se o progresso lógico acompanha o da socialização, deve-se dizer que a criança se torna capaz de operações ra-cionais porque seu desenvolvimento social a torna apta à cooperação ou deve-se, ao contrário, admitir que são suas aquisições lógicas individuais que lhe permitem compreen-der os outros e que, desse modo, a conduzem à coopera-ção? Dado que os dois tipos de progresso vão exatamente de par, a questão parece não ter resposta, e só se pode dizer que eles constituem dois aspectos indissociáveis de uma única e mesma realidade a um só tempo social e individual" (1965, p. 158).

Agora se compreende melhor a dificuldade do autor em precisar os objetos respectivos da psicologia e da socio-logia na análise dos fatos de socialização. Ora ele inclui a primeira na segunda: "A psicologia da criança constitui um setor da sociologia consagrado ao estudo da socialização

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do indivíduo" (1965, p. 23). Ora ele afirma a autonomia da abordagem sociológica: "A análise sociológica dos fatos de socialização supõe um novo método relativo ao conjunto do grupo em questão como sistema de interdependências construtivas" (id., p. 16). Acontece-lhe até reconhecer, com bom humor, a superioridade dessa abordagem: "A sociolo-gia possui o grande privilégio de situar suas pesquisas em uma escala superior à de nossa modesta psicologia e, por conseguinte, de dominar segredos de que dependemos" (Piaget, 1966, p. 248). Mas qual é esse "novo método" que permite à sociologia "se situar em uma escala superior"? Piaget não o precisa em lugar nenhum. Desse ponto de vis-ta, o debate com Durkheim permanece inacabado...

Os continuadores de Piaget puderam apenas constatar o fato: "Piaget não criou um paradigma psicossociológico do desenvolvimento cognitivo" (Doise, 1982). Ainda que sua concepção relacionista do social seja claramente expli-citada teoricamente e distinta da de Durkheim, ela conti-nua sem tradução metodológica: a distinção do objeto "so-cialização da criança" entre uni ponto de vista psicológico centrado nas estruturas mentais e um ponto de vista socio-lógico focado nas formas sociais de cooperação não foi operada por Piaget. Outros conseguiram fazê-lo mais tar-de? É possível uma abordagem sociológica de inspiração piagetiana?

3. Uma aplicação em sociologia da educação

Em que essa teoria do desenvolvimento psicogenético como equilibração pode ser útil para a análise sociológica? Ela não seria, ao contrário, fundamentalmente oposta ao procedimento "clássico" da sociologia da educação que co-loca em evidência, por exemplo, as desigualdades sociais de êxito escolar e de inserção profissional e as determina-ções do nível escolar e da posição social pela origem social? Não cairemos novamente, com Piaget, em uma dessas

pseu-doteorias do "homem médio", já criticadas por Durkheim (1897) em sua polêmica com G. Tarde e suas explicações pela imitação?

Podem-se encontrar os primeiros elementos interes--santes de resposta a essas questões em um estudo recente de um pesquisador em psicologia que invoca Piaget explici-tamente e que procura esclarecer certos mecanismos das desigualdades sociais de êxito escolar. J. Lautrey tentou, as-sim, demonstrar, por meio de uma pesquisa empírica, a hi-pótese segundo a qual "as_condicões de vida e de trabalho, ligadas ao status socioeconômico dos pais, determinam suas práticas educacionais, que, por sua vez, influem no de-senvolvimento intelectual da criança" (Lautrey, 1984, p. 18). Para operacionalizar essa hipótese, Lautrey construiu três tipos de estruturação do entorno familiar de uma amostra de crianças de uma escola elementar*: uma estruturação frágil correspondendo à ausência de regras e de previsibili-dade, portanto pouco favorável à reestruturação em caso de desequilíbrio; uma estruturação rígida feita de regras imu-táveis e coercitivas e, portanto, pouco favorável ao desequi-líbrio inicial necessário para o desenvolvimento; uma es-truturação flexível correspondente a regras condicionais fa-voráveis a um só tempo ao desequilíbrio e à reestruturação. Ele estabelece a seguinte relação: "quanto mais alta a posi-ção da profissão do pai na hierarquia social, mais flexível é o tipo de estruturação; quanto mais baixa a posição da pro-fissão, mais rígido é o tipo" (id., p. 115). Demonstra, enfim, que "as crianças educadas em uma estruturação flexível do entorno familiar estão mais adiantadas, do ponto de vista do estágio atingido em seu desenvolvimento operatório, do que os outros dois grupos" (id., p. 214). Referindo-se explici-tamente ao processo cie equilibração das estruturas cogniti-vas de Piaget, ele tenta estabelecer assim uma dupla

rela-* A escola elementar na Franca, destinada a crianças de sete a nove anos, corresponde aproximadamente aos dois primeiros ciclos do ensino fun-damental no Brasil. (N. da T.)

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18 A SOCMZJZAÇÃO

cão entre o entorno educacional familiar e o êxito escolar das crianças, de um lado, e o entorno familiar e "o papel dos pais no sistema de produção", de outro.

Essa tentativa repousa em uma série de hipóteses cau-sais que podem ser explicitadas assim (cf. figura 1):

- a relação estatística constatável entre o êxito escolar das crianças (medido aqui pelo fato de estar adiantado, no nível adequado ou atrasado em sua escolaridade primária) e a posição social de seus pais (medida pelo grupo socio-profissional do pai) pode ser decomposta por meio de uma variável intermediária: o tipo de estruturação do entorno familiar (medido por meio de um questionário que permite dividir as famílias em três tipos: frágil/flexível/rígida);

Posição social dos país >-Estruturação dos deveres e dos papéis na divisão do trabalho hn torno familiar Desenvolvimento mental como processo de equilibração Tipo de estruturação das

regras educacionais -* (flexível/rígída/frágil)

- Causalidade f Indicador

Figura l Esquema explicativo desenvolvido por J. Lautrey (1984)

- a relação estatística constatada entre êxito escolar e tipo de estruturação familiar pode ser interpretada por meio do esquema teórico de equilibração das estruturas cogniti-vas (Lautrey/ p. 237): "um entorno familiar que apresenta ao mesmo tempo perturbações capazes de suscitar dese-quilíbrios e regularidades capazes de permitir reequilibra-ções (flexíveis) parece mais favorável ao processo de recons-trução de novas estruturas mentais do que outros que são, por exemplo, ricos em regularidades mas pobres em per-turbações (frágil)". Se os alunos que pertencem a famílias de estruturação flexível estiverem, com freqüência

signifi-SOCIALIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE 19

cativa, mais "adiantados" do que os outros, é porque seu entorno familiar facilita seu desenvolvimento mental, que se exprime em seu êxito escolar.

- a relação estatística constatada entre o tipo de estru-turação familiar e o status social medido pela posição socio-profissional do pai (as famílias "flexíveis" têm, com maior freqüência, um status social elevado) pode ser interpretada por meio da seguinte hipótese: os pais transferem para o universo familiar os modos de organização e de estrutura-ção dos deveres que regem seu trabalho profissional. As fa-mílias situadas nos níveis baixos da escala social (pais ope-rários ou funcionários) adotam uma estruturação rígida por-que os deveres profissionais dos pais (os do pai, em todo caso) são "concebidos por outros e diretamente submetidos ao controle hierárquico", portanto rígidos. As famílias si-tuadas no alto da escala social (pais executivos ou diretores ou profissionais liberais) adotam uma estruturação flexível porque seus deveres profissionais implicam iniciativas e res-ponsabilidade, portanto são estruturados de maneira flexível. Constata-se: entre o destaque de correlações estatísti-cas entre variáveis extremamente agregadas e a explicação causai de conjunto, inserem-se hipóteses explicativas com-plexas que deveriam, por sua vez, ser traduzidas e testadas empiricamente. É possível levantar questões principalmen-te sobre os seguinprincipalmen-tes pontos:

- o que medem, exatamente, o êxito escolar e, mais precisamente, o fato de estar adiantado, no nível adequado ou atrasado na escola primária? Ele sanciona um nível (es-tágio?) de desenvolvimento mental da criança ou um grau de adequação entre as regras, os valores e os signos (tipo de linguagem e relação com a linguagem) do universo familiar e os da escola? As pesquisas importantes efetuadas a esse respeito pelo sociólogo inglês Basil Bernstein mostram a ex-trema importância do código lingüístico que rege as comu-nicações no interior da família (e, em particular, entre a mãe e os filhos) sobre o êxito escolar dos alunos: os que, de ori-gem popular, utilizam um "código restrito" se encontram

Referências

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