1 SEMILIBERDADE E DIREITOS HUMANOS: UM ESTUDO DE CASO
Fabiane Taborda1 Marco Antonio Arantes2
RESUMO: As discussões sobre direitos humanos associam-se a socioeducação, que desde o Estatuto
da Criança e do Adolescente de 1990, tenta garantir tais direitos aos adolescentes atendidos durante a execução das medidas socioeducativas. Dentro deste debate destaca-se pela literatura a medida de semiliberdade, como alternativa contra os malefícios do encarceramento e a efetivação de direitos, uma vez que deve obrigatoriamente possibilitar escolarização e profissionalização aos atendidos através dos recursos comunitários. Contudo, indagações sobre a funcionalidade das ações empreendidas durante a medida na vida dos adolescentes e seus reais desdobramentos, fez buscar entender esta relação através de uma pesquisa científica de um estudo de caso de uma das unidades de semiliberdade do Paraná. Para tanto, formulou-se o seguinte problema: qual a relação entre o funcionamento da medida de semiliberdade com suas estratégias institucionais e intersetoriais e os resultados atingidos. Ou, como as ações empreendidas se relacionam com a efetivação de direitos políticos, civis e sociais. Os primeiros resultados e correlações do estudo associam a garantia de direitos ao processo de democratização das prisões, por analogia a semiliberdade, não sendo capazes de transformar e sim de adequar, engendrando novos fluxos de controle e da manutenção do encarceramento como solução de problemas sociais.
PALAVRAS CHAVES: Semiliberdade, Direitos Humanos, Adolescente.
INTRODUÇÃO
A crescente discussão da redução da maioridade penal3, como forma de resolver o problema da criminalidade na adolescência, remete ao debate sobre a capacidade e funcionamento das medidas socioeducativas associado à construção de políticas públicas que visam diminuir as desigualdades a partir da garantia de direitos. Nesta área, destacam-se as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Nº 8.069/1990, e do Sistema Nacional de Socioeducação (SINASE), Lei Nº 12.94/2012, que prevê a garantia de direitos aos adolescentes, independente de sua condição social, cultural ou étnico-racial.
1 Psicóloga e Mestranda da Pós-gradução em Ciências Sociais da Unioeste Toledo/PR. E-mail:
fabiane-taborda@hotmail.com.
2 Doutor em Ciência Política pela PUC/SP e Professor do Mestrado de Ciências Sociais da Unioeste
Toledo/PR.
3 A maioridade penal refere-se à idade a partir da qual o indivíduo pode ser penalmente responsabilizado por
seus atos, em determinado país ou jurisdição. O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 104 dispõe que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei (BRASIL, 1990).
2 Dentre as várias medidas socioeducativas, que responsabilizam os adolescentes transgressores da lei, destacam-se, em especial para fins da pesquisa a semiliberdade. O mérito desta medida está em seu formato e caracterização, pois é um regime socioeducativo mais brando, sem grades, muralhas ou ferrolhos, que simula a vida de uma casa residencial comum, que facilitaria o processo de inserção e transformação dos fatores causas da criminalidade. O adolescente, neste espaço permanece, por um período de 6 meses a 3 anos, sob a orientação e monitoramento de uma equipe profissional, com a previsão da garantia de direitos através do acesso a atividades externas de lazer, culturais, esportivas, escolares, profissionais, cuidados com a saúde e vida comunitária e familiar, em relação direta com os recursos disponíveis na rede de atendimento municipal.
Contudo, apesar da indicação pela literatura sobre a relevância de sua aplicabilidade e os novos investimentos na superação de entraves na execução desta medida realizados pelo Estado do Paraná desde 2007, os obstáculos vivenciados são inúmeros, passando pelas dificuldades de convivências entre os jovens e deles com a equipe até encaminhamentos descontinuados, mesmo partindo do pressuposto da participação dos mesmos no processo socioeducativo, conforme observações da pesquisadora, que trabalha na área.
Assim, na tentativa de compreender tais processos e contribuir para ampliação do mesmo, estruturou-se uma pesquisa qualitativa de um estudo de caso sobre o funcionamento desta medida, as correlações desta com as demais políticas, e seus desdobramentos.
OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Considerando o destaque atribuído à medida de semiliberdade, as dificuldades da execução da medida e seus resultados, questionou-se qual a relação entre o funcionamento da medida de semiliberdade com suas estratégias institucionais e intersetoriais e os resultados atingidos. Ou, como as ações empreendidas se relacionam com a efetivação de direitos políticos, civis e sociais.
Para realizar tal reflexão, a pesquisa objetivou explicitar e analisar as estratégias institucionais e intersetoriais empreendidas para o alcance dos objetivos socioeducativos da semiliberdade na facilitação do processo de socialização e inserção social, bem como os
3 benefícios decorrentes das estratégias institucionais e intersetoriais na vida dos adolescentes atendidos pela medida de semiliberdade.
Para tanto, fez-se necessário à construção do percurso metodológico, caracterizado por uma reflexão crítica de natureza teórica, exploratória e qualitativa com base num estudo de caso, a partir dos marcos legais para atendimento a adolescentes4. O debate teórico versus os dados de campo passaram pelas discussões e pelos aprofundamentos da história, genealogia e conceitos de semiliberdade, funcionamento institucional e sua proposta pedagógica interligada com ações institucionais e intersetoriais e os desdobramentos a vida dos atendidos pela medida.
O campo de estudo foi delimitado, considerando os investimentos do Estado do Paraná e os questionamentos sobre semiliberdade, colocando a Casa de Semiliberdade de Foz do Iguaçu, PR, que atende adolescentes do sexo masculino em cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade conforme decisão judicial, como campo de estudo. A referência dessa unidade foi pelo fato de ser a primeira unidade de semiliberdade no estado do Paraná, inaugurada após o início do processo de reestruturação da socioeducação desde 2007, estar localizada numa região de fronteira e numa cidade com alto Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ).
Entendendo os limites jurídicos e temporais da pesquisa, optou-se pela entrevista semiestruturada com os servidores atuantes na Casa de Semiliberdade de Foz, a análise documental e a observação da dinâmica institucional. O total de entrevistados seguiu o previsto no projeto, de 13 servidores, considerando o mínimo de pessoal para a execução da medida, conforme orientações do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) de 2006. Já para análise dos dados documentais sobre os encaminhamentos dos internos e dos egressos, analisou-se o material do período de março de 2009 a março de 2014. Já para o tratamento dos dados coletados, está sendo adotado o método de análise de conteúdo, pois como aponta Minayo (1994), trata-se de um método de análise textual, que se destaca pela dupla função relacionada com a verificação de questões e descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos.
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4 Esclarece-se que todas as etapas seguiram os pressupostos éticos contidos na Resolução do CONEP 466/12 e suas complementares, começando pela autorização do campo de estudo e autorização do comitê de ética, respeitando o sigilo das informações e as devidas autorizações do campo de estudo.
RESULTADOS
Dentro do contexto das políticas públicas que visam à garantia de direitos como forma de diminuir as desigualdades sociais entre os homens, a semiliberdade, na interface das políticas de segurança e de assistência social, realiza inserções sociais para cumprir sua dupla tarefa de punir e transformar. Assim os dados levantados na semiliberdade em estudo, referente aos 171 atendimentos realizados entre março de 2009 e março de 2014, indicam que, apesar da taxa de evasão de 64% nos últimos cinco anos, os encaminhamentos previstos em lei são realizados.
Dos 150 atendimentos entre janeiro de 2011 a março de 2014, que tem dados especificados, 73,82% retornaram os estudos; 42,28% começaram a trabalhar; 77,72% iniciaram um curso de iniciação profissional; 90% foram inseridos em alguma atividade de esporte, cultura e lazer em programas governamentais; e 51,68% foram encaminhados para atendimentos de saúde geral e 28,5% para tratamento de saúde bucal. Entre os 40 egressos desligados da medida, obtiveram informações sobre 26 egressos, e destes soube-se que 40% após a medida continuaram trabalhando e estudando, 44% voltaram a reincidir, cumprindo internação como menores de idade ou presos no regime adulto e 16% faleceram. Já entre os evadidos, transferidos e regredidos, obtiveram-se informações de 54 jovens dos 110 atendimentos do período. Deste total 50,9% estão foragidos, 26,36% foram internados, 13,64% reincidiram e depois foram presos e 9,1% tiveram suas medidas extintas. Dentre estes 2,73%, são falecidos. A análise permite aferir que o índice de reincidência não se revela positivo. Além disso, quando as extinções da medida foram em sua maioria decorrentes da maioridade, e não pelo êxito das ações.
O balanço dos caminhos seguidos pelos adolescentes desligados, evadidos, regredidos e transferidos mostra a inconsistência dos resultados frente às estratégias institucionais e
5 intersetoriais desenvolvidas. E apontam que pouco ou nada de concreto ocorreu na vida desses jovens, inserções que poderiam ser feitas sem a privação de liberdade.
CONCLUSÕES
Os dados relevam que apesar da garantia de direitos, estes em si não são capazes de promover mudanças, e permitem pensar que o que acontece é uma teatralização democrática para que a proposta da semiliberdade aconteça e que o problema está para além dos dados e encaminhamentos: os obstáculos estão na lógica de funcionamento do sistema, e na semiliberdade em si.
Dentro deste funcionamento a semiliberdade aparece como um novo modelo de encarceramento, que não se efetiva pelas dificuldades de romper com o modelo disciplinar para o dos controles descontínuos, uma vez que os controles ainda são frágeis para manter os conflitos estáveis. Conforme análises do texto de Michel Foucault em Vigiar e Punir na edição de 2012, de Controle e o devir de Gilles Deleuze na publicação de 2010 e de Edson Passetti em Governamentabilidade e violência de 2011.
REFERÊNCIAS
DELEUZE, Gilles. Controle e o devir. In: Conversações (1972-1990). Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34. 2ª edição, 2010.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Roberto Machado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2012.
PASSETTI, Edson. Governamentalidade e violências. Currículos sem Fronteiras, v. 11, n. 1, jan/jun.
São Paulo, 2011, p 42-53. Disponível em