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REFLEXÕES SOBRE OS ESTUDOS DE SUBJETIVIDADE, FENOMENOLOGIA E OS DESAFIOS PARA A PESQUISA EM PSICOLOGIA

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Academic year: 2021

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REFLEXÕES SOBRE OS ESTUDOS DE SUBJETIVIDADE, FENOMENOLOGIA E OS DESAFIOS PARA A PESQUISA EM PSICOLOGIA

Oyama Braga Martins Netto* (Bolsista CAPES, Doutorando, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil); Lucia Cecilia da Silva, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil).

contato: oyamanetto@gmail.com

Palavras-chave: Subjetividade, Sartre, dialética, método progressivo-regressivo.

Atualmente, a noção de subjetividade, bem como as noções em torno do eu, da singularidade e do sujeito tem assumindo evidência proeminente nos debates das mais distintas áreas e campos do saber da Psicologia. Na tentativa de compreender este fenômeno, vários autores apresentam uma imensa e variada gama de significados e os movimentos históricos nos estudos da subjetividade que vão desde a hegemonização de uma teoria individualista e a produção de uma cultura individualista na modernidade (Mancebo, 2002), a “descoberta” do sujeito psicológico e a oposição entre o intra e o extra psíquico (Filho & Martins, 2007) e de teorias e sistemas que contrapuseram o ideológico e o materialista (Maheirie & França, 2007) e que marcaram as reduções conceituais e especulativas no estudo da subjetividade (Molon, 2011) e de uma dimensão rigorosamente universalizante (Pinheiro & Meira, 2010), o logro e a crise da filosofia da subjetividade no século XIX e o consequente esvaziamento que a separação sobre a subjetividade que foi imposta à Psicologia (Rolnik, 1997; Feijoo, 2011) e formaram seu caráter atual ideológico (Crochik, 1998) até o padrão no entendimento sobre subjetividade como algo imprescindível à construção de uma teoria crítica da sociedade (Drawin, 2013) e os efeitos da adaptação do mercado e da indústria cultural que provocam um esvaziamento e o enrijecem e ameaçam de pulverizar totalmente qualquer identidade e tendem a desacostumar as pessoas da subjetividade e a reifica (Rolnik, 1997; Kehl, 2015).

A problemática que conduziu este trabalho foram os desafios no estudo da subjetividade em Psicologia, tendo como premissa as discussões e inquietações suscitadas a partir da temática relacionada à fenomenologia e à ontologia sartriano, bem como apresentar algumas reflexões sobre os estudos da subjetividade tendo como temática transversal o projeto de pesquisa intitulado

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Contribuições do método progressivo-regressivo e da psicanálise existencial de Jean- Paul Sartre para compreender a mediação homem-história e pensar a psicologia a partir de sua aplicabilidade no contexto urbano em Manaus-AM.

O método empreendido foi o de uma revisão integrativa simples, buscando no indexador Biblioteca Virtual em Saúde a partir de bases de dados nacionais e gratuitas em psicologia (Index Psicologia – Periódicos técnico-científicos, LILACS Psicologia e Index Psicologia – Teses) textos que abordassem a temática da subjetividade, sendo este o único descritor utilizado. A pesquisa com o descritor simples retornou mais de quatro mil resultados. Para o refinamento da mesma utilizou-se, além da escolha das bases de dados citadas, os seguintes critérios de inclusão e exclusão: textos completos em português, bases de dados nacionais e quinzes filtros utilizados no campo de assunto principal, dentre eles, individualidade, individuação, existencialismo, pósmodernidade, modernidade, estudos de linguagem, percepção social, entre outras variantes. O resultado final, após critérios aplicados retornou com 218 artigos que foram então triados a partir da leitura de títulos que despertassem o interesse, bem como a consecutiva leitura dos resumos. Ao final dos procedimentos 42 artigos foram selecionados, mas nem todos foram utilizados devido a viabilidade das discussões e do tempo. O diálogo com os artigos foi realizado a partir do texto introdutório do projeto citado. Refletir sobre a temática da subjetividade é embrenhar-se num terreno hostil e pouco confortável no qual, tendo em vista as múltiplas discussões e perspectivas, e apesar das variadas e intensas formas de compreender, deixa muitas lacunas em aberto e poucas asserções que não se tornem instrumentos de estudo.

Considerações iniciais acerca da subjetividade em Sartre

O pensamento acerca do humano e a compreensão dos processos que o constituem como um ser, como um sujeito ou como um indivíduo foram, ao longo do tempo, sendo desenvolvidos na história ocidental e tornaram-se os fundamentos da ciência psicológica. Estes fundamentos encontraram inúmeras dificuldades de serem concebidos ou organizados paradigmaticamente e acabaram por diversificar-se em abordagens heterogêneas tanto a partir de compreensões objetivistas como a partir de compreensões subjetivistas. É possível reconhecer e identidifica o legado desses conhecimentos em ambas as dimensões que, influenciados pelo movimento positivista, postulavam de modo generalizado e universalizado o conhecimento sobre o humano.

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Destarte as particularidades de cada teoria psicológica, o afastamento e o paradoxo entre objetividade e subjetividade (bem como seus paradigmas) tornaram-se concepções usuais e básicas entre elas e que acabaram por uni-las epistemologicamente.

No que diz respeito ao ser humano e sua subjetividade, grande parte dos conhecimentos iniciais da Psicologia, enquanto ciência, foram aprimorados a partir de critérios que romperam com compreensões e referências a uma dimensão que posicionava os objetos no mundo e os caracterizaa como substâncias objetivas, situadas e determinadas no tempo e no espaço. Estas concepções tornaram-se hegemônicas na fundamentação das teorias e práticas psicológicas e acabaram por desenvolver teorias que levavam um descaso no tocante ao horizonte de constituição social, do político e do cultural (Feijoo, 2011) e uma concepção de ser humano que repousa na ciência como individualista, a-histórico e associal, advinda de herança “de uma perspectiva mais organicista e de uma psicologia subjetivista, sustentada em uma filosofia idealista e mentalista” (Schneider, 2002, p. 196).

Crochik aponta um paradoxo e uma contradição para a psicologia a este ponto. Apesar de seu objeto ser, por “excelência”, o estudo do indivíduo e sua subjetividade desde sua gênese ela acaba por ocultar, por essa mesma lógica, a participação da cultura ou do meio social para este estudo o que contribui para uma certa alienação ao pensar essa subjetividade. É por esta razão que ele aponta “a necessidade do caráter ideológico da psicologia, o qual precisa ser indicado para que o objeto seja percebido” (1998, p. 29). Em outras palavras, o autor assevera que ao falar em subjetividade na psicologia devemos nos ater e ressaltar sobre que perspectiva psicológica estamos nos fundamentando para tal empreitada. Em outros termos, Mancebo (2002) aponta que estes estudos, em uma perspectiva moderna, fortaleceram a crença de um ser humano como centro e parâmetro do mundo e consolidaram formas de cultivo à interioridade e privacidade instituindo-se uma evidente cisão entre o público e o privado. Assim, torna-se difícil de apreender que o indivíduo é um modo de subjetivação possível que se constitui à sua época e funcionamento social e inviável qualquer psicologia centrada exclusivamente centrada no indivíduo em função da participação do mesmo na cultura e porque através dela que este se realiza (Bruner, 1997 apud Santos & Chaves, 2013).

Estes subsídios teóricos mostraram-se insatisfatórios e fracos para se pensar a existência humana. Assim, a noção de subjetividade deve ser encarado como um sistema complexo e

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multideterminado, tocado pelo trajeto e fluxo da sociedade e das pessoas que a constituem, dentro da sucessiva dinâmica entre as redes de relação que configuram o desenvolvimento social (Gonzales-rey, 2003 apud Santos & Chaves, 2013).

É necessário, portanto, “refletir sobre este processo de construção do ser humano, sobre a relação entre indivíduo e sociedade, entre identidade e cultura” (Ewald, 2008, p. 2), temas que nos remetem à discussão e compreensão de que estamos existencialmente inseridos em projetos que são históricos e sui generis, pois são determinados pelas condições concretas de vida e apontam, ao mesmo tempo, para a superação destas condições concretas, para que o indivíduo se assenhore delas, isto é, seja dono de seu destino (Crochik, 1998). Em outras palavras, uma subjetividade que supõe um ser humano mediatizado e capaz de mediatizar, constituído e constituinte, e que por si projeta-se a um futuro criativo e com possibilidades de sempre (re)inventar-se.

Husserl empreendeu-se no movimento filosófico e fundamentou a fenomenologia direcionando suas críticas à essa dissociação, ao tecnicismo e ao naturalismo, bem como ao cientificismo para a compreensão do ser humano. A fenomenologia, enquanto método descritivo das essências e das vivências puras transcendentais tinha como finalidade primeira a apreensão eidetica numa intuição pura e retorno às coisas mesmas (Costa, 2014) e viabilizava os fundamentos metodológicos e ontológicos para os questionamentos pertinentes ao movimento que iniciara (Schneider, 2002).

O movimento empreendido transformou-se em um legado no tocante a influência do mesmo ao existencialismo e a aproximação com a psicologia. Buscava-se a compreensão da realidade humana não mais a partir de sistemas teóricos, mas sim compreender o desvelamento dos fenômenos conforme sua aparência à consciência, sem pressupostos e apriorismos e através do único responsável pela criação e recriação cotidiana da existência: o ser humano. O encontro entre a fenomenologia e o existencialismo era eminente e desdobrou-se no projeto fundamental de Husserl em sua proposta para uma reconstrução do saber humano inteiro: a ontologia.

É inegável o peso que Sartre tem para o pensamento filosófico. Suas obras, marcadas pela crítica e pelo conflito dominante do estruturalismo sobre as ciências humanas e sobre a história, não somente denotam um movimento fenomenológico-ontológico como o engajamento em um movimento crítico de sua época como um modo próprio e um caminho para a compreensão da

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atividade e do ser ontológico, sob grande influência da fenomenologia, da antropologia, da historiografia francesa e do historicismo marxista.

Ao buscar sustentação nos fundamentos da fenomenologia Husserliana, Sartre aderiu ao movimento e lançou-se à compreensão desse ser ontológico. Ele reconhece o caminho percorrido de Husserl e apontou a sua importância e influência para seu pensamento. Contudo, a proposta de Sartre seguiu por outros caminhos e buscou ainda mais refutar qualquer idealismo ou determinismo que pudesse confinar ou isolar o ser humano em estruturas ou sistemas. Escreve Schneider:

O grande desafio de Sartre foi responder a alguns problemas que estavam propostos aos cientistas, filósofos e pensadores do período: os dilemas trazidos pelo idealismo e racionalismo, por um lado e pelo materialismo e positivismo, por outro, concretizados em questões como a problemática do conhecimento, a discussão acerca da objetividade nas ciências e, mais especificamente, nas ciências humanas; a necessidade de revisão da filosofia, trazida pelo marxismo, que postulava um conhecimento que remetesse à realidade sócio histórica, pois bastava de contemplar o mundo, cabia, agora, transformá-lo. (2002, p.37)

A influência da historiografia francesa também é marcante, bem como sua relação com o marxismo. A partir delas Sartre concebe o ser humano como histórico e dialético segundo uma compreensão que considera todos os âmbitos e dimensões desse humano: história individual, familiar, rede social, contexto, época, linguagem, religião, entre outras, tendo como sustentação a noção de que o ser humano constitui e é constituído por esse conjunto de fatores. Destarte, sua filosofia e sua antropologia se reconhecem e assentam a existência humana, pensada como um constante fazer-se, como a síntese das relações tangíveis e contingentes do homem com o mundo.

Sob essas influências Sartre constrói e desenvolve sua ontologia de forma a criticar a rigidez do saber acerca da subjetividade sentida e vivida e da individualidade sui generis e evidenciando uma acepção sobre a subjetividade humana concebida como resultante de uma relação interdependente entre objetividade (corpo) e subjetividade (consciência) no mundo, que enfatiza o ser humano como sujeito de sua história e por ela sitiado, à medida que se encontra no mundo, concreto e relacional.

A abrangência do pensamento ontológico de Sartre é, portanto, histórico e dialético, na qual, o sujeito é compreendido considerando-se sua história individual em relação ao espaço que

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ocupa existencialmente, a dizer, seu meio familiar ou contexto sociológico bem como de seu contexto sócio cultural, tendo como sustentáculo a compreensão que o ser humano se consitui e é constituído a partir dessas condições (Schneider, 2007). Esse pensamento ontológico, dialético e histórico entende que a subjetividade é construída através de mediações da experiência concreta do sujeito na cotidianidade com as coisas, a cultura, com o tempo, com o mundo e com os outros sujeitos, ao passo que produz sujeitos individuais e coletivos, singulares e universais, a medida que constitui não somente sua própria história, mas a história coletiva (Maheirie & Pretto, 2007). O mundo constituído e constituinte, o contexto e os espaços que as pessoas se constituem e agem é pleno de subjetividade e de história – da qual o cotidiano é mediação (Frehse, 2001).

Em outros termos, “o estudo de um homem exige um método apropriado que permita, de um lado, compreender a singularidade de seus projetos e, de outro, determinar os elementos objetivos da sua época” (Castro, 2011, p. 4). Sartre entende este processo como permanente. Para que essa historicidade exista todo o tempo como possibilidade é preciso que ela seja perpetuamente retotalizada; ou seja, é preciso que haja um aspecto constante da subjetividade que é a repetição. “O ser se retotaliza sem cessar, logo, ele se repete sem cessar” [...] (Sartre, 2015, p. 53). Sendo assim, a melhor forma de compreender a subjetividade é por meio das práxis, das ações e situações que cotidianamente delineiam o subjetivo.

Entretanto, essa subjetividade e esse encadeamento histórico não são uniformes nem no tempo e nem no espaço, sendo dependentes de um contexto e de um espaço vivido. Enfim, o ser humano reproduz, mas também produz, neste espaço, os conflitos e as particularidades do real, influenciando os processos sociais subsequentes. Conquanto, o ser humano é um ser que se utiliza de seus espaços para existir de acordo com as condições naturais e históricas específicas. Tornase, então, viável uma abordagem para se compreender a multiplicidade de espaço e subjetividade. Postula-se que certas características e particularidades do espaço irão afetar a subjetividade das pessoas que o habitam. Por sua vez, a subjetividade dos indivíduos ou grupos terão o seu efeito no espaço, sobre o uso, posse e experiência que faça do mesmo (Santoni, 2009).

Numa perspectiva histórico dialética, aponta Maheirie e Pretto (2007), a pessoa se constitui a partir de suas relações e dessas mediações com o mundo. Em meio ao seu contexto histórico específico, encontra-se também em meio a conflitos, contradições, negações, afirmações e superações que se dão num movimento dialético singular/universal impressos nas ações cotidianas

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mediadas pela história (Maheirie & Pretto, 2007). É um pensamento que não constitui o todo, mas está situado nele. Tem um passado e um futuro que não são mera negação dele mesmo, ficam inacabados enquanto não passam para outras perspectivas e para a perspectiva dos outros.

Da liberdade à dialética: o método progressivo-regressivo

Sartre (2011) entende que ao ser lançado ao mundo, o ser humano nada é. Devido a negação de seu fundamento (o nada), o ser humano se constitui na busca de realização de sínteses que integralizam suas contraditórias relações e mediações com o mundo e que se estabelece com a temporalidade, com o corpo, com o outro, e com a materialidade, na busca de seu fundamento (o ser) fora de si. Por não haver fundamento a priori que justifique esse movimento, isso se torna fundamento da liberdade para Sartre.

Sartre (2011) assevera que a liberdade é uma premissa insuperável e irremovível do ser humano, da qual ele não é capaz de evitar ou negar. Em outras palavras, o ser humano está condenado a ser livre e é a partir disso que ele se constitui. É a condição de ser livre que constitui o homem como ser. Ele asseverava a não existência de determinismos: o homem é livre, o homem é sua própria liberdade. A liberdade não é uma conquista humana, ela é uma condição do existir humano. Uma vez lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. (Sartre, 2014, p. 31)

Esse fazer-se realiza-se: a) fenomenologicamente, pela capacidade da consciência mover-se espontaneamente que mover-se unifica no tempo e transcende passado e futuro, de uma dada situação à pura possibilidade, cuja síntese da subjetividade é legítima e ocorre no presente por uma escolha singular que a remete a si mesma e a perpetra produtora e proprietária, consciência de si mesma (Sartre, 2013); b) ontologicamente, na relação com o ser como consciência de um ser-em-si que abre espaço a uma falha, um nada de ser e um para-si e na relação com o(s) outro(s), enquanto seres psicofísicos, quando pela essência da relação entre duas ou mais consciências livres – a intersubjetividade - se reconhecem através do outro. O outro é condição de subjetividade (Sartre, 2011) e, c) historicamente, sendo produto de seu produto, definido pela negação da situação recusada em nome de uma realidade, social e histórica, a produzir, em uma escolha que envolve toda a humanidade. Em todos esses contextos a existência realiza-se dialeticamente, em direção ao campo de possibilidades a medida que se constitui como subjetividade e história através dos conflitos que estas manifestam e que influenciam todo o curso dos acontecimentos (Sartre, 1979).

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Abdo (2013) alerta que o grande desafio a ser encarado em Sartre é o de vincular as produções dos três períodos que ele escreve e tenta apreender a subjetividade humana. É exatamente a liberdade que permanece constante e aparece como fator de união a esses períodos que é possível compreender em Sartre ao se falar em uma subjetividade histórica.

Nessa compreensão, a subjetividade tal como a liberdade é condição de existência, apreendido como um conjunto de mediações que esboçam a disposição do existir primordial e fundamental, isto é, estar no mundo, intuir, intencionar, agir, constituir e ser constituído. A esse ponto, Sartre nega uma condição universalizada, geral, pois as situações históricas variam (Abdo, 2013). A consciência e o mundo são referências simultâneas: exterior por essência à consciência, o mundo é, por essência relativo a ela (Sartre, 2002). O que não se altera a nenhum ser humano é que ele é um ser em situação, que encontra-se no mundo e nele se constitui, trabalha, convive com os outros, morre (Sartre, 2014). Destarte Abdo conclui:

O mundo, enquanto parte real da situação, assim como a condição, ocorre simultaneamente no acontecimento fundamental que é o aparecimento do ser para-si no seio do ser em-si e, assim o mundo e a subjetividade só se tornam históricos pela mediação e relação dialética entre eles, e através da inscrição de tais relações no ser em-si psíquico. É nesta retenção no ser em-si psíquico que possibilita a história (2013, p.158).

Nesta concepção o ser humano é a História, ao passo que toda ação humana é dialética. Para compreender essa relação é preciso ir além daquilo que, na ação humana, representa ou pondera sobre si mesma, é preciso investigar e esmiuçar essa ação, essa práxis cotidianas, o contexto ao qual essa ação está inserida, tomar o ser humano na sua tangibilidade com a realidade objetiva, material, social, sociológica e destacar a idiossincrasia da existência humana (Sartre, 2002). Por essa razão, assevera Schneider:

Para explicar como os homens concretos se constituem a partir de determinações sócio histórica, o existencialista utiliza o conceito de mediação, ou seja, o processo através do qual a família, os microgrupos sociais estabelecem-se como meios de constituição da realidade específica do indivíduo, sendo que as disciplinas auxiliares, como a psicanálise e a sociologia, são chamadas para explicitar esse processo (Schneider, 2002, p. 79).

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Esta compreensão de ser humano tangível, contingente e mediado deve ser apreendido no sentido de movimento, de manifestação e emergência no mundo, compreendido doravante um Nada para se manifestar consciência-no-mundo (Sartre, 2002). O elemento da mediação é uma compreensão da intersubjetividade, ou seja, um ser humano que em sua condição é coletiva e que precisa transcender as consciências singulares e individuais. Essa mediação é entendida ao passo que as coisas são mediadas pelo ser humano na mesma medida e proporção que o ser humano é mediado pelas coisas do mundo, exemplo da mutualidade e reciprocidade na dialética em Sartre. Dessa forma, produto de seu produto e mediado, constituindo e sendo constituído, o ser humano existe ao mesmo tempo em que seus produtos, sua história, sua cultura, que é a obra de todo o movimento e de todos os seres humanos e que torna viável a substância coletiva que o angustia e, assim, faz sua história ao mesmo tempo em que é feito por ela. Nela se objetiva, se subjetiva e se aliena. Estas, por pior que possam parecer, sempre transformam o mundo (Sartre, 1979).

A história se faz cada dia por mãos diferentes, por pessoas diferentes, por ações diferentes e, por um imprevisto movimento de retorno faz diverso do humano que em sua ação acredita se tornar. E o campo do possível é o que pode realizar a superação de uma objetividade pura na ação humana, ou seja, que o homem possa ir além de uma determinação ou objetivação. Sartre (1979, p. 37) assevera que “a ação humana é caracterizada pela superação de uma situação, pelo que ele chega a fazer daquilo que se fez dele, mesmo que ele não se reconheça jamais em sua objetivação”. A psicanálise existencial destina-se a esclarecer, “com uma forma rigorosamente objetiva, a escolha subjetiva pela qual cada pessoa se faz pessoa, ou seja, faz se anunciar a si mesmo aquilo que ela é” (Sartre, 2011, p. 511).

Assim, Sartre argumenta que a psicanálise existencial se constitui em um método que propicia o estudo da conduta e da ação humana com os papeis sociais que ela desempenha ou que lhes foram impostos como movimento de transcendência, uma compreensão da preocupação primordial que fomenta problematicamente a série de identidades no constituir-se da subjetividade, isto é, “a trajetória pela qual o indivíduo se torna sujeito e constrói as sínteses que constituirão essa subjetividade” (Silva, 2015, p. 41). É dever descobrir em cada tendência, em cada conduta do sujeito, uma significação que a transcenda (Sartre, 2011). E mais:

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Neste universo vivo, o homem ocupa... um lugar privilegiado. De início porque ele pode ser histórico, isto é, definir-se se cessar pela sua própria práxis através das mudanças sofridas ou provocadas e de sua interiorização e, depois, pela própria superação das relações interiorizadas. Em seguida, porque ele se caracteriza como o existente... ocorre que quem interroga é precisamente o interrogado ou, se se prefere, a realidade humana é o existente cujo ser está em questão em seu próprio ser [...] De resto, o próprio conhecimento é forçosamente prático: ele muda o conhecido (Sartre, 1979, p.137, 138)

Silva aponta para duas vertentes que teriam conduzido Sartre à psicanálise: a) “a elucidação ontológica da subjetividade como processo existencial” e, b) a “compreensão do caráter histórico da existência”, (2015, p. 40) sendo um dos instrumentos necessários para a compreensão da relação dialética entre História e subjetividade. Se o existir humano é histórico, este existir se constitui e se realiza num vínculo entre o subjetivo, que é sempre histórico, e o objetivo, como um conjunto de condições materiais e determinantes que constituem o contexto e circunscrevem a ação.

Cada um de nós é uma história porque a historicidade define a realidade humana; isso quer dizer que a afirmação de cada existência individual se dá como uma determinada história de vida, vivida na singularidade de cada escolha pela qual o sujeito afirma a sua liberdade, negando os obstáculos que se opõem à organização da práxis a partir das intenções subjetivas. Em suma, cada história subjetiva se desenrola no plano geral da história objetiva. (Silva, 2015, p. 4).

A compreensão da constituição de subjetividade intui o modo próprio da existência humana a partir da liberdade natural e radical que a define. Schneider aponta que a psicanálise existencial irá propor uma forma de investigar a dimensão do ser do sujeito humano, “compreendido enquanto ser-no-mundo, como ser-em-situação, um singular/universal” (2002, p. 53). Seu princípio fundamenta-se no enunciado de que o homem é uma totalidade-em-curso e seu objetivo na clarificação do que é revelado pelo homem mediado. Seu ponto de partida é a própria experiência. Seu método é comparativo e heurístico. A compreensão para esta empreitada é o movimento de uma totalidade-em-curso e transcendente que unifica ao próprio ser, seu próximo e a realidade a que ele participa (Sartre, 2002) e estabelece o movimento que a partir do específico, dos aspectos singulares, em um processo de totalização, aborda uma síntese mais universal (Schneider, 2002).

Assim nenhum ato humano pode ser explicado unilateralmente, ou pela mera justaposição de fatores subjetivos e objetivos. Na verdade, todo ato humano “está

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além de toda e qualquer explicação” porque ele não se encerrará nunca numa totalidade fechada, já que a totalização não pode ser compreendida como um Todo, mas como processo aberto. A inteligibilidade dialética da história consiste nisso: na possibilidade de pensar a totalidade sem dissolver as oposições, sem conciliar as contradições e sem anular a negação. Por isso o conhecimento antropológico-histórico é definido na Crítica da Razão Dialética como unificação sintética, mas cuidadosamente diferenciado de uma síntese acabada (Silva, 2004, p.30)

Destarte o homem deve ser compreendido por inteiro em suas manifestações, em suas ações, em todos os seus atos e encontros mediados em seu contexto. Tudo é esse homem: o que ele faz da história e o que a história faz dele. Seu modo de ser-no-mundo, seus valores, sua moral, suas crenças, sua postura política, seu corpo e suas relações, tudo isso remete ao que Sartre chama de projeto de ser, um projeto que se vive enquanto sujeito de ser (Sartre, 2014). Sartre ainda assevera que o ser humano é também contingente a todas as determinações materiais, sociais, históricas ao qual se encontra inserido, objetivamente, e pela qual realiza sua apropriação ativa, subjetivamente (Sartre, 2002).

Essa compreensão passa pelo método progressivo-regressivo como um movimento dialético entre o singular e o universal, entre objetividade e subjetividade. Schneider (2002) reconhece o método progressivo-regressivo como uma diretriz concialiadora entre o ser humano em sua singularidade e o contexto histórico do qual ele é partícipe, visto que numa concepção histórico-dialética, o ser humano se constitui a partir das mediações e das relações que estabelece com o mundo. Localizado em sua situação histórica, o ser humano encontra-se “em meio a conflitos, contradições, negações, afirmações e superações, as quais estão impressas nas suas ações cotidianas, mediadas pela história que se dá num movimento dialético - o movimento singular/universal” (Maheirie & Pretto, 2007, p. 456) e se constitui como “uma forma de compreender a subjetividade, na medida em que busca se amparar em análises que percorrem as sínteses totalizadoras, tanto das singularidades como do coletivo” (Idem, p. 460)

Considerações Finais

O existir humano é considerado como um constante fazer-se para Sartre, que compreender este fazer-se como uma síntese das relações tangíveis e contingentes do ser humano com o mundo, como ato de liberdade, ou seja, no momento limite e máximo de escolher-se e constituir-se. Neste

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ato, constitui a si, ao mundo e posiciona-se concretamente no mundo e constitui sentidos em seus espaços vividos. Eis o fundamento da liberdade e do projeto de ser individual dialeticamente construído. A escolha é o que assevera a existência humana, onde estancia-se o Nada e se firma o fundamento próprio da consciência e liberdade. O esforço de compreensão parte de que a situação ontológica, e assim, a subjetividade, está imbricada com a história. Assim, a compreensão parte da subjetividade com princípio da negatividade ou do conflito da contradição como fundamentos essenciais para o processo de constituição histórica.

Assim, para que a subjetividade seja compreendida e postulada por sua ontologia, Sartre empreende um exame minucioso e radical à dialética marxista, tendo em vista que a subjetividade não pode ser compreendida alhures, senão a partir da questão norteadora a essa compreensão: como pode o homem fazer história ao passo que as condições e elementos da história que ele participa concretamente também o fazem? e superá-la através do método progressivo-regressivo entendendo que não somente as condições materiais determinam uma reificação humana como a própria condição humana recebe da história a contribuição para sua transformação ativa. Dessa forma, se o ser humano é contingente e propenso a transformar a si mesmo e a sociedade através de suas ações, as condições históricas e materiais, que constituem a si e seus atos, tornam-se elementos fundamentais para o processo compreensão da subjetividade. Destarte, o alicerce dessa interpretação histórica deve descansar na compreensão de uma dialética que desponta para as questões acerca da subjetividade humana, concebendo o ser humano como um ser autônomo e ativo.

(...) a necessidade como estrutura apodítica da experiência dialética não reside nem no livre desenvolvimento da interioridade nem na dispersão inerte da exterioridade; ela se impõe, a título do momento inevitável e irredutível, na interiorização do exterior e na exteriorização do interior. Esse duplo movimento será o de nossa experiência regressiva: o aprofundamento da praxis individual nos mostrará que ela interioriza o exterior (indicando a própria ação, um campo prático); mas apreendemos inversamente, no instrumento e na objetivação pelo trabalho, uma exteriorização intencional da interioridade (a marca é às vezes o exemplo e símbolo), do mesmo modo, o movimento pelo qual a vida prática do indivíduo deve dissolver, no curso da experiência, nas totalizações sociológicas ou históricas, não conserva a nova forma que apareceu como a realidade objetiva da vida (série, grupo, sistema, processo) a interioridade translúcida do agente totalizante (Sartre, 2002, pág. 161)

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Deste modo, a subjetividade é alicerçada no vínculo que se estabelece entre consciências transcendentes e através da dinâmica e do movimento em sentido aos outros. A subjetividade, à semelhança da consciência, é transcendente, ou seja, se constitui neste mesmo movimento e dinâmica. Esse movimento em relação ao mundo é que Sartre denomina transcendência (Sartre, 2005).

Destarte, encontra-se no horizonte, não sem dificuldades, “a possibilidade de se criar um tecido relacional mais rico, intenso, plural, que ofereça novas possibilidades de satisfação emocional e de relações entre os homens” (Mancebo, 2002, p. 7) e “abrir as subjetividades às irrupções do contemporâneo” (Rolnik, 1997, p. 47). “Cada ato está ligado a um todo de relações sociais, do qual não pode ser dissociado sem perder sua significação (...) o ato isolado não tem sentido para a análise, pois todo ato implica aqueles que o antecedem e todos os que o sucedem” (Sant’ana, 2007, p. 6).

O método progressivo-regressivo é uma importante contribuição de Sartre na árdua tarefa dedicada a compreender a subjetividade, em sua contingência e circunstancialidade, a partir da dialética em situação de possibilidade. A subjetividade exige a dialética – a contradição entre objetividade e subjetividade. Como baluarte dessas ponderações é necessário, como já dito, distinguir a dimensão filosófica implicada tanto como se definir uma posição ideológica, uma vez que temos, de um lado, uma compreensão de sujeito que se apoia ao longo de um percurso histórico e singularizado pelo cotidiano e por outro lado, uma compreensão que ressalta a dimensão da subjetividade ligada a um contexto sócio histórico. Portanto, a subjetividade deve ser compreendida como modo constituído de um existir próprio, particular e coletivo.

Referências

Abdo, N. R. (2013). Algumas considerações sobre a subjetividade no pensamento de Sartre. Cognitio-estudos. Revista eletrônica de filosofia. Programa de estudos pós-graduados em filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. v. 10, n. 2.

Castro, F. C. (2011). Dialética e hermenêutica no Idiota da Família de Sartre. Revista eletrônica

Intuitio. Porto Alegre-RS, Vol. 4(1), 3 – 14.

Costa, A. (2014). Fenomenologia e subjetividade. Análise fenomenológica do conhecimento: representacionismo versus antirrepresentacionismo. Revista estudos filosóficos, São João Del Rei, Minas Gerais, n.13.

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Referências

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