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O Notável Dr. Clark Uma Entrevista com o Dr. Gary Crampton

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Academic year: 2021

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com o Dr. Gary Crampton

Conduzida por B. K. Campbell

Pergunta 1:

Dr. Crampton, por muitos anos o senhor estudou as idéias de Gordon Clark. Em seu

livro The Scripturalism of Gordon H. Clark, você forneceu um resumo conciso e cuidadoso dos seus

pensamentos. Levando em conta aquelas pessoas que não estão bem familiarizadas com Clark, quem sabe o senhor possa desenvolver algumas das principais idéias de sua filosofia.

Dr. Crampton:

Penso que “a” idéia principal do sistema teológico e filosófico de Gordon Clark seja o seu conceito de “Escrituralismo”. Como eu afirmo em meu livro The

Scripturalism of Gordon H. Clark:

“Gordon Clark foi um escrituralista. Isto é, em seu sistema teológico e filosófico a Escritura era fundacional. Outros nomes têm sido emprestados a esse conceito, muitos dos quais usados pelo próprio Dr. Clark: pressuposicionalismo, dogmatismo, e racionalismo ou intelectualismo cristão. Mas o rótulo que melhor se ajusta ao seu sistema é Escrituralismo.

Como escrituralista, o Dr. Clark sustentava que o cristão jamais deveria tentar combinar noções cristãs e seculares. Antes, todos os pensamentos deveriam ser levados cativos à Palavra de Deus (2 Coríntios 10:5), que é (uma parte da) a mente de Cristo (1 Coríntios 2:16). O Escrituralismo ensina que todo o nosso conhecimento deve derivar da Bíblia, a qual tem um monopólio sistemático da verdade. Essa abordagem para uma cosmovisão cristã poderia soar estranha aos ouvidos com coceira da nossa época ignorante. Mas o que Gordon Clark sustentava era nada mais do que o que o apóstolo Paulo ensinou e a Assembléia de Westminster confirmou. Nas palavras do apóstolo: “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja completo, e perfeitamente instruído para toda a boa obra” (2 Timóteo 3:16,17). E na Confissão de Fé de Westminster (1:6) nós lemos: “Todo o conselho de Deus concernente a todas as cousas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum”.

Note os universais nessas duas declarações: “toda”, “completo”, “perfeitamente”, “toda”, “todo”, “todas”, “nada”, “em tempo algum”. A Bíblia, infalivelmente, e a Assembléia de Westminster, em submissão à Bíblia, ensinam a autosuficiência da Escritura. Segundo o princípio reformado da sola Scriptura, nem a ciência, nem a história, nem a filosofia são necessárias para a verdade. Não é ensinada na Palavra de Deus uma teoria de verdade de “dupla-fonte”. Como Paulo claramente expressa nos dois primeiros capítulos de 1 Coríntios, a sabedoria do mundo é loucura, e o homem não é apto a chegar ao conhecimento da verdade à parte das proposições da Escritura reveladas pelo Espírito. A Bíblia é suficiente para todas as verdades que necessitamos. Somente aqui nós encontramos, escreve Salomão, “a certeza das palavras da verdade” (Provérbios 22:17-21). Isso é Escrituralismo.”

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Pergunta 2:

Considerando que o propósito de Gordon Clark era de formular uma cosmovisão

completa a partir da Escritura, de que forma ele buscou defender a sua idéia de Escrituralismo? Evidentemente Clark deu origem a uma crítica com respeito à natureza circular da sua epistemologia.

Dr. Crampton:

Sim, você está certo que ao Gordon Clark ter defendido o princípio de que a Palavra de Deus seria fundacional para todas as investidas filosóficas e teológicas que uma pessoa tivesse que desenvolver, ele foi acusado de abraçar uma “forma circular de epistemologia”. Essa acusação, que algumas vezes é referida como “petição de princípio”, é falsa. Em meu Scripturalism eu explico a questão da seguinte forma:

“Gordon Clark não iniciou a sua abordagem sistemática para a teologia e a filosofia com uma discussão sobre a possibilidade ou a forma de sabermos que existe um deus, e então tentar provar que se trata do Deus da Escritura. Seu ponto de partida era a revelação. Se devemos evitar as falácias do racionalismo puro, as armadilhas do empirismo e o ceticismo do irracionalismo, nós precisamos de outra fonte para a verdade: a revelação do Deus criador, que é a própria verdade. O Dr. Clark escreveu: “no Cristianismo há uma fonte de conhecimento não reconhecida pelos filósofos gregos, isto é, a revelação. Deus não apenas cria o mundo, mas também fala e transmite informação ao homem”.

Todo sistema epistemológico deve ter o seu ponto de partida, que é axiomático; isto é, ele não pode ser provado. Ele é indemonstrável (se fosse provável ou demonstrável, não seria um ponto de partida): “Axiomas, posto serem axiomas, não podem ser deduzidos ou provados por teoremas prévios”. Segundo o Dr. Clark, o sistema epistemológico cristão inicia com a Palavra de Deus. Este é o axioma: A Bíblia sozinha é a Palavra de Deus. A Bíblia tem um monopólio sistemático da verdade. O próprio Dr. Clark se referiu a esse sistema como dogmatismo, pressuposicionalismo bíblico e racionalismo cristão. Mui frequentemente é encontrada oposição a esse ponto de partida. Trata-se, diz o crítico, de uma petição de princípio, isto é, assume o que deve ser provado. Como você pode dizer crer que a Bíblia é inspirada, e portanto verdadeira, já que ela reivindica ser inspirada e verdadeira, e então dizer que crê na reivindicação porque a Bíblia é inspirada e verdadeira? Você não deveria em primeiro lugar provar que a Bíblia é a Palavra de Deus?

Considera-se de fato aqui que nem toda reivindicação é verdadeira. Existem inúmeros exemplos de testemunho falso. Mas dificilmente pode ser negado que a Bíblia reivindica ser a Palavra de Deus inspirada (veja João 10:35; 2 Timóteo 3:16; 2 Pedro 1:20-21). E isso é importante. Trata-se certamente de uma reivindicação que muito poucos escritos fazem de si mesmos.

Do mesmo modo, estaria muito além do justificável dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus se ela negasse a sua inspiração, ou se talvez estivesse silenciosa sobre a questão. Mas, disse o Dr. Clark, “o cristão está perfeitamente dentro dos limites da lógica quando insiste que a primeira razão para crer na inspiração da Bíblia é que ela faz essa reivindicação”.

Segundo, a resposta ad hominem ao crítico é que todos os sistemas devem partir de um axioma indemonstrável. Sem esse postulado nenhum sistema poderia mesmo iniciar. “Petição de princípio”, no sentido mais amplo ou vago da expressão, não é uma idiossincrasia do Cristianismo. É a condição na qual se encontram todas as filosofias e teologias.

Se uma pessoa pudesse provar a proposição de que a Bíblia é a Palavra de Deus, essa proposição não seria o ponto de partida. Haveria algo anterior à Escritura. No entanto, segundo a Escritura, Deus é supremo e onipotente. Simplesmente não há fonte mais alta da

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verdade que a Sua própria autorevelação. Como declarado pelo autor de Hebreus, “porque Ele não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por Si mesmo” (6:13). Não é possível, assim, que as Escrituras sejam deduzidas por algum princípio superior. Elas são, na linguagem dos teólogos, “autoautenticadoras”. Deve-se aceitar a revelação especial de Deus como axiomática, ou de fato não é possível o conhecimento: “Um aspecto imediato que toca a epistemologia e a teologia… é a impossibilidade de se conhecer Deus de alguma outra forma que não pela revelação”. A Confissão de Fé de Westminster (1:4) coloca isso desta forma: “A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade), que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus”.

Evidentemente o Dr. Clark defendeu a sua cosmovisão por uma metodologia bíblica de apologética.

Pergunta 3:

Assim fica claro que o crítico erra por não levar em conta a natureza do seu próprio

sistema; ele se nega a ver – ou não percebe – que o seu próprio apelo à autoridade parte do princípio de um axioma não-demonstrável. Brilhante! Como uma pessoa poderia condenar Clark se ela mesma está sujeita ao mesmo raciocínio formal? Poderia, Dr. Crampton, nos contar mais sobre a metodologia bíblica da apologética de Clark?

Dr. Crampton:

Sim, eu concordo que a metodologia de Clark é absolutamente “brilhante”. Tal como na sua apologética, eu escrevi em meu livro Scripturalism:

“Gordon Clark rejeitou a teologia natural de Tomás de Aquino e dos seus seguidores modernos, bem como a teologia natural dos teólogos liberais e humanistas. O Dr. Clark não era evidencialista. Ao invés de partir da criação, argumentando pela existência de Deus e então pela confiabilidade da Escritura, ele partiu da Escritura.

A crítica do Dr. Clark à teologia natural parte do fato desta se basear numa metodologia empirista. “Novamente,” declarou ele, “a visão cristã-hebraica que ‘os céus declaram a glória de Deus’ não significa, na minha opinião, que a existência de Deus pode ser formalmente deduzida a partir de uma investigação empírica do universo”. … O Dr. Clark sustentou que nenhum conhecimento pode derivar da experiência sensorial. O Empirismo não nos fornece mais conhecimento sobre o Criador do mundo do que pode fornecer sobre o próprio mundo… [Mais adiante o Dr. Clark ensinou que] todas as “provas” tradicionais da existência de Deus são inválidas; elas são falácias lógicas… Uma pessoa não pode provar o Deus da Escritura por meio da teologia natural. Ela também não pode provar que a Escritura é a Palavra de Deus. Para Gordon Clark, a Palavra de Deus é o ponto de partida axiomático. É indemonstrável; é autoautenticadora e autoevidente. Assim, quando o Dr. Clark concordou que os céus declaram a glória de Deus, ele o fez não por assumir isso como um argumento formal ou informal, mas como uma conclusão do que ele já conhecia pela fé. A máxima de Agostinho, “Creio a fim de que possa compreender” também era a do Dr. Clark…

O Dr. Clark, [então] claramente endossava a declaração da Confissão de Westminster (1:4-5), que: A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade), que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus. Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço da Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, e eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que

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faz do único meio de salvar-se o homem, as muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição, são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provêm da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações.

Assim, o Dr. Clark poderia dizer perante Agostinho e Calvino que há numerosas evidências, internas e externas, de que a Bíblia é a revelação infalível de Deus ao homem. Mas à parte do testemunho interno do Espírito Santo essas evidências são inconclusivas. A própria Bíblia nos diz por que nós cremos ser ela a Palavra de Deus: Deus o Espírito produz essa crença na mente do eleito; Ele não faz isso no não-eleito. Não há maior autoridade do que a Palavra de Deus.

A metodologia apologética de Gordon Clark, então, pressupõe a primazia da Escritura em fornecer a base para toda prova. A Bíblia tem um monopólio sistemático da verdade. Ela é autoatestadora e autoautenticadora. Ela se põe no julgamento de todos os livros e idéias, e não pode ser julgada por qualquer pessoa ou coisa.

E sobre as “evidências” teológicas? Elas são úteis? De fato são. Como notado, elas podem ser usadas de uma forma ad hominem para revelar a tolice dos sistemas não-cristãos. Ao permanecer sobre a revelação infalível de Deus, o apologista cristão pode e deve usar as evidências apagogicamente, “para responder ao tolo segundo a sua estultícia” (Provérbios 26:5). Esse tipo de argumentação deve ser usado na crítica interna da cosmovisão do incrédulo, revelando suas inconsistências…

Essa metodologia apagógica, consistindo de uma série de reductio ad absurdum, é o principal método disponível ao apologista bíblico. A razão é que muito embora exista um fundamento metafísico em comum entre crentes e incrédulos pelo fato de ambos serem criados à imagem de Deus, não há fundamento epistemológico em comum. Isto é, não há proposições teoréticas comuns, “noções” comuns entre o Cristianismo e as filosofias não-cristãs. Os argumentos apagógicos ad hominem devem ser usados contra o incrédulo, que é um violador de pacto e já possuidor de uma percepção inata de Deus à qual se rebela. Os argumentos devem ser usados de uma forma que procurem torná-lo epistemologicamente consciente (e, portanto, consciente de Deus) da sua rebelião, que levou ao rompimento do pacto. Após demonstrar a incoerência interna das visões não-cristãs, o apologista cristão argumentará pela veracidade e consistência lógica interna da Escritura e da cosmovisão cristã nela revelada. Ele demonstrará em que sentido o Cristianismo é consistente, de que forma ele nos dá um entendimento coerente do mundo. Ele responde perguntas e resolve problemas que outras cosmovisões não podem. Esse método não deve ser assumido como uma prova da existência de Deus ou da verdade da Escritura, mas como uma prova de que a visão não-cristã é falsa. O método mostra que a inteligibilidade pode ser somente mantida ao vermos todas as coisas como dependentes do Deus da Escritura, que é a verdade em si mesmo”.

Pergunta 4:

Outro ponto que a meu ver traz confusão àqueles que entram em contato com o Dr.

Clark é a sua posição sobre a lógica e a natureza de Deus. A maior parte dos cristãos provavelmente nem mesmo consideraria as ramificações ontológicas de um universo em que a lógica esteja fora de Deus ou onde Deus esteja submetido a uma lei da lógica. O que Clark ensinou sobre a lógica, e por que é tão importante que os cristãos afirmem que a lógica não está fora de Deus, i.e., que os pensamentos do homem e de Deus de fato correspondem?

Dr. Crampton:

Você tem razão quando diz que muitas pessoas têm noções confusas de Gordon Clark e da “sua posição sobre a lógica e a natureza de Deus”. Há muitos “irracionalistas” em nossos dias, com os teólogos neo-ortodoxos à frente deles, que desprezam a lógica. Eles defendem que nós devemos abraçar a “fé” e “refrear a lógica” nas

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atividades teológicas e filosóficas. Além do mais é alegado que a lógica de Deus é diferente da “mera lógica humana”. Como eu mostro em meu livro:

“O problema aqui é que quando uma pessoa divorcia a lógica da epistemologia, é deixada com o ceticismo. O ceticismo é auto-contraditório, pois assevera que nada pode ser conhecido. Evidentemente, se nada pode ser conhecido nós não podemos saber que não conhecemos nada.

O teísmo cristão, por outro lado, sustenta que Deus é a própria verdade (Salmos 31:5; João 14:6; 1 João 5:6) e que a verdade é lógica. A lógica é um teste negativo para a verdade; isto é, se algo é contraditório, não pode ser verdadeiro.

A lei da contradição – algo não é não-algo – não deve ser considerada uma mera lei formal ou cláusula arbitrária a ser usada na elaboração de sistemas de pensamento. A lei da contradição é uma lei do pensamento humano, pois é antes de tudo uma lei da realidade, ou seja, é “o pensamento de Deus”.

De fato, a Bíblia diz que Jesus Cristo é a Lógica (Logos) de Deus (João 1:1); Ele é a Razão, a Sabedoria e a Verdade encarnada (1 Coríntios 1:24,30; Colossenses 2:3; João 14:6). As leis da lógica não são criadas por Deus ou pelo homem; elas são o modo de Deus pensar. E uma vez que as Escrituras são uma parte da mente de Deus (1 Coríntios 2:16), elas representam os pensamentos lógicos de Deus. A Bíblia exprime a mente de Deus à humanidade de uma forma logicamente coerente.

O homem, sendo imagem de Deus, possui a lógica inatamente como parte dessa imagem. Ele é “sopro de Deus” (Gênesis 2:7; Jó 33:4), pois o Espírito de Deus inspirou no homem seu espírito ou mente, que é a imagem. O corpo do homem não é a imagem; o corpo é o instrumento da alma ou espírito. A pessoa, disse o Dr. Clark, é o espírito, a mente, “o ego pensante”. Raciocinar logicamente, então, é também raciocinar conforme a Escritura, que é parte dos pensamentos lógicos de Deus. E uma vez que todas as ações e palavras pecaminosas partem de pensamentos pecaminosos, a santificação do homem envolve aprender a pensar os pensamentos de Deus – logicamente. O homem redimido pensa cada vez mais os pensamentos de Deus (2 Coríntios 10:5).

Para citar o Dr. Clark: “A lógica é fixa, universal, necessária e insubstituível. A irracionalidade contradiz o ensino bíblico do início ao fim. O Deus de Abraão, Isaque e Jacó não é insano. Deus é um ser racional, com uma mente cuja arquitetura é lógica”.

Pergunta 5:

Talvez a maior crítica que alguém ouve acerca do sistema de Clark é que Clark deve ler

a Bíblia a fim de conhecer a Bíblia. E isso, declara o crítico, representa uma contradição na epistemologia de Clark. Você crê que Clark ofereceu uma resposta satisfatória aos seus críticos?

Dr. Crampton:

Você está certo de que alguns têm criticado o Dr. Clark pela razão mencionada na sua pergunta. O suposto problema é que se uma pessoa não obtém conhecimento por meios empíricos (i.e., visão, tato etc), então como ela pode estudar a Bíblia, já que deve lê-la para entender o seu ensino? A resposta é encontrada na doutrina do Logos do Dr. Clark. Eu explico isso em meu livro, como segue:

“Gordon Clark, assim como Agostinho (354-430) e João Calvino (1509-1564) antes dele, ensinou que o Espírito de Deus implantou uma noção inata de Si mesmo, um sensus

deitatis, em todas as pessoas, que é proposicional e inerradicável. Isso se deve ao fato de toda pessoa ser criada à imagem de Deus. Como declarou B. B. Warfield, para Calvino e Agostinho essa noção a priori reside no cerne de todo o conhecimento que o homem tem de Deus e da Sua criação. Isso era especialmente verdadeiro para Agostinho.

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O que era verdadeiro para o Agostinho africano também era verdadeiro para o Agostinho americano. Segundo Gordon Clark, a informação proposicional e inata da revelação geral que Deus concede a todas as pessoas reside no âmago de todo conhecimento que elas têm de Deus e da Sua criação. Escreveu ele: “Deus implantou no homem, no ato da criação, um conhecimento da Sua existência. Romanos 1:32 e 2:15 parecem mostrar que Deus implantou também algum conhecimento de moralidade. Nós nascemos com esse conhecimento; ele não é manufaturado a partir da experiência sensorial.

Naturalmente, essa noção inata não é suficiente para a salvação; somente as idéias escriturísticas é que nos suprem de conhecimento salvífico (Romanos 1:16-21). Quando o ser humano interage com a criação de Deus, a qual demonstra a Sua glória, poder e sabedoria, ele, sendo imagem de Deus, é forçado a num certo sentido “conceber Deus”. A criação visível em si mesma não media “conhecimento” ao homem…, pois o universo visível não anuncia proposições. Antes, ele estimula a mente da pessoa à intuição intelectual (ou recordação) de que, como ser racional, ela já possui informação proposicional a priori de Deus e da Sua criação. Essa informação apriorista é imediatamente gravada na consciência humana. Uma pessoa completamente destituída do senso de Deus jamais poderia aludir à glória de Deus nos céus (como em Salmos 19:1) como algo mais que os corpos visíveis por si mesmos ou a seus componentes. No entanto, disse o Dr. Clark, de posse do nosso “equipamento apriorístico nós vemos a glória de Deus nos céus”.

Assim, o conhecimento que o homem tem de Deus e da Sua criação não deriva de meios empíricos nem de meios racionalistas. E também não é conhecimento em qualquer sentido mediato. Pelo contrário, segundo o Dr. Clark, todo conhecimento é imediato, revelacional e proposicional. É o “professor interior”, Jesus Cristo, o Logos divino, que ensina o homem – e não os sentidos, na interação de uma pessoa com a criação.

Isso é verdade inclusive com respeito às páginas impressas da Bíblia. Toda fala e comunicação é uma questão de palavras, e palavras (mesmo as encontradas na Escritura Sagrada) são sinais, no sentido de significarem algo. Quando são empregados sinais, o recipiente – a fim de que possa entendê-los – deve já saber inatamente aquilo que eles expressam. À parte desse conhecimento inato, ensinou o Dr. Clark, os sinais não fariam o menor sentido.

Gordon Clark asseverou que a Palavra de Deus não é tinta preta sobre papel branco. A Palavra de Deus é eterna; as páginas impressas da Bíblia não são. As letras ou palavras sobre o papel impresso são sinais ou símbolos que representam a verdade eterna presente na mente de Deus, a qual é comunicada por Ele direta e imediatamente à pessoa em sua mente.

É claro, o Dr. Clark não rebaixou o aspecto físico da humanidade. Ele reconhecia que Deus criou tanto a mente como o corpo do homem, incluindo os sentidos. Mas nem a mente, nem os sentidos são uma fonte de conhecimento. Como escreve Paulo: “As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam 1 (1 Coríntios 2:9).

Uma vez que todo conhecimento deve vir de proposições (que são verdadeiras ou falsas), e uma vez que a interação dos sentidos com a criação não origina proposições, o conhecimento não pode ser conduzido pela sensação. Antes, como notado acima, os sentidos aparentemente estimulam a mente da pessoa à intuição intelectual para reunir as idéias inatas dadas por Deus as quais o homem já possui.

1 N. de T. Por certo devemos considerar o contexto do versículo: “Mas Deus no-las revelou pelo seu

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O Dr. Clark usou o exemplo de um pedaço de papel em que esteja escrita uma mensagem com tinta invisível. O papel (no exemplo, a mente) pareceria estar em branco, mas na verdade não está. Quando o calor da experiência é aplicado à mente (assim como quando calor é aplicado ao papel), a mensagem se torna visível. Então, o conhecimento humano é possível apenas porque Deus dotou o homem de certas idéias inatas.

A epistemologia de Gordon Clark, junto com a de Agostinho antes dele, tinha suas raízes na doutrina do Logos. Segundo o evangelho de João, Jesus Cristo é o Logos cosmológico (1:1-3), o Logos epistemológico (1:9,14) e o Logos soteriológico (1:4,12,13; 14:6). Ele é o Criador do mundo, a fonte de todo o conhecimento humano e o doador da salvação. Assim como é o Logos epistemológico, que é o foco do presente estudo, Cristo é a “luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo” (1:9). À parte do Logos, o “professor interior”, o conhecimento não seria possível.

Pergunta 6:

Com toda a sua ênfase na racionalidade e na lógica, não chegaram alguns dos críticos de

Clark a asseverar que o seu sistema leva ao puro racionalismo? Isto é, Clark exalta a razão acima da Escritura?

Dr. Crampton:

Sim, Clark tem sido chamado de racionalista e acusado de exaltar a razão acima da Escritura. Como parêntese, Agostinho e Calvino também foram criticados por dependerem bastante da lógica. No entanto, trata-se de uma crítica injusta a esses três homens. Deveria ser lembrado, como notado acima, que o sistema do Dr. Clark é convenientemente chamado de “racionalismo cristão”. Aqui está a diferença: no racionalismo puro nós temos o que o Dr. Clark definiu como “razão sem fé”. Isto é, no racionalismo puro a razão (lógica), à parte da revelação ou da experiência sensorial, define a fonte principal ou única da verdade. Por outro lado, no Escrituralismo (ou racionalismo cristão) de Gordon Clark, o conhecimento vem por intermédio da razão na medida em que uma pessoa estuda as proposições reveladas da Escritura. No racionalismo puro o conhecimento vem da razão somente. O pensamento humano por si só se torna o padrão pelo qual todas as crenças são julgadas. Até mesmo a revelação deve ser julgada por essa razão (lógica). No entanto, o Dr. Clark ensinou que a lógica é o modo como Deus pensa, e nós, sendo portadores da imagem de Deus, devemos aprender a pensar logicamente assim como Deus. Mas o nosso pensamento “lógico” deve ser sempre “raciocínio” segundo os ensinos da Palavra de Deus.

Pergunta 7:

Por Logos Clark se refere às proposições da Escritura, e por Escritura Clark se refere à

pessoa de Cristo; nós podemos fazer de fato uma distinção entre a Revelação de Deus e a pessoa de Cristo; se tratam da mesma coisa? Apenas pergunto isso porque eu sei que o Dr. Clark afirmou o axioma da Escritura, mas não ensinou que a Escritura era mais ou menos do que a Bíblia. Ele ensinou que são proposições diretamente comunicadas pelo Espírito. Assim, quando Clark diz que nós assumimos a Palavra de Deus como o nosso axioma, está querendo dizer que o Logos é o nosso axioma?

Dr. Crampton:

Deixe-me tentar esclarecer isso. Segundo Clark, há certamente uma distinção a ser feita entre a revelação de Deus (que é agora encontrada na Escritura somente) e o Logos (que é a segunda Pessoa da Trindade). No entanto, como ensinado no Breve Catecismo de Westminster (Q.24), é o Logos que nos dá a Palavra de Deus: “Cristo exerce a função de Profeta, revelando-nos, pela sua Palavra e pelo seu Espírito, a vontade de Deus para a nossa salvação”.

O Dr. Clark também ensinou que há uma diferença entre “revelação especial” e “inspiração”. O primeiro representa aquele corpo de verdade que nós temos nas Escrituras.

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O segundo representa aquela obra sobrenatural de Deus o Espírito Santo nos autores bíblicos da Escritura, pela qual suas palavras foram tornadas iguais às palavras de Deus e, portanto, inerrantes e infalíveis. Através da inspiração Deus nos concede revelação especial. E com respeito ao ponto de partida axiomático numa epistemologia cristã, i.e., o axioma a partir do qual tudo o mais deve ser deduzido, os sessenta e seis livros do Antigo e Novo Testamento (que nos são dados pelo Logos) é que têm um monopólio sistemático da verdade.

Pergunta 8:

Além disso, com relação a uma nota muito parecida, quando o Dr. Clark diz que nós

partimos com um equipamento apriorístico, o que ele está querendo dizer com isso? Esse equipamento é um mistério ou algum tipo de extensão do Logos? Talvez você possa fornecer algum tipo de esclarecimento sobre essa questão.

Dr. Crampton:

Quando Gordon Clark fala do equipamento apriorístico ao qual você se refere, ele não o iguala ao Logo, embora (mais uma vez) ele seja dado ao homem pelo Logos (a segunda Pessoa da Trindade). Como eu expliquei acima, Gordon Clark, assim como Agostinho e Calvino antes dele, ensinou que o Espírito Santo implanta em todas as pessoas uma percepção inata de Si mesmo (o que Calvino chamou de sensus deitatis), que é proposicional e inerradicável. Isso se deve ao fato de todas as pessoas serem criadas à imagem de Deus.

B. B. Warfield corretamente disse que para Calvino e Agostinho (e isso se aplicaria também ao Dr. Clark) essa idéia apriorista reside no cerne de todo o conhecimento que o homem tem de Deus e da Sua criação. Warfield disse que segundo Agostinho:

“Numa palavra, para a percepção e o entendimento do mundo sensível [criação] a alma está aparelhada [ricamente equipada] apenas com uma percepção e entendimento do mundo inteligível [a mente com suas idéias inatas]. Com isso queremos dizer que a alma converte do mundo inteligível as formas de pensamento, sendo apenas elas a base para o mundo sensível ser reconhecido em termos de um consentimento mental”.

O que era verdade para Agostinho e Calvino, também era para Gordon Clark, i.e., a informação proposicional, inata, da revelação geral que Deus dá a todas as pessoas está no cerne de todo conhecimento que elas têm de Deus e da Sua criação.

Pergunta 9:

Sempre me pareceu estranho o Dr. Clark não ser mais popular entre os cristãos. Isso

também me entristece. Parece que a tendência entre os acadêmicos tem sido de ignorar ou rejeitar os seus argumentos. No seu entender, por que o Dr. Clark não teve uma recepção maior entre os cristãos? Certamente isso não se deve a uma inconsistência lógica em suas idéias.

Dr. Crampton:

É realmente o caso de muitos cristãos do presente (líderes cristãos assim como leigos) rejeitar os ensinos de Gordon Clark. O Dr. Clark, a exemplo de grande parte dos principais pensadores da história, tem sido mal compreendido, maltratado e duramente criticado. Ele tem sido acusado de fideísta, racionalista, panteísta e de idealista absoluto. Por outro lado outros o têm visto como um “gigante teológico” (Harold Lindsell), “um dos principais pensadores cristãos do século vinte” (Ronald Nash), “um homem profundamente influenciado por um senso de santidade de Deus” (John Sanderson), e “um dos mais profundos filósofos evangélicos protestantes do nosso tempo” (Carl Henry).

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Eu também sei que o Dr. R. C. Sproul, quando perguntado quem em sua opinião deveria ser e seria lido na igreja do século 21, respondeu “John H. Gerstner e Gordon H. Clark”. Eu concordo plenamente com essa avaliação.

Como eu escrevi na “Introdução” do meu livro Scripturalism, é da minha opinião que as palavras de John Robbins é que melhor resumem o gênio de Gordon Haddon Clark:

“Alguns podem pensar que é um exagero se referir a Clark como o Agostinho da América, mas quem estudou suas obras não pensa assim. Clark não apenas se considerava agostiniano (ele repetida e modestamente enfatizou que estava simplesmente reafirmando, refinando e desenvolvendo os insights de Agostinho), como era também igual ao doutor africano na amplitude da sua erudição, sendo suas contribuições à teologia e filosofia originais e brilhantes. Não foram escritas muitas histórias da filosofia por cristãos neste século. Thales to Dewey de Clark tem sido impresso desde 1957, e é um texto padrão na faculdade. É um modelo de clareza filosófica e de estilo literário. Um dos primeiros textos de Clark sobre a filosofia helenista tem sido impresso há 45 anos – ninguém publicou qualquer coisa digna para substituí-lo. A Christian View of Men and

Things – um resumo que Clark fez da sua filosofia – se tornou um clássico contemporâneo. Nenhum cristão desde Agostinho, exceto o próprio Clark, empreendeu o que ele realizou habilmente na Historiografia – secular e religiosa. E quando Clark morreu, havia mesmo finalizado um manuscrito sobre a encarnação, parte da sua série principal de livros sobre teologia sistemática, a primeiro escrita por um calvinista americano em mais de um século. Na medida em que suas obras restantes são publicadas e uma nova geração de cristãos se torna familiar com o seu pensamento, ela também vai concordar que ele foi de fato o Agostinho da América.”

Pergunta 10:

Nós investigamos o pensamento desse homem notável – e o estudo da sua obra tem

ocupado a maior parte da sua vida; o que você gostaria que as pessoas soubessem acerca do Dr. Gordon H. Clark?

Dr. Crampton:

Deixe-me dizer o seguinte: é da minha opinião que o Dr. Clark é um dos, se não “o” epistemologista mais refinado que já viveu. Isto é, no que diz respeito à teoria do conhecimento, eu não conheço ninguém que se iguale a ele. Isso dito, eu concluirei a nossa entrevista citando mais uma vez John Robbins:

“Se eu pudesse fazer uma comparação, é como se estudantes de teologia em meados do século dezesseis nunca tivessem ouvido seus professores mencionarem Martinho Lutero ou João Calvino. Tem havido um grande blecaute educacional e eclesiástico. Igrejas e educadores saíram dos trilhos ao negligenciarem Clark. Eles enganaram uma geração de estudantes e fiéis. Como estudantes de teologia do final do século vinte, vocês não deveriam se considerar bem educados até estarem familiarizados com os [ensinos] de Gordon Haddon Clark”.

Soli Deo Gloria.

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