• Nenhum resultado encontrado

REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NA MÚSICA: UM ESTUDO NO ENSINO MÉDIO EM AREIA - PB

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NA MÚSICA: UM ESTUDO NO ENSINO MÉDIO EM AREIA - PB"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

MÉDIO EM AREIA - PB

ANITA LEOCÁDIA PEREIRA DOS SANTOS1

RODRIGO CIRINO MENDES2

DÉBORA MICHELE SALES DE LIMA 3

Gênero e cultura

As relações de gênero funcionam como um sistema de relações de poder baseados num conjunto de papéis, identidades e comportamentos opostos atribuídos a mulheres e homens (SOUSA E CARVALHO, 2003). Esses papéis de gênero, segundo Bourdieu (2005) são frutos da organização simbólica da divisão social do trabalho, sendo uma construção arbitrária do biológico, dos corpos masculino e feminino, seja através dos seus usos, funções e sobretudo na reprodução biológica, que dá fundamento aparentemente natural à visão androcêntrica da divisão sexual do trabalho e a partir daí essa visão se amplia para todo o cosmo.

Dessa forma, as pessoas enxergam o mundo através das lentes cultura, por meio de associações entre os sexos dos indivíduos e as idéias de masculino e feminino, com a atribuição de características relacionadas à forca e a insensibilidade ao homem e, para as mulheres relacionadas à fragilidade e a futilidade, por exemplo. (CARVALHO, ANDRADE E JUNQUEIRA, 2009)

Os estereótipos, segundo Langer (2004), são representações de uma realidade social ou histórica, tomadas como verdadeiras, mas que consistem quase sempre em fantasias ou produto da imaginação. Neste sentido, os estereótipos de gênero são figuras fantasiosas que construídas culturalmente, assumem status de verdades sobre homens e mulheres, as quais devem ser questionadas, pois, Silva (2000) afirma que a partir do momento que um signo e seu significado assumem o “circuito da cultura” ele está constituindo e sendo constituídos pelos sujeitos sociais.

1

Professora do Departamento de Ciências Fundamentais e Sociais do Centro de Ciências Agrárias (DCFS/CCA) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: anitaleopereira@yahoo.com.br

2

Graduando do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB/CCA). E-mail: rodrigomendesbio@hotmail.com

3

Graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB/CCA), E-mail: micheleareia@hotmail.com

(2)

Para Carvalho, Andrade e Junqueira (2009) o estereótipo funciona como um dispositivo de visão e de classificação das pessoas, sendo uma representação simplificada e simplificadora, geralmente prejudicial a um grupo e resistente à correção por causa da evidência empírica ou da argumentação lógica parcial ou exagerada e como instrumento de discriminação.

Silva (2008) indica que a cultura não é só modo de vida de cada grupo social, mas, produtora de significados com os quais os grupos se identificam e funciona como formadora e reguladora dos estereótipos, já que consegue moldar e regular percepções, gestos, sentimentos, valores, crenças, hábitos, maneiras de ser, de perceber a si mesmo e aos demais e, portanto, de agir como mulher ou homem, menino ou menina em uma determinada sociedade e contexto.

Como produtora de significados, a cultura pode ser manifestada através da musica, literatura, dança, pintura entre outras formas de expressões. A música é uma arte e ciência de combinar os sons e o silêncio seguindo uma organização ao longo do tempo, compondo uma das manifestações mais comuns da cultura (FERREIRA, 2001).

Nesta direção, esse trabalho tem o objetivo de analisar as relações/construções de gênero presentes nas músicas mais populares entre os alunos do terceiro ano do ensino médio nas escolas públicas no município de Areia – PB.

Os papéis de gênero nas músicas mais ouvidas

Este estudo está relacionado às atividades do Projeto de Extensão “Gênero e Sexualidade em Debate, pela construção da Paz” (PROEXT/MEC/2010), e a pesquisa ora apresentada foi realizada em duas Escolas Estaduais José Américo de Almeida e Carlota Barreira localizadas no município de Areia – PB, que contam com 134 jovens matriculados/as no 3º ano do Ensino Médio. Destes, a amostra voluntária foi formada por 72 estudantes, sendo 41 meninas e 31 meninos, com faixa etária entre 17 e 30 anos.

A coleta de dados ocorreu por meio de um questionário, no qual se perguntou: o título da música que o /a jovem mais gosta de ouvir e o que mais chamou atenção nessas músicas; quais as músicas mais comuns de se ouvirem no dia a dia e se eles achavam que estas músicas os influenciavam de alguma forma, além de questionar se o grupo de amigos/as deles ouviam e gostavam da mesma música.

(3)

A partir da análise dos questionários evidenciou-se grande variedade de gostos musicais, com os mais variados ritmos: gospel, forró, MPB, rock, rock pop, sertanejo, hip hop, samba, axé, brega, internacional. Desta forma, não foi apresentada uma tendência única à predileção musical. Porém, quando foram comparadas as músicas que os alunos e alunas, afirmaram gostar mais de ouvir, com as músicas que eles/elas mais ouvem em seu dia a dia, seja nas rádios ou na vizinhança, pode-se perceber um descompasso, de forma que a maioria dos alunos e alunas não ouve as músicas que afirmaram gostar de ouvir e colocaram como favoritas.

Sobre o que mais chama atenção nas músicas, 63% das alunas e 67% dos alunos afirmaram ser a mensagem que elas passam e 71% das alunas e 49% dos alunos admitiram que as músicas exercem alguma influência sobre eles através da relação com o outro, da autoestima, com o jeito de ser e agir no meio em que vive. Além disso, a maioria dos alunos e alunas relatou que seu círculo de amizade costuma ouvir as mesmas músicas, caracterizando a música como uma idéia de pertencimento a um grupo e de cumplicidade, formando, assim, uma identidade social.

Foi constatado que as músicas mais comuns entre aquelas que alunos e alunas ouvem, tendem para o ritmo do forró, das quais foram escolhidas para análise quatro músicas, entre as citadas, por serem as mais apontadas por eles/as que são: 1.“Se eu fosse um garoto”, da banda Forró do Muído; 2.“Tarraxinha” e 3.“Ela gosta é da pisadinha”, ambas da banda Aviões do Forró; 4.“Vai a pé”, da banda Forró Pegado, cujas letras foram transcritas para viabilizar a compreensão da análise para leitores e leitores.

1. Se Eu Fosse Um Garoto (Forró do Muído)

Se eu fosse um garoto, eu faria diferente

eu não te tratava assim, eu não te magoava assim não me deixava só aqui

Chegaria mais cedo, não de madrugada Não te trairia, não faria nada

Que te magoasse assim, eu cuidaria mais de mim Não sairia tanto só com os meus amigos

E te levaria pra curtir comigo

(4)

(Refrão)

Mas você é garoto, eu tenho que entender. Todo homem leva um tempo pra poder crescer Pare pense um pouco, pense mais em mim Por que se eu fosse um garoto

Eu não te tratava assim, eu não te magoava assim Eu não te deixava assim, chorando por causa de mim

Nesta letra, ficam evidentes papéis sociais dicotômicos entre masculino e feminino, sendo a figura do homem o boêmio que sai com os amigos pelas madrugadas e a figura da mulher a que fica esperando o marido chegar a casa e sofrendo, restrita ao lar. A normalização cultural fica evidente no refrão quando diz: “Você é garoto, eu tenho que entender, todo homem leva um tempo pra poder crescer”. Assim, o ser masculino é justificado socialmente pela liberdade e, o ser feminino pela resignação da sua condição existencial.

Bourdieu (2005) afirma que a divisão entre os sexos parece estar “na ordem das coisas” a qual regula os comportamentos, sendo recompensados ou punidos, conforme corresponda ou não ao símbolo que culturalmente lhes é atribuído. Historicamente, aos homens são reservados direitos a atos de diversão, vida pública, “traição” enquanto às mulheres os deveres a atos voltados a discrição, ao “choro” e aos limites da vida privada, e a força da cultura do senso comum se expressa na música, naturalizando papéis de submissão e autoridade, pois, o poder simbólico não se pode exercer sem a colaboração dos que lhe são subordinados e que só se subordinam a ele porque o constroem e o confirmam como poder legítimo.

2. Tarraxinha (Aviões do forró)

Vou misturar a pisadinha e a tarraxinha Ta bombando tudo, ta cheio de gatinha... Aviãozeiro aqui

Aviãozeiro lá Vem com o Avião Que o bicho vai pegar

A mulherada balançando na onda da tarraxinha Mão na cabeça, tapinha na bundinha

Arrocha, arrocha na onda da tarraxinha Mão na cabeça, tapinha na bundinha...

(5)

Ela gosta é da pisadinha Ela gosta de fazer besteirinha

Ela gosta é da badalação Ela gosta é do som do paredão Ela não se prende a ninguém Independente demais Faz o que der na cabeça Bebe até cair pra trás Se der vontade ela beija Essa gata ta na mídia Não se apaixone por ela Seu lema é viver a vida

E quando bota a pisadinha essa negona quer mexer E bota mais uma gelada que a galera quer beber Quer beber, quer beber, quer beber, quer beber Mas ela gosta é da pisadinha

Nas duas letras acima, pode-se perceber que a mulher e o feminino são destacados por sua disponibilidade e sensualidade e por ações que trazem o entretenimento ao homem como rebolar, dar “tapinhas na bundinha”, “fazer besteirinhas”, como “beber até cair para trás”. Nesta visão, a mulher é uma anfitriã a despertar o desejo do homem. Bourdieu (2005) discute que as estratégias simbólicas atribuídas às mulheres e interpretadas como armas contra o homem, a exemplo da sensualidade, tem em seu princípio uma visão androcêntrica.

Ou seja, supostamente não podendo lutar com as mesmas armas que os homens, as mulheres se utilizariam de artifícios que acabam por confirmar sua posição de subordinada. O androcentrismo, segundo Carvalho, Andrade e Junqueira (2009), refere-se a um sistema cultural baseado em normas e valores que promovem os sujeitos masculinos, excluindo as mulheres de posição de privilégios e poder.

4. Vai a Pé (Forró Pegado)

Cadê aquele cara que dizia que era o bala Quando ia pra balada se achava o gostosão Pegava a mulherada, noite e dia na balada No meio da playboyzada...

Ele tinha um carrão irado DVD, aro cromado

Todo rebaixado, tem sonzão Isso é teto solar

(6)

Quando foi um belo dia No meio da putaria

Pneu do carro se rasgou e ele sem dinheiro A casa caiu pra você

Não deu pra se esconder

Que tava liso e devendo o carrão As gatas saíram pra ver

Também foi pra dizer que ele era Um mentiroso, vacilão

A casa caiu pra você Não deu pra se esconder

Que tava liso e devendo o carrão As gatas saíram pra ver

Também foi pra dizer que ele era Um mentiroso, vacilão

Vai a pé Vai a pé

Sem dinheiro e sem mulher Vai a pé

Na letra de música acima pode ser percebida a valorização do papel do homem como viril e dominador pelo porte de bens valorizados no universo masculino como a posse de carrões e dinheiro, ao mesmo tempo, sendo uma vítima da perda da virilidade, associada à perda do poder econômico. Neste texto evidencia-se a virilidade, segundo Bourdieu: um princípio de conservação e aumento da honra que se mantém indissociável da virilidade física e das provas da potência sexual que são atribuídas ao homem, sendo tal privilégio masculino uma cilada igualmente a subordinação feminina, pois impõe ao homem o dever de afirmar, em toda e qualquer circunstância sua virilidade.

Portanto, de acordo com a letra “Vai a pé”, o homem para ser valorizado socialmente tem que demonstrar ser conquistador “pegar a mulherada” e depois, o homem que exibia seu orgulho é desmoralizado por estar sem dinheiro e sem mulher, enquanto esta é inferiorizada a uma moeda de valor para comprovação da virilidade masculina, semelhante ao dinheiro e ao carro.

(7)

A análise das letras das músicas é de grande importância uma vez que a música é uma das mais populares manifestações da cultura e como tal, funciona como veículo de condução de significados, construindo identidades e reafirmando valores, sentimentos, hábitos, bem como maneiras de ser e agir do masculino e do feminino que não são constituídos pelas características biológicas, mas, através de símbolos e significados criados pela cultura, em um dado momento histórico.

Constatou-se que nas músicas mais ouvidas pelos jovens estão presentes preconceitos de gênero e reforços aos estereótipos, e, portanto, que se faz necessário uma análise desse veículo cultural para a desmitificação dos papéis de gênero reforçados nas letras das músicas mais ouvidas e proposições de práticas pedagógicas que permitam a desconstrução de identidades estereotipadas que servem de base aos preconceitos ainda existentes na sociedade contemporânea.

Referências

BOURDIEU, P. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

CARVALHO, M. E. P.; ANDRADE F. C. B.; JUNQUEIRA, R. D. Equidade de Gênero

e Diversidade Sexual na Escola: Por uma prática pedagógica inclusiva. João Pessoa:

Editora Universitária / UFPB, 2009.

CARVALHO, M. E. P.; ANDRADE F. C. B.; JUNQUEIRA, R. D. Gênero e diversidade

sexual: um glossário João Pessoa: Editora Universitária / UFPB, 2009.

FERREIRA, A. B. H. Miniaurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa. 4ª Ed. Ampliada e Revisada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

LANGER, J. Metodologias para análise de estereótipos em filmes históricos. Revista História Hoje. Vol. 2, nº5 – Novembro, 2004.

SILVA, F.F. Linguagens, Estilos, Adornos Corporais...: a produção das identidades adolescentes na contemporaneidade. In: SILVA, F. F.; MAGALHÃES, J. C.; RIBEIRO, P. R. C.; QUADRADO, R. P. (Orgs.) Sexualidade e Escola: compartilhando saberes e

experiências. 2ªed. Revisada e ampliada. Rio Grande: FURG, 2008.

SILVA, T. T. (Org.) Teoria Cultural e Educação – Um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

SOUSA, V. A.; CARVALHO, M. E. P. Por uma educação escolar não-sexista. João Pessoa: Editora Universitária / UFPB, 2003.

Referências

Documentos relacionados

Túmulo de Mahu, TA 9, parede da frente, lado sul, metade inferior, região esquerda, Pl. Resta agora levar os criminosos diante do vizir, para

§ 4º Para fins de fortalecimento dos Conselhos de Assistência Social dos Estados, Municípios e Distrito Federal, percentual dos recursos transferidos deverá ser gasto

Mova a alavanca de acionamento para frente para elevação e depois para traz para descida do garfo certificando se o mesmo encontrasse normal.. Depois desta inspeção, se não

De acordo com estes resultados, e dada a reduzida explicitação, e exploração, das relações que se estabelecem entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente, conclui-se

Support to the Participation and Presentation of Portuguese and International Companies [ Article 5 ] The management of Imaginarius - International Street Theatre Festival of

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política