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MODIFICAÇÃO DE CRENÇAS DISFUNCIONAIS E TEORIAS PRAGMÁTICAS DA COMUNICAÇÃO

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E TEORIAS PRAGMÁTICAS DA COMUNICAÇÃO

Andréia da Silva Bez Fábio José Rauen

RESUMO: Esta comunicação pretende apresentar uma proposta de descrição e explicação dos processos cognitivos de flexibilização e de modificação de crenças disfuncionais a partir da teoria da conciliação de metas de Rauen (2014) e da teoria da relevância de Sperber e Wilson (2001). A terapia cognitivo-comportamental afirma que a interpretação das experiências do paciente altera-se, na medida em que ele aprende a identificar e a avaliar seus pensamentos disfuncionais de forma mais realista. Para uma melhora duradoura no humor e no comportamento, esses aspectos devem ser trabalhados em um nível mais profundo de cognição: as crenças básicas que o paciente tem sobre si mesmo, seu mundo e as outras pessoas. Conforme a teoria da relevância, a relevância de um estímulo é maior quando, em igualdade de condições, maiores são os efeitos cognitivos e menores forem os esforços de processá-lo. Um estímulo é relevante quando fortalece suposições existentes, contradiz/enfraquece suposições existentes, ou gera implicações contextuais em combinação com suposições existentes. Dessa forma, uma intervenção terapêutica é relevante quando o terapeuta promove efeitos contextuais que alteram os pensamentos automáticos do paciente e, por decorrência, altera suas crenças disfuncionais. Conforme a teoria de conciliação de metas de Rauen (2014), assume-se neste estudo que alguns tipos de pensamentos automáticos são hipóteses abdutivas antefactuais categóricas do paciente, que estão relacionadas com as crenças disfuncionais que compõem o seu esquema cognitivo. Desse modo, argumenta-se que o processo terapêutico visa a enfraquecer a conexão causal desses pensamentos automáticos em direção a níveis mais flexíveis, sejam esses níveis bicondicionais, condicionais, habilitadores ou mesmo tautológicos.

PALAVRAS-CHAVE: Terapia cognitiva 1. Teoria da conciliação de metas 2. crenças 3.

INTRODUÇÃO

Como ocorrem as mudanças a nível cognitivo? Entre as perspectivas possíveis de abordar esse tema, essa questão me levou a construção da interface entre a terapia cognitivo-comportamental e as teorias da comunicação pragmática. É uma característica no desenvolvimento da terapia cognitivo-comportamental essa aproximação com áreas do conhecimento como a da psicologia evolutiva, a da psicologia cognitiva e das neurociências.

De acordo com Pereira e Rangé (2011, p. 32), muitos desdobramentos ocorreram nas últimas quatro décadas em relação ao modelo original da terapia cognitiva. Entretanto, muitas perguntas permanecem em aberto:

Quais seriam as bases biológicas sobre o porquê pacientes melhoram? Que tipo de conhecimento mais recente poderia auxiliar em relação ao modelo cognitivo? [...] muito ainda precisa ser feito, como, por exemplo, instrumentos que possibilitem medir mudanças na cognição pela terapia cognitiva nos pacientes.

Artigo apresentado no VII Simpósio sobre Formação de Professores (SIMFOP) da Universidade do Sul de

Santa Catarina – UNISUL.

 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa

Catarina (UNISUL), mestre em Educação Agrícola pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Psicóloga do Instituto Federal Catarinense (IFC/Campus Sombrio). E-mail: andreiabez@yahoo.com.br.

 Doutor em Letras/Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-doutorado em Letras

pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Docente e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina (PPGCL/UNISUL). E-mail: fabio.rauen@unisul.br.

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A terapia cognitivo-comportamental apresenta a estrutura e funcionamento de um modelo cognitivo. Defende-se a hipótese de que o pensamento disfuncional influencia o humor e o comportamento do paciente, sendo esta relação comum a todos os transtornos psicológicos. Além disso, afirma-se que, na medida em que o paciente aprende a identificar e a avaliar o seu pensamento disfuncional de forma mais realista, a interpretação posterior da suas experiências muda e isso leva a uma melhora em seu estado emocional e a um comportamento funcional. Para uma melhora duradoura no humor e no comportamento, esses aspectos devem ser trabalhados em um nível mais profundo de cognição, onde estão as crenças básicas que o paciente elaborou.

De acordo com Beck J. S. (2013), o desenvolvimento das crenças está relacionado às ideias que os indivíduos elaboram nos primeiros estágios de desenvolvimento sobre si mesmos, sobre as outras pessoas e sobre o seu mundo. É uma tentativa de entender o ambiente e organizar as experiências de forma coerente, a fim de funcionar adaptativamente. As diferentes interações com o mundo e com os outros, assim como a influência da predisposição genética, conduzem o indivíduo a esses entendimentos particulares.

O foco da terapia reside em intervir nas crenças que são errôneas, disfuncionais e que consequentemente trazem algum desconforto ou sofrimento para o indivíduo. “Um aspecto muito significativo para o terapeuta cognitivo-comportamental é que as crenças disfuncionais podem ser desaprendidas, e novas crenças baseadas na realidade e mais funcionais podem ser desenvolvidas e fortalecidas durante o tratamento” (BECK, J. S., 2013, p. 55).

Aparentemente, a terapia cognitivo-comportamental pode ser vista como uma simples aplicação de técnicas e experimentos com adequação em um modelo estruturado cognitivamente. Todavia, a formação do terapeuta exige o desenvolvimento e aprimoramento de uma série de habilidades. Beck A. T. (2013, p. xi) diz:

[...] a prática da terapia cognitivo-comportamental não é fácil. Tenho observado muitos participantes de ensaios clínicos, por exemplo, que conseguem trabalhar de maneira mecânica os “pensamentos automáticos”, sem que tenham um real entendimento das percepções que os pacientes têm do seu mundo ou qualquer compreensão do princípio do “empirismo colaborativo”.

Kuyken, Padesky e Dudley (2010) confirmam esse argumento ao destacar as dificuldades nas habilidades terapêuticas relacionadas à conceitualização do caso. Mesmo sendo considerada uma habilidade fundamental, muitos terapeutas não se sentem confiantes e nem preparados em fazê-lo. Diante desse fato os autores desenvolvem um livro em que propõem um modelo de conceitualização de casos que destaca o papel do empirismo colaborativo, considerando a base essencial da relação terapêutica.

Wright, Basco e Thase (2008), desenvolvem um guia ilustrado dos métodos da terapia cognitivo-comportamental. Os autores destacam a relação terapêutica, a qual deve ser orientada para um alto grau de colaboração entre paciente e terapeuta, mantendo-se um foco fortemente empírico e utilizando-se de intervenções direcionadas para a ação.

A terapia cognitivo-comportamental tem como base um modelo do processamento cognitivo e é fundamentada em princípios gerais que regem a estrutura do tratamento, a relação terapêutica muita importância. Destaca-se aqui que, dependente desses aspectos o viés pelo qual todo o processo terapêutico se desenrola é a comunicação. Nas palavras de Beck, A. T. e Alford (2000, p. 47),

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ao conduzir um tratamento clínico geral de um transtorno psicológico, o psicoterapeuta conta primeiramente com a comunicação verbal para facilitar a correção de um transtorno. Este é o caso se o psicoterapeuta adota uma abordagem comportamental, uma abordagem psicodinâmica, ou qualquer outra abordagem psicoterapêutica estabelecida. Portanto, um aspecto comum entre as várias psicoterapias é que a terapia envolve comunicação, ou a troca de informação, entre terapeuta e paciente.

Nesta relação são disparados processos de mudanças que impulsionam o paciente a modificar o seu modo de interpretar os fatos e, com isso, obter uma melhora no seu estado global. Diversos manuais da terapia cognitivo-comportamental explicam e procuram demonstrar esse processo passo a passo, e afirmam que este se dá inicialmente pela contestação dos pensamentos automáticos disfuncionais, seguidos pela flexibilização e/ou modificação das crenças disfuncionais. Todavia, esses mesmo autores reforçam a necessidade de elevar o nível descritivo desses processos na terapia, tanto para a formação de novos terapeutas, quanto para a atualização dos profissionais.

Dada, as características da terapia cognitivo-comportamental, a importância da comunicação nesse processo, a necessidade de pesquisas que ampliem o nível descritivo desses processos relacionados a relação terapêutica em si e ao processo de modificação e flexibilização de crenças, é razoável supor que estudos que analisem essa relação pelo viés da comunicação pragmática podem trazer outra perspectiva de descrição e explicação.

Diante disso, nas seções seguintes serão apresentadas as interfaces teóricas construídas, a contextualização do objeto, uma ilustração da análise, e considerações finais.

AS INTERFACES TEÓRICAS

A busca em construir essa interface com a comunicação tornou-se possível no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem ao permitir aprofundar o entendimento dos processos cognitivos do terapeuta e do paciente por um viés pragmático da comunicação. Desta forma, a teoria da relevância foi a primeira teoria escolhida para embasar essa reflexão ao permitir, com a sua arquitetura teórica, a descrição e a explicação dos processos comunicacionais presentes nos raciocínios de terapeuta e paciente. Uma vez que tanto a teoria da relevância como a terapia cognitivo-comportamental buscam na psicologia cognitiva muitos de seus fundamentos.

Relevância pode ser definida como uma propriedade das entradas de dados para os processos cognitivos. O que torna uma entrada (input) relevante é o fato de valer a pena ser processada. Para Sperber e Wilson (2001, p. 12), em igualdade de condições, quanto maiores forem os efeitos cognitivos obtidos de uma entrada de dados, maior será a sua relevância. Inversamente, quanto menor for o esforço de processamento requerido para processar essa entrada, maior será sua relevância. Para serem relevantes, neste sentido, os efeitos cognitivos resultantes do processamento de um estímulo devem resultar em fortalecimentos de suposições existentes, contradições ou enfraquecimentos de suposições existentes, ou mesmo implicações contextuais resultantes da combinação desse estímulo com suposições existentes.

Nessa perspectiva de interface da terapia cognitiva com as teorias pragmáticas da comunicação foi encontrada uma tese de 2002, de autoria de Ricardo Wainer, com o título Os processos inferenciais nos diálogos psicoterapêuticos: correlações entre a semântica do dito e a pragmática do comunicado1. Wainer et al. (2005a) trabalham com a Teoria das

1 Essa tese não está publicada para acesso, mas em contato com o autor ele repassou dois artigos (WAINER et

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implicaturas de Grice (1975, 1978, 1981) com o modelo ampliado da Teoria das Implicaturas de Costa (1984) e com a Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995, 2001).2

Wainer investigou como, com universos de esquemas mentais distintos, paciente e terapeuta conseguem se comunicar de maneira eficaz. O estudo justificou-se pela tentativa de compreensão dos processos inferenciais utilizados pela dupla na relação terapêutica, o que acabou por mostrar a necessidade de teorias pragmáticas da comunicação para a abordagem da comunicação psicoterapêutica.

Umas das conclusões a que Wainer chega nesse estudo é que

[...] o número significativo de implicaturas conversacionais em relação ao número de enunciados, solidificam a importância de se utilizar os modelos linguísticos pragmáticos na compreensão da comunicação psicoterápica. Se tantas implicaturas são geradas, sua interpretação, ou seja, a interpretação do implícito da comunicação, é essencial para se compreender as intenções comunicativas dos sujeitos dos diálogos psicoterapêuticos (WAINER et al., 2005a, p. 37).

A teoria da relevância assume que o processo comunicacional é guiado pelos princípios cognitivo e comunicativo de relevância. O princípio cognitivo estabelece que a cognição humana é direcionada para a maximização da relevância e o princípio comunicativo estabelece que todo enunciado comunica a presunção de sua própria relevância ótima. Em uma interação comunicativa, o objetivo do ouvinte, ao processar reativamente os estímulos fornecidos pelo falante, é o de encontrar dedutivamente uma interpretação que satisfaça essas expectativas. Segundo a teoria, o ouvinte segue uma rota de menor esforço cognitivo na interpretação de um enunciado, interpretando as entradas de dados em ordem de acessibilidade e cessando o processo quando sua expectativa de relevância é satisfeita.

A partir da proposição teórica da Teoria de Conciliação de Metas de Rauen (2013, 2014), uma segunda aproximação teórica foi encontrada para fundamentar essa análise das interações comunicacionais entre terapeuta e paciente, especialmente em função dos processos de auto e heteroconciliação de metas descritos na teoria. Isso se deve ao processo terapêutico da terapia cognitivo-comportamental pautar-se em uma relação na qual terapeuta e paciente, valorizando e respeitando os conhecimentos de cada um, coordenam metas e submetas em comum. Estas, por sua vez, devem ser discutidas, monitoradas e avaliadas.

A teoria de conciliação de metas de Rauen (2013, 2014) pretende fornecer um viés proativo para a teoria da relevância. Em 2013, Rauen propôs um modelo em quatro estágios para descrever e explicar como os indivíduos modelam proativamente metas. Sua abordagem parte da emergência de uma meta [1], passa pela formulação de pelo menos uma hipótese abdutiva de solução [2], pela execução da ação [3] e pela conciliação dos resultados dessa ação com a meta inicial (checagem), incorporando o módulo dedutivo da teoria da relevância [4]. No estágio de checagem, o autor apresenta os conceitos de conciliação de metas (conciliação ativa, inconciliação ativa, conciliação passiva e inconciliação passiva) e o conceito de confirmação de hipóteses, sugerindo, nesse processo, uma gradação de força para

2 De forma sucinta, pode-se dizer que a Teoria das Implicaturas de Grice trabalha com a suposição de que existe

uma lacuna no processo interpretativo do enunciado que é preenchido pelo processo inferencial e não apenas por decodificação, conforme o modelo de código preconizava. O Modelo Ampliado de Costa (1984) se apresenta como uma reformulação da Teoria Clássica das Implicaturas. Neste modelo, a relevância passa a ser a propriedade pragmática por excelência. No mesmo período, é lançada a obra Relevance: communication and

cognition de Sperber e Wilson (1986) que, diante dos pressupostos de Grice, direcionam sua teoria de

abordagem pragmática cognitiva para a compreensão dos enunciados. Para esses autores, a relevância constitui-se como uma relação de equilíbrio entre efeitos cognitivos e esforço de processamento no processo de interpretação.

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as hipóteses abdutivas antefactuais, partindo das categóricas, passando por bicondicionais, habilitadoras e condicionais, até tautológicas.

Em 2014, o autor passou a distinguir os processos de autoconciliação, nos quais o próprio indivíduo monitora a consecução de suas metas, dos processos de heteroconciliação, quando se faz necessário conciliar colaborativamente metas em comum, sendo imprescindíveis os processos comunicacionais.

Figura 1 - Esquema básico para auto e heteroconciliação de metas

Terapeuta Paciente Q Heteroconciliação Q  Autoconciliação Autoconciliação  Q’ Heteroconciliação  Q’

Fonte: Elaboração própria com base em Rauen (2014).

Apresentada as principais noções de cada teoria e a interface teórica construída, segue na próxima seção a contextualização do objeto analisado.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO

Com fundamento nas noções teóricas da Teoria da Relevância e da Teoria da Conciliação de Metas, estabelece-se como corpus da pesquisa registros verbais da relação psicoterapêutica, extraído do livro Terapia Cognitiva: teoria e prática de autoria de Judith S. Beck (2013), com recorte, para fins de análise, de extratos de diálogos que apresentem a interação entre terapeuta e paciente.

Judith S. Beck é uma psicóloga americana reconhecida nacionalmente e internacionalmente por sua atuação na Terapia Cognitiva comportamental. Seu pai, Aaron T. Beck, é considerado o fundador da terapia cognitiva, com quem ela teve oportunidade de trabalhar e se desenvolver como terapeuta. Atualmente Judith Beck é a president do Beck Institute for Cognitive Therapy and Research. Atua como professora adjunta de psicologia na Universidade da Pensilvânia e como consultora em diversas pesquisas do NIMH - National Institute of Mental Health (BECK INSTITUTE, 2015).

A primeira edição do livro em português foi lançada em 1997, a segunda edição revisada deste livro foi lançada em 2013. Essa nova edição apresenta os fundamentos do modelo cognitivo-comportamental e suas técnicas e as inovações na teoria e na prática clínica que decorreram neste período.

A seleção desse livro se deve ao fato do mesmo utilizar-se de um único caso exemplo para descrever os conceitos e processos da terapia cognitivo-comportamental. Em outras palavras, o tratamento desenvolvido exemplifica os princípios da terapia, além de ser considerado um clássico na literatura científica do campo da terapia cognitivo-comportamental, destinado a formação e a atualização de estudantes, professores e terapeutas.

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Como extrato dessa proposta de análise, tome-se o caso descrito do livro de Judith Beck, no qual o terapeuta discute um planejamento de atividades com a paciente Ana, no qual temos a seguinte fala da paciente:

Paciente: (1)Eu gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, (2) mas parece que não tenho nenhuma energia. (BECK, J. S., 2013, p. 103)

Segue na próxima seção a modelação desse enunciado na perspectiva da teoria da relevância e da teoria da conciliação de metas.

ILUSTRAÇÃO DA MODELAÇÃO

De acordo com Beck, J. S., (2013) o início da sessão psicoterapêutica é marcado pelo estabelecimento da aliança terapêutica, a checagem do humor, o breve relato das experiências e sintomas do paciente durante a semana que passou, a listagem dos problemas que o paciente mais deseja ajuda para resolver, a verificação dos exercícios de casa ou plano de ação. O transcorrer da sessão segue com a discussão de um problema específico colocado em pauta pelo paciente, conceituando cognitivamente as dificuldades e planejando colaborativamente uma estratégia. Feito isso, volta-se para a lista elencada de problemas e repete-se o processo. Os pontos importantes da sessão são revisados ao final, momento este que o terapeuta também deve assegurar-se de que o paciente compreendeu as estratégias definidas e provavelmente terá condições de desenvolver o exercício de casa prescrito. Diante disso, solicita o feedebackdo paciente sobre a sessão.

Como pontuado nesta descrição geral de uma sessão, a interação paciente/terapeuta é complexa. Entre outras razões, isso se deve ao fato de que, de um lado o terapeuta, tem objetivos específicos e um conjunto de conhecimentos teóricos próprios, enquanto de outro, o paciente, encontra-se orientado pelo seu sistema de crenças e pensamentos automáticos. Terapeuta e paciente têm metas especificas próprias a sua posição e, ao interagirem, constroem um espaço de intersecção. É nesse espaço que se dá negociação dos propósitos do processo terapêutico, destacando-se, porém, que essa interação comunicativa não é uma conversa natural, mas uma interação guiada pelos princípios teóricos da terapia.

Retomando o enunciado da paciente Ana:

Paciente: (1)Eu gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, (2) mas parece que não tenho nenhuma energia. (BECK, J. S., 2013, p. 103)

A análise dos enunciados na perspectiva da teoria da relevância a seguir:

(1a) Forma linguística: Eu gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas. (1b) Forma lógica: (gostar de passar x,y,γ finalidade)

(1c) explicatura: Eu [PACIENTE] gostaria de passar mais tempo com outras pessoas. 1d) Explicatura expandida: A PACIENTE AFIRMA/DESEJA QUE P(intenção comunicativa).: A

PACIENTE GOSTARIA DE PASSAR MAIS TEMPO COM AS OUTRAS PESSOAS.

(2a) Forma linguística: Mas parece que não tenho nenhuma energia. (2b) Forma lógica:  (parecer x (ter x,y, γfinalidade) y)

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(2c) explicatura: Mas parece verdade [PARA O PACIENTE] que [A PACIENTE] não tem nenhuma energia [PARA A PACIENTEPASSAR MAIS TEMPO COM OUTRAS PESSOAS]. (2d) explicatura expandida: A PACIENTE AFIRMA QUE P(intenção comunicativa).: A PACIENTE

GOSTARIA DE PASSAR MAIS TEMPO COM AS OUTRAS PESSOAS, MAS PARECE VERDADE PARA A PACIENTE QUE A PACIENTE NÃO TEM NENHUMA ENERGIA PARA O PACIENTE PASSAR MAIS TEMPO COM OUTRAS PESSOAS.

A explicatura expandida nos permite descrever o ato de fala de Ana, ou seja, que “ANA AFIRMA QUE ANA GOSTARIA DE PASSAR MAIS TEMPO COM AS OUTRAS PESSOAS, MAS PARECE VERDADE PARA ANA QUE A ANA NÃO TEM NENHUMA ENERGIA PARA ANA PASSAR MAIS TEMPO COM AS OUTRAS PESSOAS.” Essa fala da paciente é caracterizada na terapia cognitiva comportamental como dos componentes do esquema cognitivo do indivíduo, é definido como um pensamento automático disfuncional.

A segunda etapa da análise desta proposta, segue a modelação proativa de metas de Rauen (2013, 2014) a ser desenvolvida em quatro estágios. No primeiro estágio, temos a emergência de uma meta; no segundo, a formulação de pelo menos uma hipótese abdutiva (categórica, bicondicional, condicional, habilitadora ou tautológica) de solução; no terceiro, a execução da ação; no quarto estágio, a conciliação dos resultados dessa ação com a meta inicial. Nesta quarta etapa serão observados processos de autoconciliação, quando o próprio indivíduo (terapeuta ou paciente) monitora a consecução de suas metas, dos processos de heteroconciliação, quando terapeuta e paciente conciliam, colaborativamente, metas em comum, sendo imprescindíveis os processos comunicacionais.

Retomando o enunciado de Ana:

Paciente: Eu gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, mas parece que não tenho nenhuma energia. (BECK, J. S., 2013, p. 103)

Diante desse pensamento automático (PA) de Ana o terapeuta formula a meta de propor testar esse pensamento. Seguindo então os quatro estágios propostos por Rauen (2014), no primeiro estágio:

[1] O terapeuta i formula a meta Q de Ana testar PA (eu não tenho energia para passar tempo com as pessoas) em t1.

O output da consecução desse estágio pode ser assim representado:

[1] Q testar PA, Ana

No segundo estágio, o Terapeuta i seleciona pelo menos uma hipótese abdutiva antefactual Ha para atingir a meta Q.

[2] O terapeuta i abduz uma hipótese antefactual Ha para Ana atingir a meta Q de Ana testar PA em t2.

Essa formulação, ainda que incompleta, capta a ideia de que é preciso, num tempo t2 que sucede t1, conectar uma ação antecedente P, admitida pelo terapeuta i como pelo menos suficiente para Ana atingir a meta Q. Obviamente, a memória enciclopédica do terapeuta i deve conter um conjunto extenso de ações antecedentes P capaz de compor uma hipótese

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abdutiva antefactual Ha. A título de exemplo, tome-se o caso de a sua memória ter selecionado apenas o conjunto S1-3 abaixo:

S1 – obter evidências que tem energia S2 – fazer registro PA

O output do segundo estágio é a hipótese abdutiva antefactual Ha a seguir:

[2b] Se Ana i obter evidências que tem energia P, então Ana testará seu PA Q.

O output de [2b] também pode ser assim representado:

[1] Q testar PA , Ana [2] P Q obter evidências, Ana testar PA, Ana

No terceiro estágio é que se faz necessário o processo comunicacional. O terapeuta precisa comunicar a hipótese de que é necessária Ana obter evidências para testar o PA. Portanto, para fornecer essas informações o terapeuta produz estímulos ostensivos que permitam a Ana estabelecer como sua a meta de obter evidências para testar o seu pensamento automático.

A ação O de terapeuta comunicar a Ana o plano, a seguir, é uma submeta necessária para que o terapeuta heteroconcilie colaborativamente esse plano com Ana.

Veja-se:

[1] Q testar PA, terapeuta

[2] P Q obter evidências, Ana testar PA, terapeuta

[3] O P comunicar, terapeuta obter evidências, Ana [4] O comunicar, terapeuta

O terapeuta é integralmente bem sucedido em heteroconciliar seu plano com o paciente. Decorre disso que a meta Q e a hipótese abdutiva PQ do terapeuta passam a também ser a meta e a hipótese de solução de Ana. Segue-se a tomada de decisão de Ana em obter evidências. Nesse estágio da modelação, em princípio, há duas possibilidades:

[3a] Ana i obtêm evidências P para Q testar seu PA num tempo t3, ou [3b] Ana i não obtêm evidências P para Q testar seu PA num tempo t3. A versão positiva do output do terceiro estágio pode ser vista a seguir:

[1] Q testar PA, Ana [2] P Q obter evidências, Ana testar PA, Ana [3] P obter evidências, Ana

[4] O P jantar com amigos, Ana, obter evidências, Ana

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[4a] Considerando-se [2] “Se P, então Q” e [3a] P, a Ana i atinge a meta de obter evidências para testar seu PA Q’ num tempo t4, ou

[4b] Considerando-se [2] “Se P, então Q” e [3b] P, a Ana i não atinge a meta de obter evidências para testar seu PA Q’ num tempot4

A versão positiva do output do quarto estágio pode ser vista a seguir:

[1] Q testar PA, Ana [2] P Q obter evidências, Ana testar PA, Ana [3] P obter evidências, Ana

[4] O P jantar com amigos, Ana, obter evidências, Ana …

[5] O’ jantar com amigos, Ana

[6] P’ obter evidências, Ana

[7] Q’ testou PA, Ana Uma vez que Ana testa seu PA e que essa era a meta inicial da terapia, ambos, paciente e terapeuta, heteroconciliam a meta em comum por meio de trocas comunicacionais na devolução dos resultados. Decorre do output do quarto estágio a autoconciliação de metas e a confirmação de hipóteses. Além disso, no que se refere aos efeitos cognitivos: na conciliação ativa, Ana atinge a meta Q e confirma a hipótese Ha, que é fortalecida e estocada como um esquema de crenças na memória enciclopédica de Ana.

A utilização de técnicas cognitivas e comportamentais é uma forma de ampliar o ambiente cognitivo pela construção de hipóteses abdutivas, tanto ao trazer uma suposição nova, como ao reapresentar uma mesma suposição combinando com novas evidências. Isso permite questionar os pensamentos automáticos disfuncionais bem como, as crenças que os fundamentam. As técnicas serão relevantes, se formuladas em um ambiente cognitivo mútuo e, consequentemente, apresentarem algum efeito contextual, levando à alteração desses pensamentos e, por decorrência, à alteração das crenças.

Na versão exitosa do caso modelado neste estudo, o sucesso em obter evidências de que tem energia permitiu a Ana (terapeuta) testar seu PA e sugere que a paciente partiria de uma hipótese factual categórica disfuncional de que não tem energia para passar tempo com as pessoas e chegaria a versões mais flexíveis dessa hipótese, na proporção em que, inversamente, os repetidos sucessos reforçariam a modificação desses tipos de pensamentos, consequentemente, chegando a crenças mais adequadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerar a pertinência dos conceitos de auto e heteroconciliação de metas pode esclarecer aspectos importantes dessa relação terapêutica, especialmente porque ela deve ser estabelecida por empirismo colaborativo. Por um processo pelo qual paciente e terapeuta, cada qual com seus conhecimentos, compartilham todas as tomadas de decisão, para juntos resolver problemas e atingir os propósitos traçados. Além disso, possibilita uma descrição e explicação mais objetiva dos raciocínios desenvolvidos pelo terapeuta e paciente e, assim, elaborar melhores avaliações para os casos. E por fim, sugere uma outra perspectiva de como ocorre o processo cognitivo da flexibilização e de modificação de crenças disfuncionais.

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REFERÊNCIAS

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WRIGHT, J. H., BASCO, M. R., THASE, M. E. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Referências

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