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Academic year: 2021

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Introdução

Para que uma pessoa possa atingir um nível de competência lingüística que

lhe assegure um bom desempenho em uma segunda língua, precisa conhecer bem a cultura de seus falantes nativos, de modo a conseguir identificar e compreender todo e qualquer ato, lingüístico ou extralingüístico, que constitua linguagem nas interações entre os mesmos.

Em outras palavras, é fundamental estar-se atento não só à língua (código) como também a certas práticas extra-língua (extra-código), de natureza ideológico-comportamentais, que, compondo uma linguagem à parte, comunicam tanto ou mais do que a própria língua, com a qual, aliás, têm relações tão íntimas a ponto de nela se refletirem.

Pode-se dizer inclusive que conforme a distância cultural entre duas comunidades lingüísticas é possível medir o grau de dificuldade em se entender e se aprender a usar com propriedade a variedade de formas que compõem a expressão lingüística do outro.

Este trabalho examina determinadas formas de expressão lingüística do português do Brasil até então pouco exploradas1 quanto à sua descrição, praticamente sem registro nas gramáticas e livros didáticos, tanto de português como língua materna (PL1) como de português como segunda língua para estrangeiros (PL2-E), bem como as relaciona com o modus vivendi dos brasileiros,

1 Embora haja uma série de estudos sobre tais formas no campo da Estilística, cujo caráter não é

substancialmente funcional (aspecto interacional pragmático cotidiano), mas estilístico, seus enfoques não são a descrição do português do Brasil como língua estrangeira.

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em especial dos cariocas, o que se mostra fundamental para uma compreensão do gosto ou da predileção que estes demonstram por estas formas em seu cotidiano interacional informal.

Significativamente freqüentes no dia-a-dia do brasileiro, são elas as onomatopéias e outras palavras nada prosaicas, que, por vezes, soam mais como meros ruídos ou efeitos sonoros expletivos ou de simples adorno do discurso. Em essência, são vocábulos expressivos2, que formados por imitação dos sons produzidos pelo referente (coisa a que se nomeia) ou por meio de reduplicação silábica ou qualquer outro processo estilístico, sugerem aos seus ouvintes uma relação cognitiva geralmente não arbitrária entre significante e significado, ou melhor, entre determinada massa sonora articulada e o que ela significa em termos de representação de mundo.

Convencionais em cada comunidade lingüística, diferindo de língua para língua, os vocábulos expressivos, onomatopaicos ou não, precisam ser considerados no contexto do ensino/aprendizagem de segunda língua para estrangeiros por constituírem-se elementos importantes para a comunicação ao mesmo tempo em que revelam peculiaridades de cada cultura ou grupo de falantes. Reconhecendo-os e sabendo utilizá-los, os aprendizes de PL2E ampliarão sua competência comunicativa na nova língua.

O discurso cotidiano informal dos brasileiros encontra-se repleto desses vocábulos especiais. Consagrados pelo uso, estão de tal modo internalizados por seus falantes nativos, que os mesmos nem se dão conta de como lançam mão desse tipo de recurso lingüístico a todo momento, tanto na fala quanto na escrita.

2 Vocábulos expressivos é uma denominação tomada emprestada à gramática normativa e adaptada

pela autora para designar um conjunto de palavras especialmente expressivas – as onomatopéias e outras de sonoridade peculiar e sugestiva (cf. 2.1.2.2).

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Menos ainda percebem com facilidade a sensação de estranheza que costuma apresentar um indivíduo estrangeiro aprendiz de português ao se deparar com tais expressões lingüísticas e/ou a perturbação que estas podem lhe causar. Enquanto os falantes nativos as usam com desenvoltura e destreza, os estrangeiros muitas vezes não têm oportunidade de conhecê-las ou mesmo de conseguir decifrá-las.

À primeira vista, o fato de o barulho de uma cavalgada ou galope no Brasil ser reproduzido como pocotó e nos Estados Unidos, como da rra rrum (GOSLIN, 2003: 30) realmente não parece ser relevante. No entanto, para um norte-americano, saber o que vem a ser pocotó pode ser a chave para que ele entenda o que quer dizer um brasileiro em determinados contextos. E, muitas das vezes, expressões como essas não se encontram sequer registradas nos principais dicionários das suas respectivas línguas.

Registrar e descrever as onomatopéias e outras palavras de efeitos especiais de uma língua estrangeira, bem como seu comportamento e função faz-se, portanto, necessário, sobretudo no caso de uma língua que se serve de tais recursos com significativa freqüência, em especial em situações de interação oral.

A seguir, como ilustração, encontra-se reproduzido um trecho do conto Pá,

Pá, Pá, de Luiz Fernando Veríssimo, que demonstra a necessidade de que um

aprendiz de português adquira competência lingüística relativamente a esse tipo de vocábulo, aumentando assim suas chances de sucesso na comunicação e interação em um novo ambiente cultural. No caso, uma americana está às voltas com o “pá, pá, pá”, um tipo de recurso lingüístico não muito comum em seu idioma.

“Mas o que ela não entendia mesmo era o “pá, pá, pá”. - Qual o significado exato de “pá, pá, pá”?

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- Como é? - “Pá, pá, pá”.

- “Pá” é pá. “Shovel”. Aquele negócio que a gente pega assim e...

- “Pá” eu sei o que é. Mas “pá” três vezes? (...)

- Funciona como reticências – sugeri eu. Significa, na verdade três pontinhos. “Ponto, ponto, ponto”.

(...)

- Mas não são palavras. São só barulhos. “Pá, pá, pá. - Pois é – disse eu. (VERÍSSIMO, 2001: 56-58)

A cultura de origem da personagem americana valoriza uma linguagem o mais objetiva, simples e clara possível (STEWART & BENNETT, 1991: 45-49), não dando especial valor a efeitos especiais por considerá-los opacos, confusos ou supérfluos. Tanto assim que, no final do trecho de Veríssimo, a americana destila seu preconceito ao dizer “Mas não são palavras. São só barulhos” (VERÍSSIMO, 2001: 56-58).

Pocotó, miau, cocoricó, atchim , cof-cof, buá, fonfom, pimba, vapt-vupt,

tintim, cuti-cuti, bilu-bilu, nhenhenhém, tititi, trololó, quiquiqui, nheco-nheco, bafafá, rififi e babau são alguns exemplos de recursos lingüísticos que têm algo

em comum. Por meio de repetição silábica e/ou alternância vocálica, destacam-se pela sua expressividade. E observando-se a fala cotidiana brasileira nas situações corriqueiras de interação ou seu registro nos jornais, revistas, anúncios de publicidade, internet, televisão, enfim, nos principais meios de comunicação de massa da atualidade, verifica-se que tal categoria de palavras constitui-se como mais uma fonte reveladora da expressão nacional, refletindo aspectos da identidade cultural brasileira.

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Essa maneira descontraída, incontida, vibrante, inquieta e brincalhona de ser do brasileiro, conhecida e celebrada internacionalmente, a qual este trabalho apresenta mais detalhadamente no capítulo seguinte (Cf. 2.1.5), se reflete em sua linguagem. Seu comportamento lingüístico verbal e não verbal3 revela muito da sua cultura. Seu discurso costuma ter normalmente um tom jocoso e criativo, uma vez que, extrovertido, faz barulho; expressivo, usa e abusa de todos os recursos lingüísticos de que dispõe; expansivo, externa seus sentimentos e sua maneira de ser (Cf. os conceitos de cultura objetiva e cultura subjetiva em 2.1.3).

Marca de identidade cultural, uma vez que difere de povo para povo, os recursos lingüísticos de que trata o presente trabalho são aqui focalizados de modo a desvendar alguns aspectos importantes da cultura brasileira ao mesmo tempo que, descritos, comporão um relevante registro didático para os alunos de PL2-E em especial, mas também para os alunos de PL1.

O objetivo desta Dissertação é então registrar e descrever as onomatopéias e outras palavras expressivas de efeitos especiais utilizadas atualmente no português do Brasil, não apenas reunindo-as e analisando-as semântica e funcionalmente, como também desvendando, por intermédio destas, algumas características culturais dos brasileiros.

Em termos de literatura descritiva disponível sobre onomatopéias em língua portuguesa, por exemplo, destacam-se algumas obras antigas e raras como o “Pequeno dicionário luso-brasileiro de vozes de animais – onomatopéias e definições”, de Júlio de Lemos, que cataloga as vozes de animais (piar, cacarejar, grasnar etc.) como vocábulos onomatopaicos, mas não procede ao registro dos

3 O comportamento lingüístico não verbal ou extra-lingüístico engloba a comunicação gestual e

corporal (voluntária ou involuntária, consciente ou inconsciente) dos indivíduos de determinada cultura e também a maneira como lidam com tempo, barulho, espaço e outros aspectos subjetivos.

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sons relativos às suas fontes (piu-piu, cocorocó, qüem-qüem, etc.) e “Elementos para um tratado de fonética portuguesa”, de Rodrigo de Sá Nogueira, esta última contendo interessantes considerações acerca da natureza geral das onomatopéias e de sua ortografia, incluindo um expressivo inventário de suas fontes, que engloba o registro dos sons das vozes de diversos animais e de outros barulhos como tosse, vento, viola, armas de fogo, máquinas em funcionamento, etc. referentes ao português de Portugal, em cotejo com suas correspondentes em outras línguas.

Recentemente, além de meras listagens de onomatopéias, mormente relativas aos sons das vozes de animais, encontradas sobretudo em sites na internet, e os exemplos poucos e às vezes confusos das gramáticas escolares tradicionais, já se dispõe de registros mais completos e elaborados de vocábulos expressivos, onomatopaicos e não onomatopaicos do português do Brasil, em livros de Estilística (por exemplo, em MARTINS, 2003: 30-50) ou Morfologia - estudos de processos de formação de palavras - (por exemplo, ILARI, 2003: 114). No entanto, os mesmos não são acompanhados de explicações sobre suas ocorrências no discurso em situações de interação ou sobre seus possíveis usos em tais situações. Exemplos contextualizados são raros.

Assim, este trabalho pretende preencher uma lacuna que se observa no campo da descrição desses recursos lingüísticos utilizados pelos falantes do português do Brasil, uma vez que, ainda que consideravelmente freqüentes no discurso do brasileiro, são muitas vezes relegados pela gramática normativa, que costuma lhes dedicar espaço inferior a uma página, a um segundo plano, o que impede ou dificulta que oportunamente se possa apresentá-los de uma maneira prática e funcional aos alunos de PL2-E, inclusive permitindo-lhes um pouco mais de acesso à língua e à cultura brasileiras.

Referências

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