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Adelson Cezar Ataide Costa Junior. Iyá Ejité:

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Academic year: 2021

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Universidade do Estado do Pará

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação

Centro de Ciências Sociais e Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado

Adelson Cezar Ataide Costa Junior

Iyá Ejité:

Educação e saberes da experiência em uma casa de Candomblé

Belém 2017

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lyá Ejité:

Educação e saberes da experiência em uma casa de Candomblé

Texto apresentado ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará como requisito avaliativo parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Linha de pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia.

Orientado pela Prof3. Dr3 Maria Betânia Barbosa Albuquerque.

Belém 2017

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA

Costa Junior, Adelson Cezar Ataide.

Iyá Ejité: Educação e Saberes da Experiência em uma casa de

Candomblé / Adelson Cezar Ataide Costa Junior; orientação de Maria Betânia Barbosa Albuquerque, 2017.

Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Estado do Para. Belém, 2017.

1. E d u c a ç ã o . 2. Saberes Culturais. 3 .Candomblé. 4 .História de vida. 5. Epistemologia. I. Albuquerque, Maria Betânia Barbosa (orient.). D. Título.

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lyá Ejité:

Educação e saberes da experiência em uma casa de Candomblé

Texto apresentado ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará como requisito avaliativo parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Linha de pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia.

Orientado pela Profa. Dr3 Maria Betânia Barbosa Albuquerque.

Data da Aprovação: / / 2017

Banca Examinadora

_______________________________________ - Orientadora Profa Maria Betânia Barbosa Albuquerque

Dra. em Educação - PUC/SP

Profa. do Programa de Pós-Graduação em Educação - Universidade do Estado do Pará

_______________________________________ - Membro Externo Profa Maristela Gomes de Souza Guedes

Dra. em Educação - PUC/RJ

Profa.do Programa de Pós-Graduação em Educação - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

_______________________________________ - Membro Externo Profa Taissa Tavernard de Luca

Dra. em Ciências Sociais - UFPA

Profa. do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião - Universidade do Estado do Pará

_______________________________________ - Membro Interno Profa ivanilde Apoluceno de Oliveira

Dra. em Educação - PUC/SP e UNAM-UAM - México

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AGRADECIMENTOS

A Ogun, Senhor dos caminhos, da guerra e do meu Orí, por manter meus caminhos abertos mesmo nos momentos mais difíceis da batalha.

À Maria de Nazaré, minha senhora e protetora, e sua serva e meu anjo de guarda, Cecília, cujo manto de amor minha ancestralidade me ensinou a amar.

A Seu Rompe Mato e Dona Mariana, caboclos de luz e meus padrinhos, que se fizeram presentes na minha tenra infância e que acharam um modo de me fazer voltar a encontrá-los nesta vida.

À Yemoja, Senhora e Mãe Maior, que me pôs no colo de sua filha, lyá Ejité, Mãe Rita, a quem sou eternamente grato por toda disponibilidade, amor e atenção dedicados a esse trabalho e a mim enquanto pessoa.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, em específico à Linha de Saberes Culturais e Educação na Amazônia, da qual saúdo todas as professoras e professores, cujos debates e visões de mundo foram fundamentais para o elaborar desta dissertação.

À Secretaria desse Mestrado Acadêmico em Educação, em especial ao Secretário Jorge Farias, o querido Jorginho, pessoa que é extremamente competente no desempenhar de suas funções sem perder a amabilidade e a empatia com os alunos. Assim como muitos dos alunos deste programa, muito a ele devo o sucesso dessa empreitada graças aos auxílios nos meandros da burocracia acadêmica.

À minha orientadora, Maria Betânia Barbosa Albuquerque, que teve a coragem de acolher meu projeto de pesquisa e a amorosidade de fazê-lo caminhar até o cumprimento final da tarefa. Gratidão eterna pelo tempo disponibilizado em leituras, orientações e profícuos debates.

À professora Ivanilde Apoluceno, da qual eu tive a honra de ser aluno, pelas tardes importantíssimas dedicadas a debates sobre uma educação mais inclusiva e menos preconceituosa, além de ter acompanhado este trabalho em todas as suas fases de dor e delícias, minha gratidão e meus respeitos.

À Professora Taissa Tavernard, que foi presente em minha formação inicial na graduação em História e que os ventos de Oyá fizeram voltar ao meu convívio na Pós-Graduação, com um feliz e produtivo reencontro.

À Professora Stela Guedes Caputo, por acreditar em um completo desconhecido e atender ao meu chamado para dialogar sobre a educação nos terreiros, minha enorme gratidão, respeito e desejo de parceria constante daqui para diante.

Aos meus amigos e colegas da Turma 11/2015 do PPGED/UEPA, pelos momentos de debates, brigas, choros e consolos. Em especial, Ana Célia Morais, Renata Costa, Josivan Rayol, Elayne Santos, Monise Saldanha, Sulivan Souza e Milene Flor. Somos vitoriosos graças à nossa diversidade, dado que aprendemos muito uns com os outros.

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Aos colegas do Grupo de Pesquisa em História da Educação - GHEDA, pelos encontros quinzenais de aprendizagem, companheirismo e troca de ideias.

A Marcio Barradas, colega de profissão que foi fundamental na orientação do projeto desta pesquisa, mesmo sem ainda me conhecer na ocasião. Altruísmo e humildade dignos de respeito e gratidão.

A todos os membros do Ilè Àsé Iyá Ogunté, por terem me recebido com atenção, disponibilidade e cuidado por todo o período do desenrolar da pesquisa de campo. Em especial, ao Baba Egbé Antônio Oguntolá, à Iyá Kèkèrè, Silene Vasconcelos, à Ekeji Maó, Nazaré Azevedo, à Iyá Otún, Katiussia Azevedo, à Iyá

Osí, Carla Couto, à Ekeji Camila Neves, por todo o acompanhamento, dicas e

orientações durante a coleta de dados.

Ainda dentro do terreiro, minha enorme alegria em agradecer a todos os erês da casa com quem tive contato: Caravela, Águia, Lírio, Uirapuru, Paturi, Tempestade, Borboleta, Gérbera, Espuma, Suí, Pilão, Ibi, Curió, Estrela, Orvalho, Arco-Íris, Diamante, Trovão e Cristal, que sempre despertaram o que havia de melhor em mim.

Às minhas companheiras e companheiros de batalha na educação pública, Eunice Martins, Sinara Dias, Lydia Abreu, Jane Farias, Joseane Corrêa, Cristiane Trindade, Douglas Oliveira e Diogo Silva, pois sem o auxílio burocrático, econômico e fundamentalmente moral prestado por todos não teria conseguido mediar as tarefas da escola com a pesquisa.

Do mesmo modo, agradeço aos companheiros de educação cooperativista da Cooperativa Educacional Alternativa, pelo apoio e cobertura nas mudanças de agenda de atividades, em especial a Help Brito, Eliana da Silva, Margarida Lima, Ademir Tavares e Ivone Caldas, sendo esta última essencial, pois foi quem me apresentou ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UEPA.

Às mulheres da minha vida, minha irmã Katia Lacerda, minhas sobrinhas Karolina Lacerda, Beatriz Lacerda e Dandara Luz Fegiyan Lacerda, que iluminavam meus momentos de nervosismo e desequilíbrio na jornada.

A meu cunhado Hélio Nunes, responsável por conduzir a mim e a minha família novamente aos caminhos do àsé.

Aos meus amigos da Equipe Cão, velhos companheiros de jornada desde a graduação e que a boa mão do destino fez com que virassem parceiros na vida acadêmica e pessoal: Rogério Malheiros, Marley Silva, Regina Batista, Alexandre Nunes, Fernanda Jaime, Fabielle Negrão, grato sou pelas vibrações positivas.

A meu pai, Mauro Roberto Lima, que se não foi quem me botou no mundo, foi quem me botou de pé, e à minha mãe, Dioni Lacerda, estrela de luz sempre a me guiar mesmo morando distante fisicamente. Meu amor, respeito e gratidão pela confiança de que eu seria capaz de cumprir a jornada.

E, por último, mas não menos importante, ao meu marido Willame Dantas Diniz, por ter se mantido forte a meu lado durante todo esse processo, garantindo toda a tranquilidade e apoio que estavam ao seu alcance para que eu pudesse me dedicar à tarefa da escrita. Amor com amor se paga, e sou seu eterno devedor.

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Menino, vem cá, menino! Menino, vem aprender! Meu arco e minha flecha, meu bodoque é meu ABC.

Vem cá, menino! (Canto de Caboclo)

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RESUMO

A presente dissertação objetiva analisar as práticas educativas e os saberes transmitidos dentro de uma casa de candomblé. A pesquisa é realizada com os membros do Templo da Religião Africana Ilè Àsé Iyá Ogunté, localizado no município de Ananindeua, Estado do Pará. Caracteriza-se, metodologicamente, como uma pesquisa de campo do tipo qualitativa, onde há um estudo de caso aliado à história de vida da Iyalorisà Iyá Ejité, chamada também Mãe Rita. Como referencial teórico utiliza-se o arcabouço epistemológico da fenomenologia. A coleta de dados se dá tanto pela observação participante quanto pela técnica da Entrevista Narrativa, registros fotográficos e filmagens. Como base para o entendimento das escolhas epistemológicas que foram feitas para a realização dessa pesquisa, mobiliza-se aqui os conceitos de Educação a partir de Brandão (2002), de Educação da Atenção e de Cultura de Ingold (2010), de Pensamento Pós-abissal a partir de Boaventura de Sousa Santos (2010), de Memória Coletiva a partir de Maurice Halbwachs (2004) e de Saberes Culturais a partir de Maria Betânia Albuquerque (2015). Dentre as conclusões, apresenta-se o entendimento das práticas educativas em terreiros como ações com suas epistemologias próprias, baseados na oralidade, na memória, no olhar e na experiência, bem como a valorização dos afro-religiosos como sujeitos pedagógicos. Percebe-se também o entrelace da história de vida de Mãe Rita com a formação do candomblé no estado do Pará, sendo hoje o seu terreiro famoso dentro da nação Ketu, a qual se vincula. No espaço do terreiro, através das práticas educativas, são transmitidos saberes ligados à mitologia, dança, alimentação, ervas, estética, ética e moral, linguagem e música e canto. Há também a intenção de evidenciar a necessidade de se criar mecanismos de valorização e condições de execução dessas práticas, independente do ambiente em que ocorram e dos sujeitos envolvidos nos processos.

Palavras-Chave: Educação. Saberes Culturais. Candomblé. História de vida. Epistemologia.

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This thesis aims at analyzing educational practices and knowledge imparted within a Candomblé House. The research involves members of Ilè Àsé lyá Ogunté, a Temple of the African Religion, located in Ananindeua, State of Pará, Brazil. Methodologically, it is characterized as qualitative field research, including a case study - the life history of Iyalorisà Iyá Ejité, also known as "Mother Rita” . The epistemological framework of the phenomenology is used as theoretical reference. Data is collected by means of observation as a participant and by means of Narrative Interviews, photo and video registers. As basis for understanding the epistemological choices made for this research, the following concepts are presented: Education, by Brandão (2002); Education of Attention, and Culture, by Ingold (2010); Post-abyssal Thinking, by Boaventura de Sousa Santos (2010); Collective Memory, by Maurice Halbwachs (2004); and Cultural Knowledge, by Maria Betânia Albuquerque (2015). Conclusions include an understanding of educational practices within Candomblé Houses as actions which have their own epistemology, based on oral tradition, memory, observation, and experience. Also, Afro-religious people are validated as pedagogical subjects. Furthermore, it has been noted that "Mother Rita's” life history is intertwined with the origin of Candomblé in the State of Pará. Nowadays, her House is famous within the Ketu nation, to which it is linked. In the House, they pass on knowledge on mythology, dance, food, herbs, aesthetics, ethics, moral, language, music, and chants. This thesis also aims at pointing out the need for mechanisms which can validate these practices and provide the means for them to be implemented, regardless of the environment in which they take place and the subjects involved in the processes.

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Imagem 1 - Rita de Cássia aos sete anos, pouco antes de cortar os cabelos...44 Imagem 2 - A esquerda, a Tia de Mãe Rita, Dona Raimunda Aparecida, e a

direita, a mãe, Dona C a c ild a ...45 Imagem 3 - A esquerda, Pai Airton Soeiro, ao centro, com Rita de Cássia ao

fundo de roupa azul, junto com outros irmãos de santo no Terreiro TEUCY. À direita, Rita de Cássia incorporada com Ie m a n já ... 50 Imagem 4 - Altar feito por Rita de Cássia na casa de sua mãe durante o

período em que não estava ligada a nenhum te rre iro ... 52 Imagem 5 - A esquerda, Pai W almir conduzindo Mãe Rita para a apresentação

pública com sua orisà. A direita, Mãe Rita incorporada com sua

orisà Yemoja Ogunté, com suas roupas e paramentos ritu a is ...58

Imagem 6 - Mãe Rita na Camarinha do Terreiro de Umbanda de Pai Airton, quarto onde ficam os filhos de santo quando estão fazendo suas

obrigações rituais de re tiro ... 60 Imagem 7 - Rita de Cássia com aluno da Escola Padre Guido, do bairro do

Jurunas, em Belém, PA, durante desfile escolar... 62 Imagem 8 - Rita de Cássia com alunos da Escola Padre Guido em premiação

de jogos internos, com os cabelos ainda curtos após quatro meses de sua iniciação do candom blé... 64 Imagem 9 - A esquerda, Dona Jandira entoando uma cantiga, logo após ter

incorporado em Mãe Rita. À direita, Dona Jandira paramentada

esperando para entrar no salão do te rre iro ...68 Imagem 10 - Fachada atual do Ilè Àsé Iyá O g u n té ... 71 Imagem 11 - Inauguração do Ilè Àsé Iyá Ogunté, com a festa de saída da

primeira Iyawo de Mãe R ita ...72 Imagem 12 - Mãe Rita conduzindo Silene Vasconcelos, incorporada em sua

orisà Oyá Ig b a lé ... 73

Imagem 13 - Ikomojade (batizado) de Antônio, realizado por Pai Walmir,

quando recebe uma parte de seu Orukó, O guntolá... 74 Imagem 14 - À esquerda, Antônio Oguntolá por volta dos dois anos de idade

segurando o Adjá, sineta ritual. À direita, com 11 anos, pagando sua obrigação de 3 anos, em 2 0 1 7 ...75

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Imagem 15 - Mãe Rita próximo ao momento de incorporação...90

Imagem 16 - Mesa de jogo de búzios de Mãe R ita ... 92

Imagem 17 - Folder de apresentação para os clientes da sequência de etapas do Candomblé em homenagem a O g u n ... 94

Imagem 18 - Mãe Rita dança com seus filhos e filhas para o orisà B e s e m ... 95

Imagem 19 - Mãe Rita ensinado a dançar para o orisà Logun E d é ... 96

Imagem 20 - Mãe Rita ensinando a rodante incorporada a d a n ç a r... 97

Imagem 21 - Mãe Rita ensina os erês a como seguir na ro d a ...99

Imagem 22 - Padê, alimento ritual do orisà E s ú ...100

Imagem 23 - À esquerda, comida do orisà Esú, e à direita, do orisà B e s e m ...102

Imagem 24 - À esquerda, comida de Ogun, e à direita comida de S a n g ó ... 102

Imagem 25 - Comida ofertada aos erês da casa após uma o b riga ção... 104

Imagem 26 - Mãe Rita com seus filhos e filhas antes de começar a celebração do candomblé de O g u n ... 106

Imagem 27 - Da esquerda para a direita: Iyá Bàsé Ni Osun, Iyá Bàsé Ni Oyá e Ekeji Ni O m o lu ... 107

Imagem 28 - Ornamentação da casa para o candomblé do orisà O g u n ... 108

Imagem 29 - Filhos fazem reverência ritual aos pés de Mãe R ita ... 110

Imagem 30 - Roda de conversa após a realização de um ritu a l... 111

Imagem 31 - Quadro de avisos do Ilè Àsé Iyá O g u n té ...114

Imagem 32 - Alabês tocando nos ata ba que s... 116

Imagem 33 - Membros da casa aprendendo a cantar em um ritual de corte de a n im a is ... 118

Imagem 34 - Mãe Rita conversando com autoridades e abiãs ao re d o r... 129

Imagem 35 - Preparação de cama de fo lh a s ... 132

Imagem 36 - Iyá Osí (autoridade da casa) ensinando uma Abiã (aprendiz) sobre tempo de duração de ritu a is ...135

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Quadro I - Critérios de divisão das práticas dentro do te rre iro ...79

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SUMÁRIO

1 CANTANDO PRA ESÚ: IN TR O D U Ç Ã O 15

1.1 Motivações e origem da pesquisa... 15

1.2 Problema, questões norteadoras e o b je tivo s...18

1.3 Referenciais teóricos da p e sq u isa ... 19

1.4 Produção acadêmica sobre práticas educativas em espaços afro-religiosos no Brasil... 25

1.5 Metodologia de P esqu isa...30

2 AS ÁGUAS DE YEM OJA: HISTÓRIA DE VIDA DE MÃE R IT A ... 36

2.1 O Candomblé: das águas da África às águas do P a rá ... 36

2.2 Entre as águas de Nossa Senhora e de Ie m a n já ... 39

2.3 Marés do sacerdócio e da e d u ca çã o ...57

2.4 De Rita para "Mãe Rita” : A Criação do Ilè Àsé Iyá O g u n té... 68

3 TOMANDO A BENÇA: SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NA CASA DE CANDOM BLÉ...78

3.1 Hierarquia no Candomblé e organização dos m em bros... 82

3.2 Saberes culturais presentes nas práticas educativas no Ilè Àsé Iyá Ogunté... 88

3.2.1 Saberes da M itologia... 89

3.2.2 Saberes da Dança...95

3.2.3 Saberes Alim entares... 99

3.2.4 Saberes Estéticos... 105

3.2.5 Saberes Éticos e M orais... 109

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3.2.7 Saberes da Música e C an to...115

4 POR DETRÁS DAS CORTINAS: BASES EPISTEMOLÓGICAS DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS NO T E R R E IR O ... 120

4.1 Bases epistem ológicas...121

4.1.1 Educação pela experiê ncia...122

4.1.2 De ojú aberto: Educação pelo o lh a r... 125

4.1.3 Educação pela oralidade e m e m ó ria ... 127

4.2 A lógica educativa dos terreiros e o campo da e d u ca çã o ...130

5 CANTANDO PRA O XALÁ - CONSIDERAÇÕES F IN A IS ... 140

R E FER ÊN C IAS... 147

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1 - CANTANDO PRA ESÚ: INTRODUÇÃO

Escolhi esse nome para a introdução porque aprendi, ao longo da pesquisa que agora introduzo, que o orisà Esú é o primeiro, deve ser o primeiro sempre a ser saudado. Antes de se fazer qualquer coisa, qualquer atividade, Esú deve ser saudado, homenageado, deve receber sua parte. Em comida, em bebida, em dinheiro, uma parte é dele. Isso é condição para que ele assegure a segurança da pessoa e leve os pedidos aos outros orisà, cumprindo sua função de mensageiro.

Como não posso dar a ele aqui nestas páginas o seu padê, sua oferenda de farofas com água, azeite branco, mel e azeite de dendê, molhadas com água e

acaçá (doce de milho branco), faço destas primeiras páginas o seu domínio.

Como em qualquer outra, nenhuma pesquisa acontece sem introdução. Então, que nessa introdução se cante pra Esú, para que a pesquisa possa começar.

Egba rà um be be

Tiriri Lona

Esú Tiriri1

1.1 - M otivações e orig em da pesquisa

A presente pesquisa analisa as práticas educativas dentro de uma casa de candomblé e os saberes nelas perpassados.

O interesse pelo tema surgiu da convivência com os membros do Templo da Religião Africana Ilè Àsé Iyá Ogunté2, casa de Candomblé3 de Nação Ketu localizada no Conjunto Julia Seffer, no município de Ananindeua, estado do Pará. Em visitas a essa casa entre 2013 e 2014, participei das celebrações ao longo do calendário litúrgico enquanto acompanhava familiares e tive a oportunidade de

1 Canto a Esú, um dos primeiros a ser entoado em uma celebração de Candomblé.

2 Nome da divindade principal da casa, a orisà feminina Yemoja, que rege as aguas salgadas.

3 Religião de m atriz africana trazida em grande parte de sua estrutura para o Brasil durante o período de escravização de negros africanos.

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presenciar tanto momentos de convivência com grande número de pessoas quanto situações bastante íntimas da casa, em que apenas os membros mais próximos se achavam presentes.

Em todas essas situações, em maior ou menor grau de acentuação em virtude do calendário litúrgico e finalidade dos rituais, chamou bastante atenção o fato de que a Iyálorisà4 (Mãe-de-Santo) da casa, a senhora Rita de Cássia Azevedo, chamada comumente de "Mãe Rita”, demonstrava sempre uma grande preocupação no que diz respeito à transmissão dos ensinamentos da religião, seja para os filhos da casa, seja para os visitantes regulares ou esporádicos.

Mãe Rita foi iniciada na Umbanda aos sete anos de idade, como tratamento de saúde para o que os médicos chamavam de epilepsia, dentro do TEUCY, a Tenda Espírita de Umbanda Cabocla Yacira, no município de Ananaindeua, Pará, chefiada a época por Pai Airton Soeiro. Lá permaneceu por quase vinte anos. Por desentendimentos com o pai de santo, sai da casa e fica por dois anos afastada de qualquer terreiro, até se tornar filha de santo de Pai W almir da Luz Fernandes, o

Babalorisà Agá Aro Nile.

A partir desse momento, passa a integrar o candomblé, especificamente o de Nação Ketu5, na casa de seu novo pai de santo, o Ilè Àsé Agá Aro Nile, que é ligado pela ancestralidade espiritual a Cícero de Sangó, sacerdote radicado na Bahia. Nele, Mãe Rita cumpre suas obrigações religiosas e é ordenada Iyálorisà em 1998, abrindo, anos mais tarde, o Ilè Àsé Iyá Ogunté, em 2002. É conhecida na comunidade afroreligiosa pela sua militância política, incentivando sempre a participação de seus filhos nas ações de enfrentamento à intolerância religiosa no Pará.

É sabido que os líderes religiosos têm essa obrigação entre seus afazeres cotidianos, mas a intensidade dessa conduta se apresentou para mim como singular, causando inquietação e abrindo espaço para questionamentos. Passei

4 Sacerdotisa de maior grau dentro da casa, a líder da casa de Candomblé.

5 Segundo Luca e Campelo (2007, p. 22-23), "O ritual Ketu enfatiza um conjunto de tradições oriundas dos povos iorubás, que acabou por predominar nas demais tradições ('angola', 'congo', 'jeje' e 'ijexa'). Estas tradições mantém a ênfase no panteão básico de 16 orixás, alguns com outros nomes ou qualidades além do nome principal; na música ritual cantada em ioruba arcaico, no toque dos atabaques com baquetas (chamadas de aguidavi); na expressão corporal e processos específicos na liturgia de iniciação (a raspagem total dos cabelos, as marcas tribais chamadas de 'curas' e o processo de confecção dos assentamentos dos orixás".

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então a comentar com os filhos da casa as minhas impressões sobre essa atitude de Mãe Rita e de como me sentia sempre muito esclarecido quando conversava com ela, como se estivesse em uma aula.

A própria Mãe Rita lançou luz à questão: me disse que foi formada professora de Magistério desde os 23 anos de idade e que lecionou no Ensino Fundamental da 1a a 4a série6 por 25 anos de sua vida. Exerceu a profissão de professora concomitantemente ao sacerdócio, mas sua formação religiosa é ainda anterior, iniciada aos 12 anos de idade no culto afro-religioso onde permanece nos dias de hoje, mesmo após o seu afastamento da profissão.

Desse momento em diante, foi possível visualizar Mãe Rita inserida no que Boaventura Santos (2006) chama de "ecologia de saberes”, entendida como uma tática de agregação da diversidade. Ela tinha à sua disposição saberes oriundos da vida escolar, aprendidos na formação acadêmica no curso de Pedagogia e na sala de aula bem como saberes não-escolares, aprendidos no exercer da religião e no ambiente dos terreiros. Ou seja, Mãe Rita encontra-se envolvida em uma simultaneidade de experiências que lhe permite fazer uma interação de práticas e saberes de origens distintas, mas que coexistem em uma mesma rede de vivências, o que dá a ela a possibilidade de fazer uso de elementos tanto modernos quanto tradicionais.

Vi Mãe Rita como uma mulher que se apresenta da forma que Stuart Hall (2006) aponta como o sujeito pós-moderno, que é desprovido de uma identidade fixa, mas que tem identidade constantemente formada e transformada. Ela não era em um momento professora e em outro sacerdotisa, posto que havia uma mescla, um amálgama em que essas identidades e seus respectivos saberes apareciam imbricados e interagiam plenamente.

Desse modo, como diria Geertz (1973), busquei identificar essa "teia de significados” e passei a observar a interação entre os saberes e práticas cotidianas da casa, bem como a forma como são ensinados. Passei a observar os atendimentos ao público de clientes e membros da casa na administração de banhos, conselhos, rituais de limpeza do corpo e do espírito, na maneira de se dirigir

6 Atualmente, esses níveis de ensino correspondem ao intervalo entre o 2° ao 5° ano do Ensino Fundamental de 9 anos.

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aos membros da casa, no tipo adequado de roupa a ser utilizado, dentre outras práticas.

Em todas elas, percebi que há um cunho educativo. O terreiro enquanto espaço físico, é o local onde se aprende a lidar com a matéria e com o espírito. A casa de Candomblé configura-se como uma escola, dado que lá tanto se ensina quanto se aprende, e na maior parte das vezes, faz-se as duas coisas ao mesmo tempo.

Se admitirmos a educação como toda relação onde há circulação e apreensão de saberes, podemos admitir Mãe Rita como uma educadora em uma casa de Candomblé. Ao perceber que ali havia processos educativos, levei em conta uma prática de educação em que se coloca também a experiência de vida.

Assim, pude começar a delinear possibilidades de investigação e atuação de pesquisa dentro desse contexto. Dessa problemática acima apresentada, emergem o problema, as questões norteadoras e os objetivos desta pesquisa.

1.2 - Problem a, questõ es n o rtea do ras e o b je tiv o s

Do panorama vislumbrado no convívio experimentado no Ilè Àsé Iyá Ogunté, surge a questão da pesquisa: como Mãe Rita promove e media processos educativos no terreiro por meio dos atendimentos e rituais em que perpassam uma multiplicidade de saberes?

Dessa questão mais ampla, emergem outras: como Mãe Rita se constituiu enquanto uma sacerdotisa/educadora? Que saberes são ensinados no terreiro? Quais os mecanismos pelos quais ocorre a transmissão desses saberes dentro do terreiro? Que sujeitos estão envolvidos nesse processo?

Dessa forma, a pesquisa se pauta em uma investigação sobre como ocorrem processos educativos em que uma multiplicidade de saberes é transmitida por meio das práticas mediadas por Mãe Rita em interação com os outros membros da casa de Candomblé.

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Em consonância com as questões norteadoras, a pesquisa tem como objetivo geral:

• Analisar como ocorrem processos educativos nos atendimentos rituais (festas, orientações espirituais, cerimônias, danças, preparo de comidas) produzidos e mediados por Mãe Rita.

E como objetivos específicos:

• Traçar um perfil do Templo da Religião Africana Ilè Àsé Iyá Ogunté, no que diz respeito à sua história, tradição e a sua forma de organização enquanto casa de Candomblé.

• Descrever a história de vida de Mãe Rita e os saberes nela perpassados.

• Mapear os saberes construídos em sua trajetória de vida como

sacerdotisa/educadora: o que ensina, como ensina e para quem ensina.

• Analisar as bases epistemológicas em que estão assentadas as práticas educativas mediadas por Mãe Rita.

1.3 - R eferenciais te ó ric o s da pesquisa

Esta pesquisa se volta para uma análise sobre as práticas educativas e os saberes perpassados dentro de uma casa de candomblé.

A ideia é tomar as vivências religiosas como educação, enxergar onde ocorrem processos educativos, dado o fato de que nesta pesquisa o interesse é realizar uma investigação sobre a educação e não um estudo especializado em religião. Logo, os elementos rituais, a mitologia e a estrutura das práticas religiosas são analisadas apenas nos aspectos em que tornam possível a compreensão das práticas educativas nelas contidas.

Ao compreender processos educativos ocorridos no interior de um terreiro de candomblé, esta pesquisa pretende contribuir com uma visão mais ampliada dos processos educativos, que contemple seus mais variados processos, lugares e sujeitos.

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É também uma tentativa de contribuir com o panorama proposto na política educacional brasileira a partir da promulgação da lei n° 10.639/20037 que institui nacionalmente a obrigatoriedade de inclusão em todos os sistemas de ensino da temática "História da África e dos Africanos no Brasil” . Ao agir assim, a intenção é inserir essa pesquisa no coletivo de ações que visam a promoção de um projeto de educação que se configure como mais igualitário e agregador.

Nessa direção, o conceito de educação é utilizado a partir da visão de Carlos Rodrigues Brandão (2002, p.22), que concebe a educação como cultura, ou seja, como "tudo aquilo que criamos a partir do que nos é dado [...]” . Isso abre espaço para compreender a educação como um processo que ocorre em variados espaços, sendo apenas um deles a escola. De fato, compreende-se a educação como uma relação que pode ocorrer em todo lugar em que haja interação entre seres humanos, coisa da qual ninguém pode se furtar.

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços de vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. (BRANDÃO, 2007, p.7).

Os processos educativos enquanto culturais estão sujeitos às mudanças, interferências e assimilações realizadas pelos sujeitos sociais que os praticam ao mesmo tempo em que são afetados por eles. As formas de educar, as informações repassadas e os papéis sociais dos sujeitos envolvidos nos processos educativos em espaços afro-religiosos são determinados pelas práticas culturais da sociedade em que estão inseridos. É o que nos afirma Brandão (2002, p. 139):

Pois bem, olhada desde o horizonte da antropologia, toda a educação é cultura. Constitui as elaborações intencionais de uma cultura que pensa e que põe em ação as suas alternativas e estratégias de pensamento, de poder e de ação interativa, por meio das quais o seu mundo social cria, diferencia, consagra e transform a boa parte do que ela própria é em um dado momento de sua trajetória.

Essa compreensão permite inferir que tal como existem variadas culturas, com variados sujeitos e vivências, e a cultura ajuda a moldar os processos educativos, é

7 A lei n°. 11.645 de 10 de março de 2008 deu nova redação à LDB, definindo, no art. 26-A, que "nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”.

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lícito dizer que existe mais de uma forma de aprender e ensinar, e elas variam de acordo com a cultura dos sujeitos envolvidos.

Ao falar de cultura, Ingold (1994) aponta que o importante é ter em mente que não se está falando de um grupo de relações pré-concebidas e repassadas mecanicamente de uma geração a outra, mas sim de uma malha, em que os fios são o ser humano, desta e de gerações anteriores, mas também outros elementos da natureza, sem distinção entre eles. Ao tratar a questão dessa forma, Ingold coloca a cultura como uma relação em que está presente uma forte carga simbólica, abstrata e subjetiva. Dentro de um grupo ligado por traços culturais semelhantes, Ingold (1994, p. 330) aponta o seguinte:

O que encontramos são pessoas cujas vidas levaram- los em uma viagem pelo espaço e tempo em ambientes que lhes parecem estar cheios de significado, que usam tanto palavras quanto artefatos materiais para fazer as coisas e para se com unicar com os outros, e que, em sua conversa, interpenetram intermináveis metáforas para tecer labirínticas redes em constante expansão de equivalência simbólica.

Dessa forma, implica em levar em consideração ao analisar os fenômenos educativos todo um conjunto de relações sociais no qual os sujeitos estão inseridos, em que estão presentes elementos diversos. Assim, uma análise que privilegie apenas um aspecto da vida social deste sujeito estará, forçosamente, sendo superficial ou mesmo enganosa.

Tal compreensão permite e alerta quanto à importância de se levar em conta os aspectos culturais a partir não só dos chamados documentos oficiais, mas de todo elemento que traga consigo informações sobre as relações socioeducativas em questão, tais como os registros sonoros, visuais e os relatos de experiências. Em todas essas ações humanas, é possível vislumbrar e investigar a existência de saberes culturais envolvidos.

A noção de saberes culturais é discutida a partir da compreensão proposta por Maria Betânia Albuquerque (2015), que a contrapõe a palavra conhecimento, detentora de outras cargas semânticas que não nos interessam aqui. Segundo Albuquerque, é preciso admitir que

há certa redundância em falar de saberes culturais, pois o saber não é uma entidade metafísica que paira acima da cultura, dos homens e da

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história. Assim, a expressão saberes c u ltu ra is , a despeito da redundância que pode encerrar - posto que todo saber é cultural - é utilizada como contraponto a uma perspectiva exclusivamente cognitiva, científica, erudita, form al ou escolar que a palavra conhecimento pode sugerir (ALBUQUERQUE, 2015, p.3, grifo da autora).

Mas, se saberes não traz a mesma carga semântica que conhecimento, o que é saber, afinal? Qual a compreensão de saber que está em jogo? Mais uma vez, Albuquerque aponta um caminho, dessa vez com uma definição sobre saberes.

É possível então definir os saberes culturais como uma forma singular de inteligibilidade do real, fincada na cultura, com raízes na urdidura das relações com os outros, com a qual determinados grupos reinventam criativamente o cotidiano, negociam, criam táticas de sobrevivência, transmitem seus saberes e perpetuam seus valores e tradições. (ALBUQUERQUE, 2015, p.8)

Logo, esta pesquisa filia-se a esse posicionamento que pensa saberes culturais a partir da noção de que tudo o que é produzido pelo ser humano é fruto de suas experiências, e estas são transmitidas entre as pessoas que integram uma determinada comunidade.

Uma vez que existem variadas formas de aprender e ensinar, é necessário ter em vista que existem variadas formas de saberes, dentre os quais o escolar é apenas um entre muitos. Além disso, uma pessoa ou grupo não mantém contato com apenas um tipo de saber; muito ao contrário, o mais comum é que possua vários tipos de saberes e que os utilize em conjunto, fazendo interações que variam de acordo com a situação vivida e seus interesses.

Ainda que haja uma diversidade de saberes no mundo, nem todos eles gozam de condições de existência e divulgação equitativas. Na sociedade moderna, há um privilégio da ciência enquanto saber perante todos os outros saberes. Esse privilégio é legitimado por várias esferas da sociedade, notadamente o Estado. Daí, é comum nos espaços educativos administrados pelo Estado - com especial destaque para a escola - que o saber científico seja, se não o único, o saber privilegiado e soberano nas práticas realizadas. Logo, na maior parte das vezes, os processos educativos dentro das escolas se dão com uma desigualdade entre os saberes, havendo pouca ou nenhuma interação entre eles.

Para compreender essa interação entre saberes, recorro à noção de ecologia de saberes traçada por Boaventura Santos (2006), que se opõe à "monocultura da

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ciência moderna” , ou seja, a prioridade dada a um único tipo de conhecimento, o científico. Para ele,

é uma ecologia, porque se baseia no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos (sendo um deles a ciência moderna) e em interações sustentáveis e dinâmicas entre eles sem com prom eter a sua autonomia. [...] A ecologia de saberes baseia-se na ideia de que o conhecimento é interconhecimento” (SANTOS, 2006, p.53, grifo nosso). Dessa forma, o que proponho aqui é um olhar para os saberes culturais a partir do que é possível ver nas práticas desenvolvidas por Mãe Rita: não muros, mas sim pontes que interligam todos os saberes envolvidos.

Essa e outras contribuições sobre uma educação em caráter pluralista estão ancoradas na perspectiva do pensam ento pós-abissal, um movimento intelectual internacional em que vários teóricos e pensadores contemporâneos oriundos de variados ramos do conhecimento humano tomam parte.

De maneiras distintas e complementares, cada um tenta criar mecanismos e olhares analíticos que privilegiem uma ampla variedade de posicionamentos epistemológicos, ou seja, sobre como se conhece e se adquire saber, sendo a ciência moderna apenas um deles, não o único nem o mais privilegiado.

Essa perspectiva busca, em linhas gerais, concretizar uma ação política que se oponha ao pensamento abissal levado à cabo pela ciência moderna nos últimos cinco séculos, pois ele seria responsável pela supervalorização dos saberes científicos e pela consequente desvalorização e redução ao plano da inexistência de outros conhecimentos que não sejam os pautados nessa forma de ver o mundo.

O termo "abissal” utilizado por Santos faz referência ao mais profundo ponto dos oceanos, a zona abissal. A analogia objetiva mostrar que quando esse pensamento privilegia um único modelo de saber - o pautado na ciência moderna - cria uma divisão profunda entre o modo de saber da ciência e os múltiplos outros saberes existentes no âmbito das relações sociais. O pensamento abissal delimita o modelo aceite de saber e o que é diferente dele, mas considerado aceitável, denominado o Outro.

Este Outro, segundo Santos (2010), diz respeito tanto ao conhecimento, na perspectiva de que não se encaixa no padrão moderno aceite, o científico, quanto a

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caracterização do sujeito de direitos, ou seja, a pessoa humana que teria ou não direito a ter acesso a garantias legais de proteção e existência.

Ao dizer que os terreiros de candomblé são espaços onde se produzem conhecimentos, valores e práticas educativas reais e válidas, marco um posicionamento contrário a essa vertente abissal. Ou seja, proponho uma análise ligada em uma linha de pensamento pós-abissal, que, longe de ser delimitadora e excludente, pressupõe que seja levada em conta uma gama de saberes e valores que vão muito além do que a ciência moderna é capaz de comportar em sua epistemologia excludente.

Esse movimento pós-abissal, segundo Santos (2010), é baseado no princípio da igualdade, posto que não há conhecimentos melhores do que outros, e no reconhecimento da diferença, na medida em que nenhum conhecimento pode ser considerado como padrão, já que todos possuem suas próprias epistemologias reconhecidas dentro de seus coletivos sociais, dos quais fazem parte também seus modos de educar.

A educação é uma construção social e eminentemente coletiva. Desse modo, os saberes gestados e perpetuados em uma sociedade são, em última análise, frutos da memória que os indivíduos têm acerca das interações sociais que vivenciaram ao longo da vida entre as pessoas com as quais conviveram e aprenderam.

O Candomblé é uma religião que privilegia a memória, dado que a maior parte dos ensinamentos é transmitida pela oralidade. Assim, quem ensina no terreiro é um mediador entre a sua memória e a memória do sujeito que irá aprender. Esse é um dos papéis desempenhados por Mãe Rita: mediar saberes a partir de sua memória - do que lembra sobre o que aprendeu em sua trajetória de vida - e o que vai ensinar aos frequentadores e membros da casa.

É a força do que Maurice Halbwachs chama de Memória Coletiva, ou seja, a ideia de que a memória individual existe sempre a partir de uma memória coletiva, posto que todas as lembranças são constituídas no interior de um grupo. Assim, o indivíduo não se constrói sozinho, já que a origem de várias ideias, reflexões,

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sentimentos e paixões que atribuímos a nós são, na verdade, inspiradas pelo grupo. Segundo Halbwachs (2004, p. 55),

A memória individual, construída a partir das referências e lembranças próprias do grupo, refere- se, portanto, a ‘um ponto de vista sobre a memória coletiva’. Olhar este que deve sempre ser analisado considerando- se o lugar ocupado pelo sujeito no interior do grupo e das relações mantidas com outros meios.

Logo, as práticas educativas, suas formas de execução bem como os saberes por elas transmitidos são influenciados pela memória. O sujeito saberá daquilo que consegue ou quer lembrar, bem como daquilo que é adequado ou não lembrar, portanto, saber.

Mas, tendo em vista essas questões, surgem algumas indagações: o que aparece no campo acadêmico sobre o terreiro enquanto um espaço educativo? O que se tem produzido no Brasil em termos de educação nos terreiros? Quais os enfoques epistemológicos que definiram os objetos de estudo dessas produções?

1.4 - E p istem olog ia da p ro d u çã o acadêm ica so b re p rá tica s ed ucativa s em espaços a fro -re lig io s o s no B rasil

O levantamento da produção acadêmica sobre práticas educativas em espaços afro-religiosos no Brasil foi feito no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, levando em consideração os dez últimos anos (2006 a 2015). Esse recorte se deve a intenção de privilegiar uma produção mais recente e que fosse possível de ser analisada dado o tempo disponível para a escrita da dissertação. Com base nos trabalhos encontrados, foi possível perceber alguns dados importantes para a compreensão do lugar epistemológico no qual se insere a presente pesquisa no campo das práticas educativas em espaços afro-religiosos.

As pesquisas no Brasil referentes às práticas educativas ligadas a espaços afro-religiosos estão concentradas em Programas de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado), contando apenas com dois casos de pesquisas em outras áreas (uma Tese na área de Música e uma Dissertação na área de Ciências Sociais).

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Usando descritores como "saberes” , "educação” , "terreiro” e "Candomblé” , foi possível perceber que a maior parte desses trabalhos se encontra vinculada a Programas de Pós-Graduação situados em instituições da região Nordeste do país.

Surgem aqui perguntas: por que essa concentração geográfica desses estudos? A que se deve essa maior concentração na região nordeste? Seria por uma questão de maior presença de comunidades religiosas afro-brasileiras nessa região? Uma influência da quantidade de programas de Pós-Graduação nessa região do país? A crescente luta do movimento negro nessa parte do Brasil? Da mesma forma, salta aos olhos a pouca produtividade de pesquisas nesse campo quando tomamos como marco territorial a Amazônia, com apenas uma produção nos últimos 10 anos (dissertação de Mestrado em Educação). São questões para se refletir a respeito.

Dessa forma, delineia-se uma primeira lacuna na qual o presente estudo pode dar contribuições: compreender os processos educativos ligados a espaços afro- religiosos na Amazônia, contribuindo assim para um campo da produção acadêmica ainda em construção.

Desse montante, foi possível identificar trabalhos que objetivam tecer comparações entre as práticas educativas escolares e as ocorridas nos terreiros, perspectiva da qual nos distanciamos, por entender que abre possibilidades para reforçar o que Santos (2010) classificou como "pensamento abissal” , ou seja, ações que "dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha” (SANTOS, 2010, p.32).

É o caso dos trabalhos de Quintana (2012) e Oliveira (2014), onde ambos os autores buscam perceber de que maneira os candomblecistas relacionam as práticas educativas que vivenciam na escola com as que experienciam nos terreiros. Na análise de Quintana há uma preocupação em entender se há compatibilidade ou não entre o processo de escolarização com as "obrigações religiosas” , enquanto Oliveira interessou-se em investigar a visão de escola que têm os candomblecistas, tendo em vista as experiências educativas que vivenciam nos terreiros.

Embora seja interessante perceber as práticas educativas analisadas nesses estudos, não há aproximação da presente pesquisa com estas abordagens na

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perspectiva em que elas apresentam o saber escolar como existente apenas fora dos terreiros.

No caso das produções acima, ainda que a ideia seja a de mostrar que existem outros saberes além dos escolares na vida dos sujeitos da pesquisa, acaba- se por medir esses outros saberes pela régua da ciência, medida essa que por muito tempo levou os conhecimentos e práticas vivenciados dentro das casas de candomblé a serem vistos como ilegítimos, incoerentes e, por isso, inexistentes, dado que o pensamento moderno ocidental promove clivagens, separações entre o que ele mesmo entende como certo, correto e coerente e o seu oposto. Segundo Santos (2010, p.32),

inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível.[...] tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro.

Assim, busca-se nesta pesquisa olhar para as práticas educativas em espaços afro-religiosos de modo a entendê-las a partir de suas próprias características, normas e condições de existência, não as colocando em regime de comparação com o saber escolar, que, se não é descartado das vivências dos sujeitos afro-religiosos, tem um caráter de articulação, não de valoração superior perante os outros saberes.

Uma segunda tendência na produção sobre práticas educativas em espaços afro-religiosos é a opção metodológica de focar a pesquisa em uma prática específica dentro do cotidiano religioso.

É o caso da produção de Almeida (2009) sobre o processo de ensino/aprendizagem dos Alabês8, Viana (2011) com a investigação da produção de subjetividade a partir da corporeidade em uma análise das posturas corporais dos praticantes do Candomblé durante os rituais, e o trabalho de Lima (2011), em que busca compreender de que forma emergem práticas educativas ambientais a partir das crenças religiosas em um estudo de caso de uma comunidade de candomblé.

Ainda que com objetos específicos e distintos, é possível perceber que os autores concordam em pontos cruciais, como no papel primordial da tradição oral,

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da observação e da repetição nos processos educativos dentro dos terreiros de candomblé, opinião com a qual concordo aqui.

Nesses trabalhos, pode-se já perceber uma preocupação com as

especificidades dos saberes transmitidos nas práticas educativas vivenciadas dentro dos terreiros de candomblé, buscando entendê-los em suas próprias bases epistemológicas, e não mais utilizando a concepção ocidental da ciência moderna como parâmetro.

Tal atitude epistemológica coaduna-se com um projeto de sociedade onde se possa pensar em justiça global, inclusive no que diz respeito à cognição, uma vez que o controle sobre a forma de pensar de uma população pode determinar o controle sobre sua forma de agir. Se não há democracia de pensamento e visão de mundo, não é possível haver democracia política. Lutar pela justiça social global é, segundo Santos (2010), também lutar para que haja uma justiça cognitiva global, em que variados modos de pensar a realidade sejam contemplados com equidade.

Há ainda um outro grupo onde os trabalhos se pretendem mais abrangentes no que diz respeito a análise dos processos educativos. Destaca-se a produção de Bergo (2011), que analisa as práticas educativas dentro de um terreiro de Umbanda9 dando atenção para a importância da interação social em todas as atividades do templo como algo imprescindível ao reconhecimento de um sujeito como parte do grupo.

Nessa mesma direção segue o estudo de Sales Júnior (2013) sobre o cotidiano de um terreiro de Candomblé onde analisa a observação por parte dos membros mais novos sobre o fazer dos mais velhos como um processo ativo e não meramente passivo. Esse tipo de aprendizado desenvolve a observação em um senso de familiaridade que precede o processo formal de iniciação religiosa, ou seja, antes mesmo de ser tido como membro do grupo, o sujeito já desenvolve a prática da observação, vista como importante princípio de aprendizagem.

O estudo de Belo (2012) ganha destaque por fazer uma investigação em um recorte temporal mais antigo (1888 a 1912), motivo pelo qual se utiliza da análise de

9 Segundo Silva (2005), é uma religião que também pertence ao grupo dos afro-religiosos, mas que agrega elementos do Catolicismo, da Pajelança indígena e do Espiritismo Kardecista.

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notícias de jornais, processos-crime e diários pessoais para buscar entender o papel dos terreiros como espaços de resistência e manutenção da cultura afro-brasileira no estado de Alagoas.

Domingos (2011) se debruça sobre a construção e resistência da identidade afro-brasileira em Juazeiro do Norte a partir das lideranças religiosas da região em seu papel de compromisso em perpetuar os ensinamentos religiosos. Essa abordagem chama a atenção por elencar como sujeitos os líderes religiosos, dado que a tendência dos outros estudos é a de privilegiar as práticas dos membros da religião em geral.

Por fim, destacamos três trabalhos considerando sua afinidade com esta pesquisa. Trata-se do estudo de Conceição (2006) que analisa as bases estruturantes da pedagogia presente nos terreiros de Candomblé, tendo em vista que as formas de ensinar e aprender em questão são únicas, diferentes da pedagogia escolar, mas não necessariamente excludentes entre si.

No de Leite (2006), o autor busca fugir da racionalidade científica ao entender o processo educativo fora do sistema educacional brasileiro tendo em vista as experiências educativas nos terreiros como pautadas na transmissão de credos, valores e heranças culturais aprendidas gradativamente, de acordo com o grau de inserção na religião, na busca por entender que caminhos levam a formar as lideranças das casas de candomblé.

Por fim, o trabalho de Mota Neto (2008) sobre as práticas educativas no cotidiano de terreiros de Tambor de Mina, o único dos trabalhos constantes deste levantamento que tem o lócus de pesquisa dentro da Amazônia. Há nesse trabalho a preocupação em investigar como se dá o processo de construção e transmissão de saberes através das várias práticas religiosas ocorrentes nessa religião.

Nessas três últimas produções, é mais clara a disposição de se ter um olhar mais abrangente sobre as práticas educativas existentes nos espaços afro-religiosos que, tal como os sujeitos que as praticam, não são contempladas com a concepção moderna aceite de educação. Esses sujeitos sociais que vivem nos terreiros são, na maior parte das vezes, invisibilizados pela visão abissal de quem deve ser ou não um sujeito de direitos na sociedade ocidental.

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Os membros do Candomblé compõem aquilo que Arroyo (2012) chama de "Outros sujeitos”, que, por não se adequarem ao modelo educacional imposto pelo

paradigma dominante (a ciência moderna), sentem necessidade de criar

mecanismos que os contemplem não só enquanto sujeitos de direitos, mas de pensamento e ação.

Para lutar contra essa imposição, esses outros sujeitos começam a pensar e construir "outras Pedagogias” , isto é, formas de transmissão de saberes que não são pautadas necessariamente na escola nem na ciência moderna como fonte de conhecimento.

Dessa forma, a proposta levantada por esta pesquisa é a de compreender como os espaços de cultos afro-religiosos configuram-se como locais onde os sujeitos que lá convivem produzem sua educação, construindo seus saberes, valores, conhecimentos e cultura próprios. Busca-se saber quais são esses saberes que são apreendidos nesse espaço religioso e que epistemologia fundamenta esses mesmos saberes.

Uma vez que se objetiva fazer uma análise sobre um espaço educativo que não é o espaço escolar, que não segue as regras delimitadas nas instituições de Estado, que não segue o sistemático, o formal e o escrito como base de saber, busca-se para esta pesquisa procedimentos metodológicos e técnicas que permitam atingir essa finalidade.

1.5 - M e todo logia de P esquisa

Esta pesquisa propõe-se a analisar as práticas educativas cotidianas em um grupo específico, os membros do Ilè Àsé Iyá Ogunté, a partir das ações mediadas por Mãe Rita. Para tanto, inscreve-se como uma pesquisa exploratória de campo, com traços etnográficos, em um estudo de caso com uma história de vida temática. Tem como abordagem a perspectiva qualitativa, ancorada na visão epistemológica da fenomenologia.

Tal escolha se deve por essa abordagem possibilitar a análise do mundo da vida cotidiana, no qual ocorrem os processos educativos dentro da casa de Candomblé. Essa escolha também é possível considerando minha inserção na comunidade há um tempo relativamente prolongado, característica essencial para a

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aplicação do método fenomenológico, que é a de familiaridade com o fenômeno a ser estudado.

Conforme aponta Masini, (1991, p. 61) este enfoque de pesquisa tem como característica a "ênfase ao ‘mundo da vida cotidiana’, pelo retorno àquilo que ficou esquecido, encoberto pela familiaridade (pelos usos, hábitos e linguagem do senso comum. ” Em vista dessa singularidade, a pesquisa se afina com os pressupostos do método fenomenológico, o qual, ainda segundo Masini:

não se limita a uma descrição passiva. É simultaneamente tarefa de interpretação (tarefa da Herm enêutica) que consiste em pôr a descoberto os sentidos menos aparentes, o que o fenômeno tem de mais fundamental. [...] A Pesquisa Fenomenológica, portanto, parte da compreensão de nosso viver - não de definições ou conceitos - da compreensão que orienta a atenção para aquilo que se vai investigar. Ao percebermos novas características do fenômeno, ou ao encontrarmos no outro interpretações, ou compreensões diferentes, surge para nós uma nova interpretação que levará a outra compreensão (MASINI, 1991, p.63).

A pesquisa contempla uma história de vida em âmbito temático, dada a impossibilidade de se computar todas as experiências vividas por um ser humano. Assim, privilegio as informações sobre a formação de Mãe Rita como sacerdotisa/ educadora, de acordo com o proposto pela historiadora Sônia Maria de Freitas. Para a autora, a pesquisa em história de vida temática

não abrange necessariamente a totalidade da existência do informante. Dessa maneira, os depoimentos podem ser mais numerosos, resultando em maiores quantidades de informações, o que permite uma comparação entre eles, apontando divergências, convergências e evidências de uma memória coletiva, por exemplo. (FREITAS, 2006, p.21-22)

Corroborando com essa escolha, utilizarei como ferramenta de pesquisa a Entrevista Narrativa, que segundo Jovchelovitvh & Bauer (2002, p.93), é um método de geração de dados que "visa reconstruir acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes, tão diretamente quanto possível”. Sobre as vantagens do uso da entrevista narrativa em relação as entrevistas semi-estruturadas, baseio- me no argumento de Flick (2010, p.164):

Aqui, o ponto de partida metodológico para a propagação do uso das narrativas é um ceticismo básico quanto até que ponto possa ser possível a obtenção de experiências subjetivas no esquema de perguntas e respostas das entrevistas tradicionais, mesmo que este seja controlado de uma forma flexível.

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Assim, a partir dos dados coletados por meio das narrativas, esta pesquisa aponta a possibilidade de se mapear os saberes que fazem parte da trajetória de vida de Mãe Rita, e a partir daí analisar as práticas educativas mediadas no terreiro: o que ensina, como ensina e para quem ensina. Os saberes mapeados são a exemplo de: religiosos, estéticos, éticos e morais, da dança, alimentares, da música e canto, dentre outros.

A pesquisa também contempla a observação in loco, com visitas a casa de Candomblé nos momentos celebrativos do calendário litúrgico e de atendimentos cotidianos aos clientes. São observadas as atividades cotidianas desempenhadas por Mãe Rita em companhia de outros membros da casa em suas respectivas atribuições, com registros fotográficos, filmagens e diário de campo para registrar o agir, o falar e o interagir dos sujeitos.

A postura adotada nessas ocasiões é a de "observador participante” , dado que a partir do momento em que o pesquisador entra no terreiro torna-se impossível a postura de apenas observar, pois a todo momento ele é chamado a conversar, interagir e participar do que estiver ali em processo, salvo as atividades proibidas por questões rituais.

Sobre o observador - participante, Lüdke e André afirmam (2014, p.27):

O observador como participante é um papel em que a identidade do pesquisador e os objetivos do estudo são revelados ao grupo pesquisado desde o início. Nessa posição, o pesquisador pode ter acesso a uma gama variada de inform ações, até mesmo confidenciais, pedindo cooperação ao grupo.

A pesquisa se configura como um estudo de caso dado o fato de que cada casa de candomblé se constitui em um universo particular, com ritmos e práticas que se diferenciam umas das outras ainda que pertençam a mesma origem ancestral. Essas diferenças passam, dentre outras motivações, pela forma como cada líder religioso conduz sua comunidade, sendo esta a razão pela qual se dá importância a história de vida de Mãe Rita.

Para tanto, me amparo no que dizem Lüdke e André (2014, p. 17) sobre o estudo de caso:

O estudo de caso é estudo de um caso, seja ele simples e específico [... ] ou complexo e abstrato[...]. O caso pode ser sim ilar a outros, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular [...]. O caso se

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destaca por se constituir em uma unidade dentro de um sistema mais amplo. O interesse, portanto, incide naquilo que ele tem de único, de particular, mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas semelhanças com outros casos e situações. Quando queremos estudar algo singular, que tenha um valor em si mesmo, devemos escolher o estudo de caso.

Na sistematização e análise dos dados, adota-se a transcrição das entrevistas, segundo o modelo proposto por Freitas (2006, p.72), em que se preserva o falar dos sujeitos.

Dessas narrativas e dos dados coletados durante a observação participante, são organizados os saberes em tipos (religiosos, da dança, alimentares, estéticos, éticos e morais, da linguagem e da música e canto), em que se a catalogação desses saberes, seguindo o modelo proposto por Albuquerque (2011) na obra "Epistemologia e Saberes da Ayahuasca” , na qual a autora faz uma análise onde ela mapeia e cataloga nove saberes da Ayahuasca.

Essa classificação me inspirou a pensar uma forma de classificar os saberes transmitidos pelas práticas educativas no terreiro de Candomblé. Evidencia-se, contudo, que esses saberes não se opõem nem se excluem mutuamente, sendo na verdade uns contidos nos outros, e que tal classificação, assim como o proposto por Albuquerque, tem uma finalidade fundamentalmente didática. Além disso, não se esgota o âmbito desses saberes, que tendem a variar de acordo com os contextos sociais existentes em cada casa de Candomblé.

O lócus da pesquisa é o Templo da Religião Africana Ilè Àsé Iyá Ogunté, ligado a nação Ketu, localizado no Conjunto Julia Seffer, no município de Ananindeua, Estado do Pará. Foi fundado em 1998, pela lyalorixá Rita de Cássia Azevedo, a Iyá

Ejité (seu nome religioso/ Esta casa insere-se no contexto maior de 1.189 casas de

Comunidades tradicionais de Terreiro, mapeadas pelo Ministério da Cultura em 201010.

10 Refere-se ao projeto "Mapeando o A xé” , promovido pelo Ministério da Cultura em quatro capitais brasileiras, entre as quais Belém, levando em consideração a porção patrimonial do município e a zona metropolitana, como os municípios de Ananindeua, Marituba, Benevides e Santa Barbara, além dos distritos de Icoaraci e Mosqueiro. Contudo, esses números são questionados pelo próprio povo de santo, que alega existir algo em torno de 3000 terreiros na Zona Metropolitana de Belém. A principal razão para essa discrepância nos número é a dificuldade de se identificar determinados espaços como terreiros, dado que nem sempre há placas ou dizeres de identificação. Além disso, há o receio de determinados pais e mãe de santo em se deixar identificar como afroreligiosos, temendo possíveis ataques ou formas de violência,

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A casa possui hoje aproximadamente 70 membros, sem contar com os clientes (nome dado aos frequentadores que buscam a casa para rituais de cura, adivinhação e aconselhamento espiritual). A pesquisa privilegia para observação e registro audiovisual apenas os membros da casa, por razões de contato mais facilitado e preservação de sigilo dos frequentadores, especialmente os não iniciados.

Assim, busca-se informações a nível de entrevista com Mãe Rita, no sentido de averiguar como a sua trajetória de vida enquanto sacerdotisa/professora foi construída e quais os saberes nela adquiridos. O privilégio de Mãe Rita como única entrevistada é uma escolha baseada principalmente no tempo disponível para a pesquisa, embora haja voluntariedade dos membros da casa em cooperar concedendo entrevistas.

É isso. Cantada a primeira cantiga para Esú, rendo a ele o seu lugar de receber primeiro que todos. Como espero que o orisà esteja satisfeito, então, que ele nos permita a passagem e nos proteja no caminhar para o desenrolar desta história, que se encontra estruturada da seguinte forma:

Na seção 1, “ C antando pra Esú: In tro d u ç ã o ” , apresento os elementos introdutórios da pesquisa, tais como as motivações e origem da pesquisa, o problema de pesquisa, as questões norteadoras e os objetivos, os referenciais teóricos da pesquisa, a produção acadêmica sobre práticas educativas em espaços afro-religiosos no Brasil e a metodologia de pesquisa e técnicas utilizadas.

Na seção 2, “ A s águas de Yemoja: h is tó ria de vid a de Mãe R ita” , trago um breve histórico acerca do candomblé enquanto religião de matriz africana, sua formatação no Brasil e no Pará, entrelaçado a história de vida de Mãe Rita enquanto sacerdotisa/educadora e o contexto de fundação do Templo da Religião Africana Ilè

Àsé Iyá Ogunté como espaço de sociabilidade, ensino e aprendizagem.

Na seção 3, “ Tom ando a bença: saberes e p rá tica s ed ucativa s na casa de C an dom blé” , apresento as práticas educativas e os saberes perpassados no Templo da Religião Africana Ilè Àsé Iyá Ogunté. Apresento os saberes catalogados neste terreiro, bem como os critérios utilizados para a realização das práticas educativas e a hierarquia existente entre os membros dessa comunidade.

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Na seção 4, “ Por detrás das co rtin a s : bases e p iste m o ló g ica s das p ráticas ed ucativa s no te rre iro ” , busca-se fazer uma análise das bases epistemológicas das práticas educativas dentro do Ilè Àsé Iyá Ogunté, tendo Mãe Rita como mediadora, intencionando vislumbrar a pedagogia existente dentro do Candomblé.

Na seção 5, “ C antando pra Osalá - C o n sid era ções F in ais” , trago os principais achados em cada capítulo da pesquisa, bem como as suas limitações, além de apontar perspectivas de trabalhos futuros.

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