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Como Nossos Pais

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FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 129-138, jan./fev. 2008. 129129129129129 Resumo: o presente artigo se propõe a fazer uma análise geopolítica da Guerra do Vietnã, que contribuiu para definir novas bases nas relações internacionais entre os Estados do bloco capitalista e os do bloco socialista e interbloco socialista. A Guerra do Vietnã tornou-se um evento marcante no palco da guerra ideológica entre capitalismo/socialismo, ampliando o teatro bélico para além das fron-teiras vietnamitas.

Palavras-chave: Vietnã, Rimland, poder terrestre e poder marí-timo

Cláudio Rafael Mendes Costa

COMO NOSSOS PAIS1

E

ste artigo se propõe a analisar um dos conflitos mais cinematográficos do século XX: a Guerra do Vietnã. Cinematográfico do ponto de vista da magnitude de um conflito aparentemente ilógico e ficcional e do ponto de vista de que tal guerra inspirou e ainda inspira diversos profissionais da sétima arte, como o talentoso Francis Ford Coppolla e seu Apocalypse Now (referên-cia quase obrigatória para aqueles que desejam saber mais sobre o assunto). O que foi visto foi a intervenção direta das forças militares (Exército, Marinha e Aeronáutica) e civis (agentes da CIA) dos Estados Unidos no Vietnã (do Sul e posteriormente até no do Norte), que nada mais era que um país distante do Pentágono, pequeno e recém-independente.

O argumento utilizado não variou na retórica utilizada pelos líderes estadunidenses desde há muito tempo: levar democracia (a esse povo asiá-tico). Desde que se mostraram ao mundo, rompendo grilhões isolacionistas, os americanos exaltam o valor da democracia como um bem a que toda a humanidade deveria ter acesso. Para isso, mostram-se pacientes e

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‘caridosa-FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 129-138, jan./fev. 2008. 130 130 130 130 130

mente’ dispostos a levar pessoalmente a democracia a qualquer canto do globo.

Sem desprezar ou menosprezar tais paradigmas ideológicos, o pre-sente artigo lança luz sobre objetivos mais realistas dessa entidade chamada Estado (norte-americano).

Tributária das teorias geopolíticas de sir Halford Mackinder, Nycholas Spykman e Zbiegniew Brzezinski, o Departamento de Estado americano formulou uma política de contenção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) impossibilitando-a de sair para mares quentes e adian-tando a linha de defesa da segurança nacional americana para o continente Eurasiático.

Ao adiantar a linha de defesa do continente americano para as duas pontas da Eurásia, do outro lado dos oceanos Atlântico e Pacífico, os ameri-canos se visualizavam defendendo a barreira imposta a uma hipotética expan-são soviética e, caso viesse a ocorrer um ataque ao território dos Estados Unidos propriamente dito, levaria algum tempo, possibilitando sua defesa efetiva. Essa expansão da linha de defesa dava a certos Estados uma importância incontes-tável na doutrina de segurança americana, daí o porquê de sua defesa contra uma influência comunista aos Estados da região se tornar essencial. Tais Es-tados foram denominados de EsEs-tados-pinos geopolíticos (numa referência ao jogo de boliche, no qual a queda de um pino pode ocasionar a queda de outros ou de todos).

Assim, a Guerra do Vietnã tornou-se um conflito que, de simples inter-venção militar, atingiu proporções quase épicas, de batalhas aparentemente sem-fim entre militares fortemente armados e guerrilheiros asiáticos dis-postos a dar suas vidas até a vitória total. Os americanos, com destaque para o general Westmoreland2 e os secretários de Estado Kissinger e Mc Namara,

não tinham idéia da loucura em que estavam dispostos a cometer Ho Chi Minh e os quiméricos guerrilheiros do Tet. Ainda que no final a quimera tenha se tornado real.

VIETNÃ POR VIETNÃ

O Vietnã é um país com pouco mais de 330.000km² (menor que dois Kansas3), com população majoritariamente budista, que fala vietnamita

e localizado a milhares de quilômetros de Washington.

O território vietnamita localiza-se entre o paralelo 10°N e o Trópico de Câncer e entre os meridianos 100°L e 110°L, sendo banhado pelo mar da China meridional, que desemboca no Oceano Pacífico.

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FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 129-138, jan./fev. 2008. 131131131131131 Esse país do sudeste asiático foi colônia francesa, no século XIX, por iniciativa de missionários seguidos por soldados do imperador Napoleão III. O Vietnã, juntamente com seus vizinhos Laos e Camboja, enquanto unidade explorada pela França, recebia o nome de União Indochinesa (des-de 1887) e produzia carvão, chá e arroz.

Durante a II Guerra Mundial, esses povos foram submetidos aos ja-poneses, e Ho Chi Minh, líder nacionalista, fundou a liga revolucionária Vietminh para a libertação do Vietnã.

Ao fim da guerra, Ho Chi Minh proclama a independência vietna-mita, mas enfrenta a resistência francesa, desejosa de reocupar a região. Tal resistência é totalmente derrotada em 1954 na batalha de Diem Bien Phu4.

A independência do Vietnã é reconhecida na Conferência de Gene-bra (1954), porém, com o país dividido em Vietnã do Norte (capital Ha-nói) e Vietnã do Sul (Capital Saigon) até as eleições de 1956, na altura do paralelo 17° N.

Mas a resistência norte-vietnamita a uma separação semelhante à da Coréia leva Ho Chi Minh e seus aliados a iniciarem uma luta pela reunificação do país, lutando contra sul-vietnamitas mais tendentes a uma aliança com a ex-metrópole e, pouco a pouco, com os Estados unidos.

Num mundo bipolar, tornava-se evidente que a luta anti-colonialista vietnamita levaria os rebeldes a buscarem apoio no pólo oposto do capi-talismo, liderado pela União Soviética (que percebeu a importância geo-política de tal união) e pela China (que buscava aliados em sua fronteiras). A situação da URSS é vista por Brzezinski (apud MELLO, 1999, p. 156) como problemática:

É um país mediterrâneo, praticamente fechado para o mundo e cer-cado por países periféricos que se interpõem entre o território russo e os oceanos do planeta. Ao norte a livre navegação russa está bloque-ada pelas águas gelbloque-adas do Oceano Ártico; a oeste, a Europa Ociden-tal controla as saídas ao mediterrâneo e ao atlântico; ao sul, um arco de países que vai do Oriente Próximo até a Índia barra o acesso ao Golfo Pérsico e ao Oceano Índico; a leste, a China e os países insu-lares da orla oriental (Vietnã, por exemplo) vedam o contato com o Pacífico.

Daí a razão de uma aliança com o Vietnã ser importante e necessária para os soviéticos alcançarem uma saída marítima permanente, rompendo seu isolamento.

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FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 129-138, jan./fev. 2008. 132 132 132 132 132 5 TO 15: OS EUA NO ORIENTE

“Tudo começou na melhor das intenções”. Essa é a definição da par-ticipação americana no Vietnã dada pelo secretário de Estado (da época) Henry Kissinger. Vitoriosos na Segunda Grande Guerra, os EUA apareceram ao mun-do como nação de bem, pacífica por natureza, modelo a ser seguimun-do. Nesse sentido, virou paladino do ideal democrático preconizado por Washington, Jefferson, Franklin e Adams6. Assim fizeram na Europa Ocidental, Japão e

Coréia do Sul. Mas no Vietnã nem tudo foi como o esperado:

Em 1954, havia pouca base no Vietnã do Sul para uma nação, menos ainda para uma democracia. Mas a estimativa estratégica dos EUA e sua convicção de que o Vietnã do Sul tinha de ser salvo pela reforma demo-crática não levaram em conta essas realidades. Com o entusiasmo dos inocentes, o governo Eisenhower jogou-se impetuosamente em defesa do Vietnã do Sul, contra a agressão comunista e na tarefa de construir uma nação, para que uma sociedade, cuja cultura era imensamente di-ferente da americana, mantivesse sua recém adquirida independência e praticasse a liberdade no sentido americano (KISSINGER, 2001).

Praticar democracia exige amadurecimento político da sociedade civil, para que todos os cidadãos participem ativa e constantemente da vida sociopolítica da coletividade, a fim de proporcionar uma divisão mais justa e eqüitativa das benesses. Uma democracia pressupõe, segundo Tocqueville (1969), um maior nível de igualdade entre os diferentes cidadãos, aliada a liberdades (de imprensa, de opinião, de crença etc.), sob uma espécie de contrato em que nem um, nem todos, decidem, O poder é da maioria. Paradoxalmente à sua experi-ência histórica, os americanos acreditaram poder transformar uma sociedade colonial, agrária e pobre em democrática, de forma instantânea.

Mas o Vietnã do Sul não se tornou democrático, e o Vietnã do Norte, comunista, desrespeitou o estabelecido em Genebra (ao enviar guerrilhei-ros comunistas para o Vietnã do Sul, violar a neutralidade do Laos, e pos-teriormente do Camboja, criando uma estrutura logística em seu território etc.), forçando os EUA a aceitar que as necessidades e realidades geopolíticas superaram todo aquele idealismo quase wilsoniano7.

Para Aron (1962), a defesa dos interesses nacionais é a essência da política externa. E acrescenta que, se uma grande potência está decidida a obter certos benefícios mesmo contra as normas e leis internacionais, a única maneira de a impedir é empregar a força ou estar disposto a empregá-la. E a União

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So-FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 129-138, jan./fev. 2008. 133133133133133 viética, única entidade capaz, não se mostrou favorável a nenhuma dessas opções. Antes, preferiu brigar de forma indireta, “por correspondência”.

Defensor da realpolitk8, Aron (1962) analisa as relações

internacio-nais como um contínuo estado de guerra, na qual o diplomata e o soldado desenvolveriam funções diferentes da mesma atividade. Daí por que ele concorda com Clausewitz (1979) quando este diz que “a guerra é a política por outros meios”, ou seja, a guerra era um instrumento político de forças, um verdadeiro ato político que daria prosseguimento a relações (políticas) pretendidas e preferidas pelo mais forte.

Partindo dessas premissas, nada mais natural que os EUA resolvessem intervir no Vietnã. Essa intervenção partia inicialmente da questão da hegemonia mundial. O mundo, que era ideologicamente bipolar, confrontava-se com outro dualismo: poder terrestre soviético versus poder marítimo norte-americano.

Os exemplos históricos permitiam delinear um modelo desse anta-gonismo secular baseado em duas concepções estratégicas mutuamen-te excludenmutuamen-tes: uma oceânica e outra continental. As potências terrestres utilizaram-se de sua posição central e de suas linhas interi-ores para se expandir em direção as regiões periféricas e conseguir saídas para os mares e oceanos; as potências marítimas apoiavam-se em sua posição insular e em suas linhas exteriores para dominar as regiões litorâneas e manter as potências terrestres encurraladas den-tro dos limites de sua posição mediterrâneas (MELLO, 1992, p. 37).

Ao final da Segunda Guerra Mundial, ficou explícito que a União Soviética (basicamente uma ex-Rússia czarista) mantinha uma posição cen-tral, quase isolada no coração da Eurásia, e os Estados Unidos se manti-nham em suas linhas exteriores marítimas, ambos com desejos de expansão. Fazia-se, então, mister impedir que os soviéticos chegassem às regiões litorâneas via Vietnã:

A tese por ele (Mackinder) defendida era a de que o poder terrestre poderia conquistar as bases do poder marítimo, caso conseguisse adicionar à sua retaguarda continental uma frente oceânica que lhe possibilitasse tornar-se um poder anfíbio, simultaneamente terrestre e marítimo (MELLO, 1992, p. 39).

Nada mais natural que os americanos se vissem ameaçados por essa política soviética e tentassem abortá-la o quanto antes.

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Outra característica da política externa americana que justificava a intervenção em território vietnamita consistia na expansão da primeira li-nha de defesa estadunidense do continente americano para as duas pontas da Eurásia. Aqui, há que se ressaltar que a simples expansão do comunismo já representava uma agressão ao establishment ianque:

A análise geopolítica dos perigos da tomada comunista de um país distante seguia o duplo ‘slogan’ de resistir à agressão no abstrato e evitar a difusão do comunismo. A vitória comunista na China reforçou a convicção dos formuladores americanos de que mais expansão co-munista era intolerável (KISSINGER, 2001, p. 680).

O Vietnã do Sul, portanto, não poderia se tornar comunista sob o risco de aumentar o bloco em que se destacavam União Soviética e China e porque tal mudança ideológica representava uma verdadeira agressão à Casa Branca. Washington não deveria aceitar um ataque tão direto à sua política.

Formulador das bases paradigmáticas que inspirariam a política de contenção do Departamento de Estado americano nas décadas de 1960-1970, Nycholas Spykman acreditava que qualquer alteração nas relações de força afetaria os grandes atores internacionais, daí por que eles não poderi-am ficar alheios aos fatos do mundo.

Os estudos de Spykman se realizaram utilizando um mapa de projeção azimutal eqüidistante centrada no pólo norte9. Aqui, o grande núcleo de

ter-ras emersas situa-se em volta do oceano Ártico (hemisfério norte), concluin-do esse pensaconcluin-dor que as relações entre os EUA e as duas extremidades da Eurásia são determinantes para os rumos da política mundial. Daí por que o Vietnã, de localização geográfica periférica, se tornar politicamente central.

Outro fator interessante da teoria de Spykman é a substituição do termo inner crescent, da teoria mackinderiana, por Rimland, definindo com maior precisão as regiões costeiras (fimbrias marítimas) que contornavam o Heartland10.

Essa nova terminologia procurava ressaltar a característica anfíbia dessa região, destacando sua importância geopolítica para quem o controlasse.

Em Spykman, o Rimland (região em que o Vietnã se localiza) atinge uma importância central, a ponto de poder se afirmar: “quem controla o Rimland, domina a Eurásia; quem controla a Eurásia, domina o mundo”.

Em sua dimensão estritamente militar, a estratégia de segurança apli-cada pelos EUA contra a União Soviética no auge da Guerra Fria, baseava-se nos princípios antagônicos de expansão-contenção. No

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primeiro caso, tratava-se da visão mackinderiana da tendência histó-rico-geográfica do expansionismo grão-russo de pressionar, a partir das linhas interiores de sua posição central, para satelitizar os países da periferia eurasiana e atingir finalmente os mares quentes. No se-gundo, tratava-se do intervencionismo spykmaniano que advogava a presença de um poder anfíbio americano nas regiões marginais e ilhas costeiras eurasianas como único meio de manter os russos en-curralados no interior do continente (MELLO, 1999, p. 129).

A influência de Spykman e seu Rimland como centro nevrálgico do con-flito americano-soviético fica patente nos acordos bilaterais militares fechados entre Estados Unidos e países como Japão, Taiwan, Filipinas etc e o pacto militar da Organização do Tratado do sudeste Asiático (Otase), (união dos EUA com os países do Rimland asiático vedando aos russos acesso ao oceano Pacífico).

Criada em 1954, a Otase contava com EUA, Paquistão, Filipinas, Tailândia, Austrália, nova Zelândia, Inglaterra e França. Os Vietnãs, assim como Laos e Camboja, estavam proibidos de entrar no acordo, pela Con-ferência de Genebra. A Otase forneceu a estrutura legal à defesa da Indochina pelos EUA, daí porque ela era mais específica sobre uma agressão comunis-ta a essas três nações do que a um acomunis-taque comuniscomunis-ta contra os signatários. Já o pensador Brzezinski analisava a lógica soviética de expansão sob um prisma defensivo, ou seja, visava romper o cerco dos americanos e seus aliados, ao mesmo tempo em que (numa postura já mais ofensiva) procu-rava cortar os contatos dos EUA com as duas pontas da Eurásia.

Brzezinski acreditava que existiam Estados no continente eurasiático cujo controle pelos EUA era uma questão vital. Chamados de Estados-pi-nos geopolíticos, esses países desenvolviam uma influência política, tinham um certo peso econômico, ou posição geoestratégica importantes, de forma que poderiam alterar a correlação de forças mundiais.

A Indochina, como um todo, havia sido considerada essencial para esse equilíbrio de poderes desde que se caracterizou a divisão bipolar do mundo e tornou-se essencial evitar que qualquer um dos pólos de poder dominasse uma região que não a sua (Américas e região do Heartland, para EUA e URSS, respectivamente). Assim, evitar que os Vietnãs se tornassem comunistas era evitar que toda a Indochina e Tailândia, Birmânia (hoje Mianma) e Filipinas se tornassem hostis à política americana. Se esses últimos caíssem na linha de influência soviética, Índia, Paquistão e Japão, baluartes do capitalismo no Oriente, poderiam também cair. Isso já seria considerado “estado de alerta máximo” para o departamento de Estado americano.

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“Eu adoro o cheiro de napalm pela manhã”. Essa frase dita pelo ator Robert Duvall ao interpretar um coronel do batalhão de cavalaria do exér-cito americano, no filme Apocallyse Now, elucida diversos fatos da partici-pação americana na Guerra do Vietnã.

Em primeiro lugar, encontrava-se a arrogância e a loucura america-nas. Cientes de sua superioridade militar, os EUA não conseguiam traduzir tal poder em vitórias efetivas.

Do momento em que chegou ao Vietnã, a tropa americana começou aplicar seu método familiar de combate: o atrito sustentado pelo po-der de fogo, a mecanização e mobilidade. Métodos, todos, inaplicáveis ao Vietnã. O exército sul-vietnamita, treinado pelos americanos, logo caiu na mesma armadilha que a força expedicionária da França, uma década antes. O atrito funciona contra um adversário que não tem escolha, senão defender um ponto vital. Guerrilhas raramente têm um ponto vital que defender. A mecanização e a organização em divisões tornou o exército vietnamita quase irrelevante, na luta por seu próprio país (KISSINGER, 2001, p. 699).

O desprezo por um adversário que nunca parecia perder, somado a uma permanência excessiva no front, proporcionava desespero e perda da razão entre os militares.

Uma segunda observação procede de uma peculiaridade da Guerra do Vietnã. Impossibilitados de utilizar seus animais eqüinos, em razão da inse-gurança, a cavalaria do exército americano trocou seus cavalos por helicópte-ros, possibilitando dar vôos rasantes pela floresta e encontrar focos guerrilheiros. A localização do inimigo, que se camuflava e se escondia no meio de uma floresta tropical fechada, recebia o auxílio, em terra, do “agente laran-ja”11, e, no ar, de bombas napalm12.

O despejo de bombas napalm nas florestas do Vietnã do Norte, Vietnã do Sul, no Laos (tentando neutralizar a logística norte-vietnamita, na cha-mada Trilha Ho Chi Minh) e até Camboja (santuários na floresta), tornou-se a função principal da força aérea estadunidentornou-se, recebendo o nome de campanha Rolling thunder13, que também tencionava proporcionar

retali-ações aos guerrilheiros pelas baixas norte-americanas.

Depois de décadas de conflito, sem lograr uma vitória explícita, milhares de soldados mortos, repudiados pela comunidade internacional e

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FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 129-138, jan./fev. 2008. 137137137137137 recebendo protestos diários de seus concidadãos, os EUA resolvem se reti-rar de forma definitiva e total do Vietnã14.

Na rádio militar, uma mensagem de feliz natal (em abril!) e que os soldados telefonassem para suas mães, seguida de uma música de Billy Halliday, foi o código para evacuação imediata do país.

Em 30 de abril, Saigon, capital do Vietnã do Sul, caía nas mãos de norte-vietnamitas (vietnamitas e guerrilheiros do Tet) e vietcongs (guerri-lheiros sul-vietnamitas), abrindo espaço para a reunificação do país. Nesse mesmo dia, Saigon tornou-se Ho Chi Minh.

A derradeira derrota norte-americana foi registrada pelos modernos meios televisivos, ao vivo, para todo mundo. A multidão amedrontada, com-posta por americanos e seus aliados vietnamitas, dirigia-se para a embai-xada norte-americana, imaginando encontrar ali uma saída, um transporte para escapar dos vietminhs e vietcongs, que avançavam incontroladamente sobre Saigon [...] assim os últimos interventores mi-litares americanos deixaram Saigon – cegos [em razão de gás lacrimogê-neo que a hélice do helicóptero puxava para eles], num vôo suicida. Pouco depois, as tropas norte-vietnamitas e os vietcongs entravam triunfantes em Saigon15.

Notas

1 “Como nossos pais” é uma música de autoria do compositor brasileiro Belchior, e critica o fato de a

ju-ventude dos anos 1970 apresentar um estilo de vida igual ao de seus pais (tendo, inclusive, como refrão o trecho: “Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”). A música, guardadas as devidas pro-porções, serve para caracterizar a juventude “Guerra do Vietnã”, que é filha da juventude “II Guerra/Guerra da Coréia”.

2 Sim, o nome do comandante das Forças Militares americanas era (traduzindo literalmente) “Mais

terras para o Ocidente”.

3 Estado do meio-oeste americano.

4 Diem Bien Phu é um entroncamento de estradas, na região noroeste do Vietnã, junto à fronteira com

o Laos. A França deslocou uma força de elite para a região, na tentativa de atrair os rebeldes vietnamitas para uma batalha campal de atrito. Já no assalto inicial, os rebeldes arrasaram dois fortes externos que deveriam dominar o terreno alto, usando artilharia fornecida pela China. Menos de dois meses depois, mesmo com a diplomacia reunida em Genebra para discutir a questão da Indochina, Diem Bien Phu caiu definitivamente.

5 “Cinco contra um” é uma música da banda de roque americana The Doors. Lançada no final da década

de 1960, a referida musica, que nasceu no seio da geração “paz e amor”, critica a violência excessiva inerente da sociedade americana (criticando, então, a Guerra do Vietnã), conclamando os (jovens e) seres humanos, em geral, a adotarem um estilo de vida mais pacífico.

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7Woodrow Wilson era o presidente dos EUA no pós-I Guerra e era idealista quanto ao futuro da

so-ciedade mundial, chegando a propor um mundo mais democrático com a criação da Liga das Nações.

8Política do Realismo.

9Para efeito de informação, essa projeção cartográfica é a mesma utilizada na bandeira da ONU. 10 Grosso modo, o heartland correspondia à região da Rússia e parte do leste europeu.

11 Elemento químico que proporcionava a queda da folhagem das árvores. Altamente cancerígeno. 12 Gasolina gelatinizada utilizada em bombas incendiárias.

13 Caindo trovão.

14 Nos anos anteriores, os EUA adotaram a tática de ‘vietnamização da guerra’, ou seja, retirar pouco

a pouco seus soldados da guerra, fornecendo apoio logístico ao Vietnã do Sul.

15 Santarrita, Marcos. Vietnã 10 anos depois. In: Revista Fatos, p. 37-8.

Referências

APOCALIPSE NOW. EUA, 1975. Dir. Francis Ford Coppolla. (Filme). ARON, R. Paz e guerra entre as nações. Brasília: Ed. da UnB, 1962. BELCHIOR. Como nossos pais. (CD Áudio).

CLAUSEWITZ, K. V. Da guerra. Brasília: [s. n.], 1969. KISSINGER, H. Diplomacia. Rio de Janeiro: F. Alves, 2001.

MELLO, L. I. A. Quem tem medo de geopolítica? São Paulo: Edusp, 1999. THE DOORS. Waiting for the sun. Elektra, july 1968. (CD Áudio). TOCQUEVILLE, A. de. Democracia na América. São Paulo: Nacional,1969.

Abstract: present article has been proposed to make a geopolitical analysis of The Vietnam War, contributed to define new bases on international relations between the States of the capitalism side and those from the socialism side and also between States all inside the socialism side. The Vietnam War became an important event on the ideological war stage between capitalism/socialism, enlarge warlike theatre beyond Vietnamese’s borders

Key words: Vietnam, Rimland, land power and sea power

Artigo desenvolvido na disciplina Geopolítica do Espaço Mundial II, para fins de avaliação parcial de N2 no curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Goiás (UCG), sob orientação do professor José Renato Masson.

CLÁUDIO RAFAEL MENDES-COSTA

Acadêmico do curso de Relações Internacionais do Departamento de História, Geografia, Ciências Sociais e Relações Internacionais da UCG.

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