• Nenhum resultado encontrado

A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL ADRIANE BRAMANTE DE CASTRO LADENTHIN

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL ADRIANE BRAMANTE DE CASTRO LADENTHIN"

Copied!
142
0
0

Texto

(1)

A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME

GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

ADRIANE BRAMANTE DE CASTRO LADENTHIN

MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

(2)

D i s s e r t a ç ã o a p r e s e n t a d a à B a n c a E x a m i n a d o r a d a P o n t i f í c i a U n i v e r s i d a d e C a t ó l i c a d e S ã o P a u l o , c o m o e x i g ê n c i a p a r c i a l p a r a a o b t e n ç ã o d o t í t u l o d e M e s t r e em D i r e i t o P r e v i d e n c i á r i o s o b o r i e n t a ç ã o d o Pr o f e s s o r - d o u t o r W a g n e r B a l e r a .

A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME

GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

(3)

________________________________

________________________________

________________________________

(4)

Agradeço a Deus pela minha existência.

Agradeço ao meu marido Robson e ao meu filho Rodrigo, razões da minha

vida, pela imensa compreensão nos momentos em que os furtei da minha presença

para concluir este trabalho.

Agradeço aos meus pais, por me darem a oportunida de vir a este mundo, em

especial à minha mãe, que me mostrou o caminho do Direito Previdenciário.

Agradeço aos demais familiares, amigos e companheiros de trabalho que, de

uma maneira ou de outra, permitiram que eu galgasse este patamar na vida.

À Malu, pela revisão do trabalho, e ao Conrado, pela produção gráfica.

Agradeço aos meus amigos do Direito Previdenciário, Viviane, Fernando, Fábio,

Júnior, por ouvirem as minhas idéias e discutirem comigo até chegarmos a um consenso

(ou disenso!).

Agradeço especialmente ao meu orientador, professor-doutor Wagner Balera,

que me deu a oportunidade de aprender mais e mais e que depositou em mim a confiança

(5)

V

RESUMO

(6)

ABSTRACT

(7)

SUMÁRIO

RESUMO...

ABSTRACT...

INTRODUÇÃO...

PARTE I

CAPÍTULO I

HISTÓRICO DA PROTEÇÃO SOCIAL...

1.1 Da assistência privada à pública...

1.2 Do seguro privado ao seguro social... 1.3 Do seguro social à seguridade social...

CAPÍTULO II

A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE PROTEÇÃO SOCIAL...

2.1 Dano, risco e necessidade – Conceitos distintos... 2.2 As expressões de proteção social originadas do seguro privado... 2.3 Conceito de risco social... 2.4 Do risco social para o conceito de necessidade...

PARTE II

CAPÍTULO III

UMA INCURSÃO PELA ‘VELHICE’...

3.1 A velhice sob um olhar otimista... 3.2 A velhice sob um olhar pessimista... 3.3 Terminologias para designar a velhice ... 3.4 Existe um conceito jurídico de velhice?...

V

V I

1

4

4 7 1 1

1 5

1 5

1 7 1 9 2 2

2 7

2 7

(8)

A PROTEÇÃO SOCIAL DA VELHICE NO BRASIL E NO MUNDO...

4.1 A proteção social velhice em âmbito internacional... 4.2 A proteção à velhice nas constituições do Brasil... 4.3 A velhice e os diferentes sujeitos de direito trazidos pela Constituição Federal de 1988.. 4.3.1 A Loas e o Estatuto do Idoso – Pontuações necessárias...

PARTE III

CAPÍTULO V

A APOSENTADORIA POR IDADE...

5.1 Princípios pertinentes ao benefício... 5.1.1 Da dignidade humana... 5.1.2 Do valor social do trabalho... 5.1.3 Da universalidade da cobertura e do atendimento... 5.1.4 Da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais... 5.1.5 Da eqüidade na forma de participação do custeio...

5.2 Aposentadoria por idade e suas modalidades... 5.2.1 Diferenças entre as modalidades de aposentadoria por idade... 5.3 Natureza jurídica do benefício...

CAPÍTULO VI

APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR URBANO...

6.1 Da idade... 6.2 Da carência...

6.2.1 Os efeitos da Lei nº 10.666/03 na aposentadoria por idade... 6.3 A qualidade de segurado... 6.4 Os sujeitos da relação jurídica de proteção do benefício etário... 6.5 Do objeto da relação jurídica de proteção... 6.6 O nascimento do benefício etário urbano... 6.7 Do desenvolvimento... 6.8 Da extinção...

6.9 Da rescisão do contrato de trabalho pela aposentação... 6.10 Cálculo da aposentadoria por idade do trabalhador urbano...

4 8 4 8 5 3 5 5 6 0 6 4 6 4 6 5 6 6 6 9 6 9 7 1 7 2 7 3 7 9 8 1 8 1 8 2 8 6 9 1 9 6 9 9 1 0 1 1 0 2 1 0 3 1 0 4

(9)

1 0 9 1 1 2 1 1 4

1 1 6

1 1 6

1 2 1 1 2 3 1 2 6 1 2 8 1 2 9 1 3 0 1 3 1

1 3 1 1 3 3

1 3 4

1 3 4 1 3 6 1 3 7

1 3 8 1 3 9 1 4 0 1 4 1 1 4 1 1 4 2 1 4 2 1 4 3

1 4 4

1 4 8

1 5 1

6.10.1 Da base de cálculo... 6.10.2 O fator previdenciário e a aposentadoria por idade... 6.10.3 Da alíquota...

CAPÍTULO VII

APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR RURAL...

7.1 Da idade... 7.2 Da qualidade de segurado do trabalhador rural... 7.3 Da carência... 7.4 Os sujeitos da relação jurídica de proteção... 7.5 Do objeto da relação jurídica de proteção...

7.6 O nascimento do benefício etário rural... 7.7 Do desenvolvimento... 7.8 Da extinção... 7.9 Da base de cálculo... 7.10 Da alíquota...

CAPÍTULO VIII

APOSENTADORIA POR IDADE COMPULSÓRIA...

8.1 Características... 8.2 A qualidade de segurado da aposentadoria por idade compulsória... 8.3 Da carência... 8.4 Os sujeitos da relação jurídica de proteção... 8.5 Do objeto da relação jurídica de proteção... 8.6 O nascimento do benefício etário compulsório... 8.7 Do desenvolvimento... 8.8 Da extinção...

8.9 Do cálculo da aposentadoria por idade compulsória... 8.9.1 Da base de cálculo... 8.9.2 Da alíquota...

CAPÍTULO IX

AS PERSPECTIVAS DA APOSENTADORIA POR IDADE...

CONCLUSÕES...

(10)

INTRODUÇÃO

O envelhecimento tem sido tema de muitas discussões entre as autoridades no mundo todo. Verdadeiros planos de ação vêem sendo elaborados para que os idosos recebam a proteção merecida no momento em que a necessidade venha a atingi-los.

O estereótipo da velhice, antes relacionada a doença, decrepitude, senilidade, aos poucos vem sendo ultrapassado, e hoje ela é vista como sinônimo de longevidade, saúde, sensatez e experiência.

A velhice, ou idade avançada, encontra-se entre os grandes riscos sociais que a seguridade social está apta a cobrir.

Este trabalho tem por objetivo trazer as diferenças apontadas pela doutrina pátria, que estabelece proteções distintas para cada sujeito de direito. Além disso, visa demonstrar as diferenças da aposentadoria por idade nas suas três modalidades: urbana, rural e compulsória.

O trabalho está dividido em três partes. Na primeira, é apresentada a história da proteção social desde os seus primórdios, tendo iniciado como assistência privada, chegando até os dias atuais, definida como seguridade social. Nessa parte também são tratados os modelos de seguro social, o conceito de risco social e as mudanças, ao longo dos anos, até chegar ao conceito atual de seguridade social. Todos os indivíduos têm sua quota de proteção, ainda que nunca necessitem utilizá-la. No entanto, deve estar garantida a cobertura, para que, havendo necessidade, possam ser atendidos com a devida proteção social.

(11)

2

mundial e a busca de um meio eficaz de proporcionar aos idosos uma cobertura social que lhes garanta padrões mínimos de subsistência.

Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –, no ano de 2025 haverá 52 milhões de pessoas idosas no Brasil. Os números são alarmantes e mostram que é imprescindível tomar providências políticas, jurídicas e sociais urgentes para proteger esses idosos nesse futuro iminente.

Protegendo o indivíduo, protege-se toda a sociedade. Quanto maior o número de indivíduos desprotegidos, maior o caos social que impera. Por esse motivo, é imprescindível que o Estado, a quem cabe a proteção dos indivíduos, encontre a melhor maneira de livrá-los dos riscos sociais indesejáveis e, com isso, alcançar o bem-estar, fim último da Ordem Social.

Na terceira parte do trabalho, são abordadas as modalidades de aposentadoria por idade trazidas pela legislação infraconstitucional. Cada uma delas remete a características e sujeitos distintos. Havendo critérios materiais distintos, não há como tratá-los da mesma maneira.

É certo que o risco social é o mesmo para as três modalidades, mas para cada uma produz um efeito diferente. Esses efeitos serão abordados em estudo aprofundado da dinâmica do benefício etário objeto deste trabalho.

Verificamos que muito se tem feito pelo idoso no Brasil, procurando resgatar sua merecida dignidade. Atualmente, a legislação vem retirando-o da marginalidade e da mendicância, proporcionando-lhe benefícios e serviços trazidos pela seguridade social.

(12)

Capítulo I

Histórico da proteção social

Capítulo II

(13)

4

CAPÍTULO I

HISTÓRICO DA PROTEÇÃO SOCIAL

O progresso econômico e social só se ajusta pela quantidade de benefícios que espalha por todos os indivíduos e pelas contribuições que traz ao bem comum.

Getúlio Vargas

1 . 1 DA ASSISTÊNCIA PRIVADA À PÚBLICA

O homem é solidário por excelência. A solidariedade universal entre os homens prescinde à existência do ser.

A busca pelo fim das aflições de alguns, aliada à generosidade de outros, fez gerar um sentimento chamado caridade.

Não há, entretanto, como situar no tempo as manifestações da assistência privada, pois, nas palavras de Balera, a caridade “é a principal das virtudes do homem, que, como bem acentua São Paulo na Epístola aos Coríntios (13,1-7), é eterna”1.

O sentimento de ajudar o próximo é nato no ser humano. Os riscos sociais ou, em termos mais abrangentes, as necessidades, existem desde os primórdios da nossa

(14)

existência2. Não há como fixar uma data em que tenha se iniciado a ajuda caritativa ou a assistência privada.

Coimbra também observa que o seguro social teve o seu início com a ajuda aos indigentes, para retirá-los do estado de necessidade em que se encontravam:

Em suas fases iniciais notam-se, apenas, pálidas tentativas de congregar recursos e endereçá-los à assistência do desamparado, de par com incipientes ensaios de medidas para que se pudesse reuni-los, no esforço comum de combate aos riscos a que sempre estiveram sujeitos.3

A idéia de que a caridade é o sentimento que fez brotar o que chamamos hoje de seguro social também se faz presente para Russomano, entendendo que as bases previdenciárias nascem a partir da necessidade de compartilhar a contingência com a proteção:

Ela (previdência) nasce, do ponto de vista de cada indivíduo, da necessidade de amealhar o necessário à segurança do futuro; mas vai além e, do ponto de vista de terceiros, resulta de um sentimento caritativo de solidariedade, que se manifesta na assistência aos necessitados.4

Para o autor, o seguro social se inicia como autoproteção do homem das vicissitudes que a própria vida lhe ocasiona, impulsionando-o a organizar-se em entidades que lhe proporcionassem um apoio na hora necessária. A essa proteção organizada em entidades o autor denominou ‘heteroproteção’.

Há indícios de que as organizações associativas ou pseudoassociativas concretas remontam às mais antigas civilizações: Pérsia, Síria, Índia, Egito.

Coimbra observa que as primeiras manifestações de associações com escopo protetivo existem desde a Hélade, em Teofrasto (228 a.C.), e seu custeio advinha da contribuição dos membros associados, que era depositada em um fundo único, proporcionando aos associados cobertura para o caso de serem atingidos pela adversidade. A idéia era de seguro.

Russomano reporta a Roma, onde os collegia romanos (desaparecidos com a queda do Império) possuíam objetivos predominantemente mutualistas, tanto no

2 Para Manuel Alonso Olea, proteger apenas os riscos não se mostra suficiente. Entende que o termo ‘necessidade’ é mais amplo e independente: “las necesidades pueden ser concebidas como reducidas a una sola, a saber: la deficiência aludida de recursos. El riesgo se relega entonces a un segundo plano, favoreciendo así la tendência a igualar la protección ante la necesidad, con independencia Del riesgo que en concreto sea sua causa” (Instituciones de Seguridad Social, p. 20). 3 Direito Previdenciário brasileiro, p. 18.

(15)

6

sentido de cobrir seus membros na organização social de Roma como de ajudar, nos casos de necessidades pessoais, os que se dedicavam ao mesmo ofício.

No entanto, esse sistema solidário não era suficiente, diante da mendicância que se alastrava por todo o mundo. A simples cobertura individual, ou mesmo aquela realizada por associações ou entidades beneficentes, era, na verdade, bastante limitada e se mostrava insignificante diante da complexidade e magnitude das necessidades sociais que surgiam cada vez com maior intensidade.

A ampliação da cobertura era inexorável para a estabilidade social.

A assistência pública foi o próximo passo, e objetivou modelar juridicamente a questão social, que começava a surgir.

Para o autor italiano Augusto Venturi, desde a antiguidade há indícios de assistência pública, na sua maior parte de origem religiosa. O autor destaca que as leis agrárias, na antiga Roma, distribuíam terras aos desabrigados, medida que objetivava socorrer os indigentes, sob a forma de assistência pública direta prestada pelo Estado.

Guerras religiosas ou mesmo civis faziam aumentar a mendicância, deixando toda a sociedade intranqüila, além de ameaçar a segurança pública e a propriedade.

A chamada Lei dos Pobres (Poor Law Act), promulgada durante o reinado de Isabel I, na Inglaterra, no ano de 1601, é considerada o passo inicial dessa assistência pública, sendo custeada de acordo com a capacidade contributiva de cada um.

A referida lei não tinha como única finalidade o auxílio com dinheiro, mas principalmente ensinava a jovens e mulheres o ofício do trabalho, fornecendo-lhes matéria-prima para que o trabalho artesanal fosse aprendido e executado para, então, ser vendido. Aos pobres inválidos ou idosos, a ajuda tinha o escopo de assisti-los, socorrer-lhes.

Russomano considera a Lei dos Pobres de extrema importância, e o Estado é apontado como partícipe social para proteger aqueles que necessitavam de proteção.

(16)

Com muita particularidade, Coimbra destaca a encíclica Rerum Novarum como a responsável pela consagração do dever do Estado de oferecer proteção aos cidadãos. O autor ressalta que o documento deu ao “progresso social sua exata compreensão, como que antevendo a previdência social como instrumento dos mais eficazes para um relacionamento social mais justo e humano”5.

1.2 DO SEGURO PRIVADO AO SEGURO SOCIAL

Com a Revolução Industrial, a máquina retirou o trabalhador rural do campo, introduzindo-o no mercado industrial e comercial. Substituiu-se a economia do tipo artesanal e de regime familiar por uma atividade que empregava mão-de-obra assalariada.

Essa revolução trouxe uma realidade socioeconômica subjacente que motivaria os poderes públicos a buscar uma solução para a questão social, que se impunha por meio de duas forças antagônicas: capital e trabalho.

O seguro privado, que existia há milênios, serviu de base para a introdução do chamado seguro social, e suas técnicas foram emprestadas do primeiro.

A necessidade de proteger o trabalhador dos riscos da atividade profissional fez surgir os primeiros frutos dessa modalidade de seguro.

Não há como determinar precisamente uma data em que se tenha iniciado o contrato de seguro.

Venturi relata que existem testemunhos nos livros de direito de “Francesco Del Bene, conservado en los archivos notariales de Génova, celebrado el 23 de octubre de 1347”6, tido como o primeiro documento no qual se contratava um seguro marítimo. Segundo o autor espanhol, o seguro dava garantia às atividades exercidas por pessoas físicas.

Derzi, com muita propriedade, escreve:

Contrato de seguro marítimo, na sua origem, consistia em operação por intermédio da qual o segurador prometia pagar uma determinada soma caso o navio ou a carga não chegasse a salvo ao porto de destino.7

5 Direito Previdenciário brasileiro, p. 23.

(17)

8

Foi, portanto, no século XVII, com a criação das primeiras companhias náuticas, que se vislumbrou a possibilidade de transpor as técnicas do seguro para a cobertura de riscos advindos da atividade profissional.

Embora as sociedades de socorros mútuos ou a busca por ajuda em caso de necessidade já existissem em épocas muito distantes, pode-se dizer que a aplicação das técnicas jurídicas e econômicas para tornar eficaz essa cobertura é relativamente recente.

O objetivo inicial dos contratos de seguro privado era proteger determinado bem (ou coisa) da possibilidade de ocorrência do risco que causasse dano a esse bem (ou a essa coisa) assegurada, pagando-se, mediante uma contribuição ou prêmio, uma indenização em caso de sinistro.

É possível observar que a preocupação, nessa época, era assegurar bens ou coisas, e não propriamente pessoas. Os bens assegurados eram instrumentos de trabalho, com o objetivo de proporcionar ao trabalhador a continuidade do seu labor, caso seus instrumentos sofressem algum dano que o impedisse de trabalhar.

O seguro não nasceu, portanto, com fins precípuos patrimoniais, em seu sentido estrito, mas tão-somente com vistas a assegurar o instrumental de trabalho, indenizando o laborioso em caso de sinistro desse instrumental. A visão do seguro estaria focada no objeto de trabalho, assegurando ao trabalhador uma indenização que lhe permitisse retomar a atividade profissional em caso de avaria do seu material de trabalho, sem o qual a manutenção da sua própria sobrevivência ou a de sua família incorreria em risco.

O seguro de vida, incluindo-se o seguro de pessoas, segundo Derzi8, foi a última modalidade de seguro privado a surgir, diante da relutância em se avaliar economicamente o valor da vida humana.

A partir da possibilidade de adotar a matemática atuarial, utilizando-se como parâmetros: dados econômicos, números de pessoas a serem protegidas, probabilidades de ocorrência do risco e expectativa de sobrevida, o contrato de seguros para pessoas aos poucos foi sendo construído.

A cobertura dos riscos, ainda incipiente, com o tempo foi galgando degraus cada vez mais amplos e moldando-se às situações de risco que foram surgindo ao longo dos anos.

A necessidade de proteção individual ao trabalhador que se expunha aos riscos inerentes à atividade econômica exigia maiores proteções.

(18)

O seguro voluntário resultava inadequado para solucionar os problemas da classe trabalhadora, como a cobertura dos riscos fisiológicos e econômicos a que se encontrava exposta.

Em 1883, com o objetivo de conter os avanços do socialismo, o chanceler Otto Von Bismarck resolve transportar as técnicas do seguro privado para o chamado seguro social, criando a primeira modalidade de previdência social, chamada de seguro-doença9.

Russomano descreve muito bem qual foi o papel de Bismarck para o seguro social:

Ante o clamor popular, em uma nação que se industrializava com rapidez, o grande estadista compreendeu que era inútil usar, apenas, a repressão policial ou militar. Ao contrário, era preciso oferecer um programa político novo, que ‘roubasse’ o conteúdo da pregação socialista e que, dentro do estilo e da estrutura do governo alemão, aliciasse, a seu favor, a simpatia do povo.10

A partir da implementação do seguro social na Alemanha, a preocupação em aderir às mesmas técnicas protetivas correu o mundo: Inglaterra, França, Bélgica, Itália, entre outros países, ampliaram ao máximo seu campo de aplicação.

A contribuição de Coimbra nessa seara é bastante oportuna, definindo em poucas palavras o seguro social:

Desde seus primórdios aparece o direito à prestação, que o filiado ostenta, mas então derivado não do vínculo contratual, nem se retratando a figura de uma adesão, mas sim de um status, o da pessoa definida como segurada pela lei.11

O seguro tinha caráter obrigatório e visava cobrir os riscos sociais inicialmente de doença (seguro-doença – 1883). Depois, o rol de riscos foi ampliado para a cobertura de acidentes do trabalho, invalidez, enfermidade e velhice. Aos poucos, esses riscos foram sendo estruturados e ampliados, proporcionando uma cobertura mais eficaz, assegurando não só o próprio trabalhador, em caso de incapacidade para o trabalho, como também seus dependentes, em caso de morte do segurado instituidor.

Segundo Coimbra, durante muito tempo foi assim:

Só com a concentração de grandes massas de trabalhadores, grupados pela moderna indústria, na época chamada Revolução Industrial, aliada ao agravamento dos riscos,

9 Segundo Russomano, houve outras leis que antecederam Bismarck. Menciona a lei austríaca de 1854 ou mesmo, antes dela, a legislação de 1810, na Prússia, que estabeleceu o seguro-doença em favor do assalariados, entre estes incluídos os criados e os auxiliares do comércio (Curso de Previdência Social, p. 10-1). Nesse sentido, Dupeyroux também reporta-se à Lei da Prússia: “Et sur le plan maladie signalons une loi de 1854 accordant aux communes et aux autorités locales l´autorisation de créer des fond de lamadies et d´imposer une affiliation obrigatoire des salaries” (Droit de la Sécurité Sociale, p. 37). 10 Curso de Previdência Social, p. 9.

(19)

1 0

pelo emprego de máquinas e instalações perigosas, tornou-se imperiosa na consciência social a necessidade da ação estatal para proteger o homem contra o infortúnio.12

O problema econômico gerado pelo antagonismo capital-trabalho acabou por criar a necessidade de proteger toda a sociedade dos riscos sociais imprevisíveis e, muitas vezes, indesejáveis, em busca de um ambiente ideal de bem-estar e justiça sociais.

Assis afirma com veemência que “a idéia do seguro social se inspira no desejo profundo dos homens de se livrarem do temor da necessidade, para o que é preciso, dentro de condições exeqüíveis, garantir ao indivíduo a proteção contra os riscos comuns da vida”13.

O qualificativo ‘social’, que completa a expressão, é dirigido tanto ao indivíduo que carece de proteção quanto ao corpo social do qual faz parte. A este corpo social chamamos sociedade. E sociedade, por sua vez, pode ser entendida como um grupo organizado de indivíduos em prol do bem comum.

Portanto, assim como o indivíduo integra a sociedade, esta é formada por indivíduos, existindo uma intersecção entre indivíduo e sociedade que os torna inseparáveis. Não há indivíduo sem sociedade, nem sociedade sem indivíduo.

Não existe na história da humanidade uma certeza de que o homem tenha vivido só. O que se tem aceito é que ele foi se agrupando ao longo do tempo, até constituir-se o que chamamos hoje de sociedade. A proteção que se objetiva é, portanto, da própria sociedade como um todo.

O seguro social, segundo Derzi, tem dupla função: a função social, que almeja a proteção em caso de necessidade, e a função econômica, que visa arrecadar junto ao trabalhador uma contribuição compatível com sua capacidade contributiva, com o fim de garantir o equilíbrio financeiro do sistema protetivo, “remediando, dessa forma, as injustiças sociais, bem como aliviando a pressão social causada por estas”14.

Importante conceituação de seguro social nos traz o eminente professor espanhol Almansa Pastor, a qual não poderíamos deixar de citar:

Los seguros sociales son seguros obligatorios, de origen legal, gestionados por entes públicos y dirigidos especificamente a proteger necessidades sociales derivadas de riesgos que afectan a indivíduos determinados legalmente.15

12 Id. ibid., p. 18.

13 Em busca de uma concepção moderna de risco social, p. 151. 14 Os beneficiários da pensão por morte, p. 46-7.

(20)

Apesar de o seguro social ter surgido num momento de revolução social, inaugurado como um programa político por Bismarck, o qual nada tinha de sentimento solidário, objetivando acalmar a parcela da sociedade que se via desprovida de proteção, sua importância alcançou uma dimensão inesperada, avançando tão rapidamente que passou a não ser mais suficiente para o fim a que se destinava.

1.3 DO SEGURO SOCIAL À SEGURIDADE SOCIAL

Da caridade à assistência privada, da assistência privada à assistência pública, do seguro privado ao seguro social e, atualmente, do seguro social à seguridade social, o sistema protetivo global mostra-se em sucessiva expansão.

Após a sedimentação do seguro social, de caráter eminentemente obrigatório e dirigido aos trabalhadores e seus dependentes, inaugurado pelo chanceler alemão Bismarck, ao redor do mundo foram se estruturando modelos de proteção social que procuraram reduzir a incidência dos riscos sociais previsíveis ou imprevisíveis, cada qual moldando-se às suas necessidades.

Aos poucos, os sistemas de proteção foram sendo ampliados.

Leite e Velloso destacam três fases de expansão da previdência social:

A primeira fase vai até 1918. A proteção abrangia apenas riscos físicos, estendendo-se àqueles cujo salário não ultrapassasse certo limite, variável de país para país e de categoria profissional para categoria profissional. Não havia assistência social ou serviços sociais, mas tão-somente benefícios em forma de prestação.

Na segunda fase, denominada de expansão geográfica pelos autores supramencionados, o início foi marcado pelo término da Primeira Grande Guerra, quando a previdência social mostrava-se em plena expansão nos países europeus, América Latina, Austrália, Nova Zelândia e também países asiáticos. O término dessa fase se deu com o Tratado de Versalhes, que abriu novas perspectivas às leis sociais.

Pierdoná retrata esse momento com muita propriedade, escrevendo:

No Tratado de Paz que se seguiu, em 1919, em Versalhes, houve o reconhecimento de que os problemas decorrentes da questão social deviam ter adequada e universal solução, o que já havia sido recomendado pelo Papa Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum, em 1891.16

(21)

1 2

A crise econômica e social criada pela Primeira Grande Guerra foi marcante nessa segunda fase. A cobertura expandia-se para além dos riscos físicos (trabalhadores urbanos e rurais), proporcionando cobertura também ao risco econômico (desemprego).

O ponto alto dessa fase foi a promulgação, em 14 de agosto de 1935, pelo então presidente Roosevelt, da lei norte-americana de seguridade social17, conhecida como Social Security Act. O termo ‘seguridade’ era utilizado como correspondente do termo inglês ‘security’18, do termo espanhol ‘seguridad’ ou ainda do termo francês ‘sécurité’.

Dupeyroux justifica o surgimento da Social Security Act em 1935 como sendo originada da crise econômica que assolou, em outubro de 1929, os Estados Unidos da América, causada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, que para ele assumiu dimensões catastróficas. Após a crise, segundo o autor, o então presidente Roosevelt verificou que não era mais possível negar o Estado intervencionista, diante do domínio social que se impunha na época. A pressão social impeliu ao Estado a responsabilizar-se pela proteção social. Assim responsabilizar-se posiciona o autor:

La crise qui débuta en octobre 1929 bouleversa profondément l´économie américaine: le chômage prit des proportions catastrophiques. Élu em 1932, le président Roosevelt decida de rompre avec le principe sacro-saint de la no-intervention de l´État dans le domaine économique et social: la doctrine du Welfare State succédait à celle de l´État-gendarme. Ce fut la politique dite du New Deal, dans le cadre de laquelles s´inscrivit notamment la loi du 16 de juin 1933 sur le redressement industriel (National Industrial Recovery Act) et la loi du 14 août 1935 sur la sécurité sociale, ou Social Security Act.19

Balera acentua que “é o bem-estar a marca registrada do Estado contemporâneo que passou a ser cognominado, acertadamente, Estado de bem-estar (Welfare State)”20.

Pastor ressalta que a denominação ‘seguridad social’ não pode ser confundida com os instrumentos de proteção até então existentes, pois indica um conteúdo próprio, diferente das medidas de proteção anteriormente utilizadas.

Em 1938, a Nova Zelândia cria um verdadeiro mecanismo de proteção social, considerado pioneiro na amplitude e na universalidade da cobertura e do atendimento aos necessitados. Propunha a eliminação radical da indigência e da mendicância de forma sistemática, abolindo por completo o estado de necessidade.

17 Embora a utilização do termo ‘seguridade social’ tenha tido significativa empregabilidade em 1935, Sussekind relata que Simon Bolivar, em 1819, já utilizara o termo ‘seguridad social’ (em Previdência Social brasileira, p. 43-4).

18 O Brasil adotou o termo ‘seguridade’, definida no artigo 194 da Constituição Federal de 1988. 19 Droit de la Sécurité Sociale, p. 245.

(22)

O Estado, então, partiu da premissa de que, protegendo o indivíduo, toda a coletividade estaria sendo protegida.

A terceira e última fase da proteção social inicia-se com Lord William Beveridge, em 1942, apresentando um verdadeiro plano de seguridade social, denominado Relatório Beveridge21, que serviu de base para a reforma do sistema inglês, ocorrida em 1946.

Segundo Leite e Velloso, esse terceiro e último período, no qual ainda nos encontramos, “se caracteriza pela progressiva passagem da previdência social para o que se convencionou chamar de seguridade social, ou pelo menos por uma nítida tendência para a seguridade social”22.

Na passagem da previdência social para a seguridade social, a idéia foi ampliar a cobertura dos riscos, incluindo benefícios e serviços, propiciando universalizá-la, atendendo a todos que dela necessitassem, independentemente de contribuição direta, transferindo ao Estado todo o ônus financeiro e toda a responsabilidade pela proteção.

A seguridade social, segundo Pastor, pode ser definida, de modo conciso, como: “todo indivíduo em situação de necessidade tem direito à proteção igualitária, que há de ser dispensada pelo Estado, com meios financeiros integrados aos impostos gerais”23.

Olea compartilha do mesmo ideário, ressaltando que a evolução da proteção social aponta como alvo último a cobertura universal, ou seja, ao alcance de todos os cidadãos residentes no país. O autor escreve: “Este trazo tendencial es primeiro y básico de la seguridad social: la universalidad personal de la cobertura, haciendo bueno el derecho de toda persona a la seguridad social”24.

Coimbra destaca que a seguridade social é a ‘nossa época’. Para o autor, “marcha-se para o estágio final, em que todos os cidadãos “marcha-serão, em suas necessidades, amparados por serviços estatais sejam quais forem sua profissão e sua condição social, tanto bastando que se vejam, efetivamente, ante uma necessidade”25.

21 Armando de Oliveira Assis escreve que o relatório de Beveridge propunha fundamentalmente duas medidas: a unificação dos vários regimes existentes e a sua extensão a toda a população (Compêndio de Seguro Social, p. 61).

22 Previdência social, p. 38.

23 “Todo individuo em situación de necesidad tiene derecho a protección igualitária, que le há de ser dispensada por el Estado, con médios financieros integrados en sus presupuestos generales” (PASTOR, Almansa. Derecho de la Seguridad Social, p. 61).

(23)

1 4

Derzi26assim aborda os princípios característicos de um sistema de seguridade social:

A universalidade subjetiva e objetiva – que pretende a extensão da Seguridade Social à totalidade da população, com vistas a proteger os desequilíbrios causados entre a necessidade e os meios de combatê-la;

a unidade de gestão – tendo o Estado como elemento essencial garantidor dos meios de vida, o qual, até então, figurava em regimes diferentes. Dentro desta, a unidade essencial dos serviços sanitários preventivos e curativos;

a igualdade protetora – concessão de benefícios iguais para idêntica situação de necessidade, sem atender à causa produtora, nem exigir a relação prévia de contribuição;

a solidariedade financeira – os meios financeiros devem proceder da contribuição de toda a sociedade, segundo sua capacidade econômica, e o regime de financiamento deve ser o de repartição, com base no pacto de solidariedade entre as gerações.27

Para o autor italiano Mazzoni, não há como definir juridicamente seguridade social num único sistema, pois isso levaria a excluí-lo de outros que também visem o atendimento das necessidades do ser humano. Para ele, a seguridade social nada mais é do que um dos aspectos do Estado social, em que a base de sustentação é a solidariedade social como forma de redistribuição de renda.

Dessa forma, o autor conclui que “a seguridade social é um princípio ético-social não redutível a um sistema com exclusão de outros: existem, com efeito, outros sistemas de seguridade social, mas o escopo mínimo da seguridade social é a libertação do homem da indigência e da miséria”28.

Atualmente encontramo-nos nesse estágio, em constante construção, na busca do ideário da justiça e do bem-estar universais.

26 Compartilham do mesmo entendimento acerca dos princípios que regem a seguridade social: Pastor, na obra Derecho de la Seguridad Social (p. 60), e Venturi, na obra Los fundamentos científicos de la Seguridad Social (p. 287-8).

27 Os beneficiários da pensão por morte, p. 79.

(24)

CAPÍTULO II

A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE

PROTEÇÃO SOCIAL

2.1 DANO, RISCO E NECESSIDADE – CONCEITOS DISTINTOS

Desde os primórdios de sua existência, o homem sempre buscou uma maneira de se proteger da incerteza e da insegurança que o intranqüilizava diante das vicissitudes (ou seriam riscos?29) da vida.

A doença, a invalidez, a velhice ou mesmo a morte sempre provocaram medo e hesitação, levando o homem a evitá-los, quando possível, ou remediar seus efeitos maléficos.

Diante desses fatos da vida, previsíveis ou imprevisíveis, era preciso criar mecanismos de proteção, com o intuito de proporcionar ao indivíduo maior tranqüilidade e segurança, com duplo sentido: proteger o trabalhador que precisava manter-se em sua atividade para custear sua subsistência e a de sua família; e proteger o inválido, doente ou idoso que, atingido pelo infortúnio, estaria impossibilitado de continuar trabalhando.

(25)

1 6

Coimbra, de forma muito adequada, conseguiu resumir numa única frase a importância de fixar conceitos para caracterizar os termos utilizados para a proteção social, quais sejam: dano, necessidade, risco, sinistro, cada qual com sua definição.

Sempre houve a consciência de riscos, de cuja verificação (os sinistros) adviriam, provavelmente, os danos, a que cumpria dar reparação. Mas o que se perseguia era que, sofrido o dano, a necessidade não viesse a imperar na vida do cidadão, reduzindo-o à miséria. Esses aspectreduzindo-os (riscreduzindo-o, sinistrreduzindo-o, danreduzindo-o, reparaçãreduzindo-o, necessidade) influíram na elaboração das leis de proteção social, recebendo aqui e acolá a influência de instituições jurídicas pertinentes a outros ramos do direito.30

Retomando mais uma vez a história da evolução social protetiva, verificamos que na assistência particular, motivada pelo sentimento caritativo, a ajuda aos mendigos objetivava tirá-los da fome e da miséria, na medida em que, sozinhos, não sairiam do estado de mendicância. A Igreja era, na maioria das vezes, a guardiã e gestora desses movimentos beneméritos para tornar efetiva a solidariedade aos pobres.

Cabe ressaltar que a solidariedade também acontecia no âmbito familiar: os membros da família ajudavam-se mutuamente, estando implícito o fornecimento de alimentos entre eles. Esse modelo de proteção surgiu em época remota, havendo menção a ele no Código de Hammurabi (escrito em cerca de 1870 a.C.). Era a chamada solidariedade familiar31.

A essa solidariedade familiar Pastor chamou de “comunidad sanguínea conlleva unos lazos morales de afecto solidário e unas funciones de desarrollo espiritual”32.

Não se falava em dano, risco, mas tão-somente em necessidade, objetivando que o indivíduo saísse do estado de marginalização em que se encontrava.

Os meios protetivos oferecidos pela assistência privada, ainda que familiar, não se mostravam suficientes para proteger o indivíduo da indigência.

Com a assistência pública, a proteção expandiu seu campo de aplicação. Como exemplo, a Lei dos Pobres, de 1601, previa não só a assistência aos idosos e inválidos, mas também o ensino de um ofício aos jovens e às mulheres, mostrando-lhes sua importância para atingir a independência econômica, alcançar o próprio sustento com o trabalho. Apesar de existirem o risco e a necessidade, os dois conceitos ainda estavam sendo germinados.

30 Id. ibid., p. 31-2.

(26)

Nesse momento histórico, a proteção deixa de ser individual e torna-se coletiva, com mecanismos jurídicos que visavam garantir meios suficientes para atender às necessidades vitais do indivíduo, daí o termo necessidade social. Não que ela não existisse anteriormente, mas a partir daí o Estado assumiria os meios para que essa proteção assistencial se tornasse mais abrangente e eficaz.

Pastor, ao tratar o conceito de necessidade social, faz as seguintes considerações:

Quanto ao termo ‘necessidade’, o autor entende que, apesar de ser comum e impreciso, poderia ser definido como carência ou escassez de um bem, unido à vontade de satisfazê-la. A carência seria uma necessidade ‘negativa’, ou seja, visaria a busca de um bem material ou imaterial que contribuiria para o desenvolvimento da personalidade humana, enquanto a necessidade ‘positiva’ significaria a satisfação da vontade de superar essa carência ou escassez com a provisão de bens, de acordo com o autor.

Quanto ao termo ‘social’, ele significaria tanto a proteção do indivíduo como membro da sociedade como também a totalidade ou parte da coletividade social.

2.2 AS EXPRESSÕES DE PROTEÇÃO SOCIAL ORIGINADAS DO SEGURO PRIVADO

O seguro privado tinha como escopo reparar o dano causado pela efetiva ocorrência do risco, com o pagamento de uma indenização. Para fazer jus à reparação, era imprescindível o pagamento de um prêmio ou contribuição que garantisse o lastro financeiro do seguro.

O professor Orlando Gomes assim se expressa acerca da noção de seguro:

A noção de seguro pressupõe a de risco, isto é, o fato de estar o indivíduo exposto à eventualidade de um dano à sua pessoa, ou ao seu patrimônio, motivado pelo acaso... Quando o evento que produz o dano é infeliz, chama-se sinistro.33 (grifos nossos)

Diante da inexistência de termos que expressassem os meios de proteção que vinham sendo modelados ao longo da história, o direito civil (mais precisamente, o direito comercial) foi o ramo que aplicou no seguro social aqueles utilizados no seguro privado. E não só os termos, como dano, risco, seguro, segurado, sinistro, necessidade, mas também as técnicas e o modelo de um foram transferidos ao outro.

(27)

1 8

O dano pode ser definido como aquele que se pretende reparar pela ocorrência do sinistro e que cause a necessidade de reparação, ocasionando um “desequilíbrio desfavorável ao segurado, passível de indenização”34.

Dano, portanto, nas palavras da professora Heloiza Hernandez Derzi, seria a “conseqüência da perda, destruição ou inutilização de um bem pertencente ao patrimônio do segurado ou, igualmente, a perda de um benefício esperado”35.

O perigo que nos ameaça e nos leva a procurar a proteção do seguro é um perigo em potencial e, portanto, futuro e incerto. Este perigo em potencial, no seguro, recebe o nome de ‘risco’36.

Sinistro, por sua vez, é a realização do risco. Ocorrido o sinistro, a indenização deverá se concretizar.

No entanto, não haverá indenização (termo utilizado pelo seguro privado que significa reparar o segurado pelo dano sofrido para que retorne ao seu status quo ante) se o dano não causar a perda da estabilidade, se não houver um prejuízo ao segurado.

Deve-se salientar, entretanto, que mesmo existindo sinistro, para que ocorra a proteção é preciso um dano, uma necessidade de proteção. Só haverá o direito à proteção social diante da ocorrência de um dano, de um prejuízo, a ser coberto, caso haja o pagamento de uma contribuição chamada ‘prêmio’, o qual reparará o dano ao segurado por uma ‘indenização’ pecuniária.

Importante contribuição nos traz Borrajo da Cruz37. O autor entende que seria mais correto, na ciência jurídica do seguro, utilizar o termo ‘necessidade’ no lugar de ‘dano’, pois o primeiro definiria melhor a idéia de seguro, de necessidade econômica que o seguro objetivaria assegurar.

No contrato de seguro, o evento, que deve ser futuro e incerto, deve necessariamente independer da vontade do segurado para que se constitua efetivamente o direito à indenização. É a chamada álea, imprescindível para caracterizar o direito ao bem assegurado.

O modelo de proteção social de Bismarck utilizou as mesmas técnicas do contrato de seguro originadas no direito civil.

34 Os beneficiários da pensão por morte, p. 48. 35 Id, ibid., p. 48.

(28)

2.3 CONCEITO DE RISCO SOCIAL

Do termo ‘risco’, usado no direito civil, precisamente no contrato de seguro, para designar evento futuro e incerto, convencionou-se usar a expressão ‘riscos sociais’ para nomear os danos causados ao conjunto familiar do trabalhador atingido pelo infortúnio da doença, da invalidez, da velhice ou da morte e que, em conseqüência, causassem necessidade ao segurado ou à sua família.

Nesse sentido, assim se expressa Assis:

Risco social, conforme pretendemos modelar, é o perigo, é a ameaça a que fica exposta a coletividade diante da possibilidade de qualquer de seus membros, por esta ou aquela ocorrência, ficar privado dos meios essenciais à vida, transformando-se, destarte, num nódulo de infecção no organismo social que cumpre extirpar.38

O risco social é, portanto, inerente ao ser humano, é um fenômeno intrínseco que ataca o sujeito e, atingindo-o em sua individualidade, atacará, por conseguinte, toda a coletividade.

Para Neves, os riscos sociais “são acontecimentos danosos fundamentalmente exteriores às pessoas (doença, desemprego, velhice, incapacidade laboral e morte etc.), ocorrências naturais ou sociais que as atingem, as agridem, de fora para dentro, na sua estabilidade econômica e social”39.

A necessidade de proteção ao indivíduo torna-se social porque incide direta e indiretamente na sociedade em seu todo.

Para cada modalidade de proteção que se expandia, ampliava-se junto com ela a busca pela libertação das preocupações e inquietudes que vinham assolando a sociedade desde os seus primórdios.

A previdência social surge como forma de buscar a proteção ao trabalhador atingido pela contingência ou pelo risco social.

O trabalhador foi o alvo inicial da cobertura social. Se por algum motivo adoecesse e ficasse incapacitado para o trabalho, provisória ou permanentemente, teria o ‘defeito de ingresso’, como descreve Pastor40, ou seja, o risco o impediria de receber o salário oriundo do trabalho exercido para suprir-lhe os meios necessários à subsistência. É nesse momento que a previdência social surge: para proteger o

38 Em busca de uma concepção moderna de risco social, p. 161. 39 Direito da Segurança Social, p. 27.

(29)

2 0

trabalhador enquanto perdurasse sua incapacidade para o labor, ou mesmo quando essa incapacidade ocorresse indefinidamente, diante da efetivação do risco social.

Com a emergência do seguro social, pela lei bismarckiana, surge também a expressão que se busca conceituar: ‘risco social’.

Para Durand41, o conceito de risco social tem dois momentos históricos distintos: no primeiro momento, iniciou-se precisamente com a cobertura ao trabalhador que tivesse cessado de trabalhar, temporária ou definitivamente; o segundo momento seria aquele que se percebe pela passagem do seguro social para a seguridade social, sem isolar o risco, mas considerando-o no todo, bastando haver insegurança na vida social do homem para se buscar a cobertura.

Dacruz42diverge desse entendimento (e com ele compartilhamos), considerando que o seguro social deve ter como objeto de cobertura tão-somente aqueles riscos sociais que afetam a vida profissional do trabalhador ou a sua família, e que as demais medidas de segurança devem ser consideradas serviços sociais dispostos pela seguridade social para proteger aqueles que não estejam protegidos pelos seguros sociais, ampliando, nesse sentido, o rol de sujeitos protegidos, como se verá mais adiante, ao conceituarmos seguridade social.

Para Pastor43, o risco, seguindo a doutrina tradicional do seguro social, seria a possibilidade de um acontecimento futuro, incerto e involuntário que produza um dano econômico ao segurado. Diante da possibilidade de ocorrência desse risco, faz-se necessária a previdência social.

Assis, como já mencionamos, define risco social como o risco de o trabalhador, isto é, uma pessoa economicamente fraca, perder o seu salário, ou melhor, ver-se impossibilitada de ganhá-lo em razão de eventualidades que são inerentes à vida do homem.

O risco encontra-se no mundo fenomênico, no mundo hipotético, na previsão de que algo pode acontecer, só não se sabe se ou quando irá ocorrer. O sinistro, por sua vez, é o fato da vida concretizado em determinado lugar e revestido de sua própria individualidade. Aponta para o mundo do conseqüente, para o ser que foi objetivado com a ocorrência do risco.

(30)

De acordo com Balera:

A previdência social é, antes de tudo, uma técnica de proteção que depende da articulação entre o Poder Público e os demais atores sociais. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e mediante o qual se intenta reduzir ao mínimo os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez, acidentes no trabalho e desemprego.44

Cada autor estudado (Durand45, Dacruz46, Venturini47, Pastor48, Sussekind49, Oliveira, classifica diferentemente o campo de aplicação do risco social que a previdência busca assegurar.

A classificação de Oliveira50 é a mais abrangente e também a que mais se adequa ao campo de aplicação do risco social adotado pelo Brasil a partir da Constituição Federal de 198851:

I – de origem PATOLÓGICA:

a) doença

1 – comum

2 – resultante de acidente do trabalho ou doença profissional

b) invalidez

1 – comum

2 – resultante de acidente do trabalho ou doença profissional

II – de origem BIOLÓGICA:

a) maternidade

b) velhice

c) morte

1 – natural

44 Noções preliminares de Direito Previdenciário, p. 49. 45 La política contemporánea de Seguridad Social, p. 57-8. 46 Estudios jurídicos de prevision social, p. 145-6.

47 Los fundamentos científicos de la Seguridad Social, p. 133. 48 Derecho de la Seguridad Social, p. 54-5.

49 Previdência Social brasileira, p. 34.

50 Previdência Social, p. 94-5. Adota também essa classificação: DERZI, Heloiza H. Os beneficiários da pensão por morte, p. 66-7. 51 O artigo 201 da Constituição Federal de 1988 elenca o ‘cardápio’ de riscos sociais abrangidos pela previdência social

(31)

2 2

1.1 – comum

1.2 – resultante de doença profissional

2 – violenta

2.1 – comum

2.2 – por acidente do trabalho

III – de origem ECONÔMICO-SOCIAL:

a) desemprego

b) encargos familiares

c) prisão

2.4 DO RISCO SOCIAL PARA O CONCEITO DE NECESSIDADE

Crises sociais e econômicas ocorridas nos primórdios do século XX levaram o Estado a repensar o modelo de proteção social que vinha sendo utilizado.

Assegurar apenas o trabalhador não se mostrava suficiente.

As barbáries perpetradas nas grandes guerras motivaram o Estado a tomar medidas drásticas, que ampliassem o rol de sujeitos protegidos, com a finalidade de resolver o enorme problema social e econômico que assolava a população em todo o mundo, principalmente na Europa, berço das guerras.

Percebeu-se que havia muito mais do que risco social, e que não se poderia proteger apenas o trabalhador. O sistema de seguro social mostrava-se muito aquém das necessidades sociais que se impunham. É nesse cenário, para a cobertura desses eventos futuros e incertos que atingem não só o indivíduo, mas toda a coletividade, que a seguridade social surge, com o objetivo de garantir ao cidadão um padrão mínimo de subsistência, capaz de retirá-lo de um estado momentâneo ou definitivo de necessidade.

(32)

Há o entendimento de que a época atual representa o estágio final, e a essa fase foi dado o nome de seguridade social. A cobertura vai acontecendo gradativamente, na medida em que cada povo se torna apto a custear essas medidas de amparo.

A seguridade social nasceu com o escopo de garantir o bem-estar não só material, mas também moral e espiritual, de todos os indivíduos, abolindo todo o estado de necessidade social em que se encontram.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução 217A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, da qual o Brasil é signatário, foi o marco em que se redefiniu o status do indivíduo como verdadeiro sujeito de direito.

Nas palavras de Bobbio, essa fase atual de proteção universal e de reconhecimento dos direitos do homem como ser humano é a proclamação dos direitos sociais, que “expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores –, como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado”52.

Para que haja uma proteção universal, faz-se necessária a solidariedade social, que só será completa quando todos os indivíduos tiverem garantido um padrão mínimo de bem-estar. Ainda que tenhamos consciência de que nem todos precisarão de proteção, cada indivíduo deve ter garantida sua quota de proteção em caso de ocorrência de necessidade.

Toda a sociedade deve se movimentar para dar à seguridade social toda a amplitude para a qual foi criada. Como contrapartida, todos estarão protegidos.

Para a proteção dos riscos sociais, existe a previdência social. Para a proteção das necessidades, existem os serviços de assistência social e saúde. A preocupação não é só proteger o trabalhador que foi atingido pela contingência, mas também prevenir ou tratar o indivíduo, garantindo-lhe o pleno desenvolvimento da sua personalidade.

Proteger o cidadão dos riscos sociais é necessário, imprescindível, não só para dar-lhe uma forma digna de tratamento como ser humano, diante da necessidade iminente, mas, sobretudo, para buscar o bem-estar universal, que é o ideário da Ordem Social, para o qual deve voltar-se toda a sociedade.

(33)

2 4

Derzi assegura:

No momento em que se constitucionalizam regras conhecedoras das necessidades sociais, como verdadeiro acervo histórico, moral, jurídico e cultural de um povo, conquistado ao longo dos embates ideológicos através dos séculos, esse Estado não apenas se torna guardião dos direitos sociais como assume o dever de agir no sentido de viabilizar os meios idôneos de superá-las.53

Para que essas necessidades sociais sejam normatizadas e delimitadas, o Estado reveste-se de Estado social, propondo mecanismos de aplicação efetiva da proteção, ampliando o rol de sujeitos protegidos, disponibilizando a estes o maior número de benefícios e serviços, para que superem seu estado de necessidade e alcancem o almejado bem-estar.

A chave para que esse estado de bem-estar e de justiça social chegue ao ápice é respeitar o homem como ser humano, dotado de dignidade que lhe é intrínseca, e valorizar o trabalho como seu bem maior e o único meio a lhe assegurar o desenvolvimento pessoal, para que possa se libertar de todo e qualquer estado de necessidade.

Tomando como paradigma Oliveira54que, com muita propriedade, resumiu, num único quadro, a evolução dos riscos sociais aos eventos geradores de ‘necessidades vitais’, sedimentando a cobertura da seguridade social não só no fornecimento de prestações, elaboramos novo quadro em conformidade com os benefícios e serviços dispostos atualmente pela seguridade social, como se vê na página seguinte.

(34)

EVENTO

MATERNIDADE, PARTO OU ABORTO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

INCAPACIDADE PARA O TRABALHO

INVALIDEZ

VELHICE

MORTE

ACIDENTE DO TRABALHO

ACIDENTE DE QUALQUER NATUREZA OU CAUSA

DESEMPREGO

NASCIMENTO DO FILHO OU FILHO INVÁLIDO

RECLUSÃO

DEFICIÊNCIA

NECESSIDADE VITAL

Necessidade de assistência médica Necessidade de cuidados com o filho Aumento de despesa

Perda temporária da capacidade de ganho

Perda temporária da capacidade de ganho

Tratamento médico

Reeducação ou readaptação profissional

Perda definitiva da capacidade de ganho Tratamento médico

Reeducação ou readaptação profissional

Redução da capacidade de ganho pela sobrevivência acima de uma idade prescrita

Perda definitiva dos meios de subsistência, pela morte do segurado instituidor

Acréscimo de despesas com funeral

Necessidades vitais, conforme o evento; doença, invalidez ou morte

Necessidades vitais em razão de perda parcial da capacidade de trabalho

Perda temporária dos meios de subsistência pela impossibilidade de obtenção de emprego adequado

Acréscimo de despesas com a manutenção e educação do filho

Perda temporária dos meios de subsistência pela reclusão do segurado instituidor

Incapacidade de meios de subsistência ou de tê-la provida pela família

PRESTAÇÃO DE SEGURIDADE

Serviços médicos (saúde) Serviço social

Salário-maternidade (Previdência Social)

Auxílio-doença (Previdência Social) Serviços médicos (saúde)

Reabilitação profissional Serviço social

Aposentadoria por invalidez (Previdência Social)

Serviços médicos (saúde) Reabilitação profissional Serviço social

Aposentadoria por idade Serviços sociais

Assistência social (Lei nº 8.742/93) Serviços médicos (saúde)

Pensão por morte (Previdência Social) Serviços sociais

Serviços médicos (saúde)

Prestações acidentárias (auxílio-acidente; auxílio-doença acidentário;

aposentadoria por invalidez acidentária) Reabilitação profissional

Serviço social

Serviços médicos (saúde)

Auxílio-acidente (causas exógenas ao trabalho)

Reabilitação profissional Serviços médicos (saúde) Serviços sociais Seguro-desemprego Serviços sociais Serviços médicos (saúde)

Acréscimo de despesas com a manutenção e educação do filho Salário-família

Serviços sociais (assistência social) Serviços médicos (saúde) Auxílio-reclusão Serviços sociais Serviços médicos (saúde)

Assistência social (Lei nº 8.742/93) Serviços médico-sociais

(35)

PARTE II

Capítulo III

Uma incursão pela ‘velhice’

Capítulo IV

(36)

CAPÍTULO III

UMA INCURSÃO PELA ‘VELHICE’

3.1 A VELHICE SOB UM OLHAR OTIMISTA

Simone de Beauvoir55, em sua clássica obra sobre a velhice, apresenta um estudo bastante aprofundado do tema, buscando dados na filosofia, na sociologia, na gerontologia e na antropologia.

Em épocas bastante remotas, o tratamento reservado aos velhos era diferenciado conforme as civilizações e suas diferentes culturas. A autora conta que, “em certos recantos do Japão, as aldeias eram tão miseráveis que, para poderem sobreviver, se viam obrigadas a sacrificar os velhos”.

Diferentemente, em outras comunidades, Beauvoir56relata que os membros mais respeitados eram os “homens de cabelos grisalhos”. Para essas culturas57, os velhos recebiam alimentos como dádivas por seu conhecimento nas cerimônias sagradas e também por suas atividades, sapiência, rituais e cantos.

Felizmente, esse estereótipo da velhice veio modificando-se ao longo dos anos, sobretudo neste último século. Modificou-se o estigma do envelhecimento como um processo degradante e desprezível. Hodiernamente, os estudos sobre a senilidade têm

55 A velhice. A realidade incômoda, p. 60. 56 Id. ibid., p. 70.

(37)

2 8

ocupado espaços cada vez mais amplos na medicina, na antropologia, na biologia e na sociedade de forma geral, disponibilizando dados surpreendentes sobre a ‘terceira idade’.

Como descreve Comfort, “a bem da verdade, há animadores indícios de que o odioso estereótipo da velhice, pelo menos em sua forma mais perversa, já está fora de moda”58.

Não existe um momento preciso para iniciar-se a velhice. O envelhecimento é um acontecimento individual, pessoal, intransferível. Depende particularmente de cada ser humano, da maneira como cada organismo reage à passagem do tempo.

O ciclo de vida é delineado por cinco estágios bem definidos: nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento e morte.

Braga entende que o envelhecimento “deve ser considerado um processo tipicamente individual, existencial e subjetivo, cujas conseqüências ocorrem de forma diversa em cada sujeito. Cada indivíduo tem um tempo próprio para se sentir velho”59.

Para Silva, o “envelhecimento é concebido como um direito personalíssimo e sua proteção, um direito social”. Assim, afirma o autor, “se o envelhecimento é um direito, só pode ser personalíssimo, sem a necessidade de dizê-lo, pois essa é uma característica de todo o direito individual, intransferível e inalienável”60.

Deve-se considerar vários aspectos para definir a velhice. Bobbio61 sugeriu três perspectivas sob as quais ela pode ser definida: a cronológica ou censitária, a burocrática e a psicológica ou subjetiva.

Sob a perspectiva cronológica, a velhice seria determinada simplesmente pelo fator etário, que qualifica o indivíduo como idoso independentemente de suas características pessoais.

Todas as idades têm estágios, e cada um sofre variações no tempo e no espaço. A fase idosa, cronologicamente falando, inicia-se a partir de determinada idade, considerada pelos estudiosos avançada, podendo ser denominada também de fase pós-adulta62.

58 A boa idade, p. 25. 59 Direitos do idoso, p. 41.

60 Comentário contextual à Constituição, p. 862.

61 O tempo da memória – De senectude e outros escritos autobiográficos, p. 17.

(38)

Os avanços no tema do envelhecimento são tantos que já vem sendo aceita a quarta idade, iniciada, segundo os especialistas, após os 80 anos63.

O aspecto burocrático, assim denominado por Bobbio64, seria aquele que imporia a criação de direitos ao idoso, tais como prestações de cunho previdenciário ou assistencial: “Hoje um sexagenário está velho apenas no sentido burocrático, porque chegou à idade em que geralmente tem direito a uma pensão”.

Os aspectos cronológicos ou censitários e burocráticos definidos pelo autor se conjugam, na medida em que as políticas públicas de proteção ao idoso iniciam-se inexoravelmente a partir de determinada faixa etária, indicada nas legislações que disponibilizam benefícios e serviços a esses indivíduos.

Um último aspecto descrito pelo filósofo seria a velhice psicológica, ou subjetiva, em que a individualidade é o cerne para indicar a chegada da senectude. Nessa perspectiva, levam-se em conta as condições físicas, econômicas e sociais do indivíduo, que influenciam categoricamente a precocidade ou o retardamento da velhice.

Bobbio, aos 87 anos, autodescrevendo-se, exemplifica a velhice sob o aspecto psicológico:

Biologicamente, considero que minha velhice começou no limiar dos 80 anos. No entanto, psicologicamente, sempre me considerei um pouco velho, mesmo quando jovem. Fui velho quando era jovem e quando velho ainda me considerava jovem até poucos anos. Agora penso ser mesmo um velho-velho.65

Beauvoir66menciona um estudo realizado em Marselha, no ano de 1969, pelo professor Desanti, abrangendo 17 mil segurados sociais, demonstrando que o envelhecimento ocorre de maneira diferente, conforme a atividade profissional. A pesquisa sugeriu uma classificação em ordem decrescente de desgaste:

• professores de ensino primário, secundário e técnico;

• quadros superiores;

• quadros médios;

• agentes paramédicos e sociais;

63 Bobbio relata que o octogenário era considerado um velho decrépito, de quem não valia a pena se ocupar, enquanto, atualmente, ocorre o contrário. A velhice fisiológica começa quando a pessoa se aproxima dos 80 anos, que o autor considera a idade média da vida (op. cit., p. 17).

64 Ib. ibid, p. 17. 65 Ib. ibid, p. 18.

(39)

3 0

• funcionários de escritórios e municipais;

• motoristas, representantes de produtos, desempregados;

• patrões;

• serviçais;

• contramestres, operários qualificados, operários especializados;

• serventes.

Observa-se, pela classificação, que, quanto maior é a capacitação intelectual do indivíduo, mais demorada é a chegada do envelhecimento, enquanto os trabalhadores menos instruídos, cujo trabalho exige maior esforço físico, tendem a envelhecer mais rapidamente.

O avanço da medicina teve papel de suma importância no modus vivendi do idoso. Muitas pesquisas no âmbito do envelhecimento têm sido realizadas, sugerindo medidas preventivas, em busca de retardar a velhice e para que esta se torne mais saudável e digna.

Nas palavras de Comfort: “A verdade é clara como a água. A ‘velhice’ equivale à vivência de um determinado número de anos: isso é tudo”67.

Apesar de tantos estudos sobre o envelhecimento, muitos mistérios ainda não foram desvendados.

Gonçalves68sugere uma definição poética da velhice, entendendo que se trata de “uma ilustre, indesejada, mas onipresente, sombra que paira sobre o ser humano; de todos conhecida e ao mesmo tempo desconhecida, misteriosa e temida”69.

Embora os estudiosos ainda não tenham encontrando a chave desse enigma que é o envelhecimento, o tempo não espera. Envelhecemos a cada dia, a cada hora, a cada minuto. Entretanto, os avanços em diversas áreas, seja na tecnologia, seja no âmbito social, seja na medicina, têm permitido que esse processo, ineludível, torne-se mais brando, mais feliz.

Nas palavras do papa João Paulo II, na Carta aos participantes da II Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, ocorrida em Madri em 2002:

67 A boa idade, p. 13.

68 Leocádio Celso Gonçalves é médico psiquiatra e psicanalista e escreveu um livro intitulado Desenvelhecimento – Um vôo panorâmico sobre a questão do envelhecer!

Imagem

Tabela 1  – Percentagem de declínio das taxas de fertilidade total para uma seleção de países, 1965 a 1982
Tabela 2  – Taxa de fecundidade
Gráfico 1  – BRASIL: Evolução da população de 80 anos ou mais de idade por sexo – Brasil: 1980/2050

Referências

Documentos relacionados

Analisou-se inclusive a utilização de abordagens de desenvolvimento de software e verificou-se que o TDD é a abordagem mais utilizada (33% dos respondentes) e que, ainda,

“Sendo assim, entendemos que incluir a Educação Física não é somente adaptar essa disciplina escolar para que com NEE’S possa participar da aula, mas é adotar

Unidade: 23001820 - AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL CEAP APOSENTADORIA POR IDADE 1691048568 - Aposentadoria por Idade Urbana (Tarefa principal).

O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em

Cultura e desenvolvimento psíquico Embora Vigotski 1995 compreenda o desenvolvimento infantil como uma unidade entre as linhas de desenvolvimento biológico e cultural, a

As formas de aposentadoria previstas pelo Regime Geral da Previdência Social são: aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de

Aposentadoria por idade rural.. Em primeira análise, é fundamental estabelecer que será considerado trabalhador rural o segurado empregado com vínculo, o segurado

Que esteja vinculado ao regime geral de previdência social até a data de promulgação da lei, tenha idade igual ou superior a 50 anos, se homem, e 45 anos, se mulher,