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v. 10 (2011): EM TEMPO | Revista Em Tempo

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Promotor de Justiça aposentado. Graduado em Direito no ano de 1976, pela Faculdade de Direito de Franca, SP. Mestre em Direito pela UNESP - Universidade Estadual Paulista, Campus de

Franca, SP, cujo tema da dissertação foi: Direito Autoral na Obra Psicografada, sob a orientação do Professor Doutor Christiano José de Andrade. Foi Pró-Reitor Acadêmico e Vice-Reitor do UNIVEM - Centro Universitário Eurípides de Marília. Expositor, articulista e escritor, autor dos livros

“Pena de morte e crimes hediondos à luz do Espiritismo”, “Aborto à luz do Espiritismo”, “Que é Deus?” e “Direito autoral na obra psicografada”. E-mail: eliseu@univem.edu.br

Eliseu Mota Júnior1

RESUMO

Pesquisa sobre a titularidade do direito autoral na obra psicografada. Análise das obras psicografadas no Exterior e no Brasil, bem como da ação declaratória proposta pelos sucessores do escritor Humberto de Campos em face do médium Francisco Cândido Xavier e da Federação Espírita Brasileira. Entende lacunosa a legislação do direito autoral quanto à autoria da obra psicografada. Opina pelo emprego dos recursos materiais em obras assistenciais e no fomento à pesquisa científica da fenomenologia mediúnica. PALAVRAS-CHAVE

1. Direito autoral; 2. Obra psicografada; 3. Espiritismo; 4. Mediunidade. ABSTRACT

It researches on the claim on the copyright in the psychographic work. It analyses psychographic works both in Brazil and abroad, including the process proposed by the successors writer Humberto de Campos in face of the spiritualistic medium Francisco Cândido Xavier and of the Brazilian Spiritualistic Federation. It estimates for the em-ployment of the material resources in charity deeds and in the fomentation to the scientific research on the study of the mediumistic phenomenon.

KEY WORDS

1. Copyright; 2. psychographic work; 3. Spiritualism; 4. Mediumistic phenomenon.

COPYRIGHT ON WORKS OF PSYCHOGRAPHY

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INTRODUÇÃO

Este trabalho não tem a pretensão de demonstrar que a mediunidade existe e que as obras mediúnicas – sejam elas livros, pinturas, músicas e outras – foram real-mente produzidas por Espíritos através de médiuns, mas partiu da premissa comprovada de que, abstração feita da crença na existência de Espíritos e de sua manifestação no mundo corpóreo, existe uma vastíssima produção mediúnica, de natureza literária e artística, que está circulando no âmbito nacional e internacional, sem que o direito positi-vo, a doutrina e a jurisprudência tenham enfrentado a questão com maior profundidade.

O título da pesquisa – Direito autoral na obra psicografada ­– comporta duas explicações prévias. A primeira é a que demonstra desde logo a delimitação da matéria, que estará restrita à obra mediúnica literária, porquanto não seria possível pesquisar todas as obras artísticas, as quais demandariam conhecimentos específi-cos de áreas complexas e profundas, que absolutamente não possuímos, como por exemplo na psicopictografia e na psiqueuterpia, que se referem respectivamente a

pinturas e músicas mediúnicas atribuídas a Espíritos através de médiuns.

A segunda tem a ver com a terminologia escolhida: por que Direito autoral e não Direitos autorais ou Direito de autor? A resposta é muito simples, pois embora

Direitos autorais seja de fato mais conhecida entre os leigos, é uma expressão

polis-sêmica, porque carrega consigo o estigma da ambiguidade decorrente da confusão que provoca com a contrapartida econômica da obra artística e literária, quando é sabido que o direito autoral não fica resumido unicamente a esse aspecto patrimonial. Por seu turno, na Europa realmente Direito de autor é o nome preferido tanto pela doutrina quanto pela lei, sendo certo que muitos especialistas pátrios também o adota-ram. Todavia, não vislumbrando nenhum prejuízo teórico ou prático, resolvemos ficar com a tradição brasileira, remontando a Tobias Barrete, que em 1882 escreveu o célebre trabalho O que se deve entender por direito autoral.

No que tange especificamente à psicografia, a polêmica é generalizada e começa pela própria autenticidade do fenômeno, para o qual a doutrina espírita tem a sua teoria, sendo que algumas comunicações ditas mediúnicas guardavam tamanha verossimilhança que foram apreciadas em juízo como elemento de prova, mas é certo que existem dezenas de outras explicações para a chamada escrita automática, entre elas o plágio, a fraude, o animismo, o pasticho, a metapsíquica subjetiva ou criptestesia, a consciência subliminal do sujeito ou o resultado de surtos psicóticos.

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e em diversos países inúmeros médiuns vêm psicografando milhares de obras literári-as cuja autoria é atribuída a Espíritos que foram escritores famosos, poetliterári-as talentosos ou pessoas comuns. Diante disso, há quem sustente que na obra psicografada a titu-laridade do direito autoral é exclusiva do médium, porque, mesmo admitindo-se a existência do Espírito e a sua intervenção no mundo corpóreo, ele não mais poderia ser sujeito de direitos e obrigações perante a lei humana, em face do apotegma mors

omnia solvit, consagrado pelo Código Civil Brasileiro, ao dispor claramente que a existência da pessoa natural termina com a morte.

Entretanto, outros entendem que tal direito pertence aos sucessores do Espí-rito a quem é atribuída a autoria da obra dita psicografada. Com efeito, sobredito dispositivo legal não impediu que a viúva do grande escritor Humberto de Campos, no ano de 1944, aforasse uma ação declaratória em face da Federação Espírita Brasilei-ra e do médium FBrasilei-rancisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier, que foi distribuída à 8a Vara Cível da comarca do Rio de Janeiro, transformando-se em um

rumoroso processo conhecido como “caso Humberto de Campos”.

Sabe-se que o direito autoral, como ramo jurídico autônomo, é conquista re-cente, porquanto no passado a criação intelectual não estava inserida na tríade clássi-ca dos direitos reais, pessoais ou patrimoniais, sendo que alguns autores praticlássi-camente davam suas obras para os editores e intérpretes, os quais colhiam todos os frutos da publicidade, ficando para os criadores apenas a compensação simbólica da fama de-corrente da ligação do seu nome à autoria do trabalho, o que justifica o pequeno histórico feito sobre a evolução do direito autoral.

Quanto à obra literária psicografada, não há na Convenção de Berna e nem nas leis internas de vários países da Europa e da América nenhuma referência, explí-cita ou implíexplí-cita, a essa criação intelectual; na jurisprudência também não foi localiza-do o julgalocaliza-do semelhante ao “caso Humberto de Campos”, enquanto que na localiza-doutrina constatou-se que apenas os escritores Pedro Orlando, no capítulo “O Direito Autoral e o Espiritualismo” de sua obra Direitos autorais; Antônio Chaves, em algumas páginas de seu livro Criador da obra intelectual; e Maurício Lopes de Oliveira, em artigo publicado na revista jurídica Consulex, analisaram brevemente o tema. A única exceção foi para José Freitas Nobre, que, no seu livro O crime, a psicografia e os

transplantes fez importantes e fundamentadas considerações sobre a natureza do

direito autoral na obra psicografada.

Assim, tanto pela natural complexidade do assunto quanto pela escassez de fontes específicas, a pesquisa exigiu um verdadeiro sincretismo metodológico, dado o

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evidente caráter interdisciplinar ou pluridimensional do rema versando sobre direito autoral na obra literária psicografada, fato que às vezes acabou forçando a primazia de algumas técnicas ou métodos, porquanto foi necessário transitar da fenomenologia parapsicológica ao direito positivo, passando por incontáveis atalhos em áreas especi-alizadas e científicas, como a crítica literária e a psicanálise.

Diante dessa realidade, o trabalho procurou obedecer a seguinte metodologia: I - pesquisa com dimensão histórico-descritiva, através da abordagem indutiva em obras específicas que versam sobre a natureza científica da mediunidade em geral e da psicografia em especial, bem como o emprego da dogmática jurídica, método pró-prio da ciência do direito, com pesquisa baseada na legislação, dando ênfase para as áreas do Direito Autoral brasileiro, estrangeiro e para a Convenção de Berna; II - procedimentos crítico-comparativos, ligados a considerações doutrinárias e juris-prudenciais, empregando o estilo tópico-retórico e a dialética, pois “a tópica é uma técnica do pensamento que se orienta para o problema; os raciocínios giram em torno dos problemas; é um estilo de trabalho aporético; todo problema concreto provoca um jogo de suscitações, que se denomina tópica ou arte da invenção, de descobrir as premissas e raciocinar com base nelas para resolver aquele2;

III - foi também utilizado o procedimento analítico-sintético, sobretudo quando as con-dições do trabalho exigiram alguma incursão analítica do direito positivo;

IV - a abordagem dedutivo-axiológica foi preponderante na articulação das conclu-sões da pesquisa.

Por derradeiro, quanto ao seu aspecto estritamente formal, o trabalho obede-ceu primordialmente às normas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técni-cas próprias para redação de texto e referências bibliográfiTécni-cas, valendo alertar que todas as fontes consultadas, além das respectivas indicações em notas de rodapé, foram tecnicamente complementadas na bibliografia final.

1 A PSICOGRAFIA E AS EXPLICAÇÕES PARA O FENÔMENO

1.1 Teoria espírita para a psicografia

1.1.1 Distinções entre médium e espírita, mediunidade e Espiritismo

Médium e espírita, mediunidade e Espiritismo são conceitos totalmente

diferen-2

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tes. De fato, uma pessoa pode ser médium sem que necessariamente seja espírita ou adepto do Espiritismo, ao passo que nem todo espírita é médium ostensivo, assim consi-derado o indivíduo que, consciente ou inconscientemente e por sua condição psicofísica, possibilita e ocorrência de fenômenos de efeitos físicos ou inteligentes, dessa maneira atuando como intermediário da ação de Espíritos desencarnados no mundo corpóreo.

A outra confusão decorre da crença popular no sentido de que mediunidade e Espiritismo são sinônimos, o que também não é verdade, pois enquanto a mediuni-dade existe desce o surgimento da espécie humana na Terra, a doutrina espírita so-mente foi estruturada na França em meados do século XIX, por Allan Kardec, pseu-dônimo do pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, nascido em Lyon, na França, em 03 de outubro de 1804.

As obras básicas da doutrina espírita são: O livro dos Espíritos (1857), O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), O

Céu e o Inferno, ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo (1865); e A gêne-se, os milagres e a predições segundo o Espiritismo (1868), sendo certo ainda

que Allan Kardec criou e dirigiu a Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos, e a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, destinada a reuniões de estudos teóricos e práticos de Espiritismo, além de uma livraria que distribuía as obras espíritas; após a sua morte, ocorrida em Paris no dia 31 de março 1869, seus escritos esparsos foram publicados com o título de Obras Póstumas.

Infelizmente e a despeito dessas diferenças, os espíritas são confundidos com curandeiros e feiticeiros e o Espiritismo com a magia e a feitiçaria, da mesma forma que muita gente confunde Astronomia com Astrologia e Química com Alquimia. A propósito, Allan Kardec asseverou que “a distância que separa o Espiritismo da magia e da feitiçaria é maior do que a que existe entre a Astronomia e a Astrologia, a Química e a Alquimia. Confundi-las é provar que de nenhuma se sabe patavina”.3

1.1.2 O fenômeno mediúnico

Como visto, a mediunidade, em sentido amplo, seria uma faculdade que as pessoas em geral têm para receber ou transmitir comunicações de Espíritos, que pode ser uma simples influência oculta (como a inspiração ou a intuição, por exemplo) até a produção dos mais insólitos fenômenos, enquanto que, em sentido estrito, a mediunidade ostensiva seria a possibilidade que alguns indivíduos,

de-3

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nominados médiuns, possuem para produzir, consciente ou inconscientemente, efeitos físicos ou inteligentes específicos.

Fenômenos mediúnicos de efeitos físicos ou objetivos são aqueles que sensibilizam diretamente os sentidos e podem manifestar-se como materialização de objetos e de pessoas já falecidas, transfiguração, levitação, voz direta (pneu-matofonia), escrita direta (pneumatografia), tiptologia, sematologia, e outras for-mas. Já os fenômenos mediúnicos de efeitos inteligentes ou subjetivos ferem a racionalidade e o intelecto e manifestam-se como intuição, inspiração, vidência, audiência, psicofonia, psicografia, psicopictografia (pintura mediúnica), psiqueu-terpia (execução musical mediúnica) e outros dessa natureza.

1.1.3 Diferença entre psicografía e pneumatografia

A psicografia (do grego, psychè = espírito, alma, e graphô = eu escrevo) é o fenômeno através do qual os Espíritos transmitem o seu pensamento por meio da escrita, valendo-se para isso de algumas pessoas que possuem essa faculdade medi-única específica, denominadas médiuns psicógrafos.

No mecanismo da psicografia, o Espírito envia a mensagem neuronal a partir da glândula pineal ou epífise, localizada no cérebro do médium, para que a mão do mesmo converta em escrita o seu pensamento, resultando em um bilhete, uma carta, um relato histórico, um livro, uma coletânea ou um escrito capaz de codificar a ideia que pretende transmitir.

Os médiuns psicógrafos são; a) mecânicos ou inconscientes – são os que recebem um influxo invisível e escrevem sem ter a mínima consciência daquilo que a sua mão está grafando, podendo realizar outras tarefas enquanto escrevem, e essa ação paralela não interfere na comunicação; b)

semimecâni-cos ou semiconscientes – são os que têm o domínio sobre o que escrevem,

acompanhando a ordem cerebral recebida do Espírito escrever no papel o pen-samento daquela entidade comunicante, e, c) intuitivos ou tnsoiredos – os que recebem a influência espiritual apenas no cérebro; é a categoria menos confiá-vel, uma vez que dificilmente pode ser feita a distinção entre seus pensamentos e os do Espírito.

A pneumatografia (do grego, pneuma = ar, sopro, vento, espírito, e

gra-phô = eu escrevo), difere da psicografia porque, nesse caso, o Espírito escreve

diretamente no papel ou em qualquer outro material apto a receber a grafia, razão pela qual este fenômeno também é conhecido como escrita direta.

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1.1.4 Identidade do Espírito

Questão intrigante no campo da psicografia diz respeito à identidade do Espí-rito. Um dos meios de prova nessa área seria a realização de exame grafológico, comparando-se o material gráfico fornecido pelo médium fora do transe com os escri-tos que o Espírito deixou antes de falecer e a mensagem psicografada.

Em busca dessa comprovação, o grafologista Carlos Augusto Perandréa re-alizou algumas pesquisas dessa natureza, destacando-se o caso de quatro mensagens psicografadas em italiano pelo médium Francisco Cândido Xavier, na cidade mineira de Uberaba, e atribuídas ao Espírito de Ilda Mascaro Saullo, morta em Roma no dia 20 de dezembro de 1977.

Realizados minuciosos exames técnicos, Perandréa concluiu que a mensa-gem psicografada por Francisco Cândido Xavier, em 22 de julho de 1978, contém, em “número” e em “qualidade”, consideráveis e irrefutáveis características de gênese gráfica suficientes para a revelação e identidade de Ilda Mascaro Saullo como autora da mensagem questionada.4

Outra característica que costuma ser aceita na identificação do Espírito é a

cross-correspondence (“correspondência cruzada”), que, segundo Sir Oliver Lodge,

antigo reitor da Universidade de Birmingham, é a comunicação mediúnica em que uma parte é recebida por um médium e outra parte por outro médium, não podendo cada uma dessas partes ser compreendida sem o complemento da outra, constituindo prova de que a mesma inteligência opera nos dois automatistas.5

No Brasil, os médiuns Chico Xavier e Waldo Vieira psicografaram pela

cross-correspondence (correspondência cruzada) o livro Evolução em dois mundos, do

Espírito André Luiz, recebendo cada um deles os textos em noites de domingos e quartas-feiras, respectivamente nas cidades de Pedro Leopoldo e Uberaba, fenôme-no que repetiram em 1964 em Uberaba com a obra Desobsessão, do mesmo Espírito André Luiz, cabendo a responsabilidade dos capítulos ímpares a Waldo e os pares a Chico Xavier, sem perder em nenhuma das duas obras a sua sequência.

1.1.5 A psicografia como prova judicial

Algumas páginas psicografadas já foram admitidas como elemento de pro-va em processo judicial, como relata Cesare Lombroso no item Fatos judiciários de

4

A psicografia à luz da grafoscopia, p. 56

5

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seu livro Hipnotismo e mediunidade, citando vários episódios mediúnicos que fo-ram aproveitados em juízo.

No Brasil, várias mensagens psicografadas pelo médium Chico Xavier, atri-buídas a Espíritos de vítimas de homicídios, foram aceitas em processos judiciais, destacando-se o episódio ocorrido na manhã de 08 de maio de 1976, no Bairro Cam-pinas, da cidade de Goiânia, Estado de Goiás, quando o estudante José Divino Nunes, de 18 anos de idade, atingiu com um tiro de revólver seu amigo Maurício Garcez Henrique, de 15 anos de idade, que morreu logo depois.

Esse caso ganhou repercussão internacional depois que a família da vítima procurou o médium Francisco Cândido Xavier e, através dele, o Espírito do garoto falecido psicografou várias cartas, em todas elas inocentando o amigo pelo infausto acontecimento, as quais foram juntadas aos autos e aceitas pelo Juiz de Direito ORIMAR DE BASTOS.

A revista ISTOÉ publicou interessante matéria assinada pela repórter Suzane Frutuoso, relatando inclusive alguns casos de cartas e mensagens psicografadas que foram aceitas como elementos de prova em processos judiciais, citando a opinião de juristas sobre o assunto, tendo um deles esclarecido que os artigos 332 e 157 do Código Civil não impedem esse procedimento, mas alertando que, para ser válida em um processo, a psicografia deve “reforçar outras provas ou trouxer um fato novo”.6

1.2 Explicações para o fenômeno

No que se refere à autenticidade do fenômeno psicográfico, para o qual a doutrina espírita tem a sua teoria, existem dezenas de outras explicações para a cha-mada escrita automática, entre elas o plágio, a fraude, o animismo, o pasticho, a metapsíquica subjetiva ou criptestesia, a consciência subliminal do sujeito ou o resulta-do de surtos psicóticos, como veremos a seguir.

Começando pelo plágio, é obvio que a obra psicografada não é sinônimo de

obra plagiada só porque foi criada por meio mediúnico, porque plágio é a

apropria-ção parcial ou total da criaapropria-ção literária alheia preexistente. Porém, se isso ocorrer, a responsabilidade civil e penal deverá recair sobre o falso médium e seus editores, a quem cabe o dever de verificar a autenticidade daquilo que se decidem a publicar, sem que o fenômeno mediúnico sofra qualquer dano por causa disso.

Outra explicação recorrente para a psicografia é a fraude, que é a farsa por

6

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meio da qual o agente tenta burlar a vigilância de outrem para conseguir determina-do propósito, geralmente com objetivo escuso e não raro econômico. Seria ingenui-dade negar que existe fraude na mediuniingenui-dade em geral e na psicografia em especi-al, porque alguns pseudomédiuns e editores inescrupulosos não se acanham de lan-çar no mercado obras literárias ridículas, imputando criminosamente sua autoria a Espíritos que foram grandes escritores, mas que, de repente, livrando-se do corpo físico, passaram a escrever bisonhamente.

Contudo, as raras exceções de obras fraudulentas não podem contaminar os inúmeros casos em que as obras mediúnicas, atribuídas a Espíritos de escritores, po-etas ou pessoas comuns que já faleceram, estão em perfeita consonância com o estilo, o talento e até com a caligrafia deles enquanto estavam vivos.

Outra teoria que tenta explicar o fenômeno psicográfíco é animismo, vocá-bulo que designa a ação produzida por uma pessoa viva sobre o psiquismo de outro indivíduo também vivo, de maneira semelhante ao que ocorre na mediunidade, com a única diferença que no fenômeno mediúnico propriamente dito a vontade exterior seria de um morto.

Mas diante da distinção clara e insofismável entre animismo e

mediuni-dade, conforme demonstra com precisão e um tesouro de pormenores o

pesqui-sador Alexandre Aksakof, pode-se concluir que as obras psicografadas não po-dem ser consideradas anímicas.7

Há críticos que, defrontando-se com obras psicografadas que revelam incrí-vel semelhança com trabalhos de autores mortos, são levados a considerá-las como produto de pasticho, vocábulo que deriva de pastiche (em francês) e pasticcio (em italiano) e significa, em resumo, escrever a Ia menière de ou seja, a pessoa estuda a fundo e minuciosamente a vida e a obra de determinado escritor ou poeta, para depois tentar escrever copiando o seu estilo,

Entretanto, os pastichadores mais conhecidos escreveram apenas algumas paródias grotescas dos originais que pretendiam imitar, a despeito do enorme esforço que fizeram para superar essa barreira. Desse modo, quando uma obra literária não pode ser considerada um mero pasticho, sua origem deve ser outra.

O fisiologista francês Charles Robert Richet (1850-1935), ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia de 1913, criou, com base na fenomenologia mediúnica, a

metapsí-quíca, ciência que ele dividiu em metapsíquica objetiva, para tratar dos fenômenos

7

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mediúnicos de efeitos físicos, e em metapsíquica subjetiva, destinada a definir os fenômenos mediúnicos de efeitos inteligentes. Mais tarde Richet confessou na Revue

Spirite que, mesmo correndo o risco de ser considerado um insensato por seus

contem-porâneos, passou a aceitar a existência do mundo oculto e seus “fantasmas”.8

A parapsicologia, cuja paternidade é atribuída ao norte-americano Joseph Banks Rhine (1895-1980), é um neologismo sugerido para substituir a metapsíquica francesa, o ocultismo alemão e a investigação psíquica inglesa.

Alguns parapsicólogos tentaram desmascarar e desacreditar o fenôme-no mediúnico. Mas, fenôme-nos bastidores da própria parapsicologia, seus estudiosos ainda não conseguiram chegar a um consenso sobre a psicografia, sendo que uma interessante vertente parapsicológica foi desenvolvida pelo ensaísta Fre-deric Myers (1843-1901), chamada consciência subliminal, que procura expli-car a escrita automática pela criptomnésia, uma espécie de faculdade paranor-mal que algumas pessoas teriam para recordar acontecimentos escondidos nos confins do inconsciente.

Myers denominou essa faculdade de consciência subliminal, supondo a existência de um nível abaixo da consciência individual, de tamanha complexidade que procura explicar toda a fenomenologia psicográfica pela simples emersão da-quela estranha e onipotente subconsciência à superfície, seja dominando temporari-amente o campo consciente do médium, seja manifestando-se no exterior pela utili-zação da mão e da laringe do mesmo.

Respondendo a tais teorias, o eminente pesquisador italiano Ernesto Bozzano demonstra que essa espantosa “personalidade integral espiritual deveria possuir, em uma medida correspondente às suas faculdades superiores intelectuais, também um senso moral não menos elevado”, de tal modo “que ela não deveria rebaixar-se e perverter-se ao ponto de enganar, cruelmente, os vivos.9

No campo da psicanállse, seu criador Sigmund Freud disse que os es-piritualistas estão “convencidos da sobrevivência da alma individual e procu-ram demonstrar-nos, para além de qualquer dúvida, a verdade dessa doutrina religiosa” e lamentou que não conseguiriam refutar o fato de que o apareci-mento e as palavras dos espíritos seriam apenas “produtos de sua própria atividade mental”. Em suma, para Freud a psicografia não passa de mero

8

Cf. Gilberto Campista GUARINO, prefácio de O ser subconsciente, de Gustave Geley, p. 20.

9

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produto da atividade mental do próprio médium.10

Para Carl Gustav Jung, discípulo dissidente de Freud, no fenômeno da escrita

automática as “proposições registradas são sempre declarações pessoais na forma

da primeira pessoa, em eu, como se por detrás de cada fragmento dessas proposições se encontrasse uma personalidade. O raciocínio ingênuo deduz imediatamente que se trata de espíritos. Algo semelhante costuma ser observado nas alucinações dos doen-tes mentais, se bem que neste caso possa reconhecer-se, com maior clareza, a mera ocorrência de idéias ou fragmentos de idéias em conexão com a personalidade cons-ciente, constatável por qualquer um”.11

Existem outras teorias para explicar a psicografia, mas ou são muito ridículas e não merecem maior atenção – como aquela que atribui toda fenomenologia mediúnica à ação do Demônio –, ou são subcategorias já incluídas nas hipóteses que apontamos. 2 OBRAS PSICOGRAFADAS NO EXTERIOR E NO BRASIL

2.1 Obras psicografadas no exterior

Dentre as obras literárias psicografadas no exterior, avulta a produção que o Espírito John Wilmot Rochester escreveu através da médium russa Wera Krijano-wsky, tema da dissertação de mestrado em Ciência da Comunicação de Thais Mon-tenegro Chinellato na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Pau-lo, sob a orientação do Prof. Dr. Virgílio Noya Pinto.

Também merece destaque, pelo seu caráter singular, o romance The Místery

of Edwín Drood, ambientado em Londres, do escritor britânico Charles Dickens, que

faleceu no dia 9 de junho de 1870, antes de concluir livro. Em 1872 o jovem mecânico T. P. James, de Boston, nos Estados Unidos, sem cultura, sem talento literário e sem jamais ter pisado na Inglaterra, concluiu a obra e afirmou que apenas serviu de inter-mediário para que o Espírito de Charles Dickens completasse o seu trabalho, abalan-do o círculo intelectual daquela época e até hoje desafianabalan-do os pesquisaabalan-dores.

O italiano Ernesto Bozzano analisa, em sua bela monografia sobre literatura transcendental, várias obras mediúnicas, dentre elas o Poema Sacro, com 29 contos e 3.000 oitavas, compondo um volume de 915 páginas, tratando de temas como “a

10

O futuro de uma ilusão, edição eletrônica.

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natureza de Deus, a gênese do universo, a criação dos sóis e dos mundos”, que foi ditada pelo Espírito do poeta italiano Ludovico Ariosto ao médium Francesco Scara-muzza, o qual, embora fosse professor e diretor da Academia de Belas-Artes de Parma, não detinha nenhuma cultura literária, até porque, premido por questões eco-nômicas, abandonou a escola ainda na adolescência.12

Bozzano investigou também a obra dramática intitulada Uma comédia

extra-ordinária, ditada psicograficamente pelo Espírito Oscar Wilde à médium Esther

Do-wden, que se confessou refratária às obras de Wilde (consagrado poeta e dramaturgo inglês) e afirmou ter dito isso ao referido Espírito enquanto recebia os ditados mediú-nicos, acrescentando que as suas preferências literárias eram outras, mas assim mes-mo ele insistiu em ditar-lhe a obra.

2.2 Obras psicografadas no Brasil

Por motivos que ainda não foram muito bem explicados, o Brasil é talvez o maior celeiro mundial de médiuns das mais variadas espécies, que veem Espíritos, com eles conversam e deles recebem livros, quadros, músicas ou mensagens conso-ladoras aos familiares que ainda vivem.

A maioria trabalha discretamente em tarefas filantrópicas e assistenciais, mas também não faltam médiuns famosos que alegam incorporar Espíritos de médicos brasileiros e estrangeiros, realizando cirurgias que deveriam merecer maior atenção dos especialistas.

Mas é o médium brasileiro Francisco Cândido Xavier que, pelo seu carisma, pela importância do seu nome e pelo valor de sua obra, deve ser considerado como a principal e mais extraordinária antena paranormral de todos os tempos, além de cidadão de conduta impecável.

Com efeito, Chico Xavier psicografou mais de quatrocentos títulos, de diver-sos gêneros literários como poesias, revelações da vida espiritual, romances, comuni-cações familiares, comentários às obras básicas de Allan Kardec, notas aos Evange-lhos e aos Atos dos Apóstolos, além de ótimos contos, crônicas e histórias, a maioria do Espírito Humberto de Campos (sobre o qual falaremos a seguir). A obra de Chico Xavier foi minuciosamente classificada pelo editor e pesquisador Stig Roland Ibsen.13

12

Literatura de Além-Túmulo, pp. 15-17.

13

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2.3 O “Caso Humberto de Campos”

Humberto de Campos nasceu no Estado do Maranhão, na cidade de Miritiba (hoje Humberto de Campos), no dia 25 de outubro de 1886, e foi jornalista, político, crítico, cronista, contista, poeta, biógrafo e memorialista. Eleito em 30 de outubro de 1919 para a Academia Brasileira de Letras, sucedendo a Emilio de Menezes (Cadeira nº 20), foi recebido em 8 de maio de 1920 pelo acadêmico Luís Murat. Sua obra 1iterária é vastíssima. Faleceu no Rio de Janeiro em 5 de dezembro de 1934.

Logo em seguida, a partir de março de 1935 Chico Xavier “passou a ser o grande receptor” das mensagens psicografadas pelo Espírito Humberto de Campos e o “texto que abriu o desfile de tantas lições que colocou o Escritor entre os mais lidos da literatura espírita tinha o título de ‘A palavra dos Mortos’ e serviu de introdução para o livro ‘Palavras do infinito’”.14

Em 1937 a FEB – Federação Espírita Brasileira –, então com sede no Rio de Janeiro (hoje em Brasília), lançou “Crônicas de Além- Túmulo”, que foi “o quarto de uma série que, hoje, atinge o total de doze livros”.15

Com a publicação das obras e a sua enorme repercussão na imprensa, a Sra. Catharina de Paiva Vergolino, viúva de Humberto de Campos, acionou judicialmente o médium Francisco Cândido Xavier e a Federação Espírita Brasileira, pedindo que a justiça declarasse, por sentença, se a obra literária psicografada pelo médium era ou não de autoria do seu falecido marido, sendo que, em caso negativo, os exemplares em circulação deveriam ser apreendidos e os réus Chico Xavier e a Federação Espí-rita Brasileira estariam incursos nos artigos 185 e 196 do Código Penal.

Por outro lado, se ficasse provado que a produção literária em apreço era realmente do Espírito Humberto de Campos, pediu que fosse declarado se os direitos autorais decorrentes eram da sua família ou da Federação Espírita Brasileira. Postu-lou também a definição do caráter da intervenção do médium, bem como os limites da sua participação, sob o ponto de vista literário e econômico.16

Por sentença de 23 de Agosto de 1944, o magistrado João Frederico Mourão Russel julgou a autora carecedora da ação, sob o fundamento de que, no direito bra-sileiro, o alcance da máxima ‘mors omnia solvit’ é absoluto, de modo que “o grande

14

Humberto de Campos Filho, Irmão X, meu pai, p. 136-137.

15

Idem.

16

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escritor Humberto de Campos, depois de sua morte, não poderia ter adquirido direito de espécie alguma e, consequentemente, nenhum direito autoral poderá da pessoa dele ser transmitido para seus herdeiros e sucessores”.

Houve recurso ao Tribunal de Apelação ao Distrito Federal, mas sua 4a Câmara,

em julgamento realizado no dia 3 de novembro de 1944 e por votação unânime, a ele negou provimento a fim de confirmar a sentença agravada, por seus jurídicos fundamentos. 3 APLICAÇÃO DO DIREITO AUTORAL À OBRA PSICOGRAFADA

3.1 Considerações gerais sobre direito autoral

Comparada com outros ramos do Direito, a proteção legal à criação intelectual é conquista recente. Com efeito, em alguns países o primeiro vestígio do direito autoral remonta ao século dezoito e em outros somente obteve o reconhecimento da doutrina jurídica e da legislação na primeira metade deste século, isto porque o direito do escritor à exclusividade do proveito comercial de seu trabalho não ocorreu antes da invenção da imprensa, especialmente por faltar um interesse satisfatório. De fato o custo material das cópias manuais do livro era alto e o consumo era restrito, tanto pelo preço quanto por causa da limitação de pessoas letradas, que seriam consumidores em potencial.17

Quanto ao conteúdo do direito autoral, Carlos Alberto Bittar acentua que ele tem um aspecto moral (a expressão do espírito criador da pessoa) e um elemento

patrimonial (a sua retribuição econômica).18

Por isso é feita a distinção entre direitos morais ou pessoais e direitos

patrimoniais de autor, asseverando Eduardo Vieira Manso que a “expressão ‘direito

moral’ tem origem na doutrina francesa e não tem qualquer conotação ética, mas visa tão-somente a designar o que não é patrimonial. Sendo vários os modos de se exercer o direito autoral, (...) emprega-se a expressão no plural, para indicar essa diversidade e a existência de distintas prerrogativas de tal natureza. Quando o direito autoral é exercido com o propósito de alcançar proveito econômico, fala-se em exercício de ‘direito patrimonial’, que, da mesma maneira, pode ser realizado de inúmeros modos, e por isso, também se emprega a expressão plural ‘direitos patrimoniais’”.19

17

E. Piola CASELU, Trsttato deI diritto di autore e deI contratto di edizione, p. 1.

18

Contornos atuais do direito do autor, p. 27.

19

(15)

Por outro lado, normalmente os direitos morais de autor são inalienáveis e irrenunciáveis, o que lhes confere a característica marcante da perpetuidade. Com efeito, por maior que seja o tempo decorrido desde a sua criação, a ninguém seria lícito atribuir-se a autoria da “Divina comédia”...

Sedimentada na lei e consagrada na doutrina a proteção aos criadores das obras intelectuais e artísticas, uma outra categoria de pessoas a eles liga-das também passou a movimentar-se em busca do reconhecimento de seus direitos, congregrando todos os artistas como gênero e abrangendo as espéci-es constituídas pelos intérpretespéci-es e pelos executantespéci-es, de onde surgiram os “direitos conexos”.

Sobre esse tema, assevera Artur Marques da Silva Filho que os direitos conexos “por si só, demonstram com eficácia o impacto que a tecnologia e a economia produzem no desenvolvimento de direito na atualidade, principalmen-te no campo autoral20, lembrando José de Oliveira Ascensão que nos diferentes idiomas as expressões remontam aos qualificativos “afins, vizinhos ou conexos” (assim, em “inglês fala-se em neighbouring rights; em francês droits voisins ou connexes; em alemão Verwandte- ou Nactbarrechte; em italiano em diritti

conessí), acrescentando que é preferível a expressão direitos conexos, por

razões de natureza didática, histórica e legal.21

Segundo a doutrina, a ideia, embora seja uma criação do espírito, não é obje-to da tutela do direiobje-to auobje-toral, como também não o é tudo o que não seja a “exteriori-zação de uma criação do espírito”, que pode “fazer-se por um texto escrito, ou até oralmente, como nas conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; pode fazer-se pelo desenho, pela fotografia, pelo cinema; pode ser uma obra musical ou uma carta geográfica.” 22

Em suma, para o fim que realmente importa neste trabalho, a obra literária psicografada, assim considerada toda criação do espírito, expressa por qualquer meio ou fixada em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, e que, embora escrita por pessoa viva, chamada “médium”, tem a sua autoria atribuída a Espírito, está legalmente protegida.

20

A inserção dos músicos nos direitos conexos. Revista de Direito Civil – 52, p. 83.

21

Direito de autor e direitos conexos, p. 548.

22

(16)

CONCLUSÕES

Diante do exposto, concluímos que:

I - de acordo com a teoria espírita, a psicografia é o fenômeno através do qual os Espíritos transmitem o seu pensamento por meio da escrita, valendo-se para isso de algumas pessoas que possuem essa faculdade mediúnica específica, denominadas

médiuns psicógrafos, que podem ser classificados em:

a) mecânicos ou inconscientes – recebem um influxo invisível e escrevem sem ter a mínima consciência daquilo que sua mão está grafando, podendo realizar outras tare-fas enquanto escrevem, como ler ou conversar sobre um assunto totalmente diferente daquele que está sendo escrito;

b) semimecânicos ou semiconscientes – têm o domínio sobre o que escrevem, acom-panhando a ordem cerebral recebida do Espírito para lançar no papel o pensamento daquela entidade comunicante, e,

c) intuitivos ou inspirados – recebem a influência espiritual apenas no cérebro; é a categoria menos confiável, uma vez que dificilmente pode ser feita a distinção entre seus pensamentos e os do Espírito;

II - toda produção literária dita psicografada que não obedecer à regra geral acima exposta configura plágio, fraude, animismo, pasticho, metapsíquica subjetiva ou crip-testesia, produto da consciência subliminal do próprio sujeito, surtos psicóticos ou qual-quer outra hipótese, mas não será jamais um fenômeno mediúnico autêntico;

III - embora existam milhões de exemplares de obras literárias psicografadas no exterior e no Brasil, não há notícia de legislação em qualquer país que regule ex-pressamente a matéria;

IV - no Brasil, na ação declaratória conhecida como “caso Humberto de Campos”, em que as partes debateram a questão do direito autoral incidente sobre as obras psicografadas pelo médium Francisco Cândido Xavier e atribuídas ao Espírito daquele grande escritor, a justiça optou pela carência da ação, sem examinar o mérito, de modo que ali também o problema não recebeu solução;

V - diante da legislação vigente no Brasil, não existe obstáculo para que se considere como obra literária psicografada protegida toda criação do espírito, expressa por

(17)

qual-quer meio ou fixada em qualqual-quer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, e que, embora escrita por pessoa viva, chamada “médium”, tem a sua autoria atribuída a Espírito;

VI - no conceito de obra literária psicografada acima exposto, o vocábulo espírito, grafado com “e” minúsculo como ocorre em toda obra intelectual, significa “o princí-pio da inteligência” e é sinônimo da expressão “mente” (do grego psyche = alma, espírito, mente), enquanto que a palavra “Espíritos”, escrita com “E” maiúsculo, refe-re-se às “individualidades que por esse nome se designam.” 23

VII - seja pela sua intencional omissão, porque o problema não se achava suficiente-mente maduro para a solução, ou porque a solução não foi prevista, ou, finalsuficiente-mente, porque a questão ainda não chegara a ser suscitada de modo conveniente, há eviden-tes lacunas na legislação do direito autoral e dos direitos a ele conexos no que concer-ne à autoria da obra psicografada, que podem ser colmatadas pelo instrumental cien-tífico destinado à integração do direito;

VIII - diante disso, não há óbice a que se reconheça que o direito autoral na obra psicografada pertence ao Espírito que a criou, sem que isso venha gerar qualquer direito ou obrigação no âmbito da legislação humana, a ele ou a seus sucessores, incluindo cônjuge supérstite, herdeiros, legatários, cessionários e outros:

IX - por seu turno, o médium é titular dos direitos conexos ao direito de autor; como intérprete que é do pensamento do Espírito, aplicando-se a analogia aos direitos de artistas intérpretes ou executantes e outros análogos;

X - entretanto, por contingências legais ainda inafastáveis, fica o médium investido de todos os direitos morais e patrimoniais de autor incidentes sobre as obras literárias que psicografar, sendo por elas responsável para todos os fins de direito;

XI - quando a obra literária psicografada, atribuída a um determinado Espírito, estiver de acordo com o talento e o estilo que ele possuía quando vivo, não configura nenhum ilícito civil, penal ou mesmo ético, faltando interesse jurídico para qualquer tipo de medida judicial ou administrativa que pretendesse a vedação do uso do nome, em face da absoluta ausência de dano ou prejuízo, material ou moral, efetivo ou potencial;

23

(18)

XII - entretanto, quando a obra “dita psicografada” atentar contra o nome ou qualquer outro direito integrante do complexo de direitos que compunha a personalidade do Espírito enquanto vivo, ou mesmo depois de morto (como a honra, por exemplo), as providências legais e judiciais não apenas podem como devem ser tomadas para fazer cessar esse tipo de conduta punível, aétíca e inaceitável;

XIII - na condição de simples intérpretes dos Espíritos, os médiuns poderiam destinar: a) uma parte dos rendimentos resultantes da produção literária que psicografarern para as obras filantrópicas e assistenciais, e,

b) a outra parte para fomentar, incentivar e patrocinar a pesquisa científica no campo da fenomenologia mediúnica.

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