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A importância da Inovação para a Administração Pública Contemporânea: estudo sobre propostas inovadoras adotadas e difundidas no âmbito da advocacia geral da união do Brasil

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Academic year: 2021

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A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO PARA A ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA CONTEMPORÂNEA

:

ESTUDO SOBRE PROPOSTAS

INOVADORAS ADOTADAS E DIFUNDIDAS NO ÂMBITO DA

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

DO BRASIL

Autor: Celine Ramos Coelho

Orientador: Professor

Doutor Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia

Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Administração Pública

Lisboa

2020

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A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CONTEMPORÂNEA: ESTUDO SOBRE PROPOSTAR INOVADORAS ADOTADAS E

DIFUNDIDAS NO ÂMBITO DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO DO BRASIL

Celine Ramos Coelho

Orientador: Professor Doutor Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia

Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Administração Pública

Júri:

Presidente:

Doutor João Manuel Ricardo Catarino, Professor Catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa;

Vogais:

Doutor José Luís Rocha Pereira do Nascimento, Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa;

Doutor Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia, Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, na qualidade de orientador;

Doutora Ana Filipa Nogueira Fixe Santos, Professora Auxiliar Convidada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa

Lisboa 2020

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RESUMO

A intensificação do ritmo tecnológico está a exigir que os Estados atuem no sentido de promover inovação. Em razão disso, ganham relevância estudos que tratam das especificidades da inovação no setor público, as limitações e desafios envolvidos na sua implementação, bem como das dimensões relacionadas ao seu desenvolvimento, adoção e difusão. A Advocacia Geral da União é exemplo do esforço da administração pública brasileira para inovar na introdução de tecnologias de informação e comunicação, na digitalização de processos e na adoção de práticas interativas e participativas através de mídias sociais. A presente dissertação trata de estudo desenvolvido no sentido de verificar como as dimensões de liderança, relacionais e organizacionais interferem nos processos de adoção e difusão de inovações no setor público. A intenção é formar conhecimento acerca dos processos estudados, contribuindo para o melhor direcionamento dos investimentos para tornar efetiva a adoção de novas tecnologias, recursos, ferramentas e sistemas operacionais. Os resultados quantitativos indicaram necessidade de aperfeiçoamento do modelo. Os indicadores utilizados foram insuficientes para explicar o fenômeno estudado. Foi verificado que, no contexto estudado, investimentos em indicadores relacionais possuem maior impacto na avaliação da liderança. Restou demonstrado que profissionais mais novos e qualificados são mais alinhados à orientação para inovação. Na pesquisa qualitativa foram identificados indicadores que podem ser acrescentados em estudos posteriores. O modelo tem validade externa moderada, contudo, pode servir de referência para estudos no sentido da identificação das deficiências e direcionamento de recursos em favor da inovação em uma determinada instituição pública.

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iv ABSTRAT

The impact of the exponential pace of the technological development requires States to act to foster innovation. This fact increases the relevance of studies that deal with the specificities of innovation in the public sector, the limitations and challenges involved in its implementation, and the indicators related to its development, adoption and dissemination. The Advocacia Geral da União is an example of the effort of the Brazilian public administration to innovate towards the introduction of information and communication technologies, the digitalization of lawsuits and the adoption of interactive and participatory practices through social media. This study was carried out to verify how the dimensions of leadership, relational and organizational interfere in the process or adoption and dissemination of innovations in the public sector. The objective is form knowledge about the process studied in order to better target investments to adoption of new technologies, resources, tools and operating systems. Quantitative results revealed that the analysis model need improvement. The indicators used were not enough to explain the phenomenon studied. The study discovered that, in the context studied, investments in environmental indicators have the greatest impact on leadership evaluation. Younger and qualified groups demonstrate greater alignment with innovation guidance. Indicators that can be added in later studies were identified in the qualitative research. The model has moderate external validity, however, can serve as a reference for studies to identify deficiencies and target resources to promote innovation in a public institution.

Key-worlds: Backgroud of public sector innovation; Innovation orientation scale

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 8

1. Enquadramento e relevância temática... 8

2. Pergunta de partida e hipóteses de pesquisa ... 10

3. Objetivos geral e específicos... 10

4. Estrutura da dissertação ... 11

CAPÍTULO I: A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONTEMPORÂNEA ... 12

I.1. Evolução histórica da administração pública: para que serve o Estado e como ele deve se organizar ... 12

I.2. Inovação no setor público ... 19

I.2.1. Conceito, especificidades e tipologias ... 19

I.2.2. Antecedentes de inovação no setor público ... 23

CAPÍTULO II: INOVAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA: O CASO DA 30ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO ... 30

II.1. Da formação do Estado brasileiro aos desafios contemporâneos ... 30

II.2. Estrutura organizacional da Advocacia Geral da União ... 34

II.3. Inovações adotadas e difundidas no âmbito da Advocacia Geral da União ... 38

CAPÍTULO III: METODOLOGIA ... 40

III.1. Desenho do estudo ... 40

III.2. Modelo de análise ... 43

CAPÍTULO IV: DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 47

IV.1. Análise Quantitativa ... 47

IV.1.1. Caracterização dos respondentes ao questionário ... 47

IV.1.2. Resultados do modelo de medida ... 49

IV.1.3. Resultados do modelo estrutural ... 53

IV.1.4. Análise de clusters ... 55

IV.2. Análise Qualitativa ... 58

IV.2.1. Caracterização dos entrevistados ... 58

IV.2.2. Caracterização das inovações estudadas ... 59

IV.2.3. Resultado da análise de conteúdo das entrevistas ... 62

IV.3. Consolidação dos resultados ... 65

VI. CONCLUSÕES ... 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 72

ANEXO I: DESCRIÇÃO DO PROCESSO DE ADOÇÃO E DIFUSÃO DAS INOVAÇÕES PESQUISADAS PELO RELATO DE SEUS IDEALIZADORES E/OU IMPLEMENTADORES ... 77

(6)

vi ÍNDICE DE TABELAS

TABELA 1: COMPARAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS TRADICIONAIS E CONTEMPORÂNEOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ... 15

TABELA 2: DESCRIÇÃO DAS INOVAÇÕES PESQUISADAS ... 38

TABELA 3: ESCALA DE ORIENTAÇÃO PARA A INOVAÇÃO ... 44

TABELA 4: DISTRIBUIÇÃO DOS RESPONDENTES POR CRITÉRIO DE IDADE E TEMPO NA

ORGANIZAÇÃO ... 48

TABELA 5: MEDIDAS DE UNIDIMENSIONALIDADE DAS DIMENSÕES ... 49

TABELA 6: MEDIDAS DE IMPACTO DOS INDICADORES NAS VARIÁVEIS LATENTES ... 49 TABELA 7: ÍNDICES DE QUALIDADE DO MODELO ESTRUTURAL ... 53

TABELA 8: CORRELAÇÕES ENTRE AS VARIÁVEIS LATENTES DO MODELO ... 54

TABELA 9: MÉDIA DAS NOTAS ATRIBUÍDAS ÀS VARIÁVEIS LATENTES POR CADA UM DOS GRUPOS DE CARACTERIZAÇÃO ... 57

TABELA 10: IDENTIFICAÇÃO DOS ENTREVISTADOS ... 58

TABELA 11: CARACTERIZAÇÃO DAS INOVAÇÕES ... 60 TABELA 12: QUANTIFICAÇÃO DAS REFERÊNCIAS ... 63

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ÍNDICE DE FIGURAS

FIGURA 1: TIPOLOGIA DE INOVAÇÕES ... 22

FIGURA 2: CLASSIFICAÇÃO DOS ANTECEDENTES DE INOVAÇÃO SEGUNDO DIMENSÕES DE LIDERANÇA, RELACIONAL E ORGANIZACIONAL... 28

FIGURA 3: ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO ... 36

FIGURA 4: MODELO TEÓRICO DAS DIMENSÕES ENVOLVIDAS NA ORIENTAÇÃO PARA A INOVAÇÃO ... 45

FIGURA 5: RESULTADO DO MODELO DAS DIMENSÕES ENVOLVIDAS NA PROMOÇÃO 55 DO AMBIENTE INOVADOR ...

FIGURA 6: DISTRIBUIÇÃO DOS RESPONDENTES POR GRUPOS APÓS ANÁLISE DE

CLUSTERS ... 56

ÍNDICE DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1: DISTRIBUIÇÃO DOS RESPONDENTES POR ORGANIZAÇÃO EM QUE

PRESTAM SERVIÇOS ... 40

GRÁFICO 2: DISTRIBUIÇÃO DOS RESPONDENTES POR GÊNERO ... 41

GRÁFICO 3: DISTRIBUIÇÃO DOS RESPONDENTES POR GRAU DE INSTRUÇÃO ... 41

GRÁFICO 4: DISTRIBUIÇÃO DOS RESPONDENTES QUANTO A FUNÇÃO DE CHEFIA ... 41 GRÁFICO 5: IMPACTO DOS INDICADORES NAS VARIÁVEIS LATENTES ... 52

ÍNDICE DE QUADROS

QUADRO 1: QUESTIONÁRIO ... 42

QUADRO 2: GUIA DAS ENTREVISTAS ... 43

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8 INTRODUÇÃO

1. Enquadramento e relevância temática

A evolução da administração pública confunde-se com a busca pela melhor organização do Estado. Desde que as sociedades passaram a se organizar desta forma, três grandes movimentos globais podem ser identificados. No primeiro, houve a consolidação do Estado nacional. No segundo, as revoluções francesa e americana iniciaram o processo de substituição das estruturas monárquicas por governos mais democráticos. Na medida em que o atendimento ao interesse dos cidadãos passou a fazer parte das preocupações do Estado, delineia-se o terceiro movimento, com a paulatina ampliação das funções estatais, abrangendo a garantia de direitos como educação, saúde e bem-estar. Mais recentemente, os custos econômicos do alargamento dos serviços públicos estão provocando o questionamento do papel do Estado (Micklethwait e Wooldridge, 2015).

Acompanhando estes movimentos, a teoria da administração pública, que inicialmente se preocupou com a substituição das estruturas personalistas e arbitrárias por outras mais previsíveis, estáveis e sujeitas a controle; evoluiu em direção da gestão eficiente e eficaz dos recursos públicos, focada em resultados (Carneiro e Menicucci, 2011; Denhardt, 2012; Frederickson et al, 2012; Weber, 2016). Mais recentemente, cresce a busca por alternativas que integrem os cidadãos nos processos de tomada de decisão e implementação de políticas públicas, a fim de que Estado e povo atuem em via de mão dupla, com cidadãos atuantes e responsáveis de um lado e governo mais efetivo de outro (Denhardt, 2012; Rocha, 2013; Rodrigues, 2013).

O avanço tecnológico, por sua vez, tem sido apontado como importante ferramenta para a gestão pública, especialmente no que diz respeito à simplificação e automatização das rotinas governamentais. Em razão disso e da justa pressão dos cidadãos para a adoção das facilidades das novas tecnologias na prestação de serviços públicos, investimentos governamentais estão sendo direcionados para a introdução de tecnologias de informação e comunicação, num movimento identificado como ‘governança digital’ ou ‘governo eletrônico’ (Balbe, 2010; Bason, 2018; Dunleavy et al, 2005).

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Associada ao aprimoramento de produtos, processos ou estruturas organizacionais, com redução de custos ou melhoria nos resultados, a inovação é possível resposta às demandas da sociedade que, ao mesmo tempo em que deseja investimentos no setor público que melhorem a qualidade dos seus serviços, resiste em arcar com os custos envolvidos (Lynn, 2010). Para além da questão do equilíbrio financeiro, inovar através da interação com cidadãos e iniciativa privada pode proporcionar melhorias no delineamento de políticas públicas e trazer mais sentido à sua relação com o Estado, em benefício de todos (Bason, 2018; Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, 2017).

Este cenário obriga que as organizações públicas se orientem para a inovação, tornando-se propensas a mudanças por meio da adoção de novas tecnologias, recursos, ferramentas e sistemas operacionais. Para tanto, é necessário não apenas ampliar a abertura para a inovação, mas também desenvolver a capacidade para desenvolver soluções inovadoras internamente (Chen et al, 2009). O Brasil não está alheio a este movimento. Como lembra Balbe (2010), existem iniciativas na administração pública brasileira no sentido da adoção de novas tecnologias, inclusive dentro das próprias organizações, tanto para aprimorar os processos de trabalho, quanto para melhorar o relacionamento com cidadãos, iniciativa privada ou entre os entes governamentais. Exemplo deste esforço pode ser percebido na Advocacia Geral da União (AGU), instituição do governo brasileiro que tem por objetivo a representação judicial e a prestação de assessoria e consultoria ao Poder Executivo.

Trata-se de organização típica da administração pública brasileira, cuja estrutura organizacional revela tanto a prevalência de práticas desde há muito superadas na administração pública, quanto constantes tentativas de modernização. A recente difusão do processo judicial eletrônico, a paulatina digitalização dos órgãos do poder executivo e as modernas técnicas de cruzamento de dados, obrigam os gestores da AGU a inovar, tornando a instituição de especial interesse para o estudo da inovação na administração pública brasileira.

O presente trabalho pretende avaliar o processo de implementação de inovações no âmbito da AGU. Seguindo a sugestão de Brandão e Faria (2013), a investigação envolverá a identificação dos antecedentes ambientais, relacionais e de liderança nele envolvidos. O estudo promovido por Resende Júnior et al (2013) em organizações públicas brasileiras e

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portuguesas de destaque reconhecido servirá de base para a formulação de modelo que vise avaliar como se relacionam os antecedentes ambientais, relacionais e de liderança no sentido de promover a orientação para a inovação. O objetivo é, a partir da análise de um caso concreto em uma organização, formar conhecimento no que diz respeito ao processo de adoção e implementação de inovações no setor público, contribuindo para o melhor direcionamento dos investimentos para tornar efetiva a adoção de novas tecnologias, recursos, ferramentas e sistemas operacionais.

2. Pergunta de partida e hipóteses de pesquisa

Propõe-se fazer um estudo tendo como pergunta de partida como os antecedentes de inovação interferem nos processos de sua adoção e difusão no âmbito de uma instituição pública, nomeadamente a AGU. Como hipóteses de pesquisa temos:

• Nos processos de adoção e difusão da inovação no âmbito da AGU estão presentes os antecedentes relacionais, organizacionais e de liderança favorecedores de inovação apontados pela literatura;

• Os antecedentes relacionais, organizacionais e de liderança relacionam-se entre si e possuem diferente impacto na orientação para a inovação;

• É possível que indicadores ainda não identificados na literatura tenham interferido nos processos estudados.

3. Objetivos geral e específicos

O objetivo geral é, por meio da verificação de como se dá a adoção, o desenvolvimento e a difusão da inovação no contexto organizacional de uma instituição pública, identificar quais indicadores possuem impacto na avaliação da orientação da liderança para a inovação.

Os objetivos específicos são:

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• conceituar inovação no setor público, tratando de suas especificidades, limitações e antecedentes favorecedores;

• contextualizar a pesquisa desenvolvida, descrevendo como a administração pública brasileira e a instituição AGU se inserem no contexto teórico da administração pública, além de identificar e classificar as inovações estudadas;

• desenvolver modelo que permita mensurar o impacto dos antecedentes relacionais e organizacionais na orientação da liderança para a inovação;

• aplicar o modelo proposto, com a intenção de mensurar o impacto de conjunto de indicadores na avaliação da orientação para a inovação.

4. Estrutura da dissertação

A presente dissertação será dividida em quatro capítulos. No primeiro abordar-se-á como a ampliação do papel do Estado levou ao esgotamento da sua capacidade de financiamento e porque a inovação vendo sendo apontada como instrumento para lidar com este problema. A seguir, será explicitado o conceito de inovação no setor público, suas especificidades, limitações e antecedentes favorecedores.

O segundo capítulo destina-se a contextualizar a pesquisa desenvolvida. Para tanto, far-se-á breve relato da história da administração pública brasileira, seguida da descrição da estrutura organizativa da AGU e das inovações cujo processo de adoção, desenvolvimento e difusão se estudou.

No terceiro será descrita a metodologia e o modelo de análise utilizados. O quarto destina-se à apresentação e discussão dos resultados. Por fim, serão sintetizadas as conclusões.

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12 CAPÍTULO I: A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONTEMPORÂNEA

I.1. Evolução história da administração pública: para que serve o Estado e como ele deve se organizar

Os primeiros estudos que envolvem as estruturas do Estado aconteceram durante os séculos XVII e XVIII. Data desta época o início da separação do poder do Estado em relação ao poder social, bem como os primeiros esforços no sentido da estruturação das organizações públicas, com a definição de funções e papéis claros. Contudo, a prática administrativa ainda era vista como parte dos campos do direito, da política e da economia (Figueiredo Marcos, 2016). A consolidação da administração pública como objeto de estudo somente teve início nas décadas finais do século XIX, quando Max Weber (1864-1920) fez grandes questionamentos às formações políticas pré-modernas, marcadas pelo personalismo e pela temporalidade na determinação das funções e papéis públicos, e sugeriu sua substituição por uma autoridade organizada burocraticamente e destinada a transcender os limites temporais da vida dos governantes.

O modelo proposto por Weber tem os seguintes pressupostos: (1) repartição das funções de forma ordenada e estável, prevista em leis e normativos administrativos; (2) divisão e regulamentação do exercício da autoridade, organizada em uma hierarquia definida de cargos; (3) prestação de serviços realizada por pessoas selecionadas objetivamente entre as tecnicamente preparadas, preferencialmente em dedicação exclusiva, com estabilidade garantida, remuneradas por salário e submetidas a um sistema de carreira, com promoções fundadas no julgamento dos superiores (Denhardt, 2012; Weber, 2016).

A organização burocrática weberiana era por ele entendida como tecnicamente superior, pois atendia aos interesses econômicos e sociais que possibilitaram o surgimento da era moderna. De fato, como ressaltam Carneiro e Menicucci (2011, p.17), a adesão a estas propostas trouxe crescimento econômico, como reação “à arbitrariedade, ao nepotismo, ao clientelismo e ao patrimonialismo por parte de quem controla o governo, introduzindo um elemento de previsibilidade e estabilidade na implementação das atividades estatais, ao mesmo tempo em que instrumentaliza seu controle”.

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Na mesma medida em que o Estado se organizava, cresciam suas atribuições. Ao longo do século XX assistiu-se a uma constante expansão dos direitos dos cidadãos. As constantes pressões sociais para que o Estado fosse além das tradicionais funções de dar segurança e garantir a liberdade de atuação aos cidadãos, para assumir a responsabilidade pela melhoria das condições de vida da população fizeram que o modelo de Estado Liberal fosse, paulatinamente, substituído pelo Estado do Bem-estar Social, em que, além dos direitos políticos e civis, foram incluídos direitos sociais, especialmente de saúde, educação e assistência social.

A democracia exige que os governantes atendam os interesses de seus eleitores que, comumente, admitem a ampliação do Estado, desde que seus interesses sejam atendidos. No entanto, as demandas por políticas de distribuição de renda, medidas assistenciais e oferta universal de serviços de saúde e educação acabaram por criar uma situação de inchaço, em que a necessidade de financiamento do aparato estatal exige constante endividamento e/ou aumento da carga tributária. Como apontam Micklethwait e Wooldridge (2015, p.10), “os eleitores sobrecarregam o Estado com suas reinvindicações para depois se enfurecerem com o seu mau funcionamento”.

Para além desta percepção de esgotamento dos recursos do Estado, fortaleceu-se a ideia de que burocracia pública passou a atuar em seu próprio interesse, o que é, para Carneiro e Menicucci (2011, p.11) “um sintoma da fragilidade de controle democrático em garantir a prevalência dos interesses da coletividade no processo decisório da política”. Em razão disso, a burocracia passou a ser constantemente culpada por qualquer incapacidade ou limitação do governo, sendo sempre o alvo preferido daqueles que procuram melhorar o desempenho do Estado (Frederickson et al, 2012).

Ao longo do tempo as críticas pontuais foram sendo substituídas por um movimento no sentido de superar o modelo tradicional da administração pública: o New Public Management (NPM). Osborne (1993, p.2-3) aponta os princípios que estão no cerne do NPM, segundo os quais o governo: (1) catalisa a capacidade do setor privado de solucionar problemas; (2) divide com a sociedade o controle da atuação dos burocratas; (3) quebra os monopólios da prestação de serviços públicos e estimula a concorrência; (4) abandona o atendimento de regras como medida de gestão e em seu lugar define a missão a ser perseguida; (5) avalia suas

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ações segundo os resultados pretendidos; (6) trata o cidadão como consumidor, oferecendo-lhe opções de serviços a serem escolhidas segundo seus próprios critérios; (7) descentraliza os processos decisórios; (8) interfere no mercado apenas quando necessário para o atendimento do interesse público.

A implementação das reformas defendidas pelo NPM tinha a intenção de aproximar a administração pública, o quanto possível, da lógica que move a gestão privada, lançando mão de princípios tais como eficácia, produtividade, performance, competência, empreendedorismo, qualidade total, cliente, produto, desempenho, excelência. Não se trata, entretanto, de novidade. Observa-se que existe uma tradição nos países anglo-saxões no sentido de que “os interesses básicos da gestão são os mesmos, quer se trate de administrar uma empresa privada ou um órgão público” (Denhardt 2012, p.17). Em razão disso, as ideias liberais que fundamentaram o NPM tiveram nos países de modelo anglo-saxônico o seu berço e sua aplicação mais radical, com forte ênfase na mercantilização do serviço público, por meio da descentralização e da competição entre prestadores de serviços, e na redução do tamanho do Estado (Pollit e Bouckaert, 2002).

A crise do Estado do Bem-Estar Social, incapaz de atender as demandas dos cidadãos sem o crescente endividamento do setor público, proporcionou terreno fértil para que medidas liberais passassem a ser hegemônicas, provocando reformas nas administrações públicas de diversos países. Segundo a tradição liberal, o Estado não é solução para todos os problemas da sociedade e sua atuação deve ser o mais limitada possível. O NPM é a face da administração pública desta redefinição do papel do Estado. Seus defensores pretendiam alterar completamente os princípios que fundamentam o funcionamento estatal, conforme pode ser observado na tabela 1:

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TABELA 1: COMPARAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS TRADICIONAIS E CONTEMPORÂNEOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

DOUTRINA PRINCÍPIOS TRADICIONAIS PRINCÍPIOS CONTEMPORÂNEOS

ESCALA Grande – centralizada Pequena – descentralizada

PROVISÃO DE SERVIÇOS Prestação direta

Custos e benefícios estão previstos e não podem ser alterados

Contratação

Escolha nos custos e benefícios ESPECIALIZAÇÃO Pelas características do trabalho

Pelos processos e propósitos do trabalho

Pelas características do cliente Pela localização

CONTROLE Por práticas estandardizadas Por imputs (despesas, pessoal) Por outputs, processos Pela administração

Por resultados Pelos servidores

CRITÉRIOS Leis e regulamentos Latitude profissional

Desregulamentação Assunção de riscos

CONTRATAÇÃO Mérito, ações afirmativas, habilidades técnicas

Sem alterações LIDERANÇA Baseada em competências neutras

Especialização profissional

Baseada no estímulo empreendedorismo

ao

PROPÓSITOS Respeito à lei

Gerenciar de forma ordenada e confiável

Facilitar a mudança Criação de valor público Fonte: Frederickson 2012, p. 115

A aplicação do NPM, entretanto, não teve os resultados que dela se esperava. Algumas de suas premissas revelaram-se equivocadas, especialmente a crença de que as soluções de mercado poderiam ser indiscriminadamente aplicadas ao setor público. Mintzberg (1996) contesta esta ideia, afirmando que o mercado nem sempre é bom, ao passo que o governo nem sempre é ruim; que é possível que governo e mercado aprendam um com o outro; e que o ideal é que haja equilíbrio entre os setores público e privado. Nesta mesma linha, Carvalho (2008) afirma que a generalização de que a gestão empresarial é adequada a toda e qualquer situação, independentemente da complexidade e das finalidades envolvidas, não foi corroborada pela prática. O cidadão nem sempre pode ser tratado como consumidor, especialmente quando se trata de serviços de saúde e educação, onde há interesses socialmente globais envolvidos.

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Por outro lado, se no que diz respeito à economia e distribuição justa dos recursos, os resultados não foram os pretendidos, há inegáveis avanços em outras pautas, tais como: aumento seletivo e de curto prazo da eficiência; aparecimento de formas inovadoras de realizar propósitos públicos ou coletivos; alteração na postura da gestores públicos, que passaram a adotar atitudes empreendedoras e de abertura ao risco, além do esforço para se conectar com as necessidades dos cidadãos (Frederickson et al, 2012).

Outro efeito das reformas do NPM foi a multiplicação dos prestadores de serviços públicos e, consequentemente, a diversificação dos interesses envolvidos nas decisões de políticas públicas. Contribuem também para este cenário o processo de globalização econômica vivenciado no pós-guerra e a criação de diversas instituições de caráter supranacional. O resultado é a diminuição da força da autoridade estatal e a sua retirada do papel central da arena política. Nesta realidade, o Estado não tem mais controle pleno sobre os processos de tomada de decisão e passa a ser importante sua atuação no sentido de zelar para que os interesses dos grupos não prevaleçam em detrimento dos da coletividade.

Essa ampliação do espaço público é assim descrita por Denhardt (2012, p.269-270):

“Desde pequenas organizações sem fins lucrativos em nível local até grandes organizações multinacionais como a OMC, muitos grupos e entidades organizacionais se tornavam parte integrante do processo de política pública. Há várias razões para explicar o surgimento dessa situação. Em primeiro lugar, houve o aumento do ‘governo de terceiros’ com a contratação de organizações privadas e sem fins lucrativos para a provisão de serviços. Em segundo lugar, os governos estão cada vez mais criando ‘organizações não governamentais’ para prover serviços integrados. Em terceiro lugar, os avanços tecnológicos tornaram a colaboração em tempo real muito mais fácil do que era antes”.

Tudo isto torna necessário o desenvolvimento de novas formas de interação, bem como de processos de cooperação e mecanismos de estímulo das relações entre as diversas entidades envolvidas nos processos de formulação de políticas e prestação de serviço públicos. Esta nova exigência abre caminho para novas perspectivas de estudo na administração pública, com especial destaque para as teorias de governança.

O conceito de governança, como ressalta Frederickson et al (2012) ainda não está claramente definido. Há, segundo os autores, três distintas concepções para o termo, quais sejam: (1) governança como sinônimo de administração ou implementação de políticas

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públicas, visando unificar em uma única teoria da literatura multidisciplinar da atividade governamental; (2) governança equivalente ao NPM, com suas conhecidas preocupações sobre como o Estado deve se organizar e funcionar e na superação das patologias da burocracia; (3) governança como uma teoria que compreende o estudo das relações laterais e institucionais, o declínio da soberania e a fragmentação institucional trazida, entre outras razões, pela diminuição da importância das fronteiras jurisdicionais. Esta terceira concepção é a que vem ganhando maior destaque.

De fato, se no NPM o foco era a gestão e a implementação eficiente, econômica e eficaz das políticas públicas, a teoria da governança pretende “procurar alternativas através das quais o Estado pudesse articular e prosseguir o interesse público, substituindo a autoridade formal e hierárquica por mecanismos de autoridade informal, como sejam a negociação e a coordenação público-privada” (Rocha 2013, p.87). Para tanto, é necessário desenvolver as habilidades políticas dos gestores públicos no sentido de ampliar a participação de membros da sociedade na tomada de decisões e substituir as antigas noções de autoridade e controle pela coparticipação.

Há, desta forma, o resgate da política dentro da administração pública, diminuindo a importância de critérios técnicos nos processos de decisão e reforçando mecanismos participativos de deliberação na esfera pública. O papel do Estado é de integração e se realiza mediante a regulação e alocação dos recursos coletivos por meio de relações com a população e com outros níveis de governo. A grande novidade da governança é sua abordagem relacional, que admite a existência das redes/comunidades/sociedades como coparticipes no processo de construção de políticas públicas. Nesta visão, “os tradicionais modos de governação baseados em hierarquias ou no mercado vêm perdendo predominância para novas formas de coordenação baseadas em redes interorganizacionais” (Rodrigues 2013, p.104).

A teoria de governança também embute uma alteração na noção de cidadania e o abandono da ideia de cidadão-consumidor defendida pelo NPM. Como aponta Denhardt (2012, p.261) “os consumidores, basicamente, se concentram nos próprios desejos e vontades e em como podem satisfazê-los prontamente. Os cidadãos, por outro lado, põem seu foco no bem comum e nas consequências de longo prazo para a comunidade”. Espera-se, com isso,

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que Estado e povo atuem em uma via de mão dupla, de um lado cidadãos atuantes e responsáveis e, de outro, o governo efetivo.

Micklethwait e Wooldridge (2015) afirmam que após um período de expansão do papel do Estado, que evoluiu da forma liberal para o Estado do bem-estar social, os custos apareceram, causando crises fiscais mesmo nas economias mais estáveis e colocando a democracia em risco. O cenário atual é de crescente desconfiança no sistema de governo. Para os autores, é chegada a hora de alterar o paradigma do Estado. Neste sentido, as ideias neoliberais revelaram-se insuficientes, até porque sequer chegaram a ser adotadas em toda sua extensão. Lado outro, há limites até mesmo para a melhoria da gestão. Em algum momento a sociedade vai voltar a se questionar sobre o que deseja do Estado e quais os limites deste para atender seus desejos.

Lado outro, há que se considerar o impacto do avanço do ritmo da evolução tecnológica na gestão pública. Os Estados não podem se manter à margem do desenvolvimento da sociedade digital. Neste cenário, não é de se estranhar que boa parte dos investimentos da administração pública esteja se voltando para a introdução de tecnologias de informação e comunicação. Este movimento, ao mesmo tempo que proporciona a otimização dos recursos públicos, serve aos propósitos da governança, na medida em que possibilita melhor interação entre cidadãos e iniciativa privada. Balbe (2010) o chama de ‘governo eletrônico’. Layne e Lee (2001) sugerem que se trata de um fenômeno evolutivo, do qual pode se identificar quatro estágios. No primeiro, o foco era estabelecer a criação de portais e sites; no segundo, as iniciativas foram no sentido de permitir a interação eletrônica entre governo e cidadão; o terceiro e o quarto estágios correspondem, respectivamente, com a interação vertical, em que serviços semelhantes passam a ter o mesmo acesso; e a interação horizontal, quando o cidadão passa a ter a disposição uma espécie de loja virtual, com diferentes funcionalidades.

Para Dunleavy et al (2005) o NPM foi, gradativamente, perdendo a hegemonia intelectual e prática da administração pública, dando lugar para o que denominam ‘era da governança digital’. O novo movimento apresenta, ao mesmo tempo, convergências e divergências em relação ao NPM e, ao longo de tempo, certamente atrairá novos componentes cuja antecipação é impossível. Apesar de todas as incertezas sobre os efeitos e consequências de sua implementação, trata-se da promessa de transição para um governo

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integral, ágil e holístico, cujas operações organizacionais são acessíveis e transparentes. Para tanto, o Estado deve ser mais aberto aos outros e a si mesmo. Devem, ainda, ser adotadas medidas no sentido de projetar o ambiente institucional governamental para a simplicidade, automatizando as operações de rotina e proporcionando respostas rápidas para as demandas dos cidadãos.

Estas circunstâncias abrem espaço para a promoção da inovação que, segundo Lynn (2010), atende tanto aqueles que pretendem se beneficiar da diminuição da necessidade de financiamento estatal; quanto os que objetivam a melhoria da sua performance. Todo este potencial faz com que o tema se torne cada vez mais relevante para a administração pública.

I.2. Inovação no setor público

I.2.1. Conceito, especificidades e tipologias

É forçoso reconhecer que a inovação se revela de maior interesse para o setor privado, contudo, isso não afasta a necessidade de compreender os processos inovadores no setor público. Razões de ordem econômica e social assim o justificam, tendo em vista que parte considerável do PIB dos países vem do setor público, além de ser ele o responsável pela adoção de políticas que estimulem e facilitem a inovação (Brandão e Faria, 2013). Mais recentemente, as inovações tecnológicas passaram a alterar os padrões de relacionamento dos governos com os cidadãos, obrigando a administração pública contemporânea, de modo voluntário ou por necessidade, a se tornar aberta a sua adoção e promoção, sob pena de perda de legitimidade e representatividade (Balbe, 2010).

O tema inovação tornou-se relevante para a administração pública durante as reformas defendidas pelo NPM. Nesta primeira fase, houve o reconhecimento de que se tratava de um imperativo para a reinvenção do Estado, na medida em que a utilização de soluções de simplificação e racionalização de processos pode ser fator de redução do gasto público e reversão do crescimento do setor administrativo. Em seguida, surgiram estudos no sentido da identificação das dificuldades e limites para a sua implementação. Por fim, passou-se a discutir formas que possam facilitá-la e promover sua difusão (Bason, 2018; Resende Junior et al, 2013).

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De fato, a crise fiscal vivenciada pela maioria dos Estados, a crescente desigualdade social e as alterações demográficas, aliadas às demandas por eficiência e efetividade, obrigam a transformação do setor público e alteram a tradicional equação segundo a qual o risco deve ser evitado, tornando a inovação não só uma saída possível, como algo a ser estimulado. O papel da administração pública, neste contexto, não se limita à observação, é necessário atuar diretamente na promoção da inovação, sempre tendo em vista que a capacidade para seu desenvolvimento é diretamente influenciada pelo ambiente em que ela se dá (Castellano et al, 2011; OCDE, 2017; Schawb, 2017).

Por outro lado, é imperativo que os governos se favoreçam do ritmo exponencial que os avanços tecnológicos vêm alcançando. A forma como o desenvolvimento da tecnologia digital vem ocorrendo permite a diminuição progressiva dos custos e a otimização dos resultados, tornando-a rapidamente acessível a um número cada vez maior de pessoas (Ismael et al, 2015; Schawb, 2017). Acresça-se a isso que os cidadãos são compreensivelmente atraídos pelas facilidades das novas tecnologias e fazem pressão para sua adoção, apesar dos custos envolvidos. Por fim, a interação que as novas tecnologias proporcionam traz mais valor e sentido para a relação cidadão/Estado, em benefício de todos.

Importante ressaltar que a evolução tecnológica é apenas um dos seus fatores indutores de inovação (Chen et al, 2009; Gebauer et al, 2008). O termo inovar provém etimologicamente do latim innovare, que tem por significado mudar ou alterar as coisas introduzindo novidades. O primeiro economista importante a desenvolver o conceito foi Joseph Schumpeter (1883-1950), para quem há cinco tipos fundamentais de inovação: a introdução de um novo bem ou serviço; o uso de uma nova fonte de matéria prima; a incorporação de um novo método de produção; a abertura de um novo mercado e, por fim, novas formas de organização. Portanto, apesar de não se confundirem com o processo de evolução científica, as iniciativas inovadoras estão a ele relacionadas, tendo em vista que a cada alteração tecnológica substancial, seguem-se ondas de inovação, as quais estabelecem novas formas de produção que, por sua vez, suscitam processos inovadores de menor impacto (Castellano et al, 2011; OCDE, 2005).

Dada a crescente importância do tema para a economia contemporânea, a OCDE, com o objetivo de oferecer diretrizes para o desenvolvimento de pesquisas que o envolvam, publicou o Manual de Oslo (OCDE, 2005, p.55), o qual define inovação como “a

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implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de ‘marketing’, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas”. A partir deste conceito, é possível identificar quatro tipos de inovação: (1) de produto, correspondente a introdução ou aperfeiçoamento significativo de bens e serviços; (2) de processo, ou adoção de novos métodos de produção, técnicas, equipamentos e/ou software; (3) de marketing, correspondendo a novas concepções de produto, sua embalagem, promoção ou fixação de preços; (4) organizacional, quando há alterações nas práticas gerenciais.

Por outro lado, não basta que se trate de algo novo. A diferença que há entre invenção e inovação é que, enquanto a primeira é tão somente uma criação, a segunda implica que a novidade tenha uma utilidade. No que diz respeito ao setor público, este resultado está associado à criação de valor para a sociedade (Bason, 2018; Castellano et al, 2011; OCDE, 2017, Resende Junior et al, 2013). Ademais, “as inovações não são necessariamente originadas de invenções, elas podem ser fruto de adaptações de processos já existentes, ou, ainda, de adequações na utilidade de determinado produto em outro seguimento de mercado” (Escola Nacional de Administração Pública – ENAP 2014, p.14).

Portanto, quando aplicada ao setor público, a inovação é ferramenta para melhorar o desempenho organizacional do Estado, otimizando os recursos disponíveis para assegurar que os destinatários das políticas públicas tenham seus interesses atendidos. Para tanto, implica mudanças substanciais nos serviços oferecidos, nas técnicas e práticas, nos processos operacionais, métodos organizacionais, ou, ainda, na comunicação com os usuários. São, neste sentido, um ato disruptivo em relação ao conhecimento quotidiano, a quebra do ‘status quo’, que pode se dar pela descoberta, experimentação, imitação ou adoção de novidades (Bloch e Bugge, 2013; Castro et al, 2017; Lynn, 2010; Resende Junior et al, 2013).

ENAP (2014) propõe tipologia para inovações no setor público em função do nível de impacto que trazem a sociedade, considerando fatores como: (1) o ambiente ao qual está direcionada a ação (interno, externo ou ambos); (2) se a ação é circunscrita à realidade da organização ou possui potencial para ser difundida para toda a sociedade (nova para sociedade, nova para a organização ou mudança de rotina); (3) sua capilaridade, ou seja, quais

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seus beneficiários diretos (necessidade interna, população específica ou conjunto da população). Uma quarta tipologia, baseada na percepção das condições de gestão que favoreceram a geração da inovação, leva em consideração os seus fatores de sucesso, tais como a decisão política ou dos dirigentes; a disponibilidade de recursos; e a participação de parceiros externos (setor privado, universidades e centros de pesquisa e outros atores).

Diversos autores, a exemplo de Borins (2014), Chen et al (2009) e Choi e Chang (2009), ressaltam a importância da participação dos empregados dos mais variados níveis da hierarquia organizacional, bem como do uso da cooperação de parceiros externos, no processo de inovação. Neste sentido, Castellano et al (2011) apontam para a democratização do processo de inovação, que deixou de ser limitado pela tomada de decisão dos gestores de topo. Em razão disso, tornou-se possível classificar as inovações quanto ao seu processo, em

bottom-up, quando propostas pelos trabalhadores que atuam na linha de frente, ou de

gestores de escalas inferiores; top-down, quando são fruto de decisões dos gestores de topo (Hartley, 2005).

A figura 1 resume as tipologias aqui descritas:

FIGURA 1: TIPOLOGIAS DE INOVAÇÕES

QUANTO AO TIPO (OCDE, 2005)

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Fonte: elaboração própria

I.2.2. Antecedentes de inovação no setor público

A inovação no setor público é fruto de esforço consciente para a criação de novas ideias, capazes de serem transformadas em valor para a sociedade. Este processo possui

QUANTO AO IMPACTO (ENAP, 2014)

Ambiente (Público alvo) Interno Externo Ambos Grau de novidade Nova para a sociedade Nova para a organização Mudança de Rotina Capilaridade Necessidade interna População específica Conjunto da população

QUANTO AOS FATORES DE SUCESSO (ENAP, 2014)

Decisão política e/ou dos dirigentes

Engajamento da equipe

Disponibilidade de

recursos Participação externa

QUANTO AO PROCESSO (Hartley, 2005)

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antecedentes que o influenciam negativa ou positivamente. Dada a importância do estímulo a inovação, diversos estudos (Bason, 2018; Borins, 2014; Castro et al, 2017; Chen et al, 2009; Choi et Chang, 2009; Gebauer et al, 2008; Ismael et al, 2015; OCDE, 2017; Resende Junior et al, 2013) foram desenvolvidos a fim de identificar as barreiras e facilitadores do processo necessário para sua efetiva e bem-sucedida implantação.

Choi e Chang (2009) ressaltam que a inovação possui quatro estágios: (1) conscientização, ou identificação da necessidade; (2) adoção, equivalente a decisão da organização em utilizar a proposta; (3) implementação, que abrange toda a ação necessária para sua difusão e utilização em todo contexto ao qual se destina; e, por fim, (4) rotinização, ou a total assimilação do que foi idealizado. Os autores afirmam que é comum que novas tecnologias levem até cinco anos para se tornarem rotineiras, o que exige ação coletiva e coordenada a fim de fazer com que a inovação atinja seu potencial.

O processo de inovação no setor público envolve especificidades em relação a iniciativa privada. Na fase inicial, que vai da conscientização à tomada de decisão, a dinâmica segue a lógica democrática, exigindo dos gestores esforços no sentido da conciliação de interesses. Neste ponto, é preciso considerar que as organizações públicas não são meras prestadoras de serviços, mas autoridades com responsabilidades, obrigações e competências formais, o que torna esta conciliação mais complexa do que a verificada no setor privado. Por outro lado, há diferenças substanciais no que diz respeito a relação com o risco, que é estimulado pela iniciativa privada, e alvo de aversão no setor público. De fato, eventuais erros geram reações da mídia e da oposição, aumentando a pressão sobre o gestor público que pode, em razão disso, adiar ou evitar a inovação. A implementação, por sua vez, deve enfrentar a cultura organizacional focada nos princípios burocráticos tradicionais, bem como possíveis alterações na condução das decisões políticas, que podem até mesmo paralisar o processo. Outro aspecto a ser considerado é que a regulamentação é maior na administração pública, especialmente no que diz respeito a questões orçamentárias, trazendo problemas adicionais para a contratação de recursos humanos e de infraestrutura, bem como para a liberação de financiamento (Bason, 2018; Bloch e Bugge, 2013; Borins, 2014).

Em razão destas peculiaridades, as barreiras encontradas ao longo do processo de inovação são exacerbadas no setor público, cuja cultura organizacional ainda é focada nos

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princípios burocráticos tradicionais, na aversão ao risco e na resistência dos trabalhadores a novas ideias, por vezes entendidas como uma ameaça a seus direitos ou benefícios. Adicione-se a isto questões relacionadas a falta de mecanismos para deAdicione-senvolvimento e compartilhamento do conhecimento (Bason, 2018; Borins, 2014; Castro et al, 2017).

Não faltam estratégias para a superação destas barreiras. Para OCDE (2017) o setor público, em razão das pressões para o enfrentamento do seu alto custo e baixa produtividade, está cada vez mais aberto a rever seus processos, estruturas e sistemas. Em razão disso, investimentos devem ser direcionados no sentido de estimular a capacidade de inovação dos servidores, apoiando de forma especial àqueles que possam ser os catalisadores do processo; facilitar a livre circulação de informação e dados; adotar parcerias para dividir riscos e aproveitar a informação e os recursos disponíveis; e, por fim, criar regras que mitiguem os riscos.

Em linha semelhante, Bason (2018) e Castellano et al (2011) defendem esforços para incluir o maior número de pessoas possível na busca por soluções, estimulando a troca de ideias e a participação proativa dos diferentes níveis hierárquicos das organizações, além do compartilhamento do processo com os destinatários das políticas públicas. Borins (2014), por sua vez, acrescenta a necessidade de se ter uma estratégia para a promoção da inovação. Para tanto, é recomendável escolher um modelo a ser seguido; antecipar riscos, tais como a resistência da burocracia interna, a incerteza da adoção pelos usuários e as limitações de recursos; e avaliar a evolução da sua adoção e implantação, dando resposta às críticas e divulgando cada avanço.

Já para Castro et al (2017) a inovação é facilitada por uma comunicação institucional voltada para a integração e descentralização do conhecimento; pelo investimento na qualificação dos recursos humanos no sentido de promover a cultura de aprendizagem; por esforços na disponibilização dos recursos necessários; pelo reconhecimento e compartilhamento de conhecimento e ideias relacionadas ao processo de implementação; pela padronização de dados e processos, facilitando a interface entre sistemas e ferramentas; e pelo estímulo ao trabalho em equipe.

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Choi e Chang (2009), ao investigarem diversas organizações públicas da Coréia do Sul, verificaram como o apoio dos gestores, a disponibilização dos recursos (materiais, de pessoal, conhecimento e tempo) e o suporte ao conhecimento, por meio do engajamento em experimentação e pensamento de risco, interferem na percepção dos empregados quanto sua habilidade para implementar inovação.

O trabalho de Ismael et al (2015), embora não se refira ao setor público, traz importantes contribuições na identificação dos indicadores facilitadores da inovação. Com as devidas adequações, as organizações do setor público podem adotar as estratégias por eles propostas, dentre as quais se destacam, para além dos já assinalados engajamento colaborativo e abertura ao risco, o aproveitamento recursos externos, eliminando a necessidade de aquisição de novas infraestruturas ou recursos humanos e o investimento na coleta de dados para melhor fundamentar as decisões dos gestores e aumentar a circulação da informação.

Também os estudos de Chen et al (2009) e Gebauer et al (2008) se referiram a organizações do setor privado. Os primeiros desenvolveram modelo segundo o qual as práticas inovadoras são positivamente influenciadas por dimensões de ordem organizacional, relacional e de disponibilidade de recursos tecnológicos. Na primeira inclui-se a abertura para novas ideias e tecnologias, acrescida do estímulo interno para que colaboradores proponham e se engajem nos processos de implementação da inovação. Na segunda avalia-se o processo de interação através do qual ativos e informações são trocados com parceiros externos, tais como institutos de pesquisa, consumidores e fornecedores. A terceira, por sua vez, é composta pelos recursos operacionais envolvidos no processo, divididos em infraestrutura, recursos humanos e outros ativos intangíveis.

Gebauer et al (2008), por sua vez, apontam os seguintes antecedentes favorecedores de inovação: envolvimento dos empregados, compartilhamento de informações, formação de grupos de trabalho multifuncionais, disponibilização de novas tecnologias, adoção de estratégias de organização interna com a finalidade de inovar, seleção de boas práticas e oferta de atividades de treinamento.

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Partindo dos trabalhos de Chen et al (2009) e Gebauer et al (2008), Resende Júnior et al (2013, p.259) fizeram estudo com o intuito de desenvolver uma Escala de Orientação para a Inovação (EOI), definida como “abertura da organização a novas ideias e a propensão à mudança por meio de novas tecnologias, recursos, habilidades e sistemas administrativos”. Os autores ressaltam a importância de indicadores como: suporte e orientação da liderança, monitoramento do ambiente externo, adoção de referenciais comparativos externos para avaliação do desempenho, avaliação comparativa estruturada, gestão de ideias de usuários e servidores, desenvolvimento em serviços, flexibilidade nas práticas de gestão de pessoas, práticas estruturadas de gestão do conhecimento e avaliação comparativa de melhores práticas.

O trabalho de Resende Junior et al (2013) é de especial interesse por ter envolvido organizações públicas brasileiras e portuguesas com desempenho destacado e que seguem modelos de avaliação de gestão. Os resultados encontrados foram no sentido de que é possível dividir os indicadores relacionados a inovação em dois grupos: (1) ambiente de estímulo a aprendizagem; e (2) gestão de competências e monitoramento do ambiente externo. A proposta se aproxima do já mencionado modelo proposto por Chen et al (2009), que previram a divisão dos antecedentes de inovação em organizacionais, ou culturais; e relacionais, que envolvem a conexão com o ambiente externo à organização.

Há que se destacar, por outro lado, o papel fundamental que a liderança exerce nos processos de inovação, sendo a elaboração de uma estratégia que os estimule e apoie identificada como fator essencial para o processo de criação ou introdução de inovações por autores como Bason (2018), Borins (2014), Choi e Chang (2009), ENAP (2014) e Ismael et al (2015). No modelo de Resende et al (2013) o tema liderança foi incluído no grupo ‘ambiente de estímulo a aprendizagem’, contudo, dada sua importância, os indicadores relativos à liderança para inovação merecem destaque.

A figura 2 foi elaborada a partir da divisão proposta por Resende Junior et al (2013). O grupo ‘ambiente de estímulo a aprendizagem’ foi subdivido em ‘de liderança’ e ‘organizacional’; o grupo ‘gestão de competências e monitoramento do ambiente externo’ recebeu o nome ‘dimensão relacional’. Foram, ainda, incluídas as colaborações de Bason

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(2018), Borins (2014), Castro et al (2017), Chen et al (2009), Choi e Chang (2009), Gebauer et al (2008), Ismael et al (2015) e OCDE (2017).

FIGURA 2: CLASSIFICAÇÃO DOS ANTECEDENTES DE INOVAÇÃO SEGUNDO DIMENSÕES DE LIDERANÇA, RELACIONAL E ORGANIZACIONAL

DIMENSÃO DE LIDERANÇA

ANTECEDENTE FONTE

Os líderes interagem com organizações parceiras e usuários Bason (2018); Borins (2014); Chen et al (2009); Choi e Chang (2009); Gebauer et al (2008); Ismael et al (2015); OCDE (2017); Resende Junior et al (2013) Os líderes toleram falhas e estimulam a admissão do risco

Os líderes estão abertos a críticas

Os líderes consideram as sugestões dos servidores no processo de tomada de decisão

Bason (2018); Borins (2014); Choi et al (2009); Ismael et al (2015)

Os dados existentes são considerados no processo de tomada de decisão

DIMENSÃO RELACIONAL

ANTECEDENTE FONTE

Há contratações de pessoas para atender necessidades específicas da organização

Bason (2018); Borins (2014); Chen et al (2009); Gebauer et al (2008); Ismael et al (2015); OCDE (2017); Resende Junior et al (2013)

Implementam-se novos métodos de trabalho a partir de experiências bem-sucedidas em outras organizações

Recursos externos são aproveitados, eliminando a necessidade de aquisição de equipamentos e infraestrutura

São adotados referenciais comparativos externos como parâmetro de avaliação dos resultados

Borins (2014); Chen et al (2009); Resende Junior et al (2013)

Há ações corporativas para qualificação dos empregados com vistas a aprimorar processos e a prestação de serviços

Há prática sistematizada de tratamento das reclamações dos usuários objetivando a melhoria do desempenho

Bason (2018); Borins (2014); Chen et al (2009); OCDE (2017); Ismael et al (2015); Resende Junior et al (2013) Os servidores são estimulados a oferecer sugestões de melhorias à

organização

As sugestões de melhorias dos usuários são tratadas

As contratações de novos servidores são baseadas na identificação de competências essenciais à organização

Bason (2018); Choi e Chang (2009); Gebauer et al (2008); OCDE (2017); Resende Junior et al (2013) Há prática de reconhecimento dos servidores que contribuem com

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Existem ações de pesquisa e desenvolvimento para serviços Borins (2018); OCDE (2017); Resende Junior et al (2013)

DIMENSÃO ORGANIZACIONAL

CONCEITO FONTE

O horário de trabalho é flexível, permitindo o envolvimento em atividades de aprendizagem

Bason (2018); Castro et al (2015); Ismael et al (2015); OCDE (2017);

Resende Junior et al (2013) São criados grupos de trabalho visando a proposição de novas

práticas

Existe estímulo à partilha de conhecimento entre colegas de trabalho

Bason (2018); Borins (2014); Castro et al (2015); Ismael et al (2015); OCDE (2017); Resende Junior et al (2013) Experimentam-se novas formas de realizar as tarefas

Os servidores têm liberdade para experimentar novas formas de realizar as tarefas

Os dados existentes na organização são filtrados e processados Existe prática de conversar em grupo sobre como resolver problemas de trabalho

Os servidores sabem que é importante conhecer as formas de trabalho de outras organizações para poder melhorar os procedimentos internos

Existem mecanismos para a seleção de boas práticas Fonte: elaboração própria

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30 CAPÍTULO II: INOVAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA: O CASO A ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

II.1. Da formação do Estado brasileiro aos desafios contemporâneos

A administração pública brasileira foi, ao longo da história, influenciada pelos três grandes movimentos globais de ampliação do papel do Estado. Num primeiro momento, houve a necessidade de fortalecimento das estruturas nacionais, como forma de superar a período colonial. No segundo, a proclamação da República tinha por intenção ampliar a democracia, com o afastamento em definitivo das estruturas monárquicas. Ao longo do século XX, os brasileiros observaram a alternância entre períodos autocráticos e democráticos. A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CF/88 deu início ao atual período, marcado pelo conflito entre as pressões sociais pela ampliação do acesso à educação, saúde, assistência e previdência social e os limites financeiros de uma economia ainda em desenvolvimento.

Durante o período colonial, a administração pública brasileira se organizava em torno da divisão do poder entre a metrópole e membros da elite local. Fausto (1996, p.45) ressalta que não há unanimidade dentre os historiadores quanto à preponderância da autoridade portuguesa, sendo fato que “o Estado foi estendendo seu alcance ao longo do tempo, diríamos melhor ao longo dos séculos, estando mais presente em regiões que eram o núcleo fundamental da economia de exportação”.

Esta situação só passou a se alterar a partir da mudança da sede da monarquia portuguesa para o Brasil, que deu início à tentativa de imposição de uma estrutura organizada de Estado (Costa, 2008). A partir do retorno da família real para Portugal, tentativas de grupos no sentido de impor o retorno à condição de colônia, acabaram por criar condições para a declaração de independência brasileira, que fez chegar ao poder de fato a elite colonial, formada por fazendeiros, comerciantes e membros da sua clientela. O sistema político então concebido era fortemente centralizado. A organização da administração pública, por sua vez, não superou as práticas de clientela (sistema de troca de favores entre grupos dominantes e dominados) e patronagem (acesso a benefícios econômicos por meio de alianças políticas),

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impedindo a racionalização da administração e a criação de uma burocracia profissional (Costa, 1998).

A proclamação da República pretendeu realizar a modernização do Estado brasileiro, com a instauração do regime republicano federalista de inspiração norte americana. Contudo, o novo regime foi incapaz de alterar a realidade agrícola e semicolonial brasileira. As eleições eram controladas, de forma a garantir a alternância de poder. Como lembra Bresser-Pereira (2003, p.80) “um dos partidos sempre ganhava a eleição, enquanto ao partido da oposição era garantido exatamente um terço das cadeiras no Congresso”.

Coube a Getúlio Vargas, no início dos anos 1930, as primeiras medidas no sentido da superação das práticas de clientela e patronagem, substituindo-as pelo compromisso com a profissionalização e a meritocracia defendidas pelo modelo burocrático weberiano. A despeito de seu caráter populista e autoritário, o período getulista (1930-1945) deixou como legado uma nova estrutura social e política. Costa (2008) e Carneiro e Menicucci (2011) ressaltam a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), ocorrida em 1936, como marco da adoção do modelo burocrático. Sua missão era “definir e executar a política para o pessoal civil, inclusive a admissão mediante concurso público e a capacitação técnica do funcionalismo, promover a racionalização de métodos no serviço público e elaborar o orçamento da União” (Costa 2008, p.845).

O período democrático deflagrado pelo final da era Vargas foi caracterizado pela crescente participação do Estado na economia, com a criação de grandes empresas estatais. Enquanto a administração direta manteve-se entregue às antigas práticas de clientelismo, a autonomia gerencial atribuída à administração indireta permitia “recrutar seus quadros sem concursos, preferencialmente entre os formados em think thanks especializados, remunerando-os em termos compatíveis com o mercado” (Costa 2008, p.848). Esta política possibilitou a constituição de “ilhas de excelência no setor público voltadas para a administração do desenvolvimento, enquanto se deteriorava o núcleo central da administração” (Costa 2008, p.848).

Esta realidade foi aprofundada durante a ditadura militar. A única tentativa de reforma do período, consubstanciada no Decreto-Lei n.º 200/1967, pretendia o aumento das

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atividades de planejamento e controle, mas mantinha a distinção entre administração pública direta – ministérios e demais órgãos subordinados ao presidente da República; e a indireta – autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista. Não houve, portanto, reversão das práticas de favorecimento e do crescimento generalizado de entidades da administração indireta, muitas delas sem função definida. Para Lima Júnior (1998) tais práticas devem-se ao fato de que o serviço público foi delineado para ser alternativa de renda para parte da classe média e, em razão disso, tornou-se permeável ao processo político. Sua função é mais dar legitimidade ao governo de ocasião do que atuar em favor do interesse público.

O primeiro governo democraticamente eleito após a edição da CF/88 tinha a proposta de modernizar o Estado, reduzindo sua estrutura. Contudo, não houve qualquer preocupação em fundamentar tecnicamente as medidas tomadas. O resultado foi uma reforma voluntarista, errática e irresponsável, que trouxe desarticulação e desestruturação à administração pública (Costa, 2008; Lima Júnior, 1998). Coube ao governo seguinte (1994-2002), capitaneado por Fernando Henrique Cardoso (FHC), a tentativa de implementação do NPM no Brasil.

Partindo do pressuposto de que o modelo burocrático deveria ser superado, a proposta era a adoção da administração pública gerencial, orientada pelos valores de eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos. Destacam-se do plano diretor então apresentado diretrizes relacionadas ao aumento da eficiência através da racionalização da utilização de recursos, à adoção do controle por resultados, e à redução do tamanho do Estado através da privatização, da terceirização, da desregulamentação e do estímulo à criação de organizações não governamentais para atuar em parcerias no atendimento às questões sociais (Costa, 2008).

A reforma administrativa de FHC aumentou o investimento na qualificação e profissionalização do serviço público, especialmente nas denominadas carreiras de Estado. A implementação das outras medidas, entretanto, encontrou limitações orçamentárias e resistência política. Derrotado nas eleições de 1994, o PT passou a vincular o modelo gerencial a um projeto de caráter neoliberal. Ainda que o próprio idealizador da reforma, Bresser-Pereira (2003), não se defina como liberal, o discurso petista foi no sentido de que qualquer

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tentativa de reforma da máquina pública destina-se a atender interesses do mercado financeiro. De fato, a gestão pública não foi prioridade no governo de FHC, perdendo paulatinamente sua relevância para questões de ordem econômica. Neste contexto, aspectos financeiros, como o corte de custos e de pessoal, tiveram relevância muito maior que questões de gestão (Abrucio, 2007).

A despeito das limitações e resistências, Filgueiras (2018) e Abrucio (2007) apontam outras relevantes consequências do período FHC: ganhos de eficiência nas políticas públicas em razão da criação de mecanismos de avaliação e controle social; melhores práticas de planejamento e controle orçamentário, com destaque para a lei de responsabilidade fiscal; e início da implantação do governo eletrônico. No entanto, “não se pode deduzir que houve a ruptura com o modelo burocrático, porque é possível interrogar até mesmo se a experiência do Estado brasileiro já compôs um modelo burocrático típico, nos moldes weberianos” (Filgueiras 2018, p.76).

Apesar das críticas em relação às propostas de reforma apresentadas no período em que foi oposição ao governo FHC, o PT, que venceu a eleição de 2002 e governou o país até 2015, manteve a maior parte dos progressos obtidos, especialmente no que diz respeito ao planejamento e à responsabilidade fiscal. Houve, entretanto, alterações no discurso a fim de se evitar referências a onda reformista defendida pelo governo anterior. No que diz respeito à gestão de pessoas, foram grandes os investimentos no sentido de fortalecer a profissionalização do serviço público, com a ampliação do conceito das carreiras de Estado, a fim de fortalecer a capacidade estatal como forma de enfrentar os desafios para o desenvolvimento do país. Neste sentido, ganham destaque os esforços de estruturação dos órgãos de controle, a exemplo da Controladoria Geral da União, do Ministério Público Federal, da Política Federal e do Tribunal de Contas da União.

No que diz respeito às nomeações dos cargos de gestão e assessoramento, manteve-se a tradição, nunca alterada, de buscar pessoas tanto na estrutura da administração quanto no mercado privado. Nota-se aumento considerável nos cargos de livre nomeação, o que é parcialmente explicado pela ampliação da máquina pública. Apesar da maioria dos cargos ser ocupada por servidores de carreira, é digno de nota o uso de nomeações para compor equipes com aliados ou cooptar opositores, o que justifica as críticas no sentido de que o modelo

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administrativo petista incluía o chamado ‘loteamento de cargos’ (Abrucio, 2007; Cavalcante e Carvalho, 2017).

Balbe (2010) e Carneiro e Menicucci (2011) ressaltam o aumento dos investimentos na instauração do governo eletrônico. A intenção é utilizar tecnologia de informação para ampliar a eficácia e a eficiência na prestação de serviços, melhorar a comunicação e a transparência governamentais, e simplificar processos de suporte. Este cenário abre espaço para a promoção da inovação, com destaque para a atuação da ENAP que, desde 2015, realiza, anualmente, a semana de inovação. No evento são apresentadas e premiadas iniciativas de inovação da administração pública brasileira. A intenção é premiar servidores que produziram resultados positivos para o serviço público e para a sociedade, através da sua dedicação “a adoção de inovações, entendidas como mudanças em práticas anteriores, por meio da incorporação de novos elementos na gestão pública ou de uma nova combinação dos mecanismos de gestão existentes” (Castro et al, 2017, p.128).

Apesar dos investimentos e reformas implementados a partir da redemocratização de 1988, a administração pública brasileira ainda é caracterizada pela convivência de iniciativas de excelência com práticas personalistas. Neste contexto, a Advocacia Geral da União (AGU) destaca-se como instituição de excelência, ainda em luta para afirmação de sua autonomia e eficiência em face das pressões políticas patrimonialistas e clientelistas ainda presentes nas estruturas de Estado brasileiras.

II.2. Estrutura organizacional da Advocacia Geral da União

A AGU é uma instituição jovem, cujos 25 anos de existência se confundem com a redemocratização do Brasil. No período que antecedeu sua criação, o assessoramento jurídico era realizado por assistentes jurídicos espalhados pelos diferentes ministérios, sem que houvesse qualquer intercambio, ou mesmo a possibilidade de atuação conjunta, o que provocava a adoção de entendimentos diferentes e, por vezes, contraditórios. O Ministério da Fazenda, em razão de sua importância estratégica, contava com estrutura jurídica de assessoramento própria, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Nos termos do art. 1º do Decreto-lei 147 (1967), eram atribuições da PGFN o assessoramento jurídico, inclusive no que diz respeito ao exame de contratos, acordos ajustes e convênios de interesse

Referências

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ed è una delle cause della permanente ostilità contro il potere da parte dell’opinione pubblica. 2) Oggi non basta più il semplice decentramento amministrativo.

Parece assim, ter-se contribuído para os estudos sobre a implementação de novas estratégias de ensino e aprendizagem através da literacia visual, enquadradas com a

São eles, Alexandrino Garcia (futuro empreendedor do Grupo Algar – nome dado em sua homenagem) com sete anos, Palmira com cinco anos, Georgina com três e José Maria com três meses.

Os resultados são apresentados de acordo com as categorias que compõem cada um dos questionários utilizados para o estudo. Constatou-se que dos oito estudantes, seis

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o