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Educação e emancipação feminina na Paraíba nas primeiras décadas do século XX

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Academic year: 2021

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EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO FEMININA NA PARAÍBA NAS

PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

AURENI MARIA DA SILVA

Dissertação de Mestrado História Contemporânea, apresentada à

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de

Lisboa, sob a orientação do Professor Doutor Paulo Jorge Fernandes

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AURENI MARIA DA SILVA

Dissertação de Mestrado História apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Com requisito parcial para obtenção de grau de Mestre em História, (área de especialização em História Contemporânea).

Orientador: Paulo Jorge Fernandes.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta, bem como todas as minhas demais conquistas aos meus amados pais e aos meus filhos: Laíz Aline e Raoni Rodrigues e aos meus irmãos e irmãs que acreditaram em mim.

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“Eu escrevo para criar um mundo em que posso viver. Procuro criar um mundo como se cria um determinado clima, uma atmosfera onde eu pudesse respirar”. Anayde Beiriz

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus e a Nossa Senhora, que iluminou о meu caminho durante esta caminhada, por ter me dado força e coragem para enfrentar as inúmeras dificuldades encontradas em Portugal.

Agradeço à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e seu corpo docente.

Meu agradecimento especial ao Orientador Paulo Jorge Fernandes, por me acompanhar, incentivar e orientar durante todo este percurso. Pela sua disponibilidade, compreensão e partilha.

À Professora Doutora Claudia Maia de Jesus, por me ter mostrado a importância desse assunto para historiografia do meu Estado – Paraíba – e pelo interesse tão profundo pelo tema.

Aos amigos, professores e professoras, esses que estiveram em diferentes momentos ao meu lado, nessa caminhada; Cristina Guimarães, Donizette Lima do Nascimento, Deise Lucide, José Faria, Lúcio Flávio Costa, Jucilene Vieira e Patrícia Bezerra.

Aos amigos, Germano Silva, Fernando Nunes e Cassimiro de Jesus Gonçalves quem me deram maior incentivo e apoio para a realização deste estudo em Portugal.

Às amigas, Irene Feliz da Costa, Celeste Correia Torres, Daria Martins, Rosangela Alencar e todos da Escola Cândida de Sá.

E a todos que, direta ou indiretamente, fizeram parte da minha formação e os que acreditaram no meu potencial, o meu muito obrigado.

À Prefeitura Município Santa Rita – PB, que concedeu a licença para a realização deste estudo.

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RESUMO

Apresentamos nesta dissertação de Mestrado em História (área de especialização em História Contemporânea) na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, um estudo sobre as questões de gênero e os textos literários com práticas emancipatória das professoras e escritoras, Eudésia de Carvalho Vieira e Anayde Beiriz as quais contribuíram para a historiografia da educação da Paraíba e do feminismo do Brasil. Essas mulheres viveram na primeira metade do século XX, uma época em que o papel da mulher era de esposa e mãe, desempenhando uma série de atividades tradicionalmente femininas: o cuidado das crianças, da casa, da fiação e da tecelagem. Esta pesquisa tem por objetivo apresentar ao público uma análise das contribuições para autonomia e emancipação feminina deixadas por Eudésia de Carvalho Vieira e Anayde Beiriz no tocante às mudanças comportamentais e de valores. O nosso estudo se fundamentou a partir de uma análise dos textos de autoria feminina durante o século XX, como também das duas professoras e educadoras supracitadas.

O espaço de investigação empírica da pesquisa é o Estado da Paraíba, basicamente entre os anos de 1905 a 1930. Optamos por pesquisar a partir da discussão sobre o feminismo, numa época em que o Brasil e a Paraíba conviviam com lutas políticas e mudanças de poder que conduziram ao período da Revolução de 1930. Analisando esse tema, chegamos à percepção que a insistência pela emancipação política das mulheres brasileiras vem desde o século XIX, e ficou mais forte no início do século XX, após a grande mobilização de regime político. Nas primeiras décadas, observa-se um período de grandes transformações, vinculado às ditaduras e a persistência dos seus direitos à educação e de votar e ser votada.

Essas paraibanas insubmissas que procuraram se fazer ouvir, que buscaram meios de comunicar suas ideias, angústias, sonhos e realizações, que não se conformaram em viver à sombra de outros, considerando que tinham o que dizer e fazer, merecem ser perscrutadas e suas lutas conhecidas e reconhecidas.

Palavras-chave: Mulheres; Igualdade de Gênero; emancipação feminina: Brasil e Paraíba.

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ABSTRACT

We present in this Master's dissertation in history (specialization in Contemporary History) at the Faculty of Social and Human Sciences, New University of Lisbon, a study on gender issues and literary texts with emancipatory practices of teachers and writers, Eudésia de Carvalho Vieira and AnaydeBeiriz which contributed to the historiography of education of Paraiba and feminism in Brazil. These women lived in the first half of the twentieth century, a time when the role of the woman was a wife and mother, playing a number of traditionally female activities: the care of children, house, spinning and weaving. This research aims to present the contemporary audience an analysis of contributions to autonomy and female emancipation left by Eudésia de CarvalhoVieira and Anayde Beiriz with respect to changes in behavior and values. Our study was based from an analysis of female authors of texts during the twentieth century, as well as the two teachers and educators above.

The empirical research area of research is the state of Paraíba, basically between the years 1905 to 1930. We chose to search from the discussion of feminism, at a time when Brazil and Paraíba coexisted with political struggles and power changes led to the period of the Revolution of 1930. by analyzing this issue, we come to the realization that the insistence by the political emancipation of Brazilian women comes from the nineteenth century and grew stronger in the early twentieth century, after the major mobilization of political regime. In the first decades, there is a period of great change, linked to dictatorships and the persistence of their rights to education and to vote and be voted.

These Paraiba women that never give up, who sought to be heard, which sought ways to communicate their ideas, fears, dreams and achievements, which did not conform to live in the shadow of others, considering they had to say and do, deserve searchingly and their known struggles and recognized.

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Sumário

LISTA DE SIGLAS ... 9

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO I - UMA TENTATIVA DE SE COMPREENDER A INFLUÊNCIA DA MULHER NA SOCIEDADE PARAIBANA NO COMEÇO DO SÉCULO XX ... 18

1.1 A PARAÍBA EM DESTAQUE NACIONAL ... 18

1.2 A cooperação feminina no Estado da Paraíba ... 22

CAPÍTULO II- OS CAMINHOS PERCORRIDOS SOBRE O FEMINISMO NO BRASIL E NA PARAÍBA ... 33

2.1 A LUTA PELA CIDADANIA: O EXTENSO CAMINHO DAS MULHERES ... 33

2.2 A EDUCAÇÃO PARA A MULHER ... 37

2.3 A MODERNIDADE TROUXE MUITA AGITAÇÃO PARA AS MULHERES ... 40

2.4 A DÉCADA DE 1920, UM PERIODO DE TRANSFORMAÇÕES COMPORTAMENTAIS E DE NOVOS HÁBITOS. ... 44

2.5 AS MANIFESTAÇÕES E OS MOVIMENTOS ... 47

CAPÍTULO III- EUDÉSIA VIEIRA: UMA VIDA DEDICADA À EDUCAÇÃO ... 52

3.1 O TRIUNFO DO MAGISTÉRIO PARA AS MULHERES PARAIBANAS ... 52

3.2 OS LIVROS PUBLICADOS POR EUDÉSIA VIEIRA ... 60

3.3 A PRESENÇA DA MULHER NA IMPRENSA PARAIBANA ... 67

CAPÍTULO IV- ANAYDE BEIRIZ, UMA MULHER À FRENTE DO SEU TEMPO ... 74

4.1 ANAYDE BEIRIZ – PARA SEU TEMPO, UMA MULHER EMANCIPADA. ... 74

4.2 TECENDO E BORDANDO NO MUNDO LITERÁRIO ... 79

4.3 ANAYDE E JOÃO DANTAS: AMOR E CONFLITOS ... 83

5- CONCLUSÃO ... 94

BIBLIOGRAFIA ... 99

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LISTA DE SIGLAS

UFPB: Universidade Federal da Paraíba

IHGP: Instituto Histórico e Geográfico Paraibano FUNESC: Fundação Espaço Cultural da Paraíba FBPF: Federação Brasileira pelo Progresso Feminino APPF: Associação Paraibana pelo Progresso Feminino PMR: Faculdade de Medicina de Recife

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INTRODUÇÃO

... Se a mulher só existisse na ficção escrita pelos homens, poder-se-ia imaginá-la como uma pessoa de maior importância: muito versátil, heróica e mesquinha; admirável e sórdida; infinitamente bela e medonha ao extremo; tão grande quanto o homem e até maior, para alguns. Mas isso é a mulher na ficção. Na realidade, (...) ela era trancafiada, surrada e atirada pelo quarto. (WOOLF, 1985, p.56).

Na história do Brasil, é possível perceber que várias mulheres se posicionaram na contramão dos arquétipos femininos sopesados como naturais ou normais por parte de uma elite pautada pela normatização e pelo conservadorismo. Sendo o Brasil um país miscigenado, compreende-se a existência de normas de conduta divergentes imputadas às diferentes etnias que constituíram o povo brasileiro, o que resultou na existência de diversos padrões de comportamento. Assim, muitas mulheres lutaram contra a circunstância de inferioridade, buscando autonomia e emancipação.

Pensando nisso, a presente dissertação, intitulada Educação e emancipação

feminina na Paraíba nas primeiras décadas do século XX, propõe um estudo sobre os

textos literários e as biografias pertencentes às professoras e escritoras Eudésia de Carvalho Vieira e Anayde Beiriz. A escolha desses dois nomes se justifica na grande contribuição de ambas para a historiografia da educação da Paraíba. No tocante às questões das práticas emancipatórias do feminismo do Brasil, Eudésia de Carvalho Vieira e Anayde Beiriz também têm lugar de destaque.

Essas mulheres viveram no início no século XX, numa época em que o papel da mulher era de esposa e mãe, desempenhando uma série de atividades tradicionalmente femininas: o cuidado das crianças, da casa, da fiação e da tecelagem. Nosso estudo incidiu nos caminhos da emancipação feminina e práticas feministas na Paraíba, na primeira metade do século XX, com delimitação focada a partir dos anos de 1905 a 1930. O objetivo central é de investigar e de historicizar as diversificadas práticas e manifestações culturais das professoras e escritoras Eudésia de Carvalho Vieira e Anayde Beiriz, que contribuíram para a historiografia literária paraibana, por meio das Histórias de Vida – a biografia de cada uma.

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O interesse de pesquisar esse tema ocorreu a partir da leitura dos textos literários produzidos por Eudésia de Carvalho Vieira e Anayde Beiriz, no que se refere às mulheres, à emancipação feminina e às práticas feministas, na Paraíba, na primeira metade do século XX. A partir disso, veio o desejo de apresentar ao público as estratégias usadas por essas duas mulheres que lutaram pelas mudanças e por direitos políticos e educacionais para as mulheres daquela época. Soma-se a tudo isso, o nosso empenho por meio deste estudo dissertativo de expor uma produção geral das contribuições, no que diz respeito à importância das práticas emancipatórias das duas autoras supracitadas, mulheres que, além de donas de casa e mães, assumiram-se como educadoras e escritoras, deixando um grande legado às paraibanas e a todas as mulheres brasileiras.

Anayde Beiriz, desde 1980, teve um maior enfoque na mídia nacional e na cidade de João Pessoa, mediante a publicação de livros, documentários, filmes, peças de teatro apresentados no Brasil e na Europa, assim como a edição de artigos, realização de seminários, dissertações e teses como também o seu nome seria atribuído a condomínios, ruas, praças, escolas municipais, museus e caricaturas em calçada.

Já Eudesia Vieira, com uma vida dedicada às questões das mulheres, tem sido esquecida na historiografia literária paraibana. Além de ser, mãe, esposa, educadora, escritora, médica, jornalista, poetisa e assistente social, deixou alguns livros escritos, dedicados ao ensino infantil, adotados na educação Estadual da Paraíba. Foi pioneira na imprensa local, cooperando como jornalista com artigos e outras matérias na Revista

Nova Era e Flor de Lis, O magazine e nos jornais: O Norte, A Imprensa, O Educador, A Gazeta do Recife, A União e no jornal religioso da diocese paraibana,Festa das Neves.

Os livros publicados por Eudesia Vieira são: Pontos de História do Brasil, Terras dos

Tabajaras, Cirrus e dos Nimbos (poesia e versos), Cerne Contorcidos e Mistério de Fátima. As homenagens oferecidas a esta escritora foram: o título de cidadã Benemérita

da Paraíba, o seu nome em uma Rua do Bairro dos Estados, no Município de João Pessoa, atual capital do Estado da Paraíba.

Um dos caminhos utilizados por Eudesia Vieira e Anayde Beiriz na luta que abraçaram foi o uso da comunicação, por meio da imprensa escrita, aproveitando o espaço para redigir matérias sobre a conjuntura social em que se encontravam as mulheres, as questões políticas e culturais da época. Discretamente, vão conseguindo

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consolidar-se num espaço público, eminentemente masculino, com publicação de artigos condizentes com o espírito emancipatório feminino.

Buscamos nesta dissertação responder às seguintes perguntas: quem eram estas mulheres? Como contribuíram para a autonomia e emancipação de gênero e para as mudanças de valores e comportamentos? Quais as práticas feministas produzidas por essas duas professoras que contribuíram para a emancipação feminina, na primeira metade do século XX, no Estado da Paraíba?

Vale lembrar que só a partir dos anos de 1980 teve início, na Paraíba, o resgate da imagem e representação das mulheres que contribuíram para a historiografia do Estado, por meio de debates, seminários, dissertações e teses. Pensando nisso, o foco deste estudo centrar-se-á em Eudésia Vieira e Anayde Beiriz, mulheres que, na prática cotidiana, usaram a escrita para denunciar a situação de desigualdade que vivenciavam. Analisando as obras literárias dessas escritoras, identificamos as preocupações delas em combater as formas de discriminação e opressão em que viveram as mulheres desse contexto. Nessa época, iniciavam-se as lutas por mudanças comportamentais e a adoção de novos hábitos na sociedade e, em todo Brasil e na Paraíba, convivia-se com lutas políticas e de mudanças de poder.

O período da Revolução de 1930, 1 como é conhecido, foi palco de manifestações de vários grupos urbanos que consolidaram de modo mais intenso as transformações comportamentais e a adoção de novos hábitos. Conforme afirma Maria Nunes (2007, p. 284), esses novos hábitos expressam a insatisfação da mulher diante da inexistência de um espaço social próprio, da visão pejorativa de que muitas vezes era vítima, da falta de representante no domínio da política e da economia, a aspiração de autonomia e de igualdade com os homens, tudo isso era visto como uma ameaça à ordem familiar e, consequentemente, a sociedade se via em perigo.

Sobre a Revolução de 30, é pertinente destacar as considerações apresentadas por Cittadino (1998):

A Revolução de 30, se por um lado representou o fim do Estado oligárquico e, consequentemente o fim do coronelismo enquanto sistema político nacional, por certo, no Nordeste e, sobretudo em estados como a

1Foi o movimento armado, liderado pelos Estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, que culminou no golpe de Estado de 1930, que depôs o presidente da República Washington Luís em 24 de outubro de 1930, impedindo a posse do presidente eleito Júlio Prestes e pondo fim à República Velha.

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Paraíba não significou uma autuação na estrutura de poder local, nem tampouco a desagregação do coronelismo enquanto sistema de dominação. (CITTADINO, 1998, p.16).

Partindo da análise anterior, é possível afirmar que a Revolução de 1930, no Brasil e, especificamente, na Paraíba, ocorreu, não apenas pelos problemas da governabilidade do Estado, ligados às questões políticas, mas também pela regulamentação da sociedade, impondo os dispositivos de controle moral que ameaçavam a instituição familiar e patriarcal. Portanto, a política das oligarquias fundamentava a estrutura social. Essa Revolução também ficou marcada como “o despontar de uma nova civilização”, conforme pondera Michelle Perrot (1989, p. 31). Isso porque as mulheres foram envolvidas em guerras, revoluções, perseguições pela ditadura, representaram papéis de protagonistas na grande encenação do teatro-realidade. Elas transformaram e modificaram a história das relações de gênero.

Nessa perspectiva, a professora, poeta e ensaísta Anayde da Costa Beiriz é considerada o ícone da mulher guerreira paraibana que se entregou à vida com uma paixão arrebatadora, sem temor. Símbolo do feminismo, ela se destacou como participante dos primeiros ensaios modernistas na cidade. O nome dela está envolvido na Revolução de 30, inclusive sendo apontada como o estopim dessa revolução, devido à tragédia do assassinato de João Pessoa, pelo advogado e jornalista João Duarte Dantas, com quem ela mantinha um relacionamento amoroso.

A capital da Paraíba, João Pessoa, fundada em 1585, já nasceu cidade, sem nunca ter passado pela designação de vila, povoado ou aldeia, visto que foi fundada pela Cúpula da Fazenda Real, uma Capitania da Coroa portuguesa. É considerada a terceira cidade mais antiga do Brasil e teve várias denominações antes de receber esse nome. Sintetizava, em muitos aspectos, esses processos de modernização e urbanização (BERMAN, 1986, p.16). Tais processos “marcaram, gradativamente, a passagem de uma sociedade predominantemente rural para uma sociedade moderna, ocasionando novos hábitos e costumes” (MAIA, 2011, p.94). Ainda nesse mesmo sentido, Maia acrescenta:

Tais mudanças acentuaram, por um lado, a privacidade da família e, por outro, a visibilidade das mulheres nos espaços públicos. Por outro, a presença das mulheres, tornou-se gradativamente mais visível em cenários antes pouco comuns, modificando a paisagem da cidade. Elas

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passaram a povoar as páginas de jornal e revistas como objeto da escrita, mas também como escritoras, em sua maioria poetisas e cronistas. [...] A criação de novos postos de trabalho abriu possibilidade de emprego para mulheres instruídas da classe média, como secretárias, funcionárias públicas e dos correios, enfermeiras, vendedoras, professoras, datilógrafas, farmacêuticas, entre outras. Em paralelo, ocorreu uma gradativa valorização do individualismo econômico, ancorado no desejo de realização profissional. Muitas famílias burguesas passaram a aceitar e, de certa forma, a incentivar, o trabalho assalariado das mulheres. (MAIA, 2011, p.95, 96).

Os apontamentos feitos por Maia precisam ser analisados com cautela, pois havia a exigência de que a inserção da mulher no mercado de trabalho não maculasse a reputação desta, ou seja, a visão machista da sociedade ainda falava muito alto. Sobre essas questões, recomendo os estudos de Besse (1999).

A metodologia usada nesta investigação foi a seguinte: a organização de material coletado, por meio de estudos biográficos e bibliográficos, com leituras intensas,

Vídeos e filmes, para compreender melhor o contexto da época pesquisada. A partir dessa compreensão, buscaremos resgatar, historicamente, os movimentos de lutas de mulheres na sociedade paraibana e brasileira, no decorrer das primeiras décadas do século XX. Assim, constituímos o corpus documental a partir de três conjuntos de fontes: imprensa escrita; textos literários e documentos pessoais e administrativos. Além da imprensa escrita: revistas e jornais produzidos na Paraíba, no período em estudo, dos quais selecionamos e analisamos matérias e colunas escritas, prosas, versos, filmes e teatros que representavam os traços de resistência e de lutas das mulheres nordestinas. O levantamento dessas fontes foi feito nos arquivos do: jornal A União da Paraíba, do Acervo dos Escritores Paraibanos (na Biblioteca Central da UFPB); da Divisão de Pesquisa e Documentação Regional da Paraíba e Biblioteca Pública de João Pessoa, Centro Cultural e FUNESC (Fundação Espaço Cultural da Paraíba). IHGP (Instituto Histórico e Geográfico Paraibano), Filme do YouTube: Parahyba, mulher macho. Clássico Nacional. Filme Completo (1983), Documentário: Anayde Beiriz e João

Dantas – Um Romance nos Anos 30, peça de teatro: Anayde Beiriz – História a Ser Contada, (Ensaio Nº1 e 2)) e o Curta Documental: 1930, Tempo de Revolução

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Esse conjunto de fontes constitui-se no principal acervo documental analisado, os quais subsidiarão todo o trabalho de pesquisa aqui proposto. Essas fontes utilizadas é que nos permitirão historiar as lutas emancipatórias das mulheres paraibanas. Embora por muito tempo a carreira das letras tenha sido interditada às mulheres, muitas delas fizeram uso da escrita para exporem as opiniões. Esse conjunto de fontes constitui-se de diários e livros de memória escritos por homens ou mulheres que apontavam as pistas das práticas feministas na Paraíba.

Dentre esses escritos, destacamos livros e autobiografias: José Octavio de Melo, Poder e política na Paraíba; Marcus Aranha, Anayde Beiriz, Panthera dos Olhos

Dormentes; José Jofilly, Paixão e morte na revolução de 30; Michelle Perrot, Práticas da Memória Feminina. Ressaltamos também a tese de Ana Maria Sales: O Tecendo fios de liberdade. Utilizamos ainda outras fontes, dentre as quais se incluem

correspondências pessoais e administrativas, manuscritos, fotografias e recorte de jornal e manifestos, que estarão disponíveis nos anexos desta pesquisa.

Dividimos esta dissertação em quatro capítulos. O primeiro realiza uma breve resenha histórica da Paraíba, Estado que ocupou lugar de destaque na conjuntura nacional, uma vez que o presidente da República era o paraibano Epitácio Pessoa, no período de 1919-1922, enquanto o presidente do Estado da Paraíba, João Pessoa (1928-1930), sobrinho do anterior, também ganhou importância política no período. Este último foi vítima de um homicídio que ocorrera em uma confeitaria localizada no centro de Recife/PE, fato que gerou uma enorme comoção, ao ser propagado, inicialmente na Paraíba e, em sequência, em alguns Estados do Brasil.

A tragédia ganhou notoriedade e foi considerada, para alguns autores – destacando Boris Fausto (1994) e José Octavio de Arruda Melo (1978) – como sendo o pivô da Revolução de 1930. Isso porque as manifestações foram inúmeras, em algumas partes do país. Em meio a esse acontecimento trágico, conforme o historiador José Octavio de Melo, o nome da Professora Anayde Beiriz surge como ela estando envolvida no assassinato.

No segundo capítulo, dissertamos sobre o extenso caminho das mulheres brasileiras, sinalizando a trajetória, fazendo um pequeno relato das ações – lutas e conquistas de algumas mulheres, nos séculos XIX e XX. Assim, buscamos compreender a luta pelos direitos, a busca pela emancipação social e política.

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Dentro do sistema de governo em que o Brasil viveu, lembramos que as mulheres passaram por um extenso caminho, repleto de obstáculos e preconceitos. A luta pela educação, a presença nos comitês femininos do partido Pró-Aliança Liberal ocorre agora. Como vão também, aos poucos, ganhando espaço nos meios de comunicação, escrevendo textos para jornais e revistas, conquistando admiração e apoio de diversos intelectuais da época, como: Carlos Dias Fernandes e José Américo de Almeida. Com a chegada da modernidade, os espaços vão se abrindo para as mulheres, consequentemente, e isso vem provocando assim várias manifestações, pelo Brasil afora, em todas as questões políticas, sociais, econômicas e culturais.

No terceiro capítulo, fizemos uma análise da bibliografia e da produção discursiva das práticas feministas de Eudésia Vieira, em relação às conquistas de igualdade e dos direitos das mulheres perante a sociedade paraibana. Nesse capítulo, apontamos essa autora como sendo uma das poucas mulheres paraibanas que se entregou ao cultivo das letras e da publicidade, escrevendo vários livros de crônicas, de versos, de história de caráter didático e artigos publicados em jornais e revistas.

O quarto e último capítulo, reservamos para sintetizar a bibliografia de Anayde da Costa Beiriz, professora e poetisa, que escreveu para jornais e revistas, deixando sua participação na mudança do comportamento das mulheres paraibanas da década de 1930, por meio do seu estilo moderno. Ela horrorizou a elite retrógrada paraibana da época, com uma atitude vanguardista. Arremessou-se na vida social e intelectual de forma bem participativa, de maneira tal que seu nome foi incluído na tragédia que contribuiu para a Revolução de 1930, conforme já apontamos.

Além do mais, Anayde foi uma mulher de mente brilhante. Questionava a sujeição em que a mulher se encontrava e todas as formas de opressão e preconceitos. Uma moça livre, que só queria o direito de amar e poder expressar esse amor, Anayde Beiriz recebeu o símbolo de “Peregrina da Liberdade”. A sua luta pela emancipação serviu de inspiração para alguns autores, por meio de livros, em produções artísticas, no cinema, peça de teatro, e na literatura paraibana. Na cidade de João Pessoa, onde nasceu, algumas homenagens foram oferecidas à memória de Anayde Beiriz: como o nome de uma rua, imagem de caricatura na calçada, conjunto habitacional, uma escola municipal, praça, troféus, prêmio, como já vincamos anteriormente.

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Concluímos que as histórias dessas mulheres paraibanas, e de tantas outras pelo país, são extraordinárias para o registro da narrativa brasileira. Entendemos o papel significativo da influência da mulher como ser social articulado com o fato social. As transformações e as dificuldades que vieram dessa época podem ser constatadas em todas as esferas da sociedade, nas questões de um indivíduo, homem ou mulher. Entendemos melhor assim o significado da palavra “emancipar”, que é sinônimo de empenho pela justiça, igualdade e independência dos indivíduos. A liberdade que a mulher tanto lutou se encontra na alforria de ir além, ressaltar as condições de desigualdade nas afinidades de gênero, para que a mulher, enfim, possa ser vista como uma pessoa livre, capaz e independente.

Compreendemos que as duas personagens escolhidas nesta dissertação, Eudésia Vieira e Anayde Beiriz revolucionaram, de forma evolutiva, a arte de ensinar e de escrever a história das mulheres paraibanas que reflete, de maneira bastante significativa, na história das mulheres em todo o território nacional.

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CAPÍTULO I - UMA TENTATIVA DE SE COMPREENDER A

INFLUÊNCIA DA MULHER NA SOCIEDADE PARAIBANA NO

COMEÇO DO SÉCULO XX

1.1 A PARAÍBA EM DESTAQUE NACIONAL

Para aprimoramos o tema proposto, é necessário buscar compreender a situação do Estado da Paraíba, entre 1905 a 1930, do começo do século XX, no qual as professoras Eudesia Vieira e Anayde Beiriz estavam inseridas, desenvolvendo atividades tanto nos aspectos educacionais, familiares, como também nas questões emancipatórias das mulheres paraibanas. Para isso, contextualizamos os fatos históricos e destacamos a tragédia que colocou o nome da Paraíba em destaque nacional: O assassinato do presidente do Estado da Paraíba – João Pessoa – em 1930, pelo advogado e jornalista João Duarte Dantas, que mantinha um relacionamento amoroso com a professora aqui pesquisada – Anayde Beiriz.

João Pessoa era candidato, junto com Getúlio Vargas, para o governo federal, como vice-presidente, mas perdeu a campanha eleitoral para Júlio Prestes. A morte de João Pessoa, segundo a análise de importantes historiadores, foi pertinente para a Revolução de 1930, que depôs o presidente federal Washington Luís e encaminhou Getúlio Vargas à posse da presidência. Conforme Aguiar, o assassinato do presidente paraibano também foi usado pelo partido Liberal para arruinar o presidente Federal Washington Luís, que elegia o seu sucessor, Júlio Prestes.

O partido Aliança Liberal2 rejeitou o efeito das eleições, recusando-se a aceitar a vitória do candidato Júlio Prestes à presidência Federal da República. Diante da derrota, os líderes dessa Aliança fizeram denúncias de fraudes nas eleições e, inconformados, começaram um agitação revolucionária contra a eleição, criando a

2A Aliança Liberal foi criada em agosto de 1929 para fazer oposição à candidatura de Júlio Prestes à presidência da República. Formava a Aliança Liberal: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba e alguns partidos políticos de oposição de diversos Estados, inclusive do Partido Democrático (1930) de São Paulo. A formalização da Aliança Liberal foi feita em 20 de setembro de 1929, em uma convenção dos Estados e partidos oposicionistas, no Rio de Janeiro, presidida por Antônio Carlos de Andrada, lançando os candidatos da Aliança Liberal às eleições presidenciais: Getúlio Dorneles Vargas para presidente da República e João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, presidente da Paraíba, para a vice-presidência da República.

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possibilidade de tomada do poder mediante a Revolução, posteriormente ao assassinato do estadista. Boris Fausto (1997) ressalta que “A adesão do Exército foi quase imediata no Sul, igualmente se solidificando em Minas e no Nordeste, apesar de quaisquer obstinações nessas áreas. Apenas em São Paulo delineou-se um choque decisivo de maiores proporções”, deflagrando, assim, a Revolução.

Nessa época, iniciavam-se as lutas, em todo Brasil e na Paraíba, por mudanças comportamentais e a adoção de novos hábitos na sociedade. Em relação à revolução de 30, Boris Fausto destaca:

A Revolução de 1930 não foi feita por representantes de uma suposta classe social: a classe média ou a burguesia industrial. A classe média deu lastro á Aliança Liberal, mas por demais heterogênea e dependente das forças agrárias para que, no plano político, se formulasse um programa em seu nome. (FAUSTO, 1997, p.325).

Na Paraíba, houve uma guerra política partidária que ficou marcada como “a guerra de Princesa e o assassinato de João Pessoa” (1928 a 1930) que ocorreu não só pelos problemas da governabilidade do Estado, ligada às questões políticas. Para o autor Boris Fausto, “o crime combinava razões privadas e públicas, mas na época, só se deu destaque às últimas, pois as primeiras arranhariam a figura de João Pessoa como mártir da revolução” (FAUSTO, 1997, p. 323).

Entre os historiadores que pesquisamos sobre esse tema – o “assassinato de João Pessoa” – existe uma postura controversa em relação aos motivos que causaram tal homicídio. Para José Octavio de Mello (1997), o Estado paraibano agitava-se com a disputa política entre os partidos e os coronéis,3 que seguravam o domínio econômico e político, e os liberais que o ambicionavam e que tinham como seu maior símbolo o presidente João Pessoa, sobrinho de Epitácio Pessoa e representante da ascensão de uma nova classe. No decorrer da rixa política da época, sucede o assassinato do estadista paraibano João Pessoa. Segundo esse autor, a motivação que levou “João Dantas a assassinar João Pessoa, foi o poder político que estava concentrado numa pequena aliança pertencente a uma mesma família, um mesmo partido político e econômico daquele Estado”. (1997, p.180)

3 Para o historiador José Octávio de Arruda Mello, o coronel simbolizava o predomínio de determinadas famílias na política nordestina, marca que ainda está bem viva na região. O coronel tradicional tinha cartucheira atravessada no peito.

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Para Mello, o que mais contribuiu foi à invasão do escritório do advogado pelas forças do governo sem uma ordem judiciária, uma vez que este era conhecedor das leis vigentes. Além do ódio de João Dantas, que já vinha sendo alimentado pelo presidente, pelas questões partidárias em que os dois eram inimigos políticos, havia também a questão do então presidente, João Pessoa que, segundo o autor, usava da autoridade que exercia para desrespeitar as leis. Junto a esses fatos, surge João Dantas que, sentindo-se humilhado, resolveu “lavar a honra” com sangue.

Para Boris Fausto (1997) o acontecimento não teve motivação política, mas sim questões pessoais:

Em meio à violência recíproca a polícia invadiu o escritório de advocacia João Dantas na capital Estado e retirou de um cofre alguns papéis. Entre eles existiam carta de amor trocado entre Dantas e uma jovem professora primária Anayde Beiriz, ambos eram solteiros. O jornal governista A

União completou a obra, atribuído a Dantas atos amorais, em documento

que a decência impedia de publicar, mas que se encontrava na policia para quem quisessem lê-lo. Anayde caiu em desgraça e, abandonada pela família, fugiu para o Recife “lavou a honra” assassinando João Pessoa. O casal se suicidou meses depois, após a vitória da Revolução de 1930. (FAUSTO, 1997, p. 324).

Segundo registros, Anayde mantinha um romance com o advogado João Dantas que fazia violenta oposição política ao presidente João Pessoa. Eclodindo o caso, a sociedade nordestina assiste escandalizada à publicação de poemas e de discursos feitos por ela e o amante, João Dantas. A repercussão desse fato levou os namorados também à morte. Embora motivado por questões pessoais, o crime cometido por João Dantas, diante do clima de tensão que o país vivia, acabou excitando os impulsos políticos e adicionando novos elementos ao caldeirão da Revolução de 30.

Para Wellington Aguiar “João Dantas matou João Pessoa não foi por conta de mulher, mas pelas sucessivas decisões de João Pessoa que afetavam os rumos comerciais da família de Dantas”. Segundo esse autor, as questões políticas e familiares entre o assassino e o presidente morto já haviam gerado brigas acirradas entre eles. “Antes do crime, ocorrido na Confeitaria Glória, na capital pernambucana Recife, houve muitas trocas de farpas entre os dois, por meio de jornais da Paraíba e de Pernambuco”. (1985, p.120).

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Joaquim Moreira Caldas afirma que a motivação maior de João Dantas ter disparados os três tiros em João pessoa foi pelas publicações no jornal A União:

Não sabe medir e extensão da indignação que o assoberbou desde que viu publicadas na mesma folha (A União) e de ordem do governo, cartas intimas de seu velho pai, de 70 anos de idade, para e declarante, publicação de que ressaltava a manifesto intuito de ofensa e ridículo. Que o declarante sentido desde dias a necessidade de um desagravo contra a ofensa que se lhe vinha fazendo com inversão de todas as normas de bom senso até das responsabilidades do cargo que exerce o Sr. João Pessoa, naquele Estado, leve desta vez a intuição de que o destorço. (CALDAS, 1932, p.69).

Fernando Melo (2002), por sua vez, relata que João Dantas confessou o crime a sua noiva Anayde Beiriz em carta, dizendo: “Eu agi porque me afrontaram ao extremo e fiz sem ouvir a ninguém, por minha responsabilidade exclusiva e assumi-la-ei com toda a minha coragem de aceitar as consequências dos meus atos” (p.218).Essa época ficou marcada por acontecimentos chocantes, por lutas políticas oligárquicas e por mudanças de poder.

Continuando, o mesmo autor Mello acima citado afirma que a imagem de João Pessoa passou a ser um mito na história da Paraíba. Após sua morte, as homenagens foram incalculáveis. Leis e decretos foram batizando com seu nome a capital, a bandeira, hino, avenidas e ruas que também levam o nome do estadista. Além disso, bustos e monumentos foram erguidos; praças, altares e feriados foram criados.

Assim, compreendemos que a imprensa paraibana, como os órgãos oficiais, os políticos, obras literárias e os familiares de João Pessoa, consagraram numa cultura histórica o que almejavam atribuir a ele: uma suposta imortalidade e heroísmo. Foram setenta dias de grande comoção e revolta em todo o Estado da Paraíba, até eclodir a Revolução de 1930, tornando-se um dos períodos mais dramáticos da História da Paraíba.

Segundo Wellington Aguiar, (2005) para apresentar a historiografia da cidade de João Pessoa, é necessário ilustrar alguns fatos importantes, que fizeram com que este lugar já nascesse cidade e as mudanças de nomes. Primeiro, temos a paz efetuada entre portugueses e indígenas, em 1585. Nesse período, o nome da cidade era “Filipéia de

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Nossa Senhora das Neves”, em alusão ao Rei Felipe II de Espanha e também Felipe I de Portugal.

O segundo momento, a ocupação holandesa, deu-se em 1635 e as guerras entre os portugueses, sendo o nome alterado para o de “Friederickstadt” (Cidade de Frederico) ou “Frederica” (uma homenagem feita ao príncipe de Orange, Frederico Henrique de Nassau), “sendo que esse nome permaneceu por 20 anos”. (p.20) Já em 1654, os holandeses foram banidos do nordeste brasileiro, possibilitando o retorno dos portugueses ao controle político-administrativo, econômico e militar. Com isso, a capital recebeu o nome de “Cidade da Parahyba” e permaneceu com esse nome até 4 de Setembro de 1930, quando ocorreu, aprovada na Assembleia Legislativa do Estado, a mudança do nome de cidade de Parahyba para João Pessoa, em homenagem ao político assassinado em 26 de julho de 1930, em pleno exercício do cargo de presidente, conforme já pontuamos.

Esse período de 1930 é particularmente caracterizado pela retomada de ideais nacionalistas, consolidação de novos espaços públicos que, configurados nesse período, eram sinônimo não só da expansão urbana, como também de grande avanço da emancipação da mulher, que percorria, em meio ao espaço doméstico e privado, o espaço público das ruas e dos passeios. A mulher sinalizava processos de independência perante a atualização da sociedade e dos costumes.

1.2 A cooperação feminina no Estado da Paraíba

O início do século XX materializa, de maneira mais intensa, as modificações comportamentais e de adesão a novos hábitos, ou seja, as mudanças iniciadas no novo regime da República do Brasil.4 Concretiza-se a necessidade imediata de novos espaços públicos, facilitando a expansão urbana como também a emergência da presença feminina, transitando entre o espaço que até então era proibido, o espaço público das

4Segundo Boris Fausto, No dia 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca, com o apoio

dos republicanos, demitiu o Conselho de Ministros e seu presidente. Na noite desse mesmo dia, o marechal assinou o manifesto proclamando a República no Brasil e instalando um governo provisório.

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ruas. Essas novidades, no entanto, traziam – junto à abertura para os processos de modernização e urbanização das cidades brasileiras – uma intensificação considerável dos valores sociais, da importância da família e do casamento, bem como o papel das mulheres nessas instituições.

Essas mulheres eram vistas até então como principiantes “capazes de operar uma gestão estatal dos nascimentos, disciplinar e controlar os indivíduos” (BESSE, 1999, p.7) e a grande preocupação de assegurar a permanente sujeição das mulheres aos homens e de controlar sua autonomia e independência financeira e política. (MAIA, 2011).

Ao aprofundarmos nosso estudo sobre a carreira das letras, seguidas pelas mulheres paraibanas, descobrimos que muitas delas fizeram uso da escrita para exporem suas opiniões, entre elas, Eudesia Vieira e Anayde Beiriz. Ambas destacam-se como duas figuras importantes para a história da Paraíba. Mesmo de maneira diferente, ambas assumiram, nesse Estado, a luta contra a submissão das mulheres, contra os preconceitos, contra a discriminação, fugindo ou enfrentando, solitariamente, por meio dos seus escritos deixados nos livros, jornais e nas revistas, as mazelas do mundo machista.

Portanto, os registros deixados pelas autoras do passado contribuíram – e ainda contribuem – para a transformação das relações entre o sexo feminino e masculino, por diversos momentos e vários fatos históricos marcantes. Desse modo, consideramos importante apresentar as articulações das ações femininas na sociedade paraibana.

De acordo com Nunes, (2007), a partir de 1920, as mulheres paraibanas começaram a expressar questionamentos acerca das relações homem-mulher, na disparidade social e no setor de trabalho, desafiando e resistindo ao sistema masculino. Exigiam a oportunidade de compartilhar com o projeto de modernização política do país que se apresentava como palco de mobilizações de vários grupos urbanos. Nesse ponto de vista, é relevante observar que as educadoras paraibanas, de forma discreta, já participavam da conjuntura sociopolítica e econômica da Paraíba, por meio dos discursos, textos literários, poemas e artigos publicados na imprensa local.

As paraibanas Eudesia Vieira e Anayde Beiriz, que procuraram se fazer ouvir, buscaram meios para comunicar suas ideias, angústias, sonhos e realizações, não

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concordaram em viver à sombra de outros, considerando que tinham o que dizer e fazer, merecem, então, serem perscrutadas, e suas lutas conhecidas e reconhecidas, tanto nesta como em outras pesquisas e meios. Por isso, nesta investigação, buscamos conhecer e apresentar as marcas deixadas por elas, por meio dos seus escritos, bem como todas as contribuições de ambas, no que se refere à luta das mulheres.

Compreendendo a cooperação feminina na imprensa paraibana como espaço social e histórico, apontamos Eudesia Vieira e Anayde Beiriz como importantes escritoras – embora escrevessem de maneira simples – nos jornais A União e O Norte e nas revistas Era Nova e Cidade. Ambas se destacaram escrevendo e tecendo tramas discursivas, numa época em que, essencialmente, só os homens gozavam do prazer de emitir, publicamente, suas opiniões.

Essas duas escritoras contribuíram, de formas distintas, para uma mesma revista. Eudesia Vieira publicava artigos sobre a mulher e a família, enquanto que Anayde Beiriz sinalizava liberdade para a mulher, ao publicar artigos, crônicas e poemas, como também quando estava ensinando em prol do direito da mulher ao trabalho. Anayde foi capa da revista Era Nova e escreveu vários poemas que eram publicadas nas duas revistas citadas. A forma como ela escrevia chocava a sociedade retrógada da época, como esse poema demonstra:

Eu escrevo para criar um mundo em que possa viver. Procuro criar um mundo como se cria um determinado clima, uma atmosfera onde eu pudesse respirar. Devemos conquistar nossa força e edificar nossos valores com base no nosso desenvolvimento pessoal e na descoberta de nós mesmos. Contra desigualdades sociais, as injustiças. Se você não respira quando escreve, não grita, não canta então sua literatura será limitada. Quando não escrevo, meu universo se reduz, sinto-me numa prisão. Perco minha chama, minhas cores. Escrever para mim é uma necessidade. (Revista da Cidade, 07 /03/1926).

Destarte, com um texto intimista, centrado na 1ª pessoa, ora do singular, ora do plural, com um recurso metalinguístico, a autora traz uma justificativa acerca do seu ofício de escrever. E, no cerne desse ofício, ela evidência a luta, impregnada em palavras como “nossos valores”; “nossa força”; “desigualdades sociais”. A partir da linguagem figurada que o universo literário lhe permite, ela solta um “grito” que se multiplica e que, aos poucos, vai se juntando a outras vozes femininas, tecendo um

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discurso diferenciado, remetendo-nos à ideia de tessitura que há no poema Tecendo a

Manhã, de João Cabral de Melo Neto (2008):

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos. (MELO NETO, 2008, p. 34)

Para Anayde, a escrita lhe servia como veículo para lançar seu grito e ir tecendo, fio a fio, a luta em prol das mulheres, não só da Paraíba, mas do Brasil e do mundo. E, junto a esse grito lançado, outras mulheres foram tomando coragem e se juntando numa luta que, aos poucos, tomava corpo. E esse tecido discursivo materializa-se por meio da sua “necessidade” de escrever.

Eudesia Vieira e Anayde Beiriz ousavam nos seus discursos apresentados em crônicas, artigos e poemas. Articulavam e verbalizavam ideias que incitavam reflexões. Passaram a defender publicamente a emancipação feminina, através das suas publicações, mesmo correndo o risco de romper com a ordem do modelo social vigente.

Entre os anos 1921 e 1926, a sociedade paraibana contava com uma grande parceira, a Revista Era Nova, que tinha a função de reproduzir a presença e participação da mulher como sujeito histórico no cenário social da Paraíba no início do século XX. Essa revista pode ser considerada o fruto de um sonho que tinha a finalidade de transportar informação, novidades e entretenimento para as mulheres da sociedade paraibana que ansiavam a modernidade.

É importante frisar que a revista Era Nova nasceu para fins didáticos, assim, mantinha um caráter educativo, com artigos de história e literatura, alguns temas como moda, amor, cuidados com a casa, como ser uma boa esposa e outros. Possuía um público específico – a classe média paraibana que tinha acesso à revista. Durante seis anos de publicação, sendo 17 exemplares por ano, foi publicado um total de 100 números.

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Nessa revista, escreveram-se as transformações urbanas, mudanças de comportamento e novos discursos do feminino, sendo um de seus objetivos propagar o procedimento de atualização, tanto da moda feminina como o comparecimento das mulheres na batalha pelos seus direitos. Por outro lado, ela – a revista – também se proclamava como órgão literário e noticioso, dando espaço à ousada inserção de mulheres em sua confecção. Nesse sentido, servia como um espelho, refletindo as figuras no vestir, que era a moda copiada da Europa. As mulheres respeitavam e aproveitavam o espaço para escrever e inscrever novos discursos de um feminino menos frágil do que a imagem conhecida até então.

Por meio de artigos, crônicas, poemas, havia também abertura de publicação de retratos femininos, relacionadas à sensualidade, ao desejo feminino, como também do corpo e da higiene feminina. A época tinha a urgência de agrupar todo um conjunto de ideais e de prosperidade que se assolava pelo Brasil e pelo mundo. A Paraíba, por sua vez, sentia-se atrasada em relação à modernidade como um todo.

Um dos tipos de artigos publicados na revista, que mexia com a sociedade e causava certo ar assustador, era a moda. Esses artigos mudavam os costumes locais, uma vez que os modelos apresentados eram originários da Europa, induzindo as paraibanas a se vestirem com decotes sedutores, modelando mais o seu corpo, criando imagens de sedução, permitindo à mulher a ideia de poder, mostrando o corpo e as novas formas de olhar, cultivando estratégias de “captura” desses olhares, uma provocação do masculino em cenário público, até então proibidos. Conforme afirma José Joffily, até mesmo a moda era motivo de discussão entre os jornalistas, como se vê neste trecho do jornal A Imprensa, órgão de Diocese, na Paraíba:

Entre nós o decote é exibido pelas mulheres com uma sem-cerimônia pasmosa. As campanhas moralizadoras das toaletes não encontram a repercussão desejada nos círculos femininos da família. Consente-se que senhoras e senhoritas, até mesmo entre as que se dizem católicas, usem vestidos decotados com uma imoderação lamentável. (JOFFILY, 1980, p. 36).

A moda feminina vinha dando sinais de modernidade, de novo tempo. E, embora essa moda, no universo social da época, ganhasse já algumas críticas e era classificada como passageira, superficial, mero adereço, etc., o “uso” e “abuso” dela abriram caminhos para os debates das questões femininas. Com isso, muitos escritores e

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escritoras começaram a escrever e se posicionar em relação a essa modernidade que, na visão dos conservadores, vinha ameaçar a moral da mulher.

Eudésia Vieira, entre outras que contribuíram para a historiografia literária paraibana, fazia parte do quadro das colaboradoras da revista, que alcançou uma marcante presença feminina na imprensa e sociedade paraibana do início do século XX. Em um dos seus artigos da revista escreve assim:

[mulher adorável] é a mulher que encontramos nos labores domésticos, alimentando o filho com seu próprio sangue recebendo-lhe como extremo affectuoso e primeiro sorriso [...] é a mulher voltada ao sacrifício, que não se importa que não se importa em morre a cada dia para ressuscitar glorioso na pessoa dos filhos que serão a coroa mortal da perpetuidade da espécie e dos costumes. (Eudesia Vieira). A mulher. Era Nova. (Parayba, 15 de abril de 1922, Nº 24. Nesta citação, mantém-se a grafia da época.).

Segundo a autora, em nome do amor e da família, algumas séries de deveres são impostas à mulher, incumbindo a ela cumprir o papel que a sociedade do início do século XX tinha para lhe oferecer: a total renúncia de si para viver em completa submissão. Sendo assim, é fundamental lembrarmos o modelo de mulher-mãe, projetado para as mulheres da época, que era defendido pelas classes mais altas da sociedade e, com maior influência, pelo Estado, pelos médicos, igreja, por políticos e por muitos intelectuais que eram contra a emancipação feminina. Em outro artigo, Eudésia Vieira, na mesma revista, escreveu dizendo que:

O modo de vestir sedutor punha a moral da mulher em risco. A autora expressa que seu receio assume a forma de crítica a alguns comportamentos, especialmente à classe da mulher coquete, que está para a escritora representada pelas “melindrosas” de seu tempo. Descritas como escravas da moda e do luxo, semelhantes às bonecas que "servem para distrair crianças” (Revista Era Nova, Parayba, 27 de março de 1921).

Eudesia Vieira explica que a mulher, para lutar pelos seus direitos, não precisa mergulhar nessa modernidade que vem exibir seu corpo em público. Continua a autora escrevendo que a luta entre masculinos e femininos tem que ser por igualdade. Em relação às melindrosas, que Eudésia se refere, são as mulheres que se vestem com tecidos finos, diáfanos, que deixam à exibição partes do seu corpo, como que definindo seu lugar e sua sensualidade e, na maior parte das vezes, o modo de vestir dessa época já apontava para as descrições que fazem do corpo feminino, visto como objeto de

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desejo e, num certo sentido, pressupunha ser um corpo fácil de sujeitar à dominação masculina. Em uma época que a mulher estava lutando contra a dominação masculina, não se podia permitir que a sensualidade enfraquecesse a busca de nova habilidade para as mulheres.

Destarte, convém destacar que, se por um lado, Eudésia Vieira possuía uma postura conservadora, diante da ousadia no vestir, por outro, é possível notar que suas preocupações centravam-se na luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres e, por isso mesmo, colocava-se com receio diante da banalização do corpo feminino.

Na luta por espaços para expressar a situação em que as mulheres viviam, as escritoras paraibanas usavam a imprensa para dar informações e discutir as diferenças entre os sexos. Além da revista Era Nova, nesse mesmo período, havia outra, em Cajazeiras, sertão do Estado da Paraíba, composta só por mulheres – a Flor Liz. Essa prática de escrever foi abrindo espaço para que as mulheres pudessem manifestar e expressar publicamente suas opiniões sobre as questões sociais, pelos direito à educação, cultura e pela emancipação política. Aos poucos, veem-se os “gritos”, até então silenciados pela sociedade patriarcal, ecoando por todo o país.

As escritoras por nós pesquisadas perceberam a importância da imprensa e viram que o espaço das letras seria um lugar de exercício da liberdade, em que podiam expressar as suas ansiedades e despertar nas leitoras o direito de sair do universo privado para o público. Assim, ao se colocarem como escritoras, elas traziam à tona a questão de que as mulheres são capazes de conquistar a própria autonomia no mundo literário e cultural, na sociedade paraibana.

Verificamos, no contexto das organizações, inúmeras manifestações de diferentes grupos políticos e entre seus partidários. A coligação do Partido Conservador da Paraíba contava coma participação feminina e era composta pelas educadoras, escritoras e pelas moças estudantes da Escola Normal. Elas também integravam os comitês femininos Pró-Aliança Liberal e tinham como objetivo principal a elaboração de atividades simultâneas ao calendário eleitoral do partido. A capa de destaque do jornal A União, na primeira página do dia 25 de janeiro de 1930, teve como manchete “A brilhante cooperação feminina em prol da Aliança Liberal”. Conforme elucida Aguiar:

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Elas estavam na maioria das vezes à frente das passeatas e meetings, como se dizia na época. Fardadas de azul e branco entre seus 14 e 20 anos, as normalistas bem simbolizavam o total apoio do povo à reforma e renovação empreendidas no Governo pelo estadista conterrâneo. (AGUIAR 2005, p.19).

Desse modo, ainda que tenham sido mínimos os comitês femininos, as mulheres educadoras aproveitavam esses espaços para abertura dos novos meios de tratar a presença da mulher paraibana na sociedade da época. Às mulheres, dentro dos comitês, eram dadas atribuições de caráter partidário e eleitoral. Assim, as paraibanas aproveitavam para usar esse espaço como palco de mobilizações de vários grupos urbanos nos discursos e nas práticas das educadoras paraibanas, garantindo, de modo pleno, a participação na conjuntura sócio-política e econômica da história da Paraíba.

Nesse quadro, em apoio ao presidente do Estado, João Pessoa, em 1930, segundo Mello, uniram-se vários grupos urbanos, com destaque aos das mulheres que integravam os comitês femininos pró Aliança Liberal, compostos pela Associação Paraibana pelo Progresso Feminino (APPF)5, em João Pessoa. Mostravam que acreditavam no discurso carismático e “inovador” do atual presidente.

É possível observar também, conforme afirma o jornal, que as estudantes saíram às ruas em passeata e contribuíram na luta contra o cangaço.6 “A Expressiva homenagem das alumnas da Escola Normal ao presidente João Pessôa. Uma revoada de moças offereceu ao chefe do governo 300 cartuchos para combater o cangaceirismo.” (sic) (A União, 15 de janeiro de 1930).

5 Conforme autores, (MACHADO, NUNES, 2007), a APPF foi criada em 11 de março e instalada em 11 de abril de 1933 em João Pessoa, capital paraibana, seguindo a orientação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF-1922), cujo objetivo maior era a luta pelos direitos da mulher brasileira, especificamente no que diz respeito ao direito de votar, estabelecendo como condição precípua para a emancipação feminina o acesso da mulher à educação.

6José Américo de Almeida em seu livro A Bagaceira escreve que cangaço foi um fenômeno nordestino integrado por nômades que usavam violência para cometer crimes na região. O termo Cangaço é proveniente de canga, uma peça de madeira utilizada em pescoços de boi para transporte. Como os chamados cangaceiros tinham que carregar todos seus pertences junto ao corpo, deu-se o nome a partir da associação. O movimento só ganhou corpo mesmo no final do século XIX. Nessa época, o nordeste passava por momentos difíceis e homens criminosos espalhavam o terror com suas vidas nômades.

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Segundo Wellington Aguiar (1985), a Paraíba vivia uma guerra política interna, levando a população paraibana à bravura cívica influenciada pelo partido liberal. Esse partido político induzia o povo ao delírio coletivo, em que mulheres e crianças são convocadas a participar, corajosamente, da campanha cívica e, cada vez mais, ganhava a adesão de vários segmentos urbanos da sociedade em prol do presidente do Estado, João Pessoa.

Conforme o mesmo autor, as moças da escola normal eram convocadas a sair às ruas com lenço vermelho, símbolo da aliança liberal, enfrentando os soldados, ao buscar e convocar mais gente para a causa. O autor relata a coragem da mulher nordestina, na busca pela causa de sua terra e do seu presidente:

A bravura da mulher paraibana na defesa de sua terra e do seu presidente criou legenda. Por toda parte era exaltada e sua coragem e o seu destemor, O jornalista Fraga Cruz, comparando-a Joana Angélica e Maria Quitéria, observou: “Jamais poderia supor que no Brasil, onde a defecção de caracteres é um fato, viesse defrontar o espetáculo formidável de patriotismo que elas nos oferecem, patriotismo legítimo e enternecedor. Nos momentos angustiosos que a nação atravessa, conforta e registra atitude tão significativa”. E foi esse espírito de resistência, de bravura cívica, que comoveu a nação na consolidação das ideias da revolução. O povo brasileiro não podia ficar indiferente à sorte da Paraíba, ofendida e ultrajada pelo poderio do governo federal e nesse quadro pré-revolucionário ressaltava aos olhos de toda a bravura da mulher paraibana, exaltada em prosa e em verso, como nos dá ideia essa quadra apanhada em Sergipe pelo consagrado folclorista Guimarães Barreto. (AGUIAR, 1985, p. 144 e 145).

Logo depois veio o assassinato do então presidente João Pessoa, que levou a população à exaltação e comoção nunca assistida em toda história da Paraíba, o que fez com que o povo paraibano ficasse alinhado ao clima de revolução. De acordo com Aguiar, o líder passa a ser transformado em mártir e cultuado pelos paraibanos que procuravam imortalizar o seu nome e consagrá-lo perante a história. Daí surge a ideia do poeta Américo Falcão de homenagear o presidente morto, colocando o nome dele na capital do Estado.

José Octávio (2002) aponta que, no momento de grande comoção da população paraibana para homenagem ao político João Pessoa de Albuquerque, as mulheres marcaram presença de forma acentuada na capital paraibana. Segundo ele, grupo de

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moças estudantes e de senhoras da elite paraibana saíram às ruas, convocando toda a população para uma demonstração pública, para que fosse votada a mudança do nome da capital.

Elas se empenharam em favor da alteração da designação da cidade, formavam grupos de senhoras e senhoritas da classe alta e principalmente as educadoras e alunas da escola Normal. A manchete do jornal oficial do Estado A União chama a atenção para esse posicionamento dessas mulheres que persistiam, saindo às ruas, formando passeatas, participando de solenidades, agora não apenas de caráter liberalista, mas também em homenagem ao político morto, que passa a ser reverenciado como “mártir e herói” – conforme a manchete estampada no jornal acima citado. Para ilustrar melhor esse acontecimento, trazemos um recorte da matéria publicada nesse jornal:

Mais uma homenagem da mulher parahybana a João Pessoa. Em toda a campanha política que vimos de vencer a mulher parahybana teve papel saliente. Vivo João Pessoa, o grande martyr na nova república, não lhe faltou um só instante a solidariedade dos mais destacados elementos femininos de nossa terra. Trucidado miseravelmente, na suposição de que, com sua morte, ficariam vencidos todos os óbices e entrega da Parahyba ao Perrepismo criminoso, estamos vendo que as reservas de affecto, de admiração, de dedicação das bravas, determinadas pessoenses são inexgotáveis. A todas as homenagens prestadas a memória do inolvidável brasileiro, mesmo as que significavam gestos de vindicta contra os seus ferrenhos adversários, associou-se veemente efficientemente a mulher parahybana. Bastemos relembrar aqui a ação das nossas normalistas, que se entregaram dias a fio a manifestações de desaggravo ao morto inmortal, com risco até da própria vida. [...] Uma comissão de inteligentes e graciosas alumnas da Escola Normal tomou a si o encargo de offereceraexc.viúva Maria Luiza Pessoa o grande retrato a óleo, corpo inteiro que acaba de executar o ilustre Frederico Falcão e que esteve até pouco tempo em exposição na Escola Normal. (sic) (A União, 1930, p.1).

Sendo assim, em 1º de setembro de1930, foi aprovada uma Sessão na Assembleia Legislativa para a mudança de nome da capital, de designação Parahyba passava a ser João Pessoa. De acordo com mais esse trecho do jornal A União:

A caravana composta pelas mulheres educadoras da capital da Paraíba, o comitê feminino pró-Aliança Liberal, foram os que manifestaram seu suporte às propostas liberalistas. A presença das mulheres paraibanas nos comitês femininos, enquanto espaços políticos converteram-se em episódio de visibilidade política da mulher paraibana. (A União, 1930, p. 1).

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Apesar desse contexto amargo, mulheres como as tratadas aqui, conseguiram evoluir, aos pouco, no início do século XX, emancipando-se lentamente, penetrando no mundo masculino, sejam como escritoras, tecelãs ou professoras. Bordando no tecido social e cultural, mesmo que discretamente, a mulher foi, e ainda está penetrando no espaço que até então era apenas dos homens.

Algumas escritoras tiveram de usar pseudônimos masculinos para terem seus escritos divulgados e reconhecidos, visto que, na época, a literatura era considerada uma atividade masculina. A sociedade entendia que só o homem era capaz de pensar e de escrever obras literárias significativas. As mulheres paraibanas tiveram grandes obstáculos a serem vencidos para conquistarem os espaços que eram sobrepujados pelos homens, de forma especial o da literatura e da imprensa. Mas, por tanta persistência, as mulheres da Paraíba – aqui representadas nas figuras de Eudesia Vieira e Anayde Beiriz – no início do século XX, tinham diversos tipos de bordados produzidos, pois além das rendas tradicionais, ao teceram e bordarem palavras, elas conseguiram deixar suas marcas. A partir delas, atualmente, foram surgindo outras grandes escritoras paraibanas, estimadas e distintas no meio literário brasileiro e mundial, na atualidade.

Diante desses fatos, é possível concluir que a imprensa representou, para a época, a grande alavanca para impulsionar as transformações sociais, políticas e culturais. Mais uma vez evidencia-se o eco do grito lançado por Anayde Beiriz e Eudesia Vieira, em suas publicações nos jornais e revistas da época, possibilitando-as tecer não apenas “manhãs”, mas um novo amanhã.

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CAPÍTULO II- OS CAMINHOS PERCORRIDOS SOBRE O

FEMINISMO NO BRASIL E NA PARAÍBA

2.1 A LUTA PELA CIDADANIA: O EXTENSO CAMINHO DAS MULHERES

Para reconstituir e compreender a trajetória percorrida pelas mulheres, dentro das lutas feministas no Brasil,7 é importante compreender que essas lutas pela

emancipação política das mulheres brasileiras se prolongam desde o século XIX, ficando mais fortes no início do XX, após uma grande mobilização política nas primeiras décadas. Observa-se um período de grandes transformações vinculadas à ditadura, à busca pelos direitos à educação e pelo direito de votar e ser votada.

Vale ressaltar que houve diversas batalhas sociais que alcançaram algumas conquistas femininas e muitas mulheres ofereceram suas vidas em prol dessas causas. Nenhuma conquista se deu de forma simples ou natural, pois as lutas femininas sempre aconteciam em cenários repletos de obstáculos e preconceitos. Mesmo quando um grupo conquistava determinado direito, as mulheres em geral sentiam-se retraídas ou amedrontadas diante da nova conquista.

Até metade do século XIX, a sociedade, tanto na esfera do público como do político, considerava a mulher um ser inferior e, por isso, esses dois espaços eram considerados de exclusividade masculina. Assim, a mulher via refletir na sociedade, lá fora, toda a submissão do lar, de obediência ao homem – primeiro à figura paterna, depois ao marido e, muitas vezes, até ao filho mais velho. No entanto, essa realidade não impediu que um grupo de mulheres iniciasse uma luta contra essa submissão.

Ao analisar o movimento feminista brasileiro, Celi Pinto (2003, p.10) aponta para a existência de dois momentos importantes dentro desse mesmo movimento: o primeiro inicia-se ao final do século XIX e vai até 1932. Nesse primeiro período,

7Feminismo é um movimento político, filosófico e social que defende a igualdade de direitos entre mulheres e homens. O "embrião" do movimento feminista surgiu na Europa, em meados do século XIX, como uma consequência dos ideais propostos pela Revolução Francesa, que tinha como lema a "Igualdade, Liberdade e Fraternidade". As mulheres queriam estar inseridas no turbilhão de mudanças sociais que essas revoluções traziam, principalmente para se sentirem mais cidadãs em uma sociedade historicamente regida pelo patriarcalismo. (FERREIRA, 1986).

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segundo a autora, a principal bandeira era o sufrágio feminino; o segundo – do feminismo pós 1968 – o valor do movimento está nas múltiplas manifestações e nas pretensões do feminismo do final do século XIX, que se baseava no lema "Em busca da cidadania", lutando pelo movimento sufragista feminino,8 tendo, no entanto, um caráter conservador, cuja líder era Bertha Lutz.9

Moreira Branca Alves e June Hahner, ao fazerem uma avaliação do movimento sufragista, enfatizam algumas disparidades desse movimento. De acordo com Alves (1980), o que foi conquistado pelas mulheres, dentro daquele contexto histórico, não passou de buscas de equilíbrio entre as elites e se restringiu a exigências formais, dentro do liberalismo burguês. Em princípio, segundo esse estudo, o direito ao voto, conquistado pelas mulheres, foi considerando desnecessário à luta feminina, pois só foi concedido depois que se tornou vantajoso para a classe política da época. Todavia, Hahner (1981) prefere levar em conta a contribuição das sufragistas brasileiras, enfatizando as táticas e a obstinação da luta, por representar um avanço importante, que veio a desencadear outras conquistas.

A partir desses apontamentos, é possível afirmar que esse grupo, bem como a luta impetrada por ele, foi considerado como "bem comportado”, porque não interpelava a submissão da mulher pela classe patriarcal da época. O movimento almejava a inclusão das mulheres na cidadania, sem alterar as relações de gênero. Almejava-se, basicamente, o direito ao voto feminino, bem como o mesmo direito de ser votada. Ou seja, o que estava em questão eram os direitos políticos, mediante participação eleitoral, “como candidatas e eleitoras” (apud. CELI, 2003, p. 13).

Num primeiro momento, faz-se necessário compreender que o Brasil era colônia de Portugal e a sociedade tinha como pilar principal a estrutura familiar. Assim sendo, torna-se fundamental que busquemos entender esse núcleo familiar, perpassando a questão do casamento e os papéis pré-definidos para o homem e a mulher. Segundo

8Movimento sufragista é um movimento ligado ao movimento feminista em que as mulheres organizaram-se para lutar por seus direitos, sendo que o primeiro deles que se popularizou foi o direito ao voto.

9 Nascida em São Paulo–SP, em 2 de agosto de 1894, estudou no exterior e voltou para o Brasil na década de 1910, iniciando a luta pelo voto. Foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, organização que fez campanha pública pelo voto, tendo inclusive levado, em 1927, um abaixo-assinado ao Senado, pedindo a aprovação do Projeto de Lei, de autoria do Senador Juvenal Larmartine, que dava o digo Eleitoral brasileiro. Direito de voto às mulheres. Esse direito foi conquistado em 1932, quando foi promulgado o Novo Código Eleitoral brasileiro.

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Claudia Maia (2011, p. 85) “[...] o casamento aparece ao olhar da igreja e a sociedade como forma de preservação da honra feminina e, sobretudo, masculina no caso dos parentes com mulheres sob sua dependência ou tutela”. Essa autora explica também que nessas duas instituições – igreja e família – as mulheres eram marcadas como “sujeito passivo”. No tocante ao matrimônio elas eram escolhidas ou negociadas. Maia aponta também o posicionamento do estado, diante da questão do casamento:

A constituição de família legítima por meio do casamento, como a principal estratégia de segurança, controle, aumento da população e, sobretudo, uma maneira de promover o povoamento - ainda durante os séculos XVII e XVIII - pois possibilitava “disciplinar os colonos, torná-los mais assentados, presos aos laços familiares, dificultando sua volta á metrópole”. Nesse sentido, no período colonial português era incentivado o matrimonio por meio de alvarás e carta régia, com intuito de dificultar a fundação de conventos femininos ou a saída de mulheres para serem freiras em Portugal. [...] o casamento apontava, ao olhar da igreja e da sociedade, uma forma de preservação da honra feminina e, sobretudo masculina, no caso dos parentes com mulheres sob sua dependência ou tutela. (MAIA, 2011, pág. 85).

Nesse sentido, a autora supracitada destaca o matrimônio como instituição de domesticação das mentes, dos corpos e da criação do binário naturalizado – “a determinação entre os sexos, a distinção entre o masculino e o feminino, definidos como extremos...” (CARRATO & SANTOS, 2014. p. 21) – que passam a existir como uma construção social e assim “em todas as camadas da sociedade havia o interesse pelo casamento”. ( LEWKOWICZ, 1993, p. 21 citado por Claudia Maia, p 86).

Nessa época, no Brasil, os casamentos seguiam uma prática herdada de Portugal, em que, para formar uma união conjugal, era necessário um ajuste econômico, quando a família da moça atribuía o dote, podendo ser em bens ou dinheiro. Assim, geralmente o pai, prestigioso escravocrata, senhoril de engenho de cana-de-açúcar ou um produtor de café, combina o casamento da filha com o filho de outro senhor igualmente poderoso. Para Muriel Nazzarin:

O dote foi instituição europeia que os portugueses, colonizadores do Brasil no século XVI, trouxeram com eles, juntamente com o cristianismo e outros acessórios europeus. De acordo com a lei e os costumes portugueses, conceder um dote a uma filha constituía dever dos pais, análogo ao dever de alimentar e cuidar dos filhos, e só era limitado pela amplitude dos recursos que cada família podia dispor. Na São Paulo do século XVII, a maior parte dos proprietários dava a suas filhas dotes de tal monta que, para o sustento do novo casal, as esposas contribuíam com a maior parte das terras, do gado, das ferramentas agrícolas e dos escravos necessários. (NAZZARIN, 2001, p. 190).

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