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Imagens e ideologia : um estudo da azulejaria do Estado Novo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS

IMAGENS E IDEOLOGIA:

UM ESTUDO DA AZULEJARIA DO ESTADO NOVO

Marta Regina Rodrigues Martins Ferreira

Tese orientada pela Professora Doutora Luísa Afonso Soares,

especialmente elaborada para a obtenção do grau de Mestre em

Comunicação e Cultura

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Agradecimentos

Quero agradecer em primeiro lugar à minha orientadora, Professora Doutora Luísa Afonso Soares cujas directrizes foram fundamentais para que pudesse levar a bom porto esta dissertação.

À Professora Doutora Rita Queiroz de Barros pela dedicação e empenho no desenlace de um episódio burocrático sem o que não poderia ter prosseguido para o mestrado. À Professora Doutora Teresa Malafaia e à Professora Doutora Fernanda Mota Alves pela amizade e por me terem induzido a prosseguir o mestrado, retirando alguma dúvida de que fosse capaz de o concluir. E a todos os professores que me proporcionaram o saber académico sem o qual não poderia ter produzido este trabalho.

Para as minhas primeiras incursões na azulejaria do século XX, e nomeadamente deste período tão pouco ou nada estudado como o foi a azulejaria do Estado Novo, recorri ao Centro de Documentação Manuel Joaquim Afonso no Museu de Cerâmica de Sacavém onde pude contar com a imensa disponibilidade e profissionalismo da Doutora Conceição Serôdio e do Doutor Carlos Luís a quem muito agradeço.

Agradeço também o apoio dos funcionários da biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian e da Doutora Ana Álvares da biblioteca do Museu Nacional do Azulejo pela indicação de materiais de pesquisa.

À minha amiga Mariana Pacheco Loureiro agradeço a amizade e o grande apoio editorial.

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Resumo

O objectivo fundamental deste estudo é verificar o uso do azulejo no período entendido como Estado Novo, procurando questionar se, de facto, serviu para inculcar uma ideologia que se desenhava e que era absolutamente necessária para a consolidação de um regime. No entanto, como em todos os regimes, existirão ou não sinais de resistência? Assim, far-se-á uma súmula da história do azulejo desde a sua introdução em Portugal no século XV até ao presente, abordando as técnicas e o desenvolvimento pictórico característico nos vários períodos. Seguir-se-á a explicação de Estado Novo e as suas principais características, assim como as políticas empreendidas e que visavam precisamente a utilização da cultura para disseminação da ideologia salazarista na denominada “política do espírito”. Posteriormente, e no processo de construção da identidade portuguesa, serão estudados os conceitos de representação, de ideologia, e comunidade imaginada. Finalmente, serão tiradas as conclusões que visam justificar este estudo. O corpus é constituído por imagens de azulejos portugueses.

Em virtude de, até à data, não haver conhecimento de que autor algum se tivesse dedicado ao estudo do azulejo neste período concreto, foi este tema considerado de oportuna relevância pretendendo, modestamente, contribuir para o enriquecimento do saber, tanto da comunidade académica como da comunidade em geral e concorrer, de alguma forma, para estratégias de futuras abordagens.

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Abstract

The main goal of this study is to verify the use of the Portuguese tile within the period denominated as “Estado Novo”, seeking to if in fact, it was a means to instil an ideology that was in sight and that was absolutely paramount for the consolidation of a regime. Notwithstanding, like in all the regimes, will there be signs of resistance?

This dissertation will have a sum up of the history of the Portuguese tile since its introduction in the country in the fifteenth century till nowadays, approaching the techniques used and the pictorial development achieved in each period. Next there will be an explanation of the meaning of the “Estado Novo” its characteristics and main policies that aimed precisely in the using of the culture for the dissemination of Salazar´s ideology in the denominated “Politics of the Spirit”. Subsequently and in the process of the Portuguese identity, the concepts of representation, ideology and the imagined community will be analysed. Finally, conclusions will be drawn in order to justify this study.

Since till today there is no work available that has dealt with the study of Portuguese tile in this specific period, it has been considered relevant and, as such, a contribution for the enlighten of the academic and the general population and also to some future strategies of study.

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Índice

Agradecimentos ……… 3 Resumo ………. 5 Abstract ………. 6 Introdução ………. 9

Capítulo I - O Azulejo em Portugal 1.1 Origem e disseminação de uma arte ………... 16

Capítulo II - O Estado Novo 2.1 Um Novo Regime ………... 22

2.2 Política do Espírito ………. 26

2.3 Outras Retóricas Visuais do Estado Novo ………..32

2.3.1 O Cartaz ………. 33 2.3.2 A Escultura………. 34 2.3.3 O Cinema ………37 2.3.4 A Arquitectura ………40 2.3.5 A Pintura ……… 42 2.3.6 O Turismo ………...44

2.3.7 A Grande Exposição do Mundo Português ………46

Capítulo III – O Azulejo no Estado Novo 3.1 Ideologia e Representação……… 48

3.2 Sinais de Resistência ……….……….. 64

Conclusão ………... 69

Bibliografia ……… 73

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Introdução

Reading and interpreting images is one way that we, as viewers,

contribute to the process of assigning value to the culture in which we live. (Sturken and Cartwright 46)

Esta dissertação faz parte de um seminário de Cultura Visual e Transculturalidade sendo que, não só os estudos decorridos desse seminário promoveram o enriquecimento dos temas e conceitos que aqui serão abordados como também, outros seminários e outras disciplinas que fizeram parte da globalidade dos estudos levados a cabo.

Este trabalho visa questões essenciais que dizem respeito à arte azulejar e à sua utilização com vista ao reforço ideológico de um regime que utilizou, como veremos mais à frente, de todos os meios ao seu alcance, nomeadamente as artes plásticas, para que a sua ideologia fosse ampla e eficazmente difundida tendo como objectivo a “modelação” do gosto dos portugueses e a sua “educação” política.

Porquê o azulejo? Porque esta é uma forma de arte e de representação fortemente arreigada na tradição e na cultura nacional, desde que foi introduzida em Portugal no século XV e que perdura até aos dias de hoje.

Porquê o período do Estado Novo? Porque representa um desafio pois, até à data, não há conhecimento de um estudo que verse o azulejo neste específico período da história de Portugal.

Vivemos num mundo de imagens, interpretamo-lo e criamo-lo através delas e esta reciprocidade da imagem aliada à percepção humana, criatividade e intencionalidade dá o mote para a grande viragem no estudo da cultura: a cultura visual ou a ciência das imagens. Porque o mundo é a imagem e o que ela representa:

An image is more than a product of perceptions. It is created as the result of personal or collective knowledge and intention. We live with images, we comprehend the world in images. (Belting apud Bachmann-Medick 249)

Desde o designado iconic turn conceito utilizado por Bachmann Medick e que se refere ao período em que a relevância imagética atinge níveis que durante muito tempo

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pertenceram à linguística, a imagem representa não só o mundo em que vivemos como nos ajuda a conhecê-lo e à cultura de uma determinada sociedade. Doris Bachmann-Medick diz-nos que neste iconic turn vemos a imagem de uma forma completamente diferente permitindo torná-la numa ferramenta epistemológica ou como refere a autora

iconic episteme e através dela obter o conhecimento sobre outras áreas completamente

diferentes:

(…) but also, to think with the help of images, to use images as epistemological tools to gain new knowledge in entirely different areas than the visual field. (Bachmann-Medick 261)

Assim, será através das imagens que poderemos dar corpo a este estudo numa forma de obter o conhecimento sobre a cultura portuguesa no período do regime salazarista porque elas foram, sem sombra de dúvida, o meio privilegiado no Estado Novo para que a sua mensagem fosse interiorizada, não esquecendo a grande taxa de analfabetismo existente naquele período.

Importa referir um argumento interessante, na medida em que a imagem foi o meio por excelência utilizado para a inculcação da ideologia salazarista e que reside no facto de o próprio homem ser o laboratório de imagens, porque possui a capacidade de reconhecer, lembrar e projectá-la, reinterpretando-a e transformando-a em memória visual, tal como convinha para o regime em questão:

A central role is played by an image translation process in which, through the act of viewing, external “pictures” are transformed into “mental” images and re-embodied in the individual´s visual memory. (BeltingBachmann-Medick 253) Como foi dito anteriormente, criamos o mundo através da imagem e servimo-nos dela para o compreender e isto significa que a imagem é uma forma de representação, porque ela está no lugar de qualquer coisa, e como forma de comunicação, a imagem é uma linguagem —e aqui entendemos linguagem como todas as formas possíveis de comunicação. Para Stuart Hall a condição essencial para consolidação da cultura e construção do mundo é a construção do significado:

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(…) since the “cultural turn” in the human and social sciences, meaning is thought to be produced —constructed— rather than simply “found” Consequently, in what has come to be called a “social constructionist approach” representation is conceived as entering into the very constitution of things; and thus, culture is conceptualize as a primary or “constitutive” process, as important as the economic or material “base” in shaping social subjects and historical events —not merely a reflexion of the world after the event. (Hall 6)

Será este, então, o processo que concorreu para a inculcação da ideologia salazarista, promovendo a construção de uma identidade e, consequentemente de uma comunidade, a comunidade dos portugueses, que se queria coesa alicerçada na história, na educação, na moral e, acima de tudo, na ordem?

E é partindo da compreensão do conceito de representação e utilizando a imagem através do azulejo, que decidimos iniciar a investigação sobre a utilização deste no Estado Novo.

Durante a formação do Estado Novo assiste-se a um discurso influenciador de mentalidades e que pretendia, ao mesmo tempo, construir a imagem do seu principal mentor, António de Oliveira Salazar. Daremos, assim, prioridade ao estudo do Azulejo e do seu aproveitamento, enquanto expressão artístico-discursiva, para a consolidação do regime. A representação da ideologia que concorreu para a criação de uma identidade e de uma nação que se queria hegemónica, não só aos olhos dos portugueses como também aos de outras nações: a construção de uma comunidade imaginada de que nos fala Benedict Andersen e que se constrói a partir de vários elementos reveladores de poder como o Hino nacional, o mapa de Portugal e colónias, os museus e o censo mas também —e no caso do presente estudo— através de entidades governamentais e organizações corporativistas cujo objectivo era dar às comunidades a ideia da sua existência através das várias manifestações, festivais, marchas de apoio ao regime, etc.. (Bauman apud Salaman 254).

O que se pretende não é tão pouco a análise da arte em si, mas antes a análise do aproveitamento de que esta foi alvo, como retórica de um regime. Citemos o historiador de arte José Augusto França que nos diz:

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Confrontar tais elementos e aceitá-los pelo que são, isto é, como reacções vivas e reais, e não como impossíveis absolutos, parece ser o caminho da crítica necessária (França 11).

Numa época em que se assiste a um crescendo na procura de tudo o que é tradicional, não só em Portugal, mas à escala global, parece ser o azulejo um elemento que em muito contribui para esse propósito. Ele é largamente utilizado na Street Art, na Moda e em objectos do dia-a-dia, lembranças ou representações de ícones da cultura que os que nos visitam levam consigo.

Portugal foi, provavelmente, a nação que mais o utilizou de uma forma bastante generalizada, tanto na capital quanto nas vilas mais interiores. São sobejamente conhecidas as placas toponímicas que ainda hoje nos presenteiam o olhar, os grandes painéis historiográficos em estações de caminho-de-ferro, hospitais e demais locais públicos, ainda os fontanários em recantos de uma qualquer cidade ou aldeia à beira de uma qualquer estrada interior e, ainda, os painéis colocados por anónimos nas paredes das suas habitações.

Será interessante referir que este trabalho surge a propósito de um fontanário do século XVI que se encontra na Avenida Marginal, mais concretamente no troço Lisboa – Paço de Arcos. As suas paredes foram revestidas, justamente no período abrangido por este estudo, por painéis de azulejos com cenas representativas dos descobrimentos portugueses. É um espaço que nos envolve e nos leva a voltar os olhos do mar para terra, embora passe discretamente pela vida daqueles que transitam naquela avenida, detendo, porém, um imenso poder não só pelo tema, mas, e sobretudo, pela beleza como obra de arte e representação de um período da cultura portuguesa.

Não obstante, o azulejo e a sua carga histórica fazem lembrar o conceito que existe em comunicação e que refere que uma mensagem demasiadamente reiterada acaba por ter o efeito contrário, ou seja, deixa de haver assimilação; o azulejo está tão fortemente presente no nosso quotidiano que não nos damos ao trabalho de o “ver” e verdadeiramente

apreciarmos a sua delicadeza, a sua beleza e questionarmo-nos da razão da sua tão grande proliferação na nossa cultura. Nas palavras de Irit Rogoff, é necessário o “olhar crítico” para realmente “ver” o que existe à nossa volta:

Curiosity implies a certain unsettling; a notion of things outside the realm of the known, of things not yet quite understood or articulated; the pleasures of the

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forbidden or the hidden or the unthought; the optimism of finding out something one had not known or been able to conceive of before. (28)

Talvez por esta razão, o azulejo seja um elemento artístico tão presente e, ao mesmo tempo, tão alheio.

Este estudo sobre o Estado Novo revelou-se intenso porque multidisciplinar: muitas questões no campo social, como a instituição de organismos que se dedicavam à estruturação do indivíduo na sociedade, no campo político, como a formação de um regime de partido único e fortemente ligado às ideologias dominantes na Europa, nomeadamente a de Hitler e de Mussolini, preferencialmente, e no campo cultural com a divisão da sociedade em camadas onde a carga cultural era diferenciada, no campo artístico, com a arquitectura, a escultura, o cartaz, o cinema, a pintura e a fotografia que estiveram ligados ao regime, não esquecendo o turismo que desempenhou, entre outros, um papel assaz importante para o reconhecimento da identidade nacional cá dentro e lá fora. São campos culturais que urge incluir e que estão associados a uma ideologia e à construção não só de uma nação, mas, e sobretudo, à aceitação e consolidação da imagem do seu chefe. Salientemos Roland Barthes quando diz: “(…) certamente que a imagem é mais imperativa que a escrita, impondo a significação de um só golpe, sem a analisar, sem a dispersar.” (210) Por esta razão, a imagem é um meio poderoso para a construcção de ideologias por assentar na dicotomia presença/ausência.

Assim, esta dissertação será dividida em capítulos e cada um deles abordará questões que contribuirão com argumentos atestando a pertinência deste trabalho.

No capítulo I será feita uma modesta referência, que pensamos fazer todo o sentido pela relevância e interesse académico e cultural, à arte azulejar em Portugal desde a sua introdução até ao presente, elaborando uma relação sobre os seus vários períodos, sem tentar ser muito exaustiva pois, não é esse o objectivo deste estudo, com os correspondentes padrões definidores, artistas e locais de fabrico. Terá por base o estudo sobre o azulejo em Portugal feito anteriormente pela autora deste estudo e fundamentado pelo trabalho de José Meco e do engenheiro Santos Simões, cujo estudo e colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian, contribuiu sobremaneira para uma extensa catalogação do azulejo. Pensamos ser essencial a consciência da sua importância e representatividade na cultura portuguesa.

No capítulo II, será explicado o Estado Novo. Como se fundou, que processos utilizou e que áreas culturais, sociais e políticas concorreram para a sua implantação e

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modelação de mentalidades, num conturbado período da história portuguesa. Deste modo, serão analisadas, embora brevemente, outras formas discursivas que darão suporte à argumentação presente neste trabalho. Nomeadamente, a arquitectura, o cinema, a escultura, o cartaz, a fotografia, a pintura e o turismo.

No capítulo III serão estudados os conceitos de ideologia e representação que marcam a linha condutora deste estudo e que terá como suporte o trabalho de Marita Sturken e Lisa Cartwright, e ainda de Terry Eagleton e Stuart Hall. Sendo certo que o conceito de Ideologia carrega na sua interpretação várias definições, sabemos que, no caso do Estado Novo, a sua carga é manifestamente negativa pois que transporta consigo o significado de projecção de ideias com vista à manipulação e consequente destruição do pensamento crítico. Além da questão do estudo do conceito de ideologia abraçaremos também a análise da noção de nacionalismo e de conceito de comunidade imaginada de que nos fala Benedict Anderson. Quanto ao conceito de representação, esta estará em linha com o pensamento de Stuart Hall com destaque para o constructivismo. Fundamental para este estudo será a compreensão do pensamento de Michel Foucault que impõe uma abordagem do construtivismo como práctica discursiva em que significado, representação e cultura são seus constituintes:

(…) em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas relações de poder não se podem dissociar, estabelecer-se, nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso. (Foucault 179) Tentar-se-á ainda, através do estudo do conceito de mito criado por Barthes, compreender a utilização central de ruralidade como desígnio do povo e da figura de Salazar numa duplicidade de funções: salvador de um povo, designado celestialmente, e mártir de Portugal pois carrega consigo o fardo da governação sem que, para isso, concorram outras formas de mérito que não o de ordenar e indicar o bom caminho para “um povo que não se sabe governar”.

Segundo Barthes, mito:

É uma fala ou sistema de comunicação logo, é uma linguagem. Para que essa fala se torne mito, requer determinadas condicionantes como limites históricos,

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condições de emprego e a sua apropriação pela sociedade passando de uma existência muda a uma oralidade universal. (209)

Sendo assim, poder-se-á afirmar que o Mito é uma ideia criada e tornada natural dentro de certas condicionantes históricas e sociais.

No capítulo III passaremos à análise dos elementos presentes no corpus imagético, e que parecem ser os constituintes do discurso ideológico presente no azulejo como o Mar, os Descobrimentos, o mundo rural, a religião, a monumentalidade, o historicismo e as paisagens. Deste modo, foram destacados para este estudo, a fim de corroborar a argumentação, edifícios públicos e privados em algumas localidades, consideradas à época, cidades ou vilas de província. Mereceram ainda atenção os mercados municipais, as estações de caminho de ferro e ainda alguns fontanários e outros espaços públicos.

Assim procuraremos verificar as prácticas discursivas do regime e verificar os efeitos e consequências pretendidos.

No capítulo IV reflectiremos sobre a existência ou não de sinais de resistência no campo artístico em relação às linhas de orientação presentes no discurso ideológico.

Por último, serão tiradas as devidas conclusões que servirão o propósito deste trabalho.

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Capítulo I – O Azulejo em Portugal

1.1 Origem e disseminação de uma arte.

Works of Art … are not closed, self-contained and transcendent entities, but are the product of specific historical practices on the part of identifiable social groups in given conditions, and therefore bear the imprint of the ideas, values and conditions of existence of those groups, and their representatives in particular artists.

(Wollf apud Davis 173) Azulejo, Azulayca, palavra de origem árabe e que significa, pequena pedra polida; seguindo a definição dada pelo Azlab (laboratório para a pesquisa do azulejo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).

Para proceder a uma primeira pesquisa sobre o azulejo em Portugal, foi necessário recorrer ao Museu Nacional do Azulejo em Lisboa. Saliente-se que, este Museu fazia parte, em primeira instância, do Museu de Arte Antiga já no ano de 1958. Mais tarde, e por diligências do Engenheiro José Manuel dos Santos Simões, foi efectivamente autonomizado no ano de 1971. Ali podem ser observadas as peças que melhor definem cada um dos períodos da sua riquíssima história, compreender o seu significado e extrema importância na cultura nacional por via da criação deste Museu, além de observar as técnicas de fabrico. Neste último caso, constactou-se que o processo de fabrico do azulejo implica a utilização de uma argila homogénea, que após uma primeira cozedura é coberta com o vidrado, cujas cores se obtêm a partir de óxidos metálicos, seguindo-se uma segunda cozedura.

Os azulejos de padrão foram as primeiras formas expressivas no contexto desta arte que, pela repetição sistemática de unidades azulejares conjugadas entre si, definem a teia do padrão. Os principais motivos eram a estrela islâmica e os esquemas geométricos. Foi durante este período que se iniciou a produção de azulejo na Península Ibérica originando as suas primeiras aplicações decorativas. Os principais centros produtores situavam-se em Sevilha, Valência, Málaga e Toledo.

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Em finais do século XV e início do século XVI, já no reinado de D. Manuel constacta-se uma maior liberdade estética. Os motivos islâmicos, como as laçarias e encadeados geométricos, vão sendo gradualmente substituídos por motivos europeus com elementos vegetais e animalistas de inspiração gótica e renascentista. Em virtude da expansão portuguesa é originalmente introduzida pelo rei D. Manuel I, a esfera armilar. É neste período que se inicia a produção de azulejo em Portugal, no entanto, as composições em xadrez ou enxaquetados, continuam a ser importadas de Espanha. Posteriormente, e na fase do renascimento italiano, é introduzida a técnica da majólica ou faiança, possibilitando ao pintor uma maior liberdade compositiva, viabilizando a pintura directa no azulejo. Esta técnica partiu de Sevilha pelo artista italiano Francisco Niculoso. Artistas italianos instalam-se em Antuérpia e divulgam os motivos maneiristas e da Antiguidade clássica. Em Lisboa instalam-se pintores flamengos dando início à produção nacional. Esta é a fase da Azulejaria Ítalo-flamenga onde a estética maneirista introduz uma nova variedade de elementos decorativos como anjinhos, grinaldas, vasos de flores e frutas e os grotescos onde a figura humana, pássaros, flores, frutos, seres fantásticos, vasos e conchas se entrelaçam em medalhões, aparentemente sem lógica, surgindo também a padronagem de tapete, com especial destaque para a “ponta de diamante.”

Com a reforma da Igreja introduzem-se os painéis de carácter mitológico, de alegorias, religiosos, guerreiros, satíricos e morais e ainda a introdução de elementos concorrentes para a criação de ilusão espacial como o trompe l´oeil. Os modelos europeus são agora utilizados por artistas de saber académico em desenho e pintura destacando-se os nomes de Francisco de Matos e Marçal de Matos. Não obstante, continua a produção de azulejo enxaquetado, com igual força decorativa, mas que resulta bastante menos oneroso, passando a ser usado como revestimento de grandes superfícies. São essencialmente azulejos monocromáticos em alternância entre o azul e o branco-verde.

Durante o século XVII, Lisboa é o maior centro de produção nacional. Observa-se a influência oriental, devido ao contacto com povos e culturas diferentes e que marcou, de uma forma transversal, toda a sociedade portuguesa. O grande destaque vai para a fauna e flora exóticas e figurações da espiritualidade oriental, frontais de altar com azulejos de padrão com realce para o de “camélia” (embora originalmente designado por peónia), painéis emblemáticos, hagiográficos e de chitas (influências de tecidos orientais). As cores são o azul-cobalto e amarelo sobre o branco assim como o

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alaranjado, o verde azeitona e tons arroxeados e acastanhados, com contornos a azul-cobalto.

Na segunda metade do século XVII dá-se o fim da Guerra da Restauração com o posterior reatamento das relações com Espanha, França e Países Baixos. Assiste-se à recuperação económica e financeira com a consequente construção e renovação de palácios pertencentes à nobreza com painéis historiados importados da Holanda.

Até ao início do século XVIII a renovação temática no azulejo serve de suporte à crítica social com representações caricaturais ou irónicas, particularmente com o objectivo de provocar o riso de que as “macacarias” ou singeries são sinónimo. Também importa referir as temáticas profanas com base na mitologia clássica, cenas de costumes, albarradas e azulejos de figura avulsa. Os pintores flamengos, influenciados pelo prestígio da cerâmica chinesa, trazida em virtude da expansão marítima com consequente contacto com novas culturas, iniciam o ciclo do azul e branco, também do agrado dos portugueses que encetam a sua produção. Esta nova técnica de pintura a uma só cor, azul sobre fundo branco, exige a aprendizagem de regras de representação em perspectiva por forma a promover o refinamento da técnica, da qualidade pictórica e do intenso dramatismo. Evidenciam-se pintores flamengos Willem van der Kloet e Jan van Oort mas, analogamente, pintores portugueses integrantes do grande Ciclo dos Mestres, impulsionado pelo espanhol Gabriel del Barco, mas distinguido por nomes como, António Pereira, Manuel dos Santos, António de Oliveira Bernardes, Policarpo de Oliveira Bernardes e mestre P.M.P. Inicia-se, então, o período Barroco com mais expressividade e complexidade através de gradações de azul e intensidade de cor, a juntar à azulejaria figurativa onde o azulejo está em franco diálogo com a arquitectura.

A partir do século XVIII, e em pleno reinado de D. João V, o número de encomendas aumenta, em virtude do ouro e diamantes que chegam do Brasil, dando origem ao maior ciclo de produção de painéis historiados. É visível uma exaltação decorativa com cabeceiras recortadas, elementos decorativos como serafins, sanefas, pilastras e o surgimento das “figuras de convite”. Os mestres deste ciclo são: Teotónio dos Santos, Valentim de Almeida, Bartolomeu Antunes e Nicolau de Freitas.

Progressivamente introduzem-se no barroco, elementos rococós caracterizados por uma diminuição dos enquadramentos e a recorrência a concheados irregulares, “asas de morcego”, fitas, laçarias, aves, vasos floridos e sanefas.

Após o terramoto de 1755, Portugal entra em crise económica sendo urgente a reconstrução da cidade de Lisboa. Assim, é retomada a utilização do azulejo de padrão

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para a decoração exterior das novas habitações, por ser menos dispendioso e de mais rápida aplicação promovendo, desta forma, o célere regresso à ordem; pelo menos visual. Neste período de azulejaria denominada de pombalina, assiste-se ainda a uma simplificação da ornamentação com painéis historiados, painéis de registo hagiográfico em fachadas e “alminhas” assim designadas as representações de padroeiros, numa clara alusão à protecção divina contra catástrofes naturais, composições ornamentais de conchas, fitas, vasos de flores, aves, sanefas, folhas de acanto e grinaldas e ainda o retomar, através do azulejo de padrão, dos esquemas decorativos tradicionalmente portugueses do século anterior.

No final do século XVIII, no reinado de D. Maria, vive-se o neoclassicismo denotando-se um apuro decorativo e severidade de linhas em que se destacam os elementos decorativos como, pássaros, palmas, grinaldas floridas, festões, laços, plumas e silhares figurativos. A Arte Azulejar constitui-se, neste período, como sinónimo de luxo e elevado refinamento cultural. A produção tem lugar na Real Fábrica do Rato e as técnicas de fabrico são uma combinação de artesanal e industrial.

No século XIX, Portugal entra no período do romantismo e do revivalismo através de painéis historiados e de padronagem diversa sendo o azulejo utilizado, primordialmente, em fachadas de edifícios, sendo criados núcleos de produção em Lisboa, Porto e Aveiro. A partir de finais do século XIX, associado ao impulso industrial, a azulejaria de padrão banaliza-se, sistematiza-se e industrializa-se, iniciando um ciclo em que passa a fazer parte do quotidiano, quer pela sua aplicação desmedida no revestimento interior de habitações, como escadas, cozinhas e sanitários, quer pela sua aplicação no revestimento de fachadas de estações de caminho-de-ferro, mercados e lojas que, até então, eram espaços secundarizados por este tipo de arte.

Com o século XX emerge, o naturalismo, no período conhecido como Arte Nova, com formas sinuosas de grande plasticidade e o recurso à exploração da cor, destacando-se Rafael Bordalo Pinheiro, destacando-segue-destacando-se o movimento Art Déco com a geometrização e simplificação das formas. Desponta, então, a fase do historicismo e do nacionalismo com um cunho fortemente folclórico, situação que emerge no Estado Novo, em virtude da ideologia pretendida para a instituição do seu regime.

Novas propostas para a utilização do azulejo centram-se em projectos urbanísticos de que as estações de metropolitano de Lisboa, o Parque das Nações e as fachadas de alguns edifícios e espaços públicos são exemplo, num diálogo enriquecedor entre a arquitectura e o azulejo. Os nomes de Jorge Barradas, Almada Negreiros, Manuel

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Cargaleiro, Querubim Lapa, Maria Keil, Eduardo Nery e Fernanda Fragateiro são alguns dos seus expoentes, embora tenham divergido nos conteúdos, enquanto uns se mantinham dentro da linha pensada pelo Estado, outros impunham uma abordagem de contradiscurso. Importa ainda referir os nomes dos grandes núcleos de produção como a Fábrica de Louça de Sacavém em Lisboa, a Fábrica do Carvalhinho, Massarelos, Miragaia, Santo António Vale da Piedade, Devesas e Pereira Valente, todas no distrito do Porto e, lamentavelmente, encerradas no presente. Contudo, a Fábrica de Sant`Anna, Viúva Lamego e Cerâmica de Monsanto, em Lisboa e, também, a Aleluia Cerâmicas em Aveiro continuam ligadas à produção de azulejo por processos artesanais e industriais. O azulejo foi uma referência de luxo e poder económico e também um espelho da ascensão de classes sociais em detrimento de outras, como sucedeu com a burguesia no final do século XVIII, exemplificado pelo painel “A História do Chapeleiro António Joaquim Carneiro” que se encontra exposto no Museu do Azulejo.

Desde a introdução do azulejo em Portugal, esta arte esteve sempre ligada às elites, desde a nobreza, ao clero e mais tarde à burguesia. Veja-se o primeiro conjunto de azulejos maneirista ítalo-flamengo que fizeram parte de uma encomenda do V Duque de Bragança, D. Teodósio I e em que é introduzida a heráldica. Também a esfera armilar, a divisa do rei D. Manuel I, como já foi observado neste estudo, foi inserida numa das primeiras grandes encomendas de azulejos. Estas são prácticas discursivas instanciadas de poder e domínio e, no caso do rei, o poder associado às navegações. Igualmente nos painéis instalados nas igrejas e nos conventos, as áreas temáticas incidem sobre moralidade e religiosidade, imagens que claramente representavam um discurso metafórico de poder e de formação de valores e de mentalidades da sociedade da época, numa abordagem constructivista do sistema representacional promovendo significado: “Things don´t mean: we construct meaning, using representational systems —concepts and signs” (Hall 25)

Assim, neste contexto, e através da imagem, se consumavam os ideais de “verdade” que, após uma práctica reiterada, acaba sendo assimilada: O rei como verdade suprema de poder, através da esfera armilar e a moral e os bons costumes representadas nos painéis azulejares existentes no interior de igrejas e conventos numa construção discursiva orientada para a persuasão e sempre sob a matriz católica uma vez que a carga pictórica se situa na imagética de santos e mártires. Quanto ao período do Estado Novo, como adiante será demonstrado, resultava uma práctica discursiva aliada ao regime, impondo a imagem de Salazar como chefe supremo e indiscutí

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No século XX, as metáforas de poder situam-se, ao nível estatal, na forma de grandes encomendas a autores conceituados para espaços públicos. São representações de poder e uma forma de organizar a sociedade: artistas conceituados com grande capital cultural trabalham o azulejo, e o poder instituído tem capacidade para comprar esse capital artístico. Perante a grandiosidade dos projectos é notável a força que tais execuções artísticas exercem nos espaços em que estão inseridos.

Na actualidade, e segundo Manuel Castells, (248) os Street artists ou artistas urbanos, apoderam-se desta forma de arte numa tentativa de dar o poder a outras classes. O resultado é a re-representação do azulejo, recriando a identidade individual e colectiva, partindo do seu universo imaginário e transportando para o presente a ancestralidade da cultura portuguesa e as raízes de um povo: “quem somos”. A Arte azulejar resulta de um trabalho de gerações, herança de uma cultura que define a identidade nacional e a do indivíduo.

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Capítulo II- O Estado Novo

2.1 Um “Novo” Regime

O Estado Novo foi um regime oficialmente instituído em 1933, após um golpe militar ocorrido em 1926, e que terminou em 1974. Ficou conhecido como Salazarismo e o seu chefe de governo, António de Oliveira Salazar contribuiu para reestruturação de grandes orientações hegemonizadoras. Foi essencialmente um regime corporativista, autoritário, imperialista e nacionalista com um inseparável sistema de valores em que “Deus”, “Pátria”, “Autoridade”, “Família” e “Trabalho” eram a base dos discursos político-ideológicos. O regime salazarista foi palco da definição aplicada por Ernest Gellner a Estado como “aquela instituição ou conjunto de instituições especialmente consagradas à manutenção da ordem (quaisquer que sejam as suas outras funções.” (159) Muito embora esta definição seja aplicável a todos os Estados, reforcemos a ideia de “ordem” como um absoluto do regime em questão e que se referia, segundo o nosso entendimento, a uma ordem cujo resultado seria o de delimitação de agenciamento do povo.

O Estado Novo não foi um regime de mobilização de massas para a participação activa na vida política antes pretendeu a total desmobilização dos portugueses insistindo que a política cabia aos políticos. Manuel Braga da Cruz faz a seguinte afirmação:

O intuito do Estado Novo foi arrefecer a vida política do País, foi apaziguar ou — como dizia também uma circular para os serviços de censura nos primeiros anos— proceder à acalmação dos espíritos. (39)

Muito embora o partido único União Nacional, tenha sido criado por Salazar, este não lhe permitiu qualquer tipo de proeminência sobre o governo e à administração e, segundo António Costa Pinto, “cumpriu apenas uma função de controlo político e selecção dos membros da Câmara dos Deputados e da Administração local, para além de assegurar funções de legitimação nas ‘eleições sem escolha’, realizadas regularmente.” (161). Além de uma exigência informativa minuciosa e centralizadora, como forma de concentração do poder, chamou a si várias pastas ministeriais como a das Finanças (1928-1940), dos

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Negócios Estrangeiros (1936-1947) e, ainda segundo o mesmo autor, numa tentativa de controlo sobre os militares, da pasta da Guerra que ocupou entre 1936 e 1944. Salazar impôs um projecto de doutrina totalitarista para a sociedade numa tentativa da sua educação e formação numa moral nacionalista, corporativa e cristã presidindo em todos os sectores de actividades. Das medidas tendentes à unidade em geral como a monopolização da vida política, ao saneamento político da função pública, à imposição do corporativismo, à organização dos tempos livres, à orientação ideológica do ensino, ao enquadramento político-ideológico da juventude e à formação das futuras mulheres e mães, destaco a adopção da “política do espírito”. Para Fernando Rosas, seria uma orientação oficial para a cultura e as artes, explicitamente destinada a:

educar o “gosto dos Portugueses” no culto de valores estéticos e ideológicos modelares, apresentados e divulgados pela propaganda do Estado, a cargo do Secretariado de Propaganda Nacional ou SPN. (33)

Todo o seu programa girava em torno da causa nacional, pois que, segundo Luís Reis Torgal, havia a necessidade de restaurar a “alma da Pátria” E continua dizendo que a exaltação patriótica desdobrou-se num autêntico louvor aos “verdadeiros valores nacionais.” Segundo ainda o mesmo autor, este regime não se baseou, ao contrário de outros regimes autoritários europeus, num autoritarismo férreo mas antes, numa firmeza paternalista, uma vez que “o povo português era um povo viril, mas de ‘brandos costumes’, dócil e de pronta obediência (…) a exaltação da humildade como virtude.” (50)

A política do Estado Novo girava em torno da insistência na monumentalidade, na historicidade com ligação aos Descobrimentos, no ruralismo e no nacionalismo exacerbado como forma de diferenciação e, também intrinsecamente, de isolamento em relação ao exterior numa forte ideia de unidade de todos em prol da nação e da sua cultura. Esta característica permitiria a Portugal, manter-se fora do conflito bélico que marcou a primeira metade do século XX. Ernest Gellner afirmou que “nacionalismo é, essencialmente, um princípio político que defende que a unidade nacional e a unidade política devem corresponder uma à outra.” (11)

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E partindo da reflexão sobre esta citação, será notório que o Estado Novo procurou a hegemonia social e política e fê-lo através de um eixo perfeitamente desenhado pelo seu chefe, Salazar, imperando um controle total e absoluto sobre os cidadãos.

Fundamental para a obra deste regime foi a chamada “reprodução ideológica”, termo utilizado por Luís Reis Torgal e que consistia na utilização de vários tipos de manifestações organizadas pela União Nacional, através da imprensa escrita, da rádio e do cinema e sobretudo através da “agressividade” posta nas actividades a cargo do SPN. (Torgal apud Cadavez 69) Não esquecendo que a ideologia salazarista necessitava, também, do reconhecimento internacional, foram promovidas traduções de alguns discursos de Salazar e do livro de António Ferro, figura que será explorada mais à frente, sobre o chefe da nação, além de serem endereçados convites a escritores estrangeiros com o objectivo de escreverem sobre a visita que tinham efectuado a Portugal, obviamente exultando sobre as políticas postas em marcha. (69)

Parte desta política ideologicamente agressiva foi também a indução de duas culturas para dois receptores: as elites e o povo. Para a primeira, a cultura representava um refinar do gosto, sempre assente na valorização de tudo o que fosse nacional, para o segundo o insistir na ruralidade e na humildade. Toda a inculcação de valores do Estado Novo e a sua ideologia começavam bem cedo nos bancos da escola. Luiza Cortesão traz-nos um artigo de A Voz, “Educação e Ensino”, de Abril de 1932, em que uma figura importante do regime diz:

Na sociedade há meios, há classes com a sua psicologia própria, com o seu ambiente próprio, com a sua função própria. Na instrução a ministrar há que tomar em conta essas classes, esses meios, com o seu ambiente, a sua psicologia, a sua função; dar ao quarto estado a instrução do terceiro, do segundo ou do primeiro é um erro. (53)

Ou, como dizia Salazar, também citado por Luíza Cortesão “Se todos souberem ler e escrever a instrução desvaloriza-se”. (53)

A educação, tal como a cultura, não seria proporcionada universalmente a todas as classes sociais nem facultada espontaneamente. Dir-se-ia que a cultura estaria disponível apenas para as elites enquanto que a educação seria pensada como algo de muito básico, oferecido ao povo. Depreende-se desta postulação a pretensão de um primitivismo social, objecto das classes mais desfavorecidas. Anne-Marie Thiesse

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comenta de uma forma interessante este primitivismo e vontade de convocar a ancestralidade:

Le Peuple, par sa primitivité, est un vivant fossile qui garde jusqu´au coeur de la modernité l´esprit des grands ancêtres (…) Là où l´on n´avait vu qu´absence de culture, là est situé justement le conservatoire de la culture première. (21)

E aqui parece residir a justificação argumentativa para a procura da inculcação do que é ancestral e tradicional e mesmo primitivo, enraizado no que é “ser português”. Só assim se compreende como funcionou esta retórica de valorização exacerbada do ruralismo, da historicidade e da monumentalidade, tão presente na azulejaria dessa época. Para Salazar as comunidades aldeãs são as mais puras e detentoras dos mais sólidos valores de patriotismo, de autenticidade e de humildade. É ainda nesta linha de pensamento, do tradicional e do puramente português, que se tenta providenciar, através de uma cultura popular, a homogeneização do povo “le folklore doit tenir lieu de culture pour les masses de l`âge industriel.” (Thiesse 258). Importante e interessante em relação à ideologia advogada pelo Estado Novo, será a afirmação de Ernest Gellner que diz que:

Pretensas heranças culturais e históricas de uma era pré-nacionalista, materializadas, por exemplo, em tradições e em modelos de uma vida saudável e pura, ajudam a divulgar a “nação” e a fidelizar os seus membros. (Gellner apud Cadavez 72)

Em oposição, o povo das cidades carrega sobre si o estigma das revoltas, dos protestos; no fundo sempre conotados com actos de revolução. A liberdade de expressão e de associação era inexistente porque, para Salazar (…) os inimigos da ordem deformavam as realidades da obra do regime:

É a ordem nas ruas e nos espíritos; o lucro fácil, sem concorrência nem agitação social; o viver habitualmente, segundo a ordem natural das coisas: quem manda pode, obedece quem deve. (Rosas 47)

Ainda para o mesmo autor, não chegava presumir a assunção dos princípios ordenadores pelos destinatários, era necessária a pedagogia, a inculcação organizada e imperativa. Era

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necessário encenar as grandes certezas e a sua tradução política. Fundamentado na premissa “o que parece é” concretizava-se a propaganda junto de toda a população e, para tal, contava com a importante colaboração de António Ferro e a sua “política do espírito”.

2.2 A Política do Espírito.

À sombra da apologia oficial das virtudes do ruralismo e da campanha do trigo, nasceriam as novas indústrias de base; ombreando com a “cruz e a espada”, com um nacionalismo passadista e imperial de nautas, santos e cavaleiros, vicejaria um nacionalismo industrialista e modernizante, e até o modernismo estético seria convocado a celebrar as excelências e os valores da “grei agrária” tradicional.

(Rosas 49) António Ferro foi chamado a dirigir o SPN (Secretariado de Propaganda Nacional) mais tarde SNI (Secretariado Nacional de Informação), implementando uma mudança de gosto nas elites e no povo construíndo, por acréscimo, a imagem da nação aos olhos dos portugueses e dos estrangeiros e, fundamentalmente, a própria imagem de Salazar.

Ferro era um homem de letras, um humanista modernista, um apaixonado pelo cinema e acérrimo admirador de Mussolini. A sua paixão por uma “nova cultura” levou-o a manifestar simpatias pellevou-o Fascismlevou-o e a assimilar a ideia de “Estadlevou-o Nlevou-ovlevou-o” em tudlevou-o levou-o que isso implicava. Luís Reis Torgal diz mesmo que foi a sua sensibilidade como escritor modernista e apaixonado pioneiro das “artes modernas”, que o fez acreditar nesse movimento que grassava por toda a Europa em que se pretendia qualquer coisa de “novo” numa tentativa de quebrar com o estado existente das coisas. A sua vertente de lirismo neo-romantismo, segundo Paulo Rodrigues, fê-lo abraçar o culto da herança e do tradicionalismo que pretendia, estrategicamente destacar como características inerentes à raça portuguesa:

O vector Nacionalista do pensamento político de António Ferro herdado no Saudosismo e no Sebastianismo mítico comum a Fernando Pessoa, (…) encontrava natural confirmação e estímulo de modernidade no Futurismo e também nele a aceleração dum intrínseco activismo progressivo e pragmático,

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investido numa intervenção directa dos poderes públicos na cultura, que o panorama da própria europa tornava crível e criável, como numa justificação ou exigência da época (Rodrigues 49)

A arte era para ele a “mentira” afastada o mais possível da Vida, segundo o mesmo autor. A sua admiração pelo Fascismo e pelas novas ditaduras, levava-o a considera-las “grandes filmes”, dotadas de uma estética própria e original (Torgal 1097). Mas também Hollywood exerce sobre ele um grande fascínio e sobre ela dizia Ferro:

Para que aprofundar? Para que ir aos bastidores? Para que arrancar ao mundo a ilusão maravilhosa de Hollywood que é o seu jogo e o seu brinquedo? Não roubemos a música a esta palavra feliz, a esta palavra-hino, à palavra Hollywood. (1098)

António Ferro seria assim um grande encenador, amava o cinema e tudo o que representava de fuga ao real. Admirava também o cinema italiano e as “grandes trágicas italianas”. Ferro denominava a Itália de “grande animatógrafo” porque era febril, dinâmica e futurista —lembremos que era também um acérrimo admirador de Marinetti, por si só uma referência no movimento futurista. Mas, o expoente máximo era Hollywood, palavra mágica e feliz. E dizia “só a arte me interessa por ser diferente da vida.” (Ferro apud Torgal 1098)

Depois da publicação das suas entrevistas Viagem à Volta das Ditaduras e Salazar

O Homem e a sua Obra, é nomeado para o mais alto cargo da política cultural, em que

encetará a denominada “política do espírito” e da propaganda. Chegava assim o momento de encenar um novo estado através de uma ideologia latente com tudo o que isso implicaria, numa tentativa de fazer de Portugal um filme hollywoodesco ou uma mentira consumada. Como se pode ler na seguinte afirmação de António Ferro:

Quem vê um filme ou uma peça de teatro preocupado com os bastidores, com o buraco do ponto, com os subterrâneos da criação, com a miséria que se esconde atrás do pano de fundo, há-de ter, forçosamente, impressões tristes e negras… Mas quem olha os países, as civilizações com a alma propositadamente simplista do espectador, como se olham as féeries do casino ou das Folies, defende-se, com frivolidade e alegria, dessas fobias atormentadas e injustas. (1097)

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A política encetada pelo SPN tinha uma vertente não só nacional como internacional conferindo um forte sentido de identidade nacional através da etnografia e que Sónia Vespeira de Almeida demonstra dizendo que:

as prácticas artísticas encontram-se viradas para a interlocução com um repertório etno-simbólico, a via que assegura a diferença e a especificidade de uma comunidade. (43)

Ressalta aqui a importância da especificidade e do reconhecimento pelo “outro” como contributo fundamental na construção da comunidade imaginada, sendo este, um conceito de que nos fala Benedict Andersen:

É imaginada porque até os membros da mais pequena nação nunca conhecerão, nunca encontrarão e nunca ouvirão falar da maioria dos outros membros dessa mesma nação, mas, ainda assim, na mente de cada um existe a imagem da sua comunhão (25)

Importa referir que, ainda para a construção da comunidade imaginada, muito contribuíram os mapas em que figuravam Portugal e as suas colónias e o ensino escolar onde os alunos teriam que aprender as características topográficas e de infraestruturas, além de outras, que fizessem parte de cada uma dessas colónias, tal como, da mesma forma, o teriam que fazer em relação a Portugal Continental.

As prácticas ideológicas decorriam não só no interior da fronteira, mas eram também projectadas para o seu exterior, tentando, segundo o estudo de Vera Marques Alves, o reconhecimento da nação e ao mesmo tempo, o reconhecimento das suas especificidades e diferenças:

Quando António Ferro escolhe a arte popular para representar Portugal extramuros, nomeadamente nos certames internacionais, e faz das audiências estrangeiras um dos principais alvos da política folclorista desenvolvida pelo SNI, está a destacar a função identitária de toda a sua campanha etnográfica. (Alves 66)

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Assiste-se também à infantilização do que é popular numa tentativa de despromover a vontade própria do cidadão e da sua identidade enquanto tal. Tomemos o exemplo do museu de arte popular em que a representação do “popular” se faz como se de um mundo de fantasia se tratasse. O camponês esteta, porque obreiro dos seus próprios utensílios de trabalho e mobiliário doméstico, é retratado como figura de presépio —o que dava a visão de uma nação pacificada e amorosa num ideal de povo: “(…) avesso a lutas sociais, desinteressado dos assuntos políticos, mas também dos aspectos materiais da existência.” (85)

Salientem-se os discursos de António Ferro em relação ao povo camponês e ao povo das cidades. Este último seria “o povo retórico, o povo discurso falsamente povo, mascarado de povo” enquanto que o povo camponês seria amorável, pacífico, esteta e humilde. No entanto, este povo estava assim arredado de considerações que o remetiam para a miséria e as dificuldades inerentes à vida no campo numa forma de o idilizar “(…) um retrato que transforma os indícios de miséria numa imagem benévola da pobreza conotada com a simplicidade e o desprendimento dos bens materiais.” (71)

Desta forma, o regime pretendia que todas as questões conducentes à existência de uma nação em conflito social e económico fossem consideradas não válidas à luz destas manifestações culturais, criticando e negando, sagazmente, todos os apelos à mudança. (85)

É certo que numa altura em que a Europa estava em ebulição e as suas fronteiras nacionais estavam fragilizadas, o SPN/SNI através da sua política folclorista, conseguiu manter a identidade portuguesa além-fronteiras. No entanto, a verdadeira realidade da “nação” portuguesa encontrava-se mascarada, sendo apresentada apenas a “realidade que o regime queria impor. Não obstante, alguns visitantes, de uma forma lúcida, tomaram contacto com essa realidade. Entre eles estão Antoine de Saint Exupéry que escreve em 1940 que Portugal era “um paraíso claro e triste”; Ann Bridge e Susan Lowndes, escritoras convidadas por uma editora para escreverem um guia local, comentaram o mau estado das estradas e dos alojamentos sendo o Estoril o único local que associavam a luxo e elegância. E ainda Ralph Fox, um jovem britânico que lutara ao lado do exército republicano na guerra civil espanhola e que no seu livro diz que “Portugal é um país pobre e que necessita dos rendimentos enviados pelos emigrantes nos Estado Unidos”. Mircea Eliade, adido de imprensa romeno e Christine Garnier, amiga francesa de Salazar, referiram-se a Portugal como um país onde “transparecia alguma tristeza e calma excessiva” (Cadavez 243). Será interessante, o que nos diz Cândida Cadavez no seu

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estudo sobre o Turismo no Estado Novo e que vem postular a diferenciação propagandística e ideológica:

A Costa do Sol e do Riso estava longe de representar o ambiente turístico que o regime de Salazar pretendia para o seu povo. As ofertas de lazer e prácticas sociais permitidas nos Estoris pouco tinham a ver com aquilo que o Estado Novo preparava para grande parte da sua população através da FNAT ou no âmbito do que cabia no conceito de “turismo médio.” (238)

Ainda a propósito da criação de identidades nacionais, este é um processo que passa pelo culto da ancestralidade. Ann-Marie Thiesse citando Ernest Renan diz: “le culte des ancêtres est de tous le plus legitime; les ancêtres nous ont faits ce que nous sommes.” (21) Convém reflectir sobre esta noção de identidade nacional enquanto fenómeno que acompanhou o desenrolar do século XIX até ao século XX. Verifica-se por toda a Europa a busca incessante pela diferença com o objectivo de criação da identidade de cada uma das nações que a formavam. Esta questão fundamenta-se na observância do folclore, do património, dos heróis e na caracterização geográfica de cada nação. A criação identitária constitui, assim, um movimento cada vez mais alargado na criação da comunidade imaginada induzindo os líderes europeus a serem seus acérrimos defensores e divulgadores, tomando plena consciência da sua importância não só pelo facto de ser relevante para o espaço geográfico, mas também pelo peso que lhes era atribuído como suporte fundamental da divulgação da identidade nacional e também como factor da sua aceitação pelo povo:

Comprendre l´intêret pour le souverain d´être le plus ilustre souscripteur des opérations en faveur du patrimonie identitaire: excelente moyen pour promouvoir l´idée que le roi est le plus solide soutien de la nation et donc lui est indispensable. (Thiesse 155).

O tipo de discurso utilizado na “encenação” do Estado Novo assentava, como veremos, no culto da ancestralidade, através dos seus ilustres antepassados, representando a conquista de espaços nacionais e coloniais e ainda como heróis vitoriosos em batalhas com forte cariz nacionalista e independentista em relação a potencias exteriores. Logicamente que a monumentalidade seria associada como espaço físico em que estes

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acontecimentos se verificariam. Para Fernando Rosas, a “encenação” do regime passava também pela formação e mobilização política com edições, conferências, manifestações de apoio a Salazar, campanhas eleitorais e desfiles comemorativos; no espectáculo político-cultural com os salões de pintura, os prémios literários, as exposições coloniais, os pavilhões nas exposições internacionais, a Grande Exposição do Mundo Português, os congressos científicos e a inauguração do Museu Nacional de Arte Popular, entre outros organismos; no “pão e o circo” como diz o autor, com as marchas populares, os desfiles históricos de Leitão de Barros, as comédias filmográficas e o teatro para o povo do SPN; na evocação da grandeza do Império e dos seus heróis, na reconstrução histórica que seria, segundo ainda o mesmo autor, o fio condutor do nacionalismo; na expressão da autoridade com os desfiles militares, da Legião Portuguesa e da Mocidade Portuguesa e a expressão solene e oficiosa da fé e da aliança que validava a Igreja católica como as procissões, as concentrações em Fátima, as missas campais, a bênção das tropas e os Te

Deum em cerimónias oficiais. Não esquecendo a formação do corpo e a ocupação de

tempos livres nos campos de férias da FNAT (Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho) como forma de evitar os conflitos e convulsões sociais nas cidades. Salazar não podia descurar o facto de que a revolução de 1926, que o levou ao poder, tinha tido o seu início na cidade.

Como foi sublinhado anteriormente, verificou-se a existência de duas vertentes culturais nesta resenha de encenações do regime: para as elites, o objectivo seria o refinamento do gosto e da exaltação da alma portuguesa recorrendo à ênfase na decoração em estilo rural das casas de fim-de-semana e da criação das pousadas de Portugal onde a decoração deveria evidenciar a vivência dessas regiões. Para o povo, o louvor da ruralidade, a humildade consentida e honrada e o historicismo como génese da alma portuguesa.

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2.3 Outras Retóricas Visuais do Estado Novo

Observamos, hoje em dia, que a “cultura” atrai a atenção dos políticos: não que eles sejam sempre “homens de cultura”, mas que a “cultura” é por esses políticos reconhecida como sendo um instrumento de política e, também, como algo socialmente desejável que compete ao Estado promover.

(Elliot 83)

(…) certamente que a imagem é mais imperativa que a escrita, impondo a significação de um só golpe, sem a analisar, sem a dispersar.

(Barthes 210)

Para que possa ser dado maior fundamento à pertinência deste estudo, tentaremos verificar que meios ou que outras manifestações de retórica ideológica utilizou o regime salazarista para impor a sua ideologia.

Sendo este um trabalho que remanesce de um seminário de cultura visual, não poderia ser mais óbvia a utilização da imagem como meio operativo para a desmontagem ideológica do período em questão: porque ela é uma práctica discursiva, como refere Foucault, envolve relações de poder e presta-se a diferentes interpretações. Ela representa um meio importantíssimo para a produção de ideologias e, por sua vez, através do estudo de ideologia é possível verificar a produção visual de uma determinada época, assim Glyn Davis faz a seguinte afirmação: “ideology is a crucial concept for the exploration of even the most seemingly banal instances of visual culture.” (171)

O Estado Novo pretendeu disseminar a sua ideologia e, para tal, utilizou todos os meios ao seu alcance numa economia de discursos com vista ao verdadeiro exercício de poder. Saliento o estudo de Margarida Acciaiuoli que diz que este processo:

(…) fundamentou-se num sistema de cariz nacionalista que logo no início da vigência política do Estado Novo se exprimiu numa vasta operação restauradora (ao mesmo tempo de recuperação e de valorização patrimonial), que nunca fora realmente objecto de atenção cultural e política devidamente coordenada e legislada. (Acciaiuoli, “nota prévia”)

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Deste modo a arquitectura, os cartazes, a estatutária, o cinema, a fotografia, as exposições e o turismo fizeram parte da retórica visual do regime e parece ser fundamental a sua referência. Recordemos que estávamos em plena encenação de um novo regime através da política do espírito e que significava um controle absoluto sobre tudo o que se produzia no campo das artes plásticas sendo o seu objectivo como já foi dito anteriormente, a divulgação de um “Novo Estado” em que se pretendia a educação dos espíritos para o que de mais nacional houvesse, sempre ligado a três eixos: Deus, pátria e família. Nas palavras de Cândida Cadavez:

A (re)educação dos portugueses “à luz da cartilha do Estado Novo visava fundamentalmente a inculcação das ‘verdades nacionais’ inquestionáveis e perenes que justificavam a ‘Nação’ tal como era encarada e arquitectada durante os anos trinta do século XX”. (56)

2.3.1 O Cartaz

Tomando o exemplo dos cartazes, será interessante o que menciona Pedro Rosa quando diz que as encomendas de cartazes eram feitas, sobretudo, pelo aparelho do Estado referindo-se ao SNI/SPN como “encomendador principal e detentor da última palavra em relação à representação neles contida.” (Rosa 288).

Segundo ainda o mesmo autor, pretendia-se que o cartaz fosse um meio rápido, eficaz e claro a comunicar a ideia e a forma ideal de a fazer seria através de uma síntese recorrendo a metáforas imagéticas:

É o que se pretende de um cartaz, que ele saiba comunicar a ideia através de uma síntese. Síntese essa dada por sua vez por uma associação directa entre Estado Forte, Nação e Religião com um cariz de fidelidade mútua e seria muito provavelmente este conceito de fidelidade que constituiria a metáfora para a subjugação da sociedade: “(…) esse amor fiel para toda a eternidade” (289). Recorde-se, a propósito, que o Secretariado de Propaganda Nacional publicou uma série de sete cartazes intitulados “A Lição de Salazar”. Segundo Cândida Cadavez, nestes

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cartazes era evidenciado o “papel de educador dos valores e das verdades do regime” (58) resultando em mais um instrumento para a divulgação propagandística do regime.

Para Pedro Rosa, havia em todos eles um lado claramente institucional e outro mais popular e artístico revelando algum romantismo dos lugares divulgados espelhando a “Política do Espírito” de António Ferro (300).

Podemos então concluir que os cartazes que figuravam no Estado Novo tinham um cariz institucional e outro popular. Destacam-se para o primeiro, aqueles que apelavam ao voto, à divulgação dos elementos turísticos relativos a cada região e à divulgação de actividades institucionais, como os Caminhos de Ferro Portugueses — neste ponto o azulejo contribuiu também para a implementação da ideologia uma vez que nele figuravam precisamente estes elementos de divulgação propagandística de lugares a visitar. Para o segundo destacam-se os cartazes que aludiam à figura de Salazar como salvador da pátria numa ligação e paralelismo com a religiosidade (conotando-se o amor fiel não só do Estado em relação ao seu povo mas, e fundamentalmente, o amor fiel do povo em relação ao Estado), às lições de humildade e de ruralidade e ao expoente de grandiosidade nacional com as comemorações do duplo centenário da restauração da independência englobadas na grande exposição do mundo português e ainda para os que referiam actividades de lazer como o bailado verde gaio e o teatro de revista, tão ao gosto da política do espírito, como forma de entreter o povo, anteriormente referenciado:

Se o objectivo destes cartazes era de marcar esta iniciativa no nosso território claramente institucional no primeiro grupo, e mais popular e “artística” no segundo, podemos, deste modo, apurar da necessidade de utilização deste meio, para fazer passar a mensagem a um maior número de pessoas. (302)

2.3.2 A Escultura

Os escultores, pela natureza do se trabalho num país sem mercado privado, teriam de estar sujeitos ao “espírito da encomenda” que vimos definindo, avesso a novidades e exigindo conveniente ilustração ideológica.

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Durante o regime salazarista, procedeu-se à reestruturação do espaço público com ênfase na actividade urbanística. Para além desta, a encomenda de arte pública sagrou-se integrante para o exercício da política do espírito que culminava com a inauguração de uma estátua ou busto nos espaços públicos. (Elias e Brito 107)

Relativamente à arte pública1, existe um conjunto de procedimentos

administrativos em que assenta a encomenda no Estado Novo e que, de acordo com Elias e Brito, segue preceitos completamente controlados pelo regime.

Segundo ainda as mesmas autoras, a Direcção dos Serviços Centrais e Culturais da Câmara Municipal, desempenhou um serviço orientador e fiscalizador. Saliente-se que mais tarde, cerca da década de 50, foi criada a Repartição de Acção Cultural e Turismo e a Repartição de Bibliotecas e Museus que também promoveram acções culturais junto dos munícipes, inaugurando tanto nos jardins públicos como nas bibliotecas e museus, monumentos de figuras proeminentes da cultura sendo estes locais de eleição para a educação do povo segundo a política do espírito:

A vereação, consciente da importância da estatutária na formação política do povo, sublinhou que a função educativa da mesma não deveria ser desprezada, uma vez que à Câmara Municipal competia educar o povo, através de obras de arte. (Elias e Brito 112)

Constata-se, portanto, a intervenção da ideologia dominante do Estado Novo no espaço público, promovendo a regulamentação e produção estatutária e consequente designação relativa à sua colocação. Será pertinente pensar que estas prácticas discursivas, embora locais, seriam certamente executadas da mesma forma na totalidade da nação, ou seja, todos os órgãos locais encetariam as mesmas directivas assegurando, deste modo, a divulgação da ideologia. Tomemos como exemplo a cidade de Lisboa:

A Administração central, através do Ministério das Obras Públicas, e Local via CML, veio a ser o principal comprador e promotor de encomenda de arte pública, a quase total exclusividade da encomenda em Lisboa, entre os serviços da administração. (…) a encomenda pública terá como motor as obras públicas

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realizadas pelo Estado, através de actividades de urbanização e edificação levadas a cabo por departamentos ministeriais ou municipais. (Elias e Brito 140)

Deste modo, e criando os sistemas reguladores, denominados de sistemas de arte pública, pretendia-se impor um tipo de representação que estivesse em sintonia com a ideologia dominante para, deste modo, e tal como com os cartazes, promover a sua assertividade e propagação junto do maior número possível de indivíduos:

As instâncias dos Sistemas de Arte Pública, permitiam assim impedir a disseminação de propostas menos consentâneas com a representação da imagem do regime nos espaços públicos e nomeadamente com os valores que interessavam veicular junto das populações. (Elias e Brito 150)

Certo é que a escultura, após a criação dos monumentos a marquês de Pombal e aos heróis da Guerra Peninsular, foi relegada para o papel de estatutária, e que para José Augusto França se “definia então, por um lado, numa estatutária obediente ao padrão proposto dor F. Franco no seu ‘Zarco’ do Funchal (…) e, por outro, a ‘cabeças’ modeladas.” (32)

Será interessante referir alguns nomes de escultores: Ernesto Canto da Maia entraria ao serviço do regime com a produção de estátuas de reis e heróis, todavia, foi Francisco Franco que adquiriu mais relevo com a estátua de Gonçalves Zarco, de 1928, a estátua togada de Salazar, de 1937 e a de D. João IV, de 1940, em Vila Viçosa culminando com a do Cristo-Rei em Almada. Também Maximiano Alves foi escultor oficial tendo relevo maior com o Monumento aos Mortos da Grande-Guerra, inaugurado em 1931.

Uma vez que é abordado o espaço público, vale a pena referir também as cenografias da escolarização ou os edifícios escolares a partir de um estudo de Margarida Felgueiras. Estes espaços fizeram parte de um plano pensado para 1940, mas posto em práctica em 1943, para construção de escolas primárias e que apontava celebrar o duplo centenário da independência de Portugal e o da sua restauração face a Castela em 1640. Segundo a mesma autora, o regime pretendeu “encetar uma larga campanha de propaganda nacionalista no contexto da Grande Exposição do Mundo Português. Eram construções simples e minimalistas e dentro dos padrões idealistas do regime, ou seja, do ideal de vida português, visando mais a propaganda do que propriamente a eficácia da construção e sua utilização.” (Felgueiras 165) Estes edifícios são, certamente, componentes importantes do imaginário de muitos na medida em que grande parte da

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Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem