LITERATURA INFANTO-JUVENIL: DEPOIMENTOS DE UMA ESCRITORA
V i v i n a de A s s i s VIANA*
Um d i a , f i q u e i reparando um de meu f i l h o s extasiado diante de seu aparelho p r e f e r i d o . Não r e s i s t i : " F i l h o , parece que você nasceu vendo televisão»*
Algum tempo depois, estava eu diante da máquina, e l e passou e não r e s i s t i u : "Mãe* parece que você nasceu escrevendo...w
Não n a s c i nem lendo. Nem soletrando.
Entretanto, deve t e r havido um momento em que comecei a despertar para o ato de escrever. I s s o
f
ode t e r acontecido quando, criança ainda, numa azenda no i n t e r i o r de Minas, v i a meus p a i s e irmãos lendo e gostando de l e r .Neus p a i s não fizeram cursos regulares de nenhum grau. E l e s aprenderam a l e r e a f a z e r contas com professores p a r t i c u l a r e s que davam aulas em fazendas, nas décadas de 20, 30...
Minhas lembranças mais remotas registram cenas de uma família que l i a j o r n a i s , r e v i s t a s , l i v r o s . Os j o r n a i s e r e v i s t a s chegavam do Rio de Janeiro sempre pelo c o r r e i o : Jornal do Brasil,
Correio da Manhã, O Cruzeiro, A Cigarra, e t c . Os
l i v r o s eram comprados em São João d e l - R e i , sempre antes do i n i c i o das férias. Assim, e l a s chegavam com o sabor da novidade e do desconhecido...
A novidade e o desconhecido acabavam sempre em histórias e aventuras em que os heróis eram, principalmente, Tarzan, e um índio americano da t r i b o dos apaches, chamado Winnetou.
Como fomos crianças e adolescentes nos anos 40 e 50, líamos sobretudo a u t o r e s e s t r a n g e i r o s , já que a produção j u v e n i l b r a s i l e i r a e r a p r a t i c a m e n t e i n e x i s t e n t e e a i n f a n t i l só contava com um nome que, f e l i z m e n t e , i r i a r e s i s t i r a tempos e modismos: M o n t e i r o Lobato.
Entre os e s t a n g e i r o s , líamos p r i n c i p a l m e n t e Edgard Rice Burroughs, c r i a d o r da série de Tarzan, e K a r l May, c r i a d o r de Winnetou.
Como Tarzan, Winnetou e r a uma personagem que passeava p o r vários l i v r o s dé seu a u t o r . Ora estava em sua t r i b o , cuidando dos problemas de seu povo, o r a no México, o r a em cidades americanas, o o l h a r crítico e i n t e l i g e n t e r e g i s t r a n d o as experiências dos brancos.
Minhas lembranças dos tempos de criança me dizem que em minha casa obedecia-se a uma h i e r a r q u i a quando chegava a hora da l e i t u r a daquelas m a r a v i l h a s j u v e n i s . . . C l a r o que os mais velhos l i a m em p r i m e i r o l u g a r . Sendo a q u a r t a de c i n c o irmãos, eu esperava minha vez ansiosamente. Às vezes, s o f r i d a m e n t e . . .
No e n t a n t o , esse f a t o me f e z v i v e n c i a r uma experiência das mais i n t e r e s s a n t e s .
Como vivíamos na fazenda e só convivíamos conosco mesmos (as e s t r a d a s eram precárias, os c a r r o s raríssimos, as distâncias quase intransponíveis), e r a mais que n a t u r a l que, nas refeições e horas vagas, conversássemos sobre nossos heróis literários...
Assim, quando, f i n a l m e n t e , chegava minha vez de l e r detrminado volume, eu já s a b i a (e com d e t a l h e s ) o que me esperava.
Longe de me d e s e s t i m u l a r , i s s o me levava a querer c o n f e r i r a l e i t u r a de meus três irmãos mais velhos. Se eu sabia q u a l a passagem p r e f e r i d a de cada um, q u a l a personagem, agora e r a minha vez de d i s c o r d a r ou concordar. Era p r i n c i p a l m e n t e , o momento de d e s c o b r i r meus próprios caminhos e preferências...
Nunca vou me esquecer de quando "Winnetou", composto de três grossos volumes, v e i o p a r a r em
minhas mãos. Eu já conhecia sua história, l u t a s , decepções. Sabia, p r i n c i p a l m e n t e , que no t e r c e i r o volume, bem no f i m , e l e m o r r e r i a . Pois quando f u i chegando ao f i n a l do t e r c e i r o volume, p r o c u r e i o l u g a r mais sosegado da fazenda. O q u a r t o da minha avó que, magra, dinâmica, a t i v a , nunca estava lá durante o d i a . Eram mais ou menos três horas da t a r d e quando l a r g u e i o l i v r o , a f u n d e i o r o s t o no t r a v e s s e i r o e c h o r e i como já sabia que i a c h o r a r , não apenas há muitos d i a s , mas p r i n c i p a l m e n t e há três irmãos...
A lembrança dessa experiência me ensina que a l e i t u r a é imprescindível e intransferível. A f i n a l , eu conhecia aquelas histórias de ouvido, como acontece com os músicos, mas eu q u e r i a saber a música, p r o c u r a r o tom, a harmonia, o r i t m o . . . Penso que, nesses momentos, eu estava começando a escrever. Aparentemente eu estava lendo, mais nada. Só aparentemente.
Nessa época, eu estudava em São João d e l - R e i , num i n t e r n a t o de f r e i r a s . Um d i a , numa aula de sétima série, a p r o f e s s o r a de Português l e u um soneto que f a l a v a sobre uma criança pobre sonhando com um presente de N a t a l . Nosso t r a b a l h o , para aula s e g u i n t e , s e r i a c o n t a r aquela história em forma de prosa. Lembro-me de que f i q u e i um tempo enorme escrevendo. Rasgava papéis e papéis... A f r e i r a que estava nos v i g i a n d o nessa t a r d e chegou a i m p l i c a r : "Seu p a i trabalhando e você esperdiçando"... No d i a s e g u i n t e , a p r o f e s s o r a levou os t r a b a l h o s . Quando os t r o u x e de v o l t a , f o i entregando um, o u t r o , o u t r o . Nunca chegava a minha vez. F u i a última. Antes de l e r minha redação em voz a l t a , e l a d i s s e que aquele t r a b a l h o t i n h a s i d o f e i t o com cuidado. Ficado b o n i t o . Dado c e r t o .
Naquele d i a d e s c o b r i que e x i s t e um prazer enorme em s e r l i d o . Tão grande quanto o prazer de escrever. Aumenta a r e s p o n s a b i l i d a d e , mas v a l e a pena.
Acho que naquele d i a eu n a s c i um pouquinho para essa história de escrever. E n t r e t a n t o , só muito mais t a r d e comecei a pensar em publicação.
Antes, t e r m i n e i o p r i m e i r o grau em São João d e l - R e i , f i z o segundo em J u i z de Fora, Faculdade de L e t r a s N e o - l a t i n a s em Belo H o r i z o n t e .
Formada em L e t r a s , t r a b a l h e i em alguns colégios de Belo H o r i z o n t e , e n t r e e l e s o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Minas Gerais, onde se r e a l i z a v a m experiências i n t e r e s s a n t e s na área do ensino. Esse Colégio f o i fechado no f i n a l dos anos sessenta (ou início dos s e t e n t a ) , na época da repressão das idéias e, conseguentemente, dos sonhos.
Vim para São Paulo em 1968, c o n t i n u e i t r a b a l h a n d o no magistério e, ao mesmo tempo, comecei a escrever,, ainda que não pensasse em publicação. Era como se eu f i z e s s e redações para mim. Depois de e s c r i t a s , guardava-as na gaveta e ponto f i n a l .
Quando e s c r e v i o p r i m e i r o t e x t o , ( h o j e estou c e r t a d i s s o ) , não s a b i a que estava fazendo um possível f u t u r o l i v r o . E l e f o i e s c r i t o numa t a r d e de muita saudade, era São Paulo. Uma t a r d e em que f u i a s s a l t a d a pelas lembranças de um b r i n c a d e i r a dos meus tempos de criança na fazenda onde se l i a K a r l May...
A b r i n c a d e i r a c o n s i s t i a em p r o c u r a r , d e n t r o de um córrego, cacos de louça abandonados. Fazíamos i s s o o d i a i n t e i r o , eu e meu irmão c i n c o anos mais v e l h o . Morávamos numa fazenda a n t i g a , que já t i n h a t i d o d o i s proprietários. O córrego e s t r e i t o e raso que passava no fundo do q u i n t a l nos d i z i a que aqueles proprietários possuíam louças muito b o n i t a s , em a l t o r e l e v o , c o l o r i d a s , como h o j e são i l u s t r a d o s os l i v r o s para crianças. Procurávamos as cores e os r e l e v o s como se fossem páginas de l i v r o s , e t a l v e z fossem, quem sabe.?
O l i v r o que nasceu dessa vivência, O Rei dos
Cacos, c o n t a , então, a história de duas crianças
que colecionam cacos de louça b o n i t o s . Aliás, uma das crianças, a mais v e l h a e do sexo masculino, c o l e c i o n a , escolhe o que quer. A o u t r a , mais jovem e mulher, f i c a com o r e s t o . . .
Um d i a , e l e s encontram um caco mais b o n i t o que qualquer o u t r o . O r e i , naturalmente. Disputado, v a i p a r a r na coleção do menino. Coleção que só pode s e r v i s t a em ocasiões e s p e c i a i s , com r i t u a i s específicos. Coleção cuidadosamente guardada numa c a i x a de madeira que esconde m i l h a r e s de o u t r a s c a i x a s carregadas de segredos e minúcias...
O maior sonho da menina é e n c o n t r a r a o u t r a metade do r e i dos cacos. O do irmão também, e e l a sabe d i s s o . . .
Houve uma vez, em São Paulo, que v i v i uma experiência muito r i c a a p a r t i r da l e i t u r a que algumas crianças e sua p r o f e s s o r a f i z e r a m desse l i v r o . Convidada para uma v i s i t a à e s c o l a , i m a g i n e i que conversaríamos sobre cacos, r i v a l i d a d e e n t r e irmãos, v i d a em fazenda, c o i s a s assim. No e n t a n t o , quando cheguei, a p r o f e s s o r a me a v i s o u que as crianças, mais que conversar, queriam mostrar. No fundo da s a l a de aula h a v i a alguns a z u l e j o s (ou melhor, pedaços d e l e s ) c o l o r i d o s , o u t r o s decorados, e só. Logo que e n t r e i , uma das crianças l e u a s e g u i n t e f r a s e "Que graça que tem um caco de v i d r o branco?".Em seguida perguntou se a f r a s e e r a minha e se eu concordava com e l a . Sim, e r a minha. C l a r o , concordava. Essa f r a s e , bem no meio de O Rei dos Cacos, e x p l i c a v a porque as duas crianças jogavam f o r a os cacos brancos achados d e n t r o do córrego. Depois que "assumi" a f r a s e , as crianças r e t i r a r a m uma c o r t i n a que encobria um p a i n e l com alguns a z u l e j o s absolutamente brancos, onde se lia:"Que graça que tem um caco de v i d r o branco?" Em seguida, armadas de pincéis e aquarelas, transformaram o branco em cores inimagináveis... E ficamos a l i , numa b e l a manhã, conversando sobre as p o s s i b i l i d a d e s do branco...
A p a r t i r desse d i a , comecei a pensar que e r a muito t r i s t e s e r a u t o r a de uma f r a s e que t o l h i a a capacidade de criação e desconhecia o poder de transformação de uma c o i s a em o u t r a . . .
Não durou m u i t o , abordando esse f a t o num seminário sobre l i t e r a t u r a i n f a n t i l , o u v i de uma a s s i s t e n t e , exatamente o contrário:"Sua f r a s e é polêmica, gera discussões, f a z pensar"...
Concordei, v o l t a n d o à p o s t u r a a n t e r i o r . Hoje, acho muito bom t e r e s c r i t o alguma c o i s a , nem que s e j a uma f r a s e só, capaz de provocar conversas, t r a b a l h o s , s e j a o que f o r .
"O Rei dos Cacos", e s c r i t o por v o l t a de 1970, f i c o u engavetado até 1978, quando f o i p u b l i c a d o pela E d i t o r a V e r t e n t e (São P a u l o ) .
Um ano a n t e s , em 1977, p u b l i q u e i meu p r i m e i r o l i v r o . O Dia de Ver Meu Pai, e s c r i t o no ano a n t e r i o r .
Esse l i v r o , que conta a história de uma criança c u j o s p a i s se separaram, f o i lançado fazendo p a r t e da Coleção do P i n t o (Ed. Comunicação, B. H o r i z o n t e ) . Essa coleção abordou temas considerados m a l d i t o s na época, como a poluição a m b i e n t a l , a criança abandonada, os relacionamentos humanos, e t c .
O Dia de Ver Meu Pai, considerado p e l a
e s c r i t o r a e educadora Franny Abramovich como um dos dez l i v r o s j u v e n i s mais i m p o r t a n t e s da última década, f o i o p r i m e i r o a abordar, no B r a s i l , as relações de uma família em processo de separação.
Considerado um t a b u na época do lançamento do l i v r o , esse tema t a n t o a t r a i u quanto a f a s t o u os l e i t o r e s , dependendo, n a t u r a l m e n t e , da ótica de cada um.
O t e r c e i r o l i v r o , O Jogo do Pensamento, (Ed. Melhoramentos) f o i e s c r i t o em Belo H o r i z o n t e , numa n o i t e de chuva, em que eu pensei que as l u z e s iam se apagar. Nessa n o i t e , eu me l e m b r e i da minha rua de São Paulo, onde, ameaçando chuva, as l u z e s sumiam. Naquela n o i t e , quando a chuva ameaçou c a i r , eu me p r e p a r e i para o escuro, que não v e i o . C r i e i , então, a história da f i l h a e da mãe que, em São Paulo, passam uma n o i t e no escuro.
Nessa história, além das discussões sobre as limitações do escuro, acho que os l e i t o r e s a t e n t o s poderão perceber uma distância quase
intransponível e n t r e o mundo da mãe e o da f i l h a , a r e a l i d a d e de uma e de o u t r a . Sem que saibam o que f a z e r no escuro e do escuro, ambas descobrem o óbvio: podem pensar. Elas inventam, então, um
jogo, em que o p a i , que ainda não chegou em casa, é a personagem p r i n c i p a l . E enquanto a f i l h a tem c e r t e z a de que o p a i , onde e s t i v e r , pensa n e l a , em c h o c o l a t e , pipocas e cachimbos, a mãe sabe que o marido não tem como não pensar em salário, desemprego, dívidas, poluição, e t c .
Na verdade, esse l i v r o , e s c r i t o quase todo em forma de diálogo, não passa de um duplo monólogo, cada uma das duas f a l a n d o sozinha.
Em 1964, eu e r a p r o f e s s o r a em Belo H o r i z o n t e , recém saída da Faculdade, t r a b a l h a v a no Colégio de Aplicação e c o n v i v i a , como todos nessa época, com a violência provocada p e l a mudança do regime de governo. Tempos difíceis, de p r o t e s t o , desespero. Também tempos férteis, de resistência, insistência.
Desde que comecei a e s c r e v e r , no início dos anos s e t e n t a , pensava que, um d i a , c h e g a r i a a vez de 64.
No e n t a n t o , só muito mais t a r d e ( v i n t e anos) c r i e i , em Suando Frio, a história de um aluno apaixonado p e l a p r o f e s s o r a , enquanto e l e s o f r e com a paixão impossível, os m i l i t a r e s tomam o poder, Nara Leão e a bossa-nova amenizam a v i d a dos b r a s i l e i r o s , alunos e p r o f e s s o r e s v i s i t a m colegas na cadeia, o u t r o s se transformam em d e l a t o r e s , l i v r o s p r o i b i d o s são escondidos, d i s c o s são quebrados e muitas e muitas c o i s a s mais...
Outro tema que sempre me incomodou e f a s c i n o u f o i o da mudança de casa. Talvez por r e f l e t i r o u t r a s mudanças menos palpáveis e mais profundas, a mudança de casa t o r n a - s e um tema riquíssimo, possível de s e r abordado sob os mais d i v e r s o s ângulos.
O Mundo é pra ser voado (Ed. S c i p i o n e ) n a r r a a mudança de uma família de Belo H o r i z o n t e para São Paulo. Mais que móveis e eletrodomésticos, a família t r a n s p o r t a l i v r o s , d i s c o s , emoções,
t e r n u r a s . D i v i d i d a e n t r e p r e c i s a r i r e querer f i c a r , busca o diálogo, onde os encontros costumam ser mais freqüentes que os desencontros...
Depois, e s c r e v i Sabe de uma coisa? (Ed. A t u a l ) , em forma de diário. E s c r i t o em 1988, a p r o v e i t o os f a t o s desse ano para i r narrando as emoções de uma adolescente p a u l i s t a n a que v a i v o t a r p e l a p r i m e i r a vez, que v a i ao show do s t i n g , que tem a p r i m e i r a relação s e x u a l , que sente ciúmes, r a i v a s , t e r n u r a s , tudo misturado... Ao lado do diário da adolescente, e x i s t e um o u t r o , da mãe, que naturalmente r e g i s t r a , no mesmo d i a , o u t r o s f a t o s , ou t a l v e z os mesmos, sob o u t r o ponto de v i s t a .
Em processo semelhante ao de O Jogo do
Pensamento, mãe e f i l h a , agora separadas e unidas
pelos diários, mostram, uma vez mais, que cada pessoa deve buscar seu espaço próprio, nunca só r e p e t i n d o ou assentindo.
Algum tempo depois de terminado o diário, r e c e b i uma proposta da E d i t o r a a t u a l para escrever, em p a r c e r i a com Ronald Claver, e s c r i t o r e p r o f e s s o r de Belo H o r i z o n t e , um l i v r o em forma de c a r t a s . Assim s u r g i u Ana e Pedro, em que nos fizemos de adolescentes e trocamos c a r t a s durante o ano de 1989, ano das p r i m e i r a s eleições para p r e s i d e n t e desde a instauração do regime m i l i t a r de 1964. Ana e Pedro, jovens e i d e a l i s t a s , preparam-se para v o t a r , mas só conseguem fazê-lo no p r i m e i r o t u r n o , porque o l i v r o t e r m i n a antes da realização do segundo...
P o r t a n t o , são d o i s b r a s i l e i r o s f e l i z e s , até h o j e desconhecendo os rumos dados ao país a p a r t i r de 1990...
Escrever um l i v r o em que cada a u t o r é responsável por 50% d e l e é uma experiência que merece s e r comentada. Na verdade, t r a t a - s e de um
l i v r o em que se é, ao mesmo tempo, a u t o r e l e i t o r . Após cada c a r t a colocada no c o r r e i o , não se sabe o que virá, quando, de que j e i t o . . .
Em nossas i d a s às e s c o l a s , t a n t o Ronald quanto eu temos constatado que os adolescentes, em
g e r a l , g o s t a r i a m de um o u t r o f i n a l para o l i v r o . Como Ana e Pedro não se conhecem, e mesmo assim se apixonam, os l e i t o r e s r e i n v i d i c a m um f i n a l f e l i z , um encontro d e c i s i v o , qualquer solução bem c o n c r e t a , que o l i v r o não apresenta.
Nessas ocasiões, aproveitamos para d i z e r que a l e i t u r a de uma obra literária não deve e x i g i r r e g r a s rígidas ou normas irredutíveis. Muito mais r i c o l i t e r a r i a m e n t e , um f i n a l capaz de g e r a r polêmicas deve sempre s e r p r e f e r i d o a um o u t r o , d e f i n i d o e d e f i n i t i v o e, t a l v e z por i s s o mesmo, passivo.
Eu ainda g o s t a r i a de lembrar o u t r o s q u a t r o l i v r o s , todos e l e s com personagens crianças:
Meu dente caiu (Ed. Lê, B. H o r i z o n t e ) ,
história de um menino, Xuim, que perde o p r i m e i r o dente e espera, d i a após d i a , que o u t r o nasça no l u g a r . Nunca consegui conversar com as crianças sobre esse l i v r o , porque, quando as e n c o n t r o , são e l a s que querem me c o n t a r o que aconteceu com seus dentes, onde, quando, e t c . . .
Eu sou isso? (Ed. Lê, B. H o r i z o n t e ) , história
do momento em que uma criança se descobre como corpo humano. Acontecida em minha casa, com um de meus f i l h o s , essa experiência f a z p a r t e das minhas melhores lembranças.
O Barulho do Tempo (Ed. FTD, S. P a u l o ) ,
história de uma criança que quer (e não consegue) ver o tempo passar. E s c r i t o há muitos anos, na mesma época de O Rei dos Cacos e O Dia de Ver Meu P a i , só vim a publicá-lo mais t a r d e , ainda que gostasse do t e x t o de forma e s p e c i a l . Talvez, por se t r a t a r de um l i v r o sobre o tempo, eu tenha q u e r i d o s e r f i e l ao tema...
Será que ele vem? (Ed. Moderna, São P a u l o ) ,
história de uma criança que t e n t a pegar um b e i j a -f l o r . Também um de meus p r i m e i r o s t r a b a l h o s , Será
que ele vem? me e n s i n a , com seu título, que sou
uma pessoa c h e i a de interrogações. Os l e i t o r e s inconformados de Ana e Pedro que me desculpem, mas não tenho, nunca t i v e soluções nem r e s p o s t a s .
Penso que devemos exaustivamente p e r g u n t a r , p r o c u r a r , buscar. Depois de Será gue e l e vem? vieram também, com títulos i n t e r r o g a t i v o s , Eu sou
isso? Sabe de uma coisa? e Arco-iris tem mapa?
lançado em 1991, p e l a E d i t o r a S c i p i o n e .
Antes de t e r m i n a r , eu g o s t a r i a de d i z e r que o a t o de escrever é difícil, muitas vezes d o l o r o s o , e s e i que nada estou afirmando de novo.
E n t r e t a n t o , como me s i n t o comprometida com o l e i t o r , s e j a q u a l f o r sua idade, g o s t a r i a de d i z e r que, ao t e r m i n a r um t r a b a l h o , s e i que a q u i l o é o melhor de mim.
Tenho uma preocupação constante com o v a l o r estético do t e x t o , procurando sempre o j e i t o mais b o n i t o , mais poético. Com minhas interrogações e i n c e r t e z a s , tenho i n s i s t i d o , l i v r o após l i v r o , em r e t r a t a r o mundo que me chega, cada d i a , nas páginas dos j o r n a i s , nas ondas dos rádios, na televisão, na confusão das r u a s , no choro e no r i s o das crianças.
Confesso também que tenho e s c r i t o sobre o que v e j o , o que v i v o , o que conheço. Também sobre o que imagino.
Às vezes imagino que me lêem e é muito bom...
LIVROS PUBLICADOS PELA CONFERENCISTA
O dia de ver meu pai. Formato E d i t o r i a l , Belo
H o r i z o n t e . (Traduzido para o japonês em 1980).
O jogo do pensamento. E d i t o r a Melhoramentos,
São Paulo.
O barulho do Tempo. E d i t o r a FTD, São Paulo. O mundo é pra ser voado. E d i t o r a S c i p i o n e ,
São Paulo. Este l i v r o ganhou o Prêmio J a b u t i de Melhor L i v r o J u v e n i l de 1989.
Arco-iris tem mapa?. E d i t o r a S c i p i o n e , São
Paulo.
SaJbe de uma coisa? (diário de uma a d o l e s c e n t e ) . E d i t o r a A t u a l , São Paulo.
Ana e Pedro ( c a r t a s ) . E d i t o r a A t u a l , São Paulo. (Em p a r c e r i a com Ronald C l a v e r ) .
Segredo bem guardado. Formato E d i t o r i a l , Belo
H o r i z o n t e .
Suando Frio. e d i t o r a Lê, Belo H o r i z o n t e . Eu sou isso?. E d i t o r a Lê, Belo H o r i z o n t e .
Meu dente caiu!. E d i t o r a Lê, Belo H o r i z o n t e .
Quem conta um conto. E d i t o r a a t u a l , São
Paulo. ( A n t o l o g i a , com mais c i n c o a u t o r e s . Esta coleção é composta de s e i s volumes com c i n c o autores f i x o s ) .
Setencontos, Setecantos. Volume 3, E d i t o r a
FTD. ( A n t o l o g i a com o u t r o s a u t o r e s ) .
O Conto "A Coisa Melhor do Mundo", f o i t r a d u z i d o e p u b l i c a d o em a n t o l o g i a s de autores b r a s i l e i r o s no Japão, na Holanda e na Polônia.