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Um olhar sobre a história da leitura

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Academic year: 2020

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U M O L H A R S O B R E A H I S T Ó R I A D A L E I T U R A

Helen de Castro S I L V A *

INTRODUÇÃO

Recentemente, em dois artigos publicados na revista Cult (1997 e 1998) o professor J o ã o Alexandre Barbosa mencionou u m tema que tem me/ecido gradativamente a a t e n ç ã o de pesquisadores no Brasil: a história da leitura. Em ambos os textos o professor sublinha a relevância de se empreender estudos no sentido de compreender o leitor de uma determinada é p o c a e suas escolhas. N o segundo, texto, em particular, J o ã o Alexandre relembra a experiência do professor Antonio Candido ao analisar a biblioteca do pai, que atualmente e s t á abrigada na S e ç ã o de C o l e ç õ e s Especiais da

Unicamp, e considera as c o n s e q ü ê n c i a s deste tipo de estudo. É neste universo que se situa a pesquisa que ora estamos desenvolvendo como parte dos requisitos para o doutorado e que servirá de base para esta reflexão.

A leitura, a p ó s sucessivas fases da história da literatura nas quais houve a p r e d o m i n â n c i a de estudos que privilegiaram o autor e o texto, passou t a m b é m a despertar o interesse de pesquisadores e tornou-se u m elemento essencial para a crítica. Neste momento, h á uma tentativa de encontrar o equilíbrio entre o formalismo e a historiografia do século X I X , com ênfase na crítica do discurso da d o c u m e n t a ç ã o que retém a história e da p r ó p r i a história. S ã o representantes desta tendência, por exemplo, Robert Darnton e Roger Chartier.

" Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Araraquara - SP. Professora assistente do curso de Biblioteconomia da UNESP, Campus de Marília.

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-Esta reflexão sobre a p r ó p r i a história é fruto de u m novo paradigma, a chamada ' N o v a H i s t ó r i a ' Este conceito originou-se da École des Annales e, conforme Peter Burke (1992), opõe-se deliberadamente ao paradigma tradicional em v á r i o s aspectos. N ã o e s t á centrada na política; ao c o n t r á r i o , "tudo tem uma h i s t ó r i a " (J. B . Haldane apud Burke, 1992, p . 1 1 ) -inclusive a leitura. E s t á centrada na análise das estruturas e c o n ô m i c a s , sociais e g e o - h i s t ó r i c a s de longo prazo, e n ã o na narrativa dos acontecimentos. H á uma p r e o c u p a ç ã o com o homem comum, com a cultura popular, em detrimento das grandes obras, ou personalidades de p o s i ç ã o social mais elevada; utiliza v á r i o s tipos de fontes, que n ã o s ó a documental e, principalmente, defende que a história é relativa e n ã o objetiva, como tradicionalmente era considerada.

Robert Darnton, que é professor de História da Universidade de Princeton, tem se dedicado ao estudo da leitura em é p o c a s passadas sob esta perspectiva. Para ele, estudar a história da leitura é buscar conhecer as c o n v i c ç õ e s , costumes e idéias dos homens de um determinado tempo. Darnton afirma que a leitura tem uma história. Ela n ã o se limita apenas à e x t r a ç ã o da i n f o r m a ç ã o de u m texto. Depende de contextos culturais que variam bastante conforme a é p o c a . Desta forma, o autor considera o estudo da história da leitura bastante complexo. A verificação de suas características a t r a v é s dos tempos é difícil de ser efetuada, pois requer o estudo da r e l a ç ã o entre o leitor e o texto. N ã o é detectada com facilidade, como ocorre, por exemplo, com as m u d a n ç a s de uma ordem social ou de uma constituição.

E m u m artigo publicado em 1986 e reproduzido num c a p í t u l o do livro A escrita da História, Darnton t r a ç a todo um panorama dos estudos j á realizados sobre a história da leitura em alguns p a í s e s da Europa e dos Estados Unidos a t é o início deste século. Demonstra que a maior parte dos historiadores, encarando a leitura como u m fenômeno social, f o i capaz de investigar as suas bases institucionais respondendo a questões como: 'quem', ' o que', 'onde' e 'quando', relativamente ao ato da leitura. Tais estudos podem ser desenvolvidos segundo u m c a r á t e r micro ou m a c r o a n a l í t i c o e t ê m como fonte dados estatísticos ou documentais. P o r é m , as questões 'por que' e 'como' ainda permanecem sem respostas.

Entre pesquisas que perseguem estas respostas, Darnton aponta aquelas que se ocupam dos "ideais e as suposições subjacentes à leitura" (1992, p . 218), ou, como diz Chartier, as "normas e c o n v e n ç õ e s de leitura" (1997, p. 15). Neste sentido, j á temos traduzida no Brasil uma obra fundamental: Discursos sobre a leitura, de Anne-Marie Chartier e Jean H é b r a r d . Outras vertentes tratam do ensino da leitura, do significado da

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leitura para aqueles que liam, ou, ainda, do l i v r o como objeto de leitura e da r e a ç ã o do leitor ante a literatura. Esta ú l t i m a tem como base a estética da r e c e p ç ã o , e n c a b e ç a d a por H . R . Jauss e W . Iser. Darnton indica t a m b é m aquelas pesquisas que ressaltam a interrelação entre teoria literária e história dos livros (da literatura) e sugere que as pesquisas que seguem esta abordagem f a ç a m uma c o m b i n a ç ã o entre ' a n á l i s e textual' e 'pesquisa e m p í r i c a ' , a fim de que se possa "desenvolver tanto uma história, quanto uma teoria da r e a ç ã o do leitor" (p. 229).

A p ó s uma r e v i s ã o dos estudos realizados sobre história da leitura, Darnton sugere cinco abordagens a t r a v é s das quais considera "ser possível desenvolver u m modo de estudar as m u d a n ç a s na leitura no interior da nossa p r ó p r i a cultura" (p. 218). S ã o elas:

1 "Estudo dos ideais e das s u p o s i ç õ e s subjacentes à leitura no passado" (p. 218 - 219), que consiste no estudo de v á r i a s fontes e suportes (pinturas, gravuras diários, autobiografias, etc.) para verificar a opinião das pessoas a respeito dos efeitos da leitura sobre si mesmos e sobre os demais, em r e l a ç ã o ao aspecto físico, moral, religioso.

«2 "Estudo das maneiras de como a leitura era ensinada" (p. 221).

3 Estudo sobre o significado da leitura para aqueles que liam e deixavam algum registro.

4 Teoria literária: críticos literários X historiadores - pesquisa e m p í r i c a realizada a t r a v é s de estudo sobre como os autores envolviam ou tinham a expectativa de que os leitores reagissem ante seus textos. Paralelamente o estudo dos leitores reais, a c o m p a r a ç ã o entre estes dois aspectos pode proporcionar o desenvolvimento da história de uma teoria da r e a ç ã o do leitor. 5 Bibliografia analítica - estudo do l i v r o como objeto físico. V e r i f i c a ç ã o do layout e das c a r a c t e r í s t i c a s físicas do livro. V e r i f i c a ç ã o sobre como as c a r a c t e r í s t i c a s físicas do l i v r o podem influenciar a leitura.

Outro autor que se refere ao tema é Chartier (1997). N a obra A ordem dos livros, o autor dedicou um c a p í t u l o à análise das possibilidades de pesquisar a " h i s t ó r i a da leitura". O autor, apoiando-se em Certeau (apud Chartier, 1997), ressalta que aqueles que querem se aventurar no estudo da história da leitura devem "reconstruir as alterações que diferenciam os ' e s p a ç o s l e g í v e i s ' isto é, os textos nas suas formas discursivas e materiais -e as qu-e dirig-em as c i r c u n s t â n c i a s da sua r -e a l i z a ç ã o - isto é, as l-eituras, entendidas como p r á t i c a s concretas e como processos de i n t e r p r e t a ç ã o "

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-(p. 12-13). O historiador, portanto, deve trabalhar no estudo da r e l a ç ã o entre 0 texto, o livro e a leitura e nas v a r i a ç õ e s dessa relação.

U M PANORAMA DA HISTÓRIA DA L E I T U R A NO B R A S I L

Apesar de n ã o ser uma á r e a nova, pois alguns estudos datam do final do s é c u l o X I X , h á ainda muito o que se investigar, principalmente em p a í s e s como o Brasil, que n ã o t ê m t r a d i ç ã o em estudos nesta á r e a . N o Brasil, a h i s t ó r i a da leitura ainda e s t á em c o n s o l i d a ç ã o , haja visto a r e a l i z a ç ã o do 1 Congresso da Leitura e do L i v r o no Brasil, em outubro deste ano.

Entre os poucos que se aventuraram no estudo da história da leitura no Brasil e s t á W i l s o n Martins (1996). Sua obra A palavra escrita é uma referência para aqueles que desejam conhecer mais sobre a história da imprensa, do l i v r o e das bibliotecas entre nós. O autor inicia seu estudo com a história do surgimento da tipografia, da imprensa e das bibliotecas no Brasil. E uma obra abrangente, p o r é m , pouco aprofundada no tratamento dos aspectos abordados.

U m dos primeiros trabalhos relacionados ao estudo da leitura brasileira é o de Rubens Borba de Moraes, que publicou, em 1979, Livros e bibliotecas no Brasil colonial. Visto que se tratava praticamente da primeira obra sobre o tema, o autor dedicou-se ao estabelecimento de fatos a respeito da h i s t ó r i a do l i v r o e da biblioteca no Brasil no p e r í o d o colonial. Levantou o surgimento das bibliotecas institucionais, no caso, as das ordens religiosas que se estabeleceram no p a í s neste período, principalmente a dos j e s u í t a s . A s o p ç õ e s culturais oferecidas aos leitores, a influência da censura na f o r m a ç ã o destas bibliotecas e no c o m é r c i o livreiro, a i n t r o d u ç ã o da tipografia nos diversos pontos do território nacional e a sua p r o d u ç ã o t a m b é m foram objetos de estudo do autor.

N o início de seu l i v r o , Moraes (1979) ressalta a dificuldade que representa a falta de resultados de pesquisas sobre a história dos livros, das bibliotecas e da imprensa no Brasil. Para a e l a b o r a ç ã o de seu trabalho, o autor utilizou-se de uma d o c u m e n t a ç ã o dispersa em obras publicadas sobre o p e r í o d o colonial e de documentos inéditos de bibliotecas e arquivos brasileiros e portugueses, a l é m de notas tomadas em v á r i a s instituições e u r o p é i a s e americanas. Por fim, o autor esclarece que sua intenção, ao realizar este trabalho, é dar subsídios para pesquisas posteriores e chamar a a t e n ç ã o de outros pesquisadores para u m "campo t ã o pouco explorado, menosprezado

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a t é pelos historiadores, embora essencial para o conhecimento de nossa e v o l u ç ã o cultural" (n. p.).

Outro trabalho importante, embora trate de u m p e r í o d o mais recente, é a d i s s e r t a ç ã o de mestrado de S ô n i a de Conti Gomes, que posteriormente foi transformada em livro e publicada com o título Bibliotecas brasileiras instaladas durante o período da Primeira República. A autora enfatizou suas dificuldades em obter informações completas, devido à "falta de t r a d i ç ã o de guarda e p r e s e r v a ç ã o sistemática de documentos" (p. 47) e à n ã o consistência dos dados de fontes oficiais, como guias e relatórios estatísticos, dentre outros. Esta autora, a l é m de apresentar dados sobre a i n s t a l a ç ã o das bibliotecas na Primeira R e p ú b l i c a , deteve-se no estudo dos fatores s ó c i o - c u l t u r a i s que influenciaram sua c r i a ç ã o e desenvolvimento.

Uma outra c o n t r i b u i ç ã o bastante significativa para o estudo da história da leitura no Brasil é a obra intitulada O Livro no Brasil, que é fruto de uma tese de doutorado. Seu autor, Laurence Hallcwell (1985), é u m bibliotecário inglês que se dedicou ao estudo da p r o d u ç ã o literária latino-americana desde o início de sua carreira. Ele analisa os fatores que influenciaram a i n s t a l a ç ã o das primeiras tipografias e a e v o l u ç ã o para as grandes editoras, compara o desenvolvimento editorial com o crescimento da p o p u l a ç ã o brasileira, índice de alfabetizados e poder aquisitivo da p o p u l a ç ã o , a l é m de fatos políticos e e c o n ô m i c o s que se refletiram no desenvolvimento da atividade editorial no pais em diferentes períodos. A i m p o r t a ç ã o de livros c o tipo de p u b l i c a ç ã o - como, por exemplo, os livros didáticos, de ciência e tecnologia, infantis e t r a d u ç õ e s - t a m b é m foram objeto de estudo de Hallewell A e v o l u ç ã o da infra-estrutura da indústria brasileira para a p r o d u ç ã o editorial e a d i s t r i b u i ç ã o de livros no p a í s n ã o foram esquecidas.

Outro trabalho relevante é o artigo de A n a Luiza M a r t i n s (1989), que desenvolveu u m estudo sobre como era realizada a leitura à s v é s p e r a s da p r o c l a m a ç ã o da R e p ú b l i c a . O u ainda, o l i v r o de M a r i a Luiza T . Carneiro (1997), que investigou, a t r a v é s dos arquivos do Deops, os livros proibidos pela censura e o trabalho da polícia de recolher os livros censurados e punir seus p r o p r i e t á r i o s .

N u m a série de depoimentos sobre a história de leituras particulares, José M i n d l i n elaborou u m cuidadoso e belo l i v r o sobre suas m e m ó r i a s de grande apreciador e colecionador de livros.

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Atualmente, u m grupo de pesquisadores da Unicamp, liderado pela professora Marisa Lajolo, tem desenvolvido o projeto M e m ó r i a da Leitura1. Este projeto abrange pesquisas relacionadas a v á r i o s daqueles aspectos levantados por Darnton, p o r é m com u m enfoque sobre o papel da escola como propagadora potencial da leitura no Brasil.

H á ainda uma recente safra brasileira de obras tratando desse tema. Dentre os ú l t i m o s l a n ç a m e n t o s encontramos a nova v e r s ã o de A palavra escrita, de W i l s o n Martins (1996); A formação da leitura no Brasil, de Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1996); Formação do leitor brasileiro, de J o s é Horta Nunes (1994), e Leituras no Brasil, de M á r c i a Abreu (1995).

Internacionalmente, verificamos l a n ç a m e n t o s recentes sobre este tema: Práticas da leitura, organizado por Roger Chartier (1996), e Uma história da leitura, de Alberto Manguei (1997), j á traduzidos. N a F r a n ç a foram l a n ç a d o s dois livros sobre o tema: Passiones impunes, de George Steincr, e Histoire de la lecture dam le monde occidental, organizado por Gugliemo Cavallo e Roger Chartier (1997).

A maior parte das pesquisas brasileiras sobre história da leitura tem privilegiado as capitais e grandes centros. A história da economia e da cultura no interior, mesmo de Estados mais desenvolvidos, como é o caso do Estado de S ã o Paulo, t ê m sido relegadas a segundo plano. Fonte e c o n ô m i c a principalmente nos p e r í o d o s de cultivo da terra, o interior guarda documentos sobre o desenvolvimento sócio-cultural do p a í s , mas esse material nem sempre é conservado em boas condições.

U m dos maiores problemas que emperram a r e a l i z a ç ã o de pesquisa histórica é a falta de t r a d i ç ã o no p a í s no que se refere à salvaguarda e p r e s e r v a ç ã o de seu p a t r i m ô n i o histórico. Grande parte da d o c u m e n t a ç ã o h i s t ó r i c a brasileira encontra-se dispersa e fora do alcance de pesquisadores e da p o p u l a ç ã o em geral. Este quadro é agravado ainda mais pelo fato de que algumas das instituições brasileiras p ú b l i c a s e privadas, que abrigam bens culturais, n ã o d i s p õ e m de profissionais especializados e equipamentos adequados para a p r e s e r v a ç ã o dessa m e m ó r i a . Freqüentemente podemos ouvir relatos de pesquisadores quanto à s dificuldades encontradas para desenvolver suas pesquisas com d o c u m e n t a ç ã o histórica, dada a inexistência de centros organizados e dotados de ferramentas para r e c u p e r a ç ã o de seu c o n t e ú d o .

Os resultados parciais j á podem ser consultados na home page do projeto, ou ainda em um número especial da revista Horizontes, 1998.

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-Nos ú l t i m o s anos, p o r é m , temos verificado uma t e n d ê n c i a no sentido de reverter essa s i t u a ç ã o . N ã o raro tomamos conhecimento de a g ê n c i a s de financiamento nacionais e internacionais, como, por exemplo, Fapesp, Unesco e Vitae, que t ê m investido em projetos específicos para p r e s e r v a ç ã o da m e m ó r i a ; mas estas iniciativas e s t ã o ainda muito a q u é m da demanda. Profissionais de v á r i a s á r e a s t a m b é m t ê m despertado para a necessidade de mudar este quadro. H á ainda muito a ser feito, e com u r g ê n c i a , uma vez que estes acervos correm sérios riscos de desaparecerem completamente.

A C I D A D E DE S Ã O C A R L O S : A A T E N A S PAULISTA.

O estudo de caso que nosso trabalho encerra tem como universo a cidade de S ã o Carlos. Essa cidade originou-se de a g l o m e r a ç õ e s de lavradores, de pequenos criadores de gado fixados nas terras da região na passagem do século X V I I I para o século X I X . Por volta de 1830, iniciam-se as primeiras lavouras de cultivo do café. O sucesso destas lavouras impulsionou o progresso s ó c i o - e c o n ô m i c o e cultural da região. S ã o Carlos, por exemplo, é uma das primeiras cidades brasileiras a instalar a linha ferroviária. Outras grandes i n o v a ç õ e s tecnológicas do início do século foram rapidamente incorporadas pela comunidade local. A esfera cultural t a m b é m floresceu nesse p e r í o d o a t r a v é s da m ú s i c a , da d a n ç a e das atividades organizadas pela sua Escola N o r m a l S e c u n d á r i a ; os dados referentes a este campo e s t ã o registrados n u m l i v r o recentemente publicado por pesquisadores da Universidade Federal de S ã o Carlos.

N o seu auge a cidade chegou a ser chamada de "Atenas Paulista" (Neves, 1984). Sua v o c a ç ã o vanguardista deu frutos e atualmente a cidade é chamada de "Capital da A l t a Tecnologia". Possui duas universidades p ú b l i c a s consideradas entre as melhores do p a í s (totalizando mais de dez m i l alunos de g r a d u a ç ã o e p ó s - g r a d u a ç ã o ) , a l é m de duas faculdades particulares e diversos estabelecimentos de ensino. N a á r e a cultural, possui v á r i a s bibliotecas, dentre as quais a Biblioteca C o m u n i t á r i a da UFSCar, uma das mais modernas do p a í s na categoria, havendo ainda museus, arquivos históricos, teatros e cinemas.

O novo convive, por sorte, com os vestígios de é p o c a s passadas. A s sedes de suas fazendas, colégios e p r é d i o s tombados pelo C O N D E P H A A T s ã o monumentos que atestam uma intensa atividade cultural que, certamente contribuiu para c o n c r e t i z a ç ã o de seu estágio atual de desenvolvimento.

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O estudo de seu progresso tem sido direcionado com muita propriedade à á r e a educacional, u r b a n i z a ç ã o e economia. N o entanto, as pesquisas relacionadas ao desenvolvimento cultural, e particularmente os referentes à leitura, ainda carecem de investigações. A s poucas p u b l i c a ç õ e s sobre a história da cidade (Neves, 1984, entre outros) nem sequer mencionam a f u n d a ç ã o da Biblioteca P ú b l i c a M u n i c i p a l , de suas demais bibliotecas ou fontes de leitura. Estas obras limitam-se a constatar o surgimento da imprensa local, ou da região, como é o caso da obra Cem anos de silêncio, que retrata a história de u m jornalista que atuou, no inicio do século, na cidade de Araraquara-SP, a quarenta quilômetros de S ã o Carlos. Estes dados, sem d ú v i d a , s ã o importantes para se conhecer a história da m e m ó r i a local, p o r é m h á v á r i o s outros aspectos que podem e devem ser levantados.

A partir de 1995, pudemos verificar, a t r a v é s do contato com a comunidade s ã o c a r l e n s e , que h á fontes de extrema relevância a respeito de sua história ainda ignoradas por pesquisadores e pela maioria da p o p u l a ç ã o .

U m exemplo deste tipo de coleção é o acervo de Antonio Carlos de Arruda Botelho, Conde do Pinhal. Figura de destaque na política regional, o Conde do Pinhal e seus descendentes c o n t r i b u í r a m de forma definitiva para o progresso do interior do Estado de S ã o Paulo, por exemplo, trazendo a estrada de ferro de Rio Claro a t é a cidade de S ã o Carlos.

A biblioteca particular, conservada com zelo, revela os t r a ç o s das leituras que fomentaram o espírito progressista que predominou na família de Antonio Carlos de A r r u d a Botelho, que viveu no p e r í o d o entre o final do século X I X e início do século X X . A coleção, estimada em 3.000 volumes, abriga uma d o c u m e n t a ç ã o variada, incluindo livros, periódicos, fotografias, títulos a t r i b u í d o s a Antonio Carlos A . Botelho, entre outros, a l é m de p e ç a s m u s e o l ó g i c a s e a r q u i t e t ô n i c a s referentes ao final do século X I X . Uma bibliotecária especialista em coleções especiais da Biblioteca Nacional avaliou a c o l e ç ã o como tendo grande potencial para pesquisa e reconheceu a i m p o r t â n c i a de sua salvaguarda tanto para a p r e s e r v a ç ã o da m e m ó r i a local como pelas obras preciosas que abriga.

N o momento, estamos terminando o inventário dos documentos bibliográficos (livros e revistas) e iniciando a e l a b o r a ç ã o de uma base de dados com os registros do acervo. N a seqüência s e r á realizada uma a n á l i s e detalhada e individual de cada item, nos seus aspectos físicos e t e m á t i c o s , procurando identificar, t r a ç o s de leituras realizadas, tais como a n o t a ç õ e s dos leitores, origem, p r o p r i e t á r i o ; tipo do documento e perfil do acervo. Outras fontes, como, por exemplo, cartas, depoimentos orais dos descendentes e

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fotografias, s e r ã o utilizadas a fim de que sejam verificados aspectos socio-e c o n ó m i c o s socio-e culturais do psocio-eríodo socio-em qusocio-e socio-estsocio-e acsocio-ervo foi constituído.

A s primeiras análises deste inventário revelaram a existência de documentos antigos e precisos como, por exemplo, a coleção completa da revista Moderna, que f o i editada simultaneamente em mais de u m p a í s , entre os quais estava incluído o Brasil, tendo como um de seus editores u m dos filhos do Conde do Pinhal. T a l revista abordava temas variados e completou

100 anos da e d i ç ã o de seu primeiro n ú m e r o no ano de 1997. Nota-se ainda a d i v i s ã o da biblioteca pelo gênero de seus leitores: s e ç ã o das mulheres e s e ç ã o dos homens. Toda esta d o c u m e n t a ç ã o foi adquirida a t r a v é s das relações pessoais da família com intelectuais da é p o c a e em i n ú m e r a s viagens. H á , p o r é m , ainda muito a ser apurado.

Simultaneamente a este projeto de pesquisa está sendo realizado um trabalho de e x t e n s ã o , do qual participam alunos voluntários do curso de C i ê n c i a da I n f o r m a ç ã o e docentes da UFSCar e da Unesp. Este trabalho possibilitou a higienização do acervo, bem como o diagnóstico do estado físico das obras a l i abrigadas, além de contribuir para a f o r m a ç ã o de profissionais qualificados para lidarem com coleções especiais. E s t á prevista t a m b é m a e l a b o r a ç ã o de instrumentos que permitam a salvaguarda dos documentos, bem como a a m p l i a ç ã o de seu acesso ao público, o que depende da c a p t a ç ã o de recursos financeiros

J á foram identificadas outras bibliotecas particulares e institucionais na cidade, referentes ao mesmo período, que, se possível, s e r ã o t a m b é m incluídas na pesquisa.

Os grandes o b s t á c u l o s à e x e c u ç ã o deste trabalho s ã o ainda a referida falta de outras pesquisas brasileiras sobre o mesmo tema que pudessem balizar a sua realização. Isto, por outro lado, constitui um desafio, pois s e r á necessário elaborar uma metodologia adequada ao desenvolvimento de estudos deste tipo. A falta de interlocutores que estejam p r ó x i m o s ao tema da pesquisa é problema adicional para a sua realização.

Outra dificuldade que temos enfrentado é a j á mencionada falta de apoio financeiro para o projeto, o que pode inviabilizar a r e a l i z a ç ã o de um trabalho s i m u l t â n e o de salvaguarda e p r e p a r a ç ã o de instrumentos para a d i v u l g a ç ã o deste acervo j u n t o a outros pesquisadores e à p o p u l a ç ã o local. Uma vez que estamos manipulando o material e que contamos com uma pequena equipe, seria preferível que n ó s mesmos desenvolvêssemos este trabalho, evitando, assim, uma outra intervenção na d o c u m e n t a ç ã o e abreviando seu p e r í o d o de d e t e r i o r a ç ã o . A l é m disso, outros documentos que

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n ã o f a r ã o parte da pesquisa, mas s ã o t a m b é m importantes para a história local, poderiam ser salvaguardados.

Por fim, esperamos que o nosso olhar sobre a história da leitura da cidade de S ã o Carlos possa contribuir para incentivar a r e a l i z a ç ã o de outras pesquisas sobre o tema na região, bem como para o desenvolvimento de metodologias para investigação da história da leitura brasileira. Esperamos ainda levantar subsídios para o entendimento do desenvolvimento socio-e c o n ó m i c o da rsocio-egião, uma vsocio-ez qusocio-e, conformsocio-e Darnton, " O socio-estudo da lsocio-eitura pode revelar como o homem compreende a vida. ... E s t u d á - l a pode satisfazer parte de nossa p r ó p r i a â n s i a de significado" (1992, p. 234).

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Referências

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