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O que silencia em nós os temas controversos?

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Academic year: 2020

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Universidade Federal do Rio Grande - FURG

ISSN 1517-1256

Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental

Revista do PPGEA/FURG-RS

O que silencia em nós os temas controversos?1

Leandro Belinaso Guimarães2

Resumo: Serpenteando uma grande rodovia, o carro corta um cenário deslumbrante. Por cima dos

morros em que a estrada avança, paro e escuto o mar esculpindo rochas em provocantes estrondos. Uma névoa recobre o branco lugar. Ao largo, montanhas pálidas de um outono inicial. A me capturar: um sonoro mar... Na beira da estrada só pude silenciar (...). Qual a potência de um momento, de uma aula se quisermos pensar, que nos exigiria um silêncio em nós? A partir dessa indagação, o ensaio pergunta pela potência da não-controversa (tomando um tema controverso como aquele que nos convocaria a não silenciar) às aulas de biologia que versam sobre o ambiental – sobre as eventuais relações tecidas entre humanos, ciborgues e não-humanos. Pretendo, neste texto, somente lançar questões introdutórias sobre tal questão. E, para pensá-la, recorro a experiências de práticas de ensino de biologia que orientei, bem como a alguns elementos da pesquisa que estou desenvolvendo sobre como atua em nós um “dispositivo da sustentabilidade” no contemporâneo. Recorro, principalmente, a algumas imagens para, com elas, ir tecendo meus ainda inseguros e instáveis argumentos, que tentam, digo novamente, indagar sobre a potencialidade de um ensino repleto de delicadezas, de silêncios e de névoas, ou seja, com menos afeição às controversas tão em voga nas nossas aulas de biologia sobre temas socioambientais.

Palavras-chave: temas controversos, educação ambiental, ensino de biologia.

Abstract: Snaking a major highway, the car cuts a stunning backdrop. On top of the hills where the

road goes, stop and listen to the sea carving rocks in provocative bangs. A mist covers the white place. Off, pale mountains an initial fall. The capture me: a sound ocean ... At the edge of the road could only silence (...). What is the power of a moment, a lesson if we think that would require us to silence us? From this inquiry, the essay question by the potency of non-controversial (taking a controversial topic like that would call for us to not mute) the biology classes that deal with the environment - on the possible relationships woven between humans, cyborgs and non-humans. I intend, in this text, only release introductory questions about this issue. And to think of it, I turn to the practical experiences of teaching biology coached, as well as some elements of the research I'm

1 Agradeço os/as amigos/as que me ajudaram, talvez sem perceberem, a costurar esse texto. Dedico o ensaio em ordem alfabética a: Ana Maria Preve, Franciele Favero [que gentilmente cedeu a foto da “parede” ao texto], Janice Zanco, Marcos Reigota.

2 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Contato: lebelinaso@gmail.com ou facebook.com/tecendo

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developing on how we act in a "device of sustainability" in the contemporary. I appeal mainly to some pictures with them, go weaving my still insecure and unstable arguments that attempt, I say again, inquiring about the potential of a school full of delicacies, silences and mists, ie, with less affection the controversial so fashionable in our biology classes on social and environmental issues.

Keywords: controversial issues, environmental education, biology education.

Considerei um desafio pensar sobre o que escrever a partir do generoso convite (que agradeço muitíssimo) que recebi da Sociedade Brasileira para o Ensino de Biologia [SBENBIO]. Isso em razão da mesa em que fui instado a compor para o III Encontro Nacional de Ensino de Biologia (ENEBIO), em Fortaleza, versar sobre os temas socioambientais, sendo que a pergunta posta foi: práticas pedagógicas pragmáticas ou polêmicas no ensino de biologia?

Gostaria antes de tudo, já me desculpando, de fugir da pergunta acima colocada. Sabemos que no campo da pesquisa sobre o ensino de biologia as temáticas controversas gozam de enorme prestígio. Seja pelo interior das investigações articuladoras entre ciência, tecnologia e sociedade (as chamadas perspectivas CTS), seja pelo viés crítico das pesquisas educacionais, questões não consensuais, tidas como polêmicas, são alçadas, por inúmeros motivos que deixo de apresentar aqui, como interessantes ao ensino. Um dos argumentos centrais é que levar estudantes a ter uma opinião consolidada frente a temas controversos seria proporcionar a construção da cidadania. Ora, se compramos tal ideário, práticas pedagógicas avessas às polêmicas só poderiam ser consideradas como pragmáticas, entendidas, nesse caso, como não propiciadoras de uma posição política mais incisiva.

Essa divisão pouco me interessa. Estou mais instigado, nesse ensaio, a pensar sobre a seguinte questão (que deriva da proposta pela mesa): qual a potencialidade política de uma prática pedagógica, no ensino de biologia sobre temas socioambientais, que não esteja atenta às controversas, às polêmicas, mas mais às sutilezas, às delicadezas, aos silêncios?

Será sobre essa questão que escrevo esse breve ensaio, tateando com imagens, alguns instáveis argumentos. Um belíssimo livro me acompanha mais fortemente nesse

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Trabalhos derivados de estágios de prática de ensino de biologia também estarão em jogo. Além de tudo isso, articulo ao ensaio imagens e pequenos escritos produzidos em uma viagem que fiz à São Francisco e ao litoral da Califórnia (às suas paisagens e aos seus espaços de exibição de arte), nos Estados Unidos.

Serpenteando uma grande rodovia, o carro corta um cenário deslumbrante. Por cima dos morros em que a estrada avança paro e escuto o mar esculpindo rochas em provocantes estrondos. Uma névoa recobre o branco lugar. Ao largo, montanhas pálidas de um outono inicial. A me capturar: um sonoro mar... Na beira da estrada só pude silenciar (...).

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No Seminário “Ecologias Inventivas: conversas sobre educação” ocorrido em agosto de 2010 na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Nestor Habkost apresentou um conjunto de trabalhos da chamada “land art” compostos por artistas que criam obras que tem a terra, o território, como substrato central das suas intervenções. Na imagem acima de Christo e Jeanne-Claude4, um dos trabalhos da série “Wrapped Coast”, realizada no decorrer dos anos de 1968 e 1969, os artistas encobriram com um tecido plástico um imenso trecho da costa australiana (em Little Bay). Podemos, entre outras questões, pensar essa obra como criadora de um vazio naquilo que seria já de antemão pleno de sentidos. Tal estratégia artística parece potente para ajudar a pensar em uma pedagogia na qual um silêncio, um delicado desconforto quem sabe, seria o que permitiria ativar pensamentos outros sobre territórios (e sobre temáticas socioambientais se seguirmos não deixando de pensar no ensino de biologia) tão já preenchidos de informações. Ao contrário de abrir mais controvérsias sobre uma questão socioambiental,

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[...]

As palavras de Ana Maria Preve (2010) ao comentar sobre o instigante filme de Werner Herzog intitulado: “Onde sonham as formigas verdes?” me ajudam a seguir a pergunta sobre a potência de uma prática pedagógica silenciosa, delicada. Diz a autora: (...) “não se trata [de pensar] em um silêncio que nega, mas que se afirma naquilo que enfrenta” (p. 67). E o que enfrentamos nesse contemporâneo por demasia poluído, preenchido de informações e de imagens? Uma aula sobre temas controversos nos exigiria movimentar um pouco mais de informações e de imagens circulantes pela cultura? E se quisermos nos manter em silêncio, que imagens acionaríamos? Haveria, desde aí, espaço para mais informações? O que ganharia espaço?

[...]

Vivemos um tempo em que uma comunicação digital nos permite conectar-se com muitos lugares e pessoas ao mesmo tempo em que estamos “sozinhos”, confortavelmente instalados na nossa sala de estar. E mais, cada um de nós nessa teia fluida, multifocal, veloz, instantânea da comunicação digital, se torna muitos, ou seja, nos excedemos de nós mesmos para assumirmos aquilo que Canevacci (2009) chama de multivíduo – aquele que se multiplica, se amplia, explode nas e através das redes digitais da comunicação atual. Como indaga Denílson Lopes (2007): “quando nosso cotidiano se transformou em experiência multimidiática o que fazer?” (p. 30).

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Paradoxalmente talvez, não parece haver saída se não um mergulho nesse mundo em que vivemos. Porém, frente ao barulho, ao mundo como controvérsia, repleto de

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quando lá chegamos. Não há tempo, no templo do consumo, para se pensar. Parece ser impossível viver uma experiência em Las Vegas, pelo menos essa que desejo apontar nesse ensaio, pois a experiência, seguindo a tradição de Nietzche, Blanchot, Foucault, “tem por função retirar o sujeito de si, fazer com que ele não seja mais o mesmo (...). Aprender com a experiência é, sobretudo, fazer daquilo que não somos, mas poderíamos ser, parte integrante do nosso mundo” (LOPES, 2007, p. 27).

Para seguir esse argumento em defesa de um ensino sobre temas socioambientais a partir da não-controvérsia, gostaria de apresentar um audiovisual5 feito em 2009 por alunos/as do ensino médio de uma escola pública do sul da ilha de Santa Catarina, em Florianópolis, a partir da disciplina de Estágio Supervisionado II (antiga prática de ensino de biologia). Naquele ano, ofertamos cursos para os alunos/as do segundo ano do ensino

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médio de uma escola estadual, nos espaços do Parque Municipal da Lagoa do Peri. Poderíamos ter centrado nossos cursos em questões controversas, tal como: devemos permitir ou não moradores dentro de um parque de proteção ambiental? Enfim, além dessa, muitas seriam as questões polêmicas que poderíamos abrir para alunos/as, jovens moradores das proximidades da Lagoa do Peri. Preferimos outros matizes, pois consideramos que uma dimensão política importante para o nosso trabalho, como argumenta Marcos Reigota (2009), seria um silencioso movimento de escuta, nas práticas pedagógicas que potencializamos, daqueles/as que vêm das margens, ou seja, dos anônimos.

Os jovens do entorno do Peri filmaram não questões que passam ao largo das suas vidas juvenis. Filmaram modos de estarem no mundo. No audiovisual que produziram, sob a orientação arguta de Franciele Favero, jovens brincam com os deslocamentos por entre os espaços do privado e do público no parque. Filmam a presença das cercas em seu interior. A transgressão (o ato de atravessar cercas proibidas) acaba em tragédia (cena-clichê da violência cotidiana), mas o filme é menos uma ode ao comportamento adequado que defenderia o não atravessamento de fronteiras “proibitivas”. Sua narrativa cômica parece rir (o riso arguto da ironia) das silenciosas, mas densas, presenças das cercas no interior do parque. Como seria possível, parecem indagar sutilmente, mas agudamente aqueles jovens, frutos que nascem espontaneamente nas árvores serem guardados por uma cerca no território de um parque público? Seria o silêncio dos temas controversos no currículo do curso, um dos elementos que permitiu emergir em um audiovisual produzido pelos próprios jovens, questões difíceis e instigantes para pensarmos? Interessante movimento de ensino em que a escuta dos anônimos jovens, propiciado, talvez, pelo silêncio das controvérsias que giram entorno do parque6 (a poluição das aulas com temas como: modos de preservação, leis, conflitos socioambientais, espécies em extinção), pôde fazer emergir indagações postas em movimento por um audiovisual em que o mais importante para aqueles jovens pareceu ser não somente rascunhar uma presença no mundo, mas efetivamente se fazerem nele presentes, com suas perguntas, seus rostos, suas

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o que já foi feito, branco da página, soma de todos os textos, foi-se o tempo

quando, escrevendo, era preciso

uma folha isenta

Nenhuma página jamais foi limpa. Mesmo a mais Saara, ártica, significa. Nunca houve isso, uma página em branco. No fundo, todas gritam, pálidas de tanto.

(LEMINSKI, 2002, p. 111)

Quem sabe o que precisamos é provocar um esvaziamento de tudo aquilo que carregamos conosco quando se trata de pensarmos em um ensino de biologia sobre temas socioambientais. Trata-se, quem sabe, de produzir um processo de apagamento (que nunca se concretiza pleno, efetivo) das linhas mais presentes, mais recorrentes. A página em branco que está na nossa frente quando escrevemos (ou preparamos uma aula) já está, de antemão, muito preenchida pelas lentes costumeiras que acionamos. Precisamos, acredito eu, esvaziar as imagens que nos habitam e que nos deixam pálidos de tanto.

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Referências:

CANEVACCI, Massimo. A comunicação entre corpos e metrópoles. Signos do Consumo.

São Paulo, v. 1, n. 1, 2009. Disponível em:

http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/signosdoconsumo/article/view/6586/5980. Acesso em: 02 de maio de 2010.

LEMINSKI, Paulo. Melhores poemas. São Paulo: Global, 2002.

LOPES. Denílson. A delicadeza: estética, experiência e paisagens. Brasília: UNB, 2007. PREVE, Ana Maria; GUIMARÃES, Leandro; BARCELOS, Valdo; LOCATELLI, Julia (Orgs.). Ecologias inventivas: conversas sobre educação. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2012.

PREVE, Ana Maria. Onde sonham as formigas verdes: sonho, silêncio, vazio. In: GUIMARÃES, Leandro; KRELLING, Aline; BARCELOS, Valdo (Orgs.). Tecendo educação ambiental na arena cultural. Petrópolis: DP&Alli, 2010.

REIGOTA, Marcos; PRADO, Bárbara Heliodora Soares do (Orgs.). Educação ambiental: utopia e práxis. São Paulo: Cortez, 2008.

ZANCO, Janice. Dona Generosa e as crianças disparam... outros modos de ver a Lagoa do Peri. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.

Referências

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