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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA GIOVANA BLEYER FERREIRA DOS SANTOS

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Academic year: 2019

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA

GIOVANA BLEYER FERREIRA DOS SANTOS

JOSÉ PAULO PAES TRADUTOR DE PAUL ÉLUARD

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GIOVANA BLEYER FERREIRA DOS SANTOS

JOSÉ PAULO PAES TRADUTOR DE PAUL ÉLUARD

Dissertação de mestrado apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Literatura pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília

Orientador:

Prof˚. Dr. Álvaro Silveira Faleiros

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA

LINHA DE PESQUISA: RECEPÇÃO E PRÁTICAS DE LEITURA

Dissertação de Mestrado:

JOSÉ PAULO PAES TRADUTOR DE PAUL ÉLUARD

Autora: Giovana Bleyer Ferreira dos Santos

Orientador: Prof˚. Dr. Álvaro Silveira Faleiros

Banca Examinadora:

Prof.ª Dr.ª Germana Henriques P. De Sousa - Membro (Instituto de Letras/UNB)

Prof.ª Dr.ª Válmi Hatje-Faggion - Membro (Instituto de Letras/UNB)

Prof° Dr°João Vianney Cavalcanti Nuto - Suplente (Instituto de Letras/UNB)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela luz e proteção sempre.

Aos meus pais, por me apoiarem em mais esta busca.

À minha irmã Nicali Bleyer, meu porto seguro, minha referência.

Ao Prof° Dr.° Álvaro Silveira Faleiros, pela orientação incondicional e pelo incentivo. Ao professor Christian Nicolas René Gouraud, por me ajudar com a leitura dos poemas em francês.

Às funcionárias do Departamento de Teorias Literárias e Literaturas, Dora Duarte e Jaqueline da Silva Barros, pela cordialidade com que sempre me trataram e por toda ajuda com os procedimentos acadêmicos.

Às professoras Germana Henriques P. de Souza e Válmi Hatje- Faggion e ao professor João Vianney Cavalcanti Nuto, que aceitaram participar da minha banca de Mestrado. À profª Elísia Paixão de Campos pela leitura atenta deste trabalho.

Ao amigo Thiago Campos de Souza, razão que impulsionou essa jornada acadêmica. À amiga Marina Emos Ferreira, pelo companheirismo, pelas discussões literárias e por estar sempre por perto.

À amiga Valéria Costa e ao amigo Leonardo Guilherme, que me acolheram como um membro da família no período em que residi em Brasília.

À amiga Potira Hermuche e ao amigo Daniel dos Santos Machado, pelas atitudes que viabilizaram minha permanência em Brasília.

Às amigas Adriana Luiza de Oliveira e Silvya Laforga pela presença constante em minha vida.

À minha prima Ângela Bathke Humeres por toda compreensão, pelo carinho e pelo apoio ilimitado no desenvolvimento deste trabalho.

Às amigas Karina Salomão Costa e Lídia Freitas e ao amigo Marco Túlio de Urzêda Freitas, pelos ensinamentos de língua inglesa que muito contribuíram para a conclusão desta etapa de minha vida acadêmica.

À amiga Juliana Rodrigues, pelos momentos de estudo madrugadas afora e por partilhar comigo este sonho que hoje se torna realidade.

À amiga Meirilayne Ribeiro pelo suporte indispensável no decorrer deste trabalho, pelos momentos de confraternização e pelo carinho.

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Ao amigo Daniel Santejani, que mesmo em meio a tantos compromissos se lembrou de comprar meu livro em sua viagem.

Ao amigo Rodrigo Silva e a amiga Suzana Badan, pelas palavras de força nas horas difíceis.

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RESUMO

O presente trabalho analisa a tradução de alguns poemas surrealistas do poeta francês Paul Éluard. A pesquisa foi baseada na antologia Poemas (1988), selecionada e traduzida por José Paulo Paes. O objetivo desta análise é verificar se ter um profissional com conhecimentos teóricos e um projeto de tradução bem definido contribui para que os níveis de “fidelidade” pertinentes na tradução de poesia (destacados por Mário Laranjeira, 1993) sejam mantidos. A partir das análises foi possível constatar que a intermediação cultural realizada por Paes é capaz de oferecer aos leitores do texto de chegada uma interação com um texto poético que opera de forma homóloga ao texto de partida. Desta maneira, as características marcantes da poética eluardiana deslocam-se para outro tempo-espaço com uma carga semelhante de especificidades.

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ABSTRACT

The present assignment brings an analysis regarding the translation of some surrealist poems of the French poet Paul Éluard. The research was based on the anthology Poems (1988), selected and translated by José Paulo Paes. The objective of this analysis is to verify whether a professional with some theoretical knowledge and a clear-cut project of translation is more likely to keep the level of faithfulness requested by the translation of poetry (pointed out by Mário Laranjeira, 1993). From the analysis it was possible to notice that the cultural intermediation accomplished by Paes is capable to offer to readers of the first-version text a similar interaction with the poetic text that operates homologously with the second-version one. In this way, the most important characteristics of the Eluardiana poetry dislocate toward another time-space with a similar amount of specificities that characterizes it.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO... 10

1.TRADUÇÃO, DIALOGISMO E INTERTEXTUALIDADE... 12

1.1 Estudos da Tradução: uma visão dialógica do texto... 13

1.1.2 O processo tradutório... 15

1.1.3 A especificidade poética... 18

1.2 José Paulo Paes, tradutor... 23

1.2.1 José Paulo Paes tradutor de Paul Éluard... 31

2. A POÉTICA SURREALISTA DE ÉLUARD... 34

2.1 Breve percurso biográfico... 34

2.2 Do Dadaísmo ao Surrealismo... 39

2.2.1 A imagem surrealista... 44

2.3 O surrealismo na poética de Éluard... 45

3. ANÁLISES... 49

3.1 A igualdade dos sexos (L’égalité des sexes)... 49

3.2 A namorada (L’amoureuse)...... 59

3.3 Seus olhos sempre puros (Tes yeux toujours purs)... 67

3.4 Teu olhar faz a volta do meu coração (La courbe de tes yeux fait le tour de mon coeur)... 77

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS... 86

5- ANEXOS... 5.1 Noites partilhadas (Nuits Partagées)... 89 90 5.2 Nusch (Nusch)... 91

5.3 Dito da força do amor (Dit de la force de l’amour) ... 92

5.4 A fênix (L’phénix)... 93

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INTRODUÇÃO

O Movimento Surrealista surgiu oficialmente em 1924 com a publicação do Manifeste escrito por André Breton e visava entrar em contato com “às profundezas da mente onde estranhas forças se albergavam” (BRETON, 2001, p.40). Seu objetivo era exprimir verbalmente ou por escrito o funcionamento do pensamento, de maneira que fluísse algo além da mera realidade. Nesse contexto, entraram em jogo a prática do automatismo psíquico fortemente praticado por poetas como André Breton e Phillipe Soupault e a escrita baseada em sonhos desenvolvida a partir das descobertas de Freud sobre o inconsciente. Através destes dois elementos, o automatismo psíquico e o sonho, deveriam surgir imagens que representassem uma “criação pura do espírito”, para utilizarmos uma expressão de Pierre Reverdy.

Entretanto, não foi apenas através do automatismo psíquico e do sonho que os poetas renovaram as maneiras de ver e de sentir. O poeta Paul Éluard pode ser considerado como um exemplo. Em sua poesia, é possível notarmos que a experiência de vida é utilizada como material poético e que, mesmo partindo de seu universo particular, o poeta explora características mais amplas, de modo que a poesia de Éluard é capaz de “retratar com precisão, para quem sabe ler, a vida do poeta ao mesmo tempo que a vida de seu século” (JEAN, 1968, p.9). Também é possível observarmos um padrão em sua poética. Ela traz, por exemplo, “os olhos”, como uma forma de representar o próprio caráter visual da poesia e, como afirma Paes, “a presença da mulher e da experiência amorosa como centro magnético para o qual se orienta o impulso lírico” (In: Éluard, 1988, p. 10).

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Em nossa análise, que se desenvolve a partir da tradução de quatro poemas surrealistas de Paul Éluard, tomamos a leitura da imagem como princípio para a construção da significância, por sabermos que esta, segundo Gerard Dessons (1991), é o componente essencial da linguagem poética. Também procuramos compreender dois aspectos do processo tradutório realizado por Paes. O primeiro, se o tradutor consegue situar o leitor no contexto histórico-cultural de Éluard, transpondo, para os textos de chegada, as imagens e impressões que caracterizam a poética surrealista eluardiana. O segundo, se a visão dialética que Paes possui dos poemas permitiu que fossem trabalhados os vários níveis de fidelidade da tradução de poesia mencionados por Mário Laranjeira (1993).

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1. TRADUÇÃO, DIALOGISMO E INTERTEXTUALIDADE

No percurso de análise da tradução dos poemas surrealistas de Paul Éluard, buscamos compreender o processo tradutório a partir de uma reflexão feita por Antoine Berman (1995), que engloba a posição tradutória, o horizonte do tradutor e as passagens significantes que comportam aszonas problemáticas e as zonas miraculosas.

Para isso, a metodologia do trabalho foi desenvolvida a partir de um duplo critério, o ético e o estético, nos quais Berman acredita que devam se fundamentar todas as avaliações de tradução, complementados pelos critérios utilizados por Laranjeira (1993)no que tange à tradução de poesia, pela relação dialógica presente em Mikhail Bakhtin (1981), bem como pelas considerações tecidas por Susan Bassnett (2003) no que diz respeito ao papel que a cultura exerce na tradução literária.

Assim, podemos dizer que a análise que propomos é regida por quatro grandes princípios. O primeiro determina que “a poeticidade de uma tradução reside num verdadeiro trabalho textual que o tradutor realiza, em correspondência, mais ou menos estreita com a textualidade do original” (BERMAN, 1995, p.92)1. Isso porque, “a eticidade

e a poeticidade garantem, em primeiro lugar que há, de uma maneira ou de outra, correspondência entre o original e a sua língua”2. O segundo, que “a fidelidade em

tradução poética é a resultante de um trabalho operado nos níveis semântico, lingüístico-estrutural e retórico-formal, integrados todos no nível semiótico-textual onde se dá a significância” (LARANJEIRA, 1993, p.125). O terceiro princípio estabelece que “para se observar o fenômeno da linguagem, é preciso situar os sujeitos – emissor e receptor do som – bem como o próprio som, no meio social” (BAKHTIN, 1981, p.33), ou seja, é preciso situar o autor e o tradutor dentro de seus meios histórico-culturais. E o quarto, que é o tradutor quem assegura a sobrevivência de uma obra no tempo e no espaço porque ele é um

1 “La poeticité d‟une traduction reside en ce que le traducter a réalisé un veritable travail textuel, en correspondance plus ou moins étroit avec la textualité de l‟original” (BERMAN, 1995, p. 92).

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artista criativo e é através de sua mediação intercultural que os leitores da cultura de chegada têm acesso ao texto de partida (BASNETT, 2003, p.7).

1.1 Estudos da Tradução: uma visão dialógica do texto

Segundo Susan Bassnett (2003), ao longo dos anos oitenta os estudos da tradução obtiveram um significativo crescimento, sobretudo na literatura comparada. Tendo sido a tradução considerada uma atividade marginal no passado, as pesquisas de hoje revelam que os profissionais envolvidos nesse processo a têm não apenas como uma transferência de textos de uma língua para outra. Hoje, a tradução é corretamente vista como um processo de negociação entre textos e entre culturas, e a tradução literária como um texto que faz parte do sistema literário. Dessa forma, cresceram não apenas os interesses de acadêmicos em pesquisá-la, mas de refletir sobre o seu processo.

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“para o ato de intimação (a transformação dessa escritura)”.

Partilhando de semelhante opinião, Leila Perrone-Moisés (2006, p.94) escreve que:

A literatura nasce da literatura; cada obra nova é uma continuação, por consentimento ou contestação, das obras anteriores, dos gêneros e temas já existentes. Escrever é, pois, dialogarcom a literatura anterior e com a contemporânea.

Assim, podemos perceber que traduzir um texto é muito mais do que transferir o “sentido” contido em um conjunto de signos lingüísticos para outro. A tradução, como nos mostra Bassnett, vai além, pois ela envolve também um vasto conjunto de “critérios extralingüísticos”, (BASSNETT, 2003, p.33) que pode ser entendido, em Bakhtin, como a relação dialógica onde a leitura que o sujeito faz de um texto está diretamente ligada às suas experiências interpessoais e o seu posicionamento na história.

Para compreendermos esta leitura feita pelo sujeito, nos fundamentamos no conceito de Bakhtin sobre a principal atividade da existência humana: a construção de um self. Através deste self, o ser se relaciona com os outros de forma não passiva e carimba o local e o tempo de sua existência. Esse selfnão tem significado “em si mesmo”, porquanto, “sem o ambiente para envolver e testar sua capacidade de responder, não teria existência viva” (CLARK et HOLQUIST, 2004, p. 90-92).

Transportando esse conceito para a teoria da tradução podemos aferir que essa relação self/outro é a responsável não apenas pela especificidade de uma criação, mas também pelas mudanças que esta sofre na medida em que se move através do tempo-espaço.

Isso porque, como nos diz Bakhtin (1981):

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já que cada locutor tem um “horizonte social”. Há sempre um interlocutor, ao menos potencial (p.14-16).

Dessa maneira, se considerarmos que, embora o “texto” não seja um organismo vivo, ele é respondente, pois está inserido dentro de um contexto específico, e é capaz de dialogar com ele. Poderemos compreender, então, que ao transpor um texto para uma outra língua-cultura algumas mudanças ocorrerão. Essas mudanças se darão dialogicamente através das escolhas do tradutor, que está imerso em seu tempo-espaço específico e o texto de partida, que também possui sua própria carga de especificidades, de forma que o texto de chegada poderá comportar elementos que caracterizem tanto o universo do autor-criador quanto o universo do tradutor.

Assim, é necessário que, ao analisarmos uma tradução, tenhamos em mente que “cada pessoa tem que lidar não apenas com a intenção de outra pessoa, mas com a resistente outridade da situação toda em que ambas se encontram” (CLARK et HOLQUIST, 2004, p.241), ou seja, é preciso considerar o posicionamento do autor e do tradutor na história, a cultura na qual ambos se inserem, bem como suas experiências pessoais.

Para compreendermos melhor como a forma, o significado, a interação entre os sujeitos, o meio social e a estrutura da enunciação influenciam no processo tradutório, recorremos às reflexões propostas por Antoine Berman e por Mário Laranjeira acerca deste processo.

1.1.2 O processo tradutório

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sendo algo puramente pessoal, já que “o tradutor é efetivamente marcado por todo um discurso histórico, social, literário e ideológico sobre a tradução (e a escrita literária)”. Dessa maneira, podemos dizer que a posição tradutória é o compromisso entre a maneira com que o tradutor percebe o texto enquanto sujeito, ligada às normas do discurso sobre tradução (p. 73-74).

Berman coloca ainda que é através da elaboração de uma posição tradutória que a subjetividade do tradutor se constitui e, embora não seja fácil formular esta posição tradutória, ela pode ser reconstituída a partir das próprias traduções e das diversas enunciações que o tradutor faz sobre as suas traduções.

Assim, para que seja possível compreendermos a posição tradutória, devemos, antes de tudo, analisar a tradução não com o intuito de encontrar “faltas graves”, mas de compreender as razões que ocasionaram determinadas mudanças no texto de chegada. A busca pelas razões que levaram às faltas pode ser feita através da identificação dos traços fundamentais da obra. Ou seja, o crítico que pretende analisar a obra traduzida deve buscar identificar, assim como o tradutor o fez, as passagens significantes do texto, que comportam as zonas problemáticas e as zonas miraculosas, pois são elas que garantem a riqueza e a graça do texto traduzido, bem como é a partir delas que encontramos a defectividade.

Para identificarmos estas zonas problemáticas e as zonas miraculosas, Berman (1995) coloca que o tradutor deve, no primeiro momento, concentrar-se no texto traduzido de forma a suspender todo julgamento precipitado, e se engajar em um longo e paciente trabalho de leitura e de releitura da tradução ou das traduções, deixando inteiramente de lado o original. Ele menciona ainda que, embora a primeira leitura comporte a inevitável marca de um texto estrangeiro escrito em outra língua, a partir da segunda leitura, o texto já é visto como uma tradução. Essa nova visão permite pressentir se o texto traduzido tem as exigências de base de um verdadeiro texto, tais como: a sistematicidade, a correlatividade e a ordenação de todos os seus constituintes. Ou seja, através desta segunda leitura, já podemos identificar as zonas textuaisproblemáticas e as zonas miraculosas.

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houve uma interferência no processo tradutório (idem, p.66). Em contrapartida, nas zonas miraculosas, podemos deparar com a presença de passagens “visivelmente acabadas” e com uma escrita de tradução que nenhum escritor da língua para a qual se está traduzindo seria capaz de produzir. Uma escrita estrangeira harmoniosamente passada para a língua de chegada sem atrito algum (ibidem, p.66).

Já em um segundo momento, Berman (1995) remete ao texto original. Para ele, com essa leitura, aquele que analisa deve ater-se “ao tipo de forma frasal, ao tipo significante de encadeamentos proposicionais, aos tipos de emprego do adjetivo, do advérbio, dos tempos verbais, das preposições, etc”. Isto porque é através do recorte desses pontos que encontramos as passagens significantes que deverão aparecer, na medida do possível, no texto traduzido (idem, p.70). Dizemos na medida do possível porque, como veremos mais detalhadamente no próximo item, a tradução de poesia é um tipo especial de tradução e, nesse caso, ao se analisar as passagens significantes, devemos considerar as especificidades desse gênero textual.

Essa leitura permite ainda que se conheça o projeto do tradutor e, consequentemente, o horizonte do tradutor, de modo que seja compreendido que...

...a tradução não é mais que a realização do projeto: vai onde leva o projeto e apenas onde ele leva. Ela nos diz a verdade do projeto, que nos revela como foi realizado (e não, finalmente, se foi realizado) e quais foram as consequências do projeto para o produto original (BERMAN, 1995, p.76)3.

Esse projeto é desenvolvido a partir de um horizonte tradutório que, segundo Berman, é “o conjunto de parâmetros lingüísticos, literários, culturais e históricos que determinam o sentir, o agir e o pensar de um tradutor” 4 (idem, p.79).

3“(...) la traduction n‟est jamais que la réalization du projet: elle va òu la méne le projet, et jusq‟òu la mène le projet. Elle ne nous dit la vérité du projet, qu‟en nous révélant comment il a été réalisé ( et non, finalement, s‟il a été réalisé) et quelles ont été les conséquences du projet par rapport à original. ” (BERMAN, 1995, p.76).

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Em nosso trabalho, procuramos compreender o projeto de Paes e seu horizonte tradutório situando a discussão sobre a tradução literária no Brasil no período em que ele traduzia, e através das considerações feitas por Mário Laranjeira acerca da tradução de poesia.

1.1.3 A especificidade da poesia

Laranjeira (1993) inicia seu estudo remetendo-nos a duas questões consideradas de fundamental importância para o campo da tradução: “Seria a poesia, por natureza, intraduzível? Caso seja a sua tradução possível, pode ela gerar na língua-cultura de chegada um texto tão válido quanto o original?” (p.11).

Para nos responder à primeira questão, Laranjeira utiliza as reflexões propostas por aquele que, nas palavras do autor, talvez tenha sido quem mais contribuiu para a compreensão e a análise do texto poético neste século, Roman Jakobson. Em Aspectos lingüísticos da tradução (1969), Jakobson, ao discorrer sobre a intraduzibilidade da poesia, produz uma frase que, segundo Laranjeira, é “frequentemente citada pelos partidários da intraduzibilidade do poema, que se baseiam na oposição forma/conteúdo” (1993, p.27):

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para outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura (JAKOBSON, 1969, p.72).

Entretanto, o que Laranjeira indica é que esses partidários da intraduzibilidade poética apoiam-se de forma errônea na teoria de Jakobson, pois, ao limitarem-se apenas à frase “a poesia é, por definição, intraduzível”, não mencionam que o próprio Jakobson praticou a transposição interlingual de poemas e chamou de “traduzir” a operação que praticou. Ou seja, Jakobson não questiona a traduzibilidade da poesia e sim a tem como uma tradução sui generis que, por comportar certa carga de especificidades, pode merecer a denominação específica de transposição criativa (LARANJEIRA, 1993, p.27-28). E é justamente a partir desse princípio de transposição criativa que Laranjeira tece as bases para responder à segunda questão sobre a validade do texto traduzido.

Laranjeira (1993) mostra que, em uma operação de tradução poética, é necessário termos uma visão dialética do texto. Essa visão permite que o sujeito trabalhe na cadeia dos significantes, geradora de sentido do texto, para que o texto de chegada contenha a significância do texto de partida (p.29). Dentro desse processo, o autor destaca alguns pontos que permitem identificar o texto como tendo um maior ou um menor grau de traduzibilidade: os fatores sócio-culturais, os fatores linguístico-estruturais e os fatores textuais.

Os fatores sócio-culturais influenciam a tradução no que diz respeito à distância que separa duas línguas-cultura. Quanto maior for esta distância, menores serão os pontos comuns que o tradutor encontrará para apoiar-se.

Os fatores linguístico-estruturais estão ligados principalmente ao lexical, ao sintático, e à sonoridade. Eles são significativos para a tradução, pois sua organização determina implicações fundamentais no modo de significação e na própria produção de sentido. Ou seja, a estruturação sintática do poema é uma das passagens significantes que deve ser considerada no trabalho tradutório.

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que constituem a significância do texto e, através da “dinâmica das relaçõessignificantes” (idem, p.81), procurar, no texto de chegada, reestruturar a significância do texto de partida.

O autor utiliza-se ainda de considerações tecidas por Roland Barthes sobre o texto ser constituído de “um espaço de dimensões múltiplas (...) formado por um tecido de citações saídas de diferentes focos de cultura” (apud, LARANJEIRA,1993, p.35), para assegurar o espaço do tradutor e seu estatuto de recriador. Para ele, o processo tradutório deve ser entendido na concepção de Guilherme de Almeida, que vê a tradução de poesia como uma recriação, onde a busca pelo sentir, pelo pensar e pelo dizer semelhantes ao autor gera um texto autônomo na língua-cultura de chegada, que, segundo Laranjeira (1993, p.38), “passa a valer e a viver por si mesmo na relação que gera com seu leitor”.

Assim, se considerarmos que, segundo Laranjeira, a poesia é essencialmente aberta a uma infinitude de leituras e aceitarmos a tradução como a escrita de uma dessas leituras, “colocamos a tradução poética como possível e capaz de produzir um poema tão perfeito ou tão perfectível, tão perene ou tão perecível quanto qualquer outro poema” (idem, p.42).

Entretanto, para que isso aconteça, Laranjeira (1993) destaca três tipos de descodificação que devem ser feitas pelo tradutor de poesia em seu caminho de recriação do poema na língua-cultura de chegada: a descodificação sintática, a descodificação semântica e a descodificação sonora e prosódica. Através desses três níveis, salienta o autor, o tradutor se inteira do fazer poético enquanto criação de um objeto textual específico apreendendo a individualidade que fará do texto de chegada uma tradução daquele poema específico e não de outro.

Contudo, sabendo das dificuldades de se manter a semelhança em todos esses níveis, Laranjeira estabelece critérios que podem orientar tanto o tradutor em seu trabalho tradutório, quanto o crítico que busca compreender o trabalho que o tradutor realizou.

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função predominante seja a função poética, ela não se isola totalmente das outras funções, de forma que:

não se pode tratar da não-referencialidade do texto poético, ou de sua auto-referencialidade, sem partir da função referencial; do signo motivado em poesia sem a noção linguística de arbitrariedade do signo; de leitura tabular ou bidimensional do poema sem partir do conceito de linearidade do significante linguístico; de trabalho no significante sem perceber a indissolúvel relação linguística deste com o significado. (idem, p.77-78)

Em outras palavras, Laranjeira (1993) diz que, embora a primeira leitura que realizemos do texto seja uma leitura linguística, apenas esta leitura é incapaz de compreender toda a especificidade que está presente no texto poético, pois a significação do texto poético ultrapassa os conceitos linguísticos de signo e de estrutura, sendo necessário realizar uma análise em nível semiótico. Desta maneira, “a fidelidade em tradução poética será a resultante de um trabalho operado nos níveis semântico, linguístico-estrutural e retórico formal, integrados todos no nível semiótico textual onde se dá a significância” (p.125).

O autor comenta ainda que, embora a fidelidade semântica seja a primeira em que se pensa ao se realizar uma tradução, ela deve ser vista de forma diferente em se tratando de um texto como o veicular e um texto como o poético. No texto veicular, ela é fundamental, pois “tem como objetivo básico carrear uma informação”. Já nos textos poéticos em que:

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a fidelidade semântica pode ser passível de sofrer algumas infidelidades, se o objetivo do tradutor for o de manter a “relação poética entre os significantes”, pois é através dessa relação que se dá a significância do poema.

A fidelidade linguístico-estrutural é a segunda analisada por Laranjeira. Nela encontramos a organização e a relação que dão aos versos a sua forma poética, como as reiterações fonéticas ou sintáticas, as anomalias e agramaticalidades, numa interação que constitui a base em que se apóia a significância. Esse tipo de fidelidade impõe ao tradutor que “se traduza o que é marcado por marcado, o que não é marcado por não-marcado, o que é figura por figura, o que não é figura por não-figura” (ibidem, p.127). De maneira que um poema que seja marcado por paralelismos, repetições, elipses, etc., tenha essas mesmas marcas no texto de chegada.

A última fidelidade que deve ser trabalhada para que se obtenha a semelhança entre o texto de partida e o texto de chegada no nível semiótico textual é a fidelidade retórico-formal. Aqui, entra a questão mencionada por Laranjeira (1993) como visilegibilidade, presente na pré-leitura que fazemos de um texto, e que nos permite concluir que estamos diante de um poema e não de um texto jornalístico, por exemplo. Dessa maneira, ao trabalhar a fidelidade retórico-formal, o tradutor deve recuperar as marcas que inserem a poesia numa cultura tradicional e lhe impõem padrões fixos como o metro, a rima e o ritmo, pois essas marcas são constitutivas da manifestação textual da significância.

Para concluirmos nossa exposição acerca das considerações feitas por Mário Laranjeira sobre a tradução de poesia e a fidelidade em tradução poética que, como vimos, é dinâmica, gostaríamos de esclarecer que, embora o tradutor seja um leitor atento às agramaticalidades e às outras marcas que caracterizam o texto poético, gerando sua passagem do nível mimético ao nível semiótico, “não se pode exigir do tradutor que mantenha absolutamente tudo aquilo que uma análise linguística do original revela como pertinente à poeticidade do texto”. Nesse caso, caberá ao tradutor recorrer à sua inventividade para recuperar e compensar possíveis perdas de trajeto nos níveis mencionados acima.

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verso”, (apud, LARANJEIRA, 1993, p.37), caso de que se ocupa este trabalho, pois José Paulo Paes foi, além de tradutor, poeta.

1.2 José Paulo Paes, tradutor

José Paulo Paes foi poeta, ensaísta e um profissional que se preocupou em refletir sobre o próprio ofício, a tradução. Tendo se iniciado neste ofício pela necessidade econômica, Paes passou a praticá-lo por gosto e vocação por cerca de quarenta anos, de 1961 até 1998, ano de sua morte. No período, traduziu livros de prosa e poesia de diferentes línguas como francês, espanhol, inglês e até mesmo grego moderno. A tradução para ele era como uma “via segunda” de criação e ele a levava a par de sua atividade de poeta e de ensaísta.

Ele declara que a maior parte de seu aprendizado foi feita de forma autodidática. Ele estudava os idiomas usando dicionários e gramáticas, não com vista a falá-los, mas com o objetivo de poder ler os seus textos escritos. No início de seu trabalho como tradutor, Paes disse que lhe faltava uma base linguística mais sólida e que ignorava os macetes mais comuns da técnica tradutória, os quais teve que aprender “aos trancos e barrancos” (PAES, 1990, p.5-6), errando e corrigindo os erros à medida que a experiência o ensinava a detectá-los. Como auxílio ao seu aprendizado, Paes, em uma de suas primeiras traduções, chegou a confrontar seu texto com outras duas traduções de boa qualidade. Essa experiência que, segundo Paes, deve ser utilizada visando chegar a soluções próprias para os problemas encontrados, não apenas o introduziu na intimidade da oficina tradutória como lhe ensinou os seus principais procedimentos.

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do perfil de José Paulo Paes como tradutor e por demonstrar que ele refletiu sobre as discussões teóricas sobre a tradução.

Em Atradução literária no Brasil, originalmente publicado em um número especial do “Folhetim”, da Folha de São Paulo em 1983, deparamos com “alguns dos principais cultores da arte de traduzir no quadro geral de nossas atividades literárias” (PAES, 1990, p.10) e com um panorama da atividade tradutora exercida como profissão a partir dos anos 30. Nesse artigo, Paes (1990) destaca as iniciativas editoriais mais importantes que contribuíram para o crescimento quantitativo e qualitativo do público ledor. Entre elas merece destaque a atitude de Monteiro Lobato, que imprimiu por conta própria os seus Urupês e encaminhou alguns exemplares a armarinhos, farmácias, etc. driblando assim a carência de livrarias da época. O êxito que obteve estimulou-o de tal forma que, em 1919, surgiu a Editora Monteiro Lobato, que operou até 1924, quando, por ocasião de uma crise provocada pela insurreição militar, foi à falência e teve seu acervo editorial repassado para uma nova firma, a Editora Nacional. Lobato continuou trabalhando na área e dedicou-se exaustivamente à tradução, chegando a traduzir, segundo Paes (1990), cerca de vinte páginas por dia, de autores como Jack London e Saint-Exupéry.

Outro escritor que muito contribuiu para a tradução no Brasil foi Érico Veríssimo. Ao traduzir o livro Contraponto, de Huxley, e convencer a Editora Globo a publicá-lo, o escritor abriu espaço para a tradução de outros romances modernos considerados “de elite” e acabou tornando-se conselheiro editorial da Globo. Com esse posto, Veríssimo ficou encarregado não apenas de organizar programas editorias e de escolher obras a serem traduzidas, mas também de descobrir tradutores e fiscalizar as traduções que eram feitas. Sob a orientação de Veríssimo, Paes (1990) destaca o surgimento da coleção Nobel que ele classifica como sendo “a melhor série de ficção estrangeira até hoje editada no Brasil” (p.27) da qual fazem parte traduções como A Montanha Mágica, de Thomas Mann, traduzido pelo próprio Érico Veríssimo, e Orlando, de Virgínia Woolf, traduzido por Cecília Meireles. A Editora Globo lançaria ainda uma versão integral de A comédia da vida humana, de Balzac, que foi organizada, dirigida e supervisionada por Paulo Rónai5, e

5Paulo Rónai é considerado por Paes (1990) “o grande especialista na arte e na ciência da tradução”. Ele

escreveu manuais valiosos como A tradução vivida e Escolas de tradutores. E “versões de autores húngaros

como Molnar e Madách, além de Mar de histórias, uma vasta antologia do conto mundial que ele levou anos

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Em busca do tempo perdido, de Proust, que foi traduzida por escritores como Manuel Bandeira, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade e Lúcia Miguel - Pereira.

Nas décadas de 1940 e 1950, Paes (1990) menciona que houve não apenas um grande aumento no volume de traduções, como uma maior “receptividade psicológica para os livros brasileiros”, o que contribuiu para a consolidação da indústria editorial. Assim, editoras como a Globo, a José Olímpio, a Civilização Brasileira, a Martins passaram a se dedicar igualmente “à publicação de traduções tanto na área da literatura contemporânea quanto na de autores clássicos” (p.29), o que favoreceu a criação de um mercado de trabalho, ainda que precário, aos tradutores literários.

Para finalizar seu artigo, Paes (1990) menciona mais duas iniciativas. Ele dá um destaque à atividade desenvolvida na área de tradução poética pelos “fundadores da poesia concreta - Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, e José Lino Grunewald, - tanto por suas formulações acerca da teoria da tradução poética quanto pelo seu trabalho de recriação de textos da mais alta complexidade formal” (p.30), pois eles verteram para o português escritores como Stéphanne Mallarmé, James Joyce e Ezra Pound. Esta iniciativa teve um efeito estimulante e incitou outros poetas a se dedicarem às versões poéticas e a refletirem sobre a tradução que desenvolviam (o próprio Paes pode ser um exemplo desta iniciativa, visto que, além de tradutor, passou a escrever sobre o “ofício da tradução”). E, em seguida, ele enfatiza o surgimento de cursos universitários destinados à Tradução, que refletiram a importância desta atividade entre nós e têm servido para demonstrar a importância de se recorrer a profissionais competentes e lhes oferecer melhores condições de trabalho. Fato que já tem sido adotado por alguns editores segundo Paes (1990).

Antes de examinarmos o segundo artigo de Paes, Sobre a tradução de poesia, e com o intuito de conhecermos um pouco mais sobre seu horizonte tradutório, passemos ao artigo de Faleiros, onde o autor faz uma síntese sobre a discussão acerca da teoria da tradução.

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co-autor dos poemas que traduz” (p.55). Segundo Faleiros, esta prática foi muito discutida por críticos como Jorge Wanderley, Nelson Ascher, Ana Cristina César e Andréia Guerini. Wanderley, que foi o autor do primeiro trabalho universitário a esboçar uma história da tradução poética no Brasil, diz que a visão dos irmãos Campos contamina os textos que eles traduzem, pois não observam os excessos do princípio “make it new” de Ezra Pound, de quem são discípulos. Entretanto, reconhece que “a prática tradutora dos irmãos Campos parece às vezes menos radical que os seus discursos e mesmo mais conservadora que a dos seus antecessores modernistas” e acrescenta ainda que “os irmãos Campos estão mais próximos dos formalistas da sua geração do que parece à primeira vista” (apud, FALEIROS, 2006, p.57-58). Esta opinião é compartilhada por Andréia Guerini que, em seu artigo sobre a tradução do poema O infinito de Leopardi, feito por Haroldo de Campos, assinala que em Campos há um equilíbrio entre a forma e o conteúdo.

Faleiros (2006) também apresenta uma síntese sobre a crítica realizada por Nelson Ascher às traduções de John Donne, publicadas por Paulo Vizioli, comparando-as àquelas de Augusto de Campos. Nessa crítica, Ascher elogia Vizioli por sua tradução demonstrar erudição, servir de boa base para o estudo e a apreciação correta do autor do texto fonte e por apresentar uma função “didática e informativa”. Entretanto, ele também elogia à de Augusto de Campos, dizendo que a sua tradução é um trabalho magistral de poeta e “uma obra criativa” (idem, p.57). Neste ponto, deparamos com uma necessidade que, segundo Faleiros, caberá à geração seguinte, que é a de “refletir sobre as relações entre texto-fonte e o texto-alvo” (ibidem, p.58-59) como veremos abaixo.

A partir dos anos 1980, e sobretudo a partir dos anos 1990, surge um conjunto de trabalhos que anuncia um novo momento da história dos estudos da tradução literária no Brasil. Trata-se “das abordagens textuais” que põem em jogo o princípio “da recriação” de Paulo Vizioli, a perspectiva “pragmática” de Walter Costa, o conceito “de correspondência” de Paulo Henriques Britto e a noção “de significância” de Mário Laranjeira (FALEIROS, 2006, p.59).

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“espaço”, ainda que ele fique com um elemento “estrangeiro” em sua constituição. No nível da logopéia, tido pelo autor como o mais importante, deverá ser mantido o “tom” do texto original. O ponto alto da reflexão de Vizioli, entretanto, reside no fato dele salientar em seu o trabalho, o tradutor deverá procurar dar um sentido global ao texto ao mesmo tempo em que deve transpor para a tradução as características que marcam o texto original, como características sonoras.

Já em relação à perspectiva “pragmática” de Costa, Faleiros (2006) dá destaque ao reconhecimento da tradução como texto. Essa avaliação é feita por meio de um conjunto de critérios objetivos, em que se verifica, por exemplo, elementos léxico-gramaticais bem como suas omissões que produzem a significação do texto.

Sobre Brito, Faleiros (2006) menciona sua divisão em “níveis de correspondência”. Ele estabelece, por exemplo, que a tradução de um poema pentâmetro iâmbico inglês teria correspondência, em português, com um decassílabo. O autor vai criando níveis de correspondências como a silábica-acentual, a de aliterações, até chegar à correspondência lexical. Através desta abordagem, Brito espera que sejam visíveis na tradução os elementos que representam uma maior regularidade no texto original.

O último autor que abordamos aqui, dentre os mencionados por Faleiros (2006), é Laranjeira, que serviu de base não apenas para a fundamentação deste trabalho, mas para chegarmos ao ponto desejado, que é o de delinear um pouco o horizonte tradutório de José Paulo Paes. Como já discutimos anteriormente, as características que norteiam a teoria de Laranjeira (1993), na qual, entre outras coisas, o tradutor deve ter uma visão dialética do texto, pois ela permitirá que ele trabalhe na cadeia dos significantes, geradora de sentido do texto, partimos agora para o segundo artigo de Paes, Sobre a tradução de poesia, no intuito de demonstrarmos que o tradutor partilhava os mesmos princípios da teoria da abordagem textual que foi discutida pelos autores citados acima.

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conceituação feita por Ezra Pound sobre a poesia ser a forma mais condensada de linguagem.

Entretanto, o ponto alto de sua reflexão reside no reconhecimento de que embora o tradutor tenha certa liberdade na transferência textual, está sempre limitado pelos parâmetros do texto com que se avém, ainda que disponha de um espaço de manobra onde pode,

[...] criativamente desenvolver a sua busca de equivalentes ou aproximações, no poema alvo, das peculiaridades formais por assim dizer „pertinentes‟ do poema-fonte, as quais estão inextricavelmente ligadas ao código lingüístico em que foi concebido. Através desses equivalentes, o tradutor dá fé do seu compromisso para com o que, recorrendo à dicotomia saussuriana do signo, poderíamos chamar de semântica do significante e que acrescenta um sobre-sentido à semântica do significado. Ou seja: dá fé de um compromisso para com a poeticidade propriamente dita do texto de partida (Paes, 1990, p.36).

Paes salienta ainda que, dentro desse espaço, o tradutor precisará lidar com os operadores poéticos tais como o metro, a rima, a elipse e a metáfora, pois traduzir,

[...] não se trata apenas de transpor o significado conceitual de um poema-fonte, mas igualmente as perturbações da linearidade desse significado pela ação dos operadores poéticos nele presentes, sem o que se perderia aquilo que o distingue como poema, vale dizer: a própria poeticidade (idem, p.37).

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leitores da língua-alvo, efeitos semelhantes aos produzidos pelo dito poema nos leitores da língua-fonte”. Paes salienta ainda que, como os efeitos não dependem somente do significado conceitual mas também do significado formal do texto, é tarefa do tradutor tentar preservar, tanto quanto possível, as “mesmas imagens” do texto de partida, porque são elas que asseguram a especificidade dos efeitos na poesia (idem, p.61).

Após esta breve exposição do posicionamento de Paes (1990) sobre a tradução de poesia, é possível notar que em muitos aspectos sua teoria se aproxima das abordagens textuais expostas anteriormente. Vemos que, embora não seja estabelecida uma nomenclatura ele destaca características que devem ser mantidas na tradução do poema as quais se assemelham aos níveis de fidelidade destacados por Laranjeira (1993) e às correspondências de Brito. Ele reconhece o tradutor como um “artista criativo”, que tem certa liberdade para trabalhar o texto traduzido, na tentativa de buscar equivalentes para os “operadores poéticos” que caracterizam o texto original. E reconhece também a necessidade de se manter a relação entre o significante e o significado.

Com essas reflexões feitas pelo próprio tradutor da antologia de onde foram retirados os poemas analisados, vemos que o projeto apresentado por ele no prefácio de Poemas (1988) traz elementos que reforçam seu posicionamento enquanto teórico. Tais reflexões devem ser encontradas no produto de sua tradução, para que seja confirmado que ter um profissional consciente de seu trabalho pode ser um diferencial na transposição textual realizada por ele.

Como forma de exemplificar a utilização dessas reflexões propostas por José Paulo Paes, apresentamos a seguir um breve comentário sobre três antologias traduzidas por ele. Nelas, o tradutor oferece ao leitor um prefácio riquíssimo, onde dados puramente biográficos se mesclam com o percurso de amadurecimento intelectual dos poetas, permitindo assim que se tenha uma compreensão da origem do conteúdo semântico e da forma utilizada por eles.

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espécie de roteiro que explica as escolhas adotadas pelo tradutor ao realizar a antologia. Nesta primeira antologia, Moura Júnior informa que procurou abarcar, na medida do possível, as várias fases da obra poética de W. H. Auden. Para tanto, a seleção segue três critérios: engloba poemas inteiros (aqueles considerados fisicamente inviáveis em uma antologia pela sua extensão são deixados de lado) e séries de poemas, dispostos na ordem cronológica em que foram escritos; os poemas que formam uma espécie de consenso na preferência dos leitores; e aqueles pelos quais o próprio poeta na sua maturidade demonstrava preferência. (AUDEN, 1986, p.23-24).

Na segunda tradução, Poemas, de Willian Carlos Williams, encontramos uma quantidade ainda maior de dados biográficos bem como mais informações sobre o percurso de amadurecimento do poeta: os títulos das obras traduzidas são evidenciados cada vez que o tradutor comenta um determinado período de sua vida. Ou seja, aparentemente são traduzidos os poemas mais representativos que, dispostos na ordem cronológica em que foram publicados, permitem ao leitor “comprovar por si como, no correr dos anos, o autor deles foi recorrendo cada vez mais à metáfora” (WILLIAMS, 1987, p.20-21).

Diferentemente das traduções citadas acima, a tradução a seguir, Poesia Moderna da Grécia, 1986, possui um caráter mais peculiar, pois o envolvimento de Paes com a poesia grega revela um gosto que “remonta aos bancos escolares” (PAES, 1986, p.15). Dessa forma, a antologia em questão representa algo que transcende o desejo de demonstrar “aos professores e estudantes de Letras que a poesia grega moderna não desmerece da riquíssima tradição em que se insere como herdeira” (idem, p.16); ela é antes a realização de um projeto pessoal de Paes. A prova é dada pelo próprio tradutor no início do prefácio, onde admite que essa antologia é um testemunho de amor e de temeridade:

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minha intuição de poeta e aos desacertos debitados sem dúvida à insuficiência dos meus conhecimentos de neogrego, quando não às lacunas dos dicionários que me foi dado consultar (idem p.16).

Entretanto, antes de julgar essa tradução, é válido lembrar nas palavras do próprio Paes, que “a despeito de suas limitações, a presente antologia tem pelo menos o mérito de ser a primeira a tentar introduzir o leitor brasileiro na fase mais recente de uma tradição milenar” (idem, p.16). Assim, para concluir essa também breve exposição sobre a Poesia Moderna na Grécia, gostaríamos de salientar que, embora ela não contenha uma biografia tão específica quanto a das traduções discutidas anteriormente, Paes procura oferecer aos leitores informações básicas acerca dos poetas, dos poemas e das circunstâncias histórico-literárias em que surgiram. Ele informa ainda que se esforçou para, na medida do possível, aproximar-se da métrica do original, respeitar-lhe os esquemas estróficos e rimáticos e achar aproximações para certos jogos e simetrias verbais, quando fosse o caso (idem, p.17-18).

Com esse breve comentário acerca de traduções feitas por José Paulo Paes, gostaríamos que ficasse claro para o leitor que Paes de fato é um tradutor que tem ciência da especificidade da tradução de poesia, que estava presente no cenário brasileiro quando surgiram muitas das discussões acerca das teorias da tradução e que não apenas fez uso destas descobertas em seus trabalhos tradutórios como contribuiu teoricamente para a consolidação destas novas abordagens textuais. E que, em suas traduções, deparamos não apenas com o esforço do tradutor para manter no texto de chegada tanto o significado conceitual, quanto o significado formal presentes no texto partida. Ele também oferece, a quem se aventura em suas traduções, um caminho para direcionar a leitura e compreender o trabalho desenvolvido, ou seja, o seu projeto de tradução, como veremos a seguir.

1.2.1 José Paulo Paes tradutor de Paul Éluard

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brasileiro, em tradução, uma amostragem tanto quanto possível representativa da produção poética de Paul Éluard” (PAES, In: ÉLUARD, 1988, p.5) e dispõe os poemas6 em sequência cronológica, oferecendo uma visão sumária da trajetória de Éluard aos leitores. Ele menciona três condições que limitaram sua escolha: a abundância de material e a escassez de espaço; o inevitável viés do gosto pessoal do tradutor que, segundo ele, torna discutível, em princípio, qualquer tradução; e o fato de algumas das obras de Éluard, como Poésie et vérité (1943), terem ficado de fora da amostragem por questão de exclusividade de direitos autorais. Entretanto, é válido ressaltar que, embora Paes tenha confiado “tão só no seu julgamento” para fazer a seleção, a posteriori, ele comprova que grande parte dos textos traduzidos aparece em duas seleções feitas pelo próprio Éluard, Choix de poèmes, 1941, e Poèmes pour tous, 1952.

Ele também informa algo sobre o trabalho realizado na cadeia dos significantes, no qual usou o mesmo critério que o vinha guiando em suas versões de poesia, “qual seja o de respeitar, o quanto me permitam engenho e arte, tanto o significado conceitual como as peculiaridades formais mais relevantes dos poemas” (idem, p.6). E ressalta que, no caso de Éluard, esforçou-se por manter algo da musicalidade, da transparência e da fluência de sua poesia. Para tanto, admite Paes, foi necessário converter os versos alexandrinos de cesura rigorosa de Éluard em versos mais soltos de treze ou quatorze sílabas, seus octossílabos em versos de nove sílabas e mesmo lançar mão de enjambements, utilizados com “muita parcimônia” por Éluard (idem, p.6). O tradutor diz ainda que sua única ambição foi a de “situar a poesia de Éluard no seu contexto histórico-literário e mostrar um pouco de sua fortuna crítica, para benefício do leitor que nela pretenda iniciar-se” (ibidem, p.6), fato que pretendemos averiguar neste trabalho, pelo menos no que tange à parte dedicada à poesia surrealista, que foi o objeto de análise desse estudo.

Para o nosso estudo, utilizamos ainda outras informações dadas pelo tradutor no estudo que segue a esta Nota liminar denominado Um único horizonte ou Éluard para principiantes. Com a leitura deste estudo, foi possível não apenas conhecer dados da vida do poeta, mas principalmente compreender que, em Éluard, vida e obra estão interligadas e que cada pedaço de sua “sumária trajetória” está refletido em seus poemas. Como

6 Os poemas foram retirados de Oeuvres complètes de Éluard Gallimard Bibliothèque de la Plêiade,

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exemplo, temos a coletânea de versos Poemas pela paz (Poèmes pour la paix) de 1917, período em que Éluard servia na guerra:

III

Todos os camaradas do mundo, Oh! meus amigos!

Não valem, à volta da mesa, juntos Minha mulher e meus filhos sentados comigo,

Oh! meus amigos!

(Éluard, 1988, p.45)

[Tous les camarades du monde,/ Ô!mes amis!/ Ne valent pas à ma table ronde/ Ma femme et mes enfants assis, /Ô! mes amis! (Éluard, 1968, p.31)]

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2. A POÉTICA SURREALISTA DE ÉLUARD

No capítulo anterior, vimos rapidamente que o material poético de Éluard provém, em sua maior parte, de suas experiências de vida. O poeta utiliza o contexto em que se inserem seus sentimentos, suas impressões sobre certos fatos para criar sua poesia. O resultado disso, como ressalta Raymond Jean (1968, p.9), é que:

A poesia eluardiana tem um conteúdo. Ela nos fala da guerra da Espanha, da morte de Nusch, de homens reais, de mulheres reais, de uma terra real. Ela tem esta particularidade de retratar com precisão, para quem sabe ler, a vida do poeta ao mesmo tempo em que a vida do seu século.

Dessa maneira, no intuito de obter não apenas um conhecimento sobre a vida do poeta, mas principalmente de mostrar ao leitor a marca pessoal por trás da criação das imagens presentes na poesia surrealista de Éluard, propomos neste capítulo uma breve abordagem sobre o efervescente Movimento Surrealista e a importância que este teve na vida e na criação poética de Éluard durante o período que se estende de 1924 a 1938, bem como uma rápida exposição sobre alguns traços da poesia eluardiana.

2.1 Breve percurso biográfico

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Diakonova, a quem Éluard deu o apelido de Gala e com quem se casou em 1917, mediante uma licença que obteve do exército francês, no qual servia desde 1914 como enfermeiro. Gala foi a primeira esposa de Éluard, a mãe de sua filha Cécile e a musa a quem o poeta dirige palavras desoladas no poema “Noites Partilhadas” (Nuits Partagées), publicado em A vida imediata (La vie immédiate), no ano de 1932. O poema em questão é escrito em prosa e sua narrativa é desenvolvida em sete partes marcadas por um tom melancólico e saudosista, de uma nobreza excepcional que, segundo Louis Parrot (1953), raramente tinha sido atingido até então. Nele, Éluard estabelece um percurso que se inicia com o intenso desejo de que amor que habitava seu leito -- “Revejo sempre o quarto onde vinha romper contigo o pão de nossos desejos” [je revois toujours la chambre où je venais rompre avec toi le pain de nos désirs] (ÉLUARD, 1968, p.373), 7 --, passando pela descoberta, escolhida por Paes para compor sua antologia, que o amor acabara e que já não era mais possível vivenciar esse sentimento, ainda que nunca tenha “se imaginado em outros braços”:

[...]

E na unidade do tempo partilhado, houve certo dia repentino em certo ano que aceitar já não pude. Todos os outros dias, todas as outras noites, mas não esse dia em que sofri demais. A vida, o amor tinha perdido seu ponto de fixação. Tranqüiliza-te, não é em proveito do que quer que seja de durável que desesperei do nosso entendimento. Não imaginei uma outra vida, diante de outros braços, em outros braços.

[...]

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(ÉLUARD, 1988, p.81)

[Et, dans l’unité d’un temps partagé, il y eut soudain/ tel jour de telle année que je ne pus accepter. Tous les/autres jours, toutes les autres nuits, mais ce jour là j’ai/ trop souffert. La vie,

l’amour avaient perdu leur point/ de fixation. Rassure-toi, ce n’est pas au profit de quoi/que ce

soit de durable que j’ai désespéré de notre/ entente. Je n’ai pas imaginé une autre vie,

devant/d’autres bras, dans d’autres bras. (ÉLUARD, 1968, p.376)]

Algum tempo após a separação, Gala se tornou a companheira do pintor Salvador Dali e o poeta se apaixonou por Maria Benz, ou Nusch, como ele a chamava. Nusch, a jovem alsaciana que ele conheceu em 1929, em Paris, em uma viagem que realizou na companhia de René Char, tornou-se sua segunda esposa em 1934. Como testemunho desse amor, temos o poema homonimamente intitulado “Nusch”, também pertencente a A vida imediata (La vie immédiate). Este poema de métrica livre, que é composto por duas estrofes, a primeira com seis versos e a segunda com quatro, tanto no texto de partida quanto no de chegada, traz metáforas límpidas nas quais o poeta descreve a relação que se estabelece entre ele e sua amada,

[...]

Confiança de cristal Entre dois espelhos

De noite teus olhos se perdem Para reunir o despertar ao desejo.

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[Confiance de cristal/ Entre deux miroirs/ La nuit tes yeux se perdent/ Pour joindre l’éveil au

désir. (ÉLUARD, 1968 p. 393-394)]

O fim dessa união se deu em novembro de 1946, com a morte repentina de Nusch. Este acontecimento mergulhou o poeta em uma crise existencial, da qual dá testemunho o poema “Dito da força e do amor” (Dit de la force de l’amour) que compõe “Poemas Políticos” (Poèmes Politiques), publicados em 1948. Neste poema composto por cinco estrofes de quatro versos e um verso livre ao final, o poeta discorre sobre a humanidade, sobre os problemas enfrentados com as guerras, a injustiça e o “direito à esperança” e, em meio a uma atmosfera de desilusão, ele situa sua própria cólera e, como que se realizasse um último esforço para reestruturar as próprias forças, ele reconhece que ainda que a vida esteja “sempre disposta a se tornar esterco”, a primavera renasce. E é neste clima de fé no amanhecer que ele presta sua homenagem sincera a Nusch:

[...]

Tu que à minha carne davas consciência sensível Tu a quem amo para sempre e que me inventaste Não suportavas a opressão nem a injúria

Cantavas sonhando a ventura sobre a terra

Sonhavas em ser livre e eu te continuo

(ÉLUARD, 1988, p.207)

[Toi qui fus de ma chair la conscience sensible/ Toi que j’aime à jamais toi qui m’as inventé/ Tu ne

supportais pas l’oppression ni l’injure/ Tu chantais en rêvant le bonheur sur la terre/ Tu rêvais

(39)

Éluard teve ainda uma última musa, Dominique Lemor, que conheceu em um congresso no México, - do qual participou como delegado do Conselho Mundial da Paz, em 1951 - e com quem se casou neste mesmo ano. Ela esteve ao lado do poeta até o fim da sua vida, em 18 de novembro de 1952, e foi a inspiração da coletânea publicada em 1951, A fênix (Le phénix), de cujo poema homônimo Paes apresenta os seguintes versos no prefácio:

Eu sou o derradeiro em teu caminho Derradeira primavera derradeira neve Derradeiro combate para não morrer

[...]

A chama sob nossos pés a chama nos coroa A nossos pés insetos pássaros e homens Prestes a voar

[...]

Tudo tem a cor da aurora.

(ÉLUARD, 1988, p.27)

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des oiseaux des hommes/ Vont s’envoler (...)/ Toute a la couleur de l’aurore. (ÉLUARD, 1968,

p.421-422)].

Pode-se notar, nos poemas acima, marcas da oficina poética de Éluard. Primeiramente, temos a atenção dada à revolução formal deflagrada pelo cubismo de Apollinaire, de quem, segundo Paes (1988), Éluard herdaria “a presença da mulher e da experiência amorosa como centro magnético para o qual se orienta o impulso lírico" (p.10). Outra característica que, segundo Louis Parrot (1953), Éluard aprenderia dos cubistas, é o gosto pelo insólito, pela surpresa, o lirismo, o espírito de invenção. E eles o influenciariam a deixar subsistir, em seus poemas, palavras mais despreocupadas, em aparência pelo menos, que as expressões musicais, uma imagem secretamente colorida, à maneira dos pintores de 1912. Já dos unanimistas, Parrot (1953) menciona que o poeta aprenderia a gravidade, o emprego das palavras simples compreendidas por todos, as quais dariam aos seus poemas um sentido profundo, um conteúdo social onde se tentaria incorporar uma “alma unânime” (p.26).

Foi possivelmente por intermédio deste contato de Éluard com os temas de índole social e da experiência que viveu ao socorrer os soldados feridos na Guerra que surgiram os Poemas pela paz (Poèmes pour la paix), publicados em 1918. Esta coletânea, que traz poemas com marcas da experiência de vida do poeta, despertou, segundo Marcel Raymond (1997), o interesse de Jean Paulhan, um estudioso dos problemas da linguagem em geral, que apresentou Éluard, em 1919, ao grupo de André Breton, do qual faziam parte Louis Aragon, Phillipe Soupault e, posteriormente, Tristan Tzara, fundador do movimento Dadá.

2.2 Do Dadaísmo ao Surrealismo

(41)

anárquico, da recusa de servir que transformou tantas ordens tradicionais e antigas crenças" (p.233).

Tendo surgido em Zurique, em 1916, sob a liderança do poeta romeno Tristan Tzara, o dadaísmo, para Raymond (1997), ganhou força significativa no ano de 1919, em Paris, quando Tzara entrou em contato com o grupo liderado por Breton, que havia lançado o primeiro número de uma revista intitulada Littérature. Essa revista, que passou a contar com a colaboração de Tzara, se tornaria o órgão oficial do Dadaísmo francês, que buscava "desnudar totalmente os espíritos contrapondo, às normas socialmente impostas de conduta e de arte, a espontaneidade das manifestações arbitrárias e ilógicas da mente" (PAES, 1988, p.12-13) através não apenas de textos, mas, também, de manifestações públicas de escândalo. Para estas manifestações arbitrárias e ilógicas da mente, muito contribuiu o fato de Zurique ser a cidade onde residiam os Bleuler e os Jung, psiquiatras aparentados teoricamente com Freud. Essa ocorrência possibilitou a Breton e Aragon experimentarem os métodos da psicanálise, teoria segundo a qual

nossas atividades conscientes são apenas atividades de superfície, dirigidas contra nossa vontade, com mais freqüência, por forças inconscientes que constituem a trama do eu. E Freud insistia, segundo a expressão de Jacques Rivière, na “hipocrisia inerente à consciência”, na tendência geral que “nos incita a nos ocultarmos a nós mesmos”, a procurar boas razões para nossa conduta e para nossas palavras, a usar sempre de astúcias para nos embelezarmos ou pelo menos nos “arranjarmos” (RAYMOND, 1997, p.237-238).

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captar o ser antes que ele ceda à compatibilidade; atingi-lo em sua incoerência, ou melhor, em sua coerência primitiva, antes que a idéia de contradição apareça e o force a reduzir-se, a constituir-se; substituir sua unidade lógica, forçosamente adquirida, pela sua unidade absoluta, única original (apud, RAYMOND, 1997, p.238).

Entretanto, é importante ressaltar que os dadaístas hesitaram entre dois caminhos, o do mistério, onde “tudo está em jogo”, e o da mistificação, em que aparece o gosto da brincadeira fictícia, onde temos uma submissão dócil às injunções do inconsciente e um apelo aos acasos exteriores e aos encontros verbais, e ressalta também que estes caminhos se cruzaram algumas vezes, dando origem a poemas que desfrutam de uma viva impressão de incoerência (RAYMOND, 1997, p.241), como é caso do seguinte poema de Éluard:

O Hábito

Todas as minhas amiguinhas são corcundas: Amam às suas mães.

Todos os meus animais são obrigatórios, Têm pés de mobília

e mãos de janela. O vento deforma,

Precisa de roupa sob medida, Desmesurada.

Eis porque

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[Toutes mes petites amies sont bossues: /Elles aiment leur mère./ Tous mes animaux sont obligatoires,/ Ils ont des pieds de meuble / Et des mains de fenêtre./ Le vent se déforme,/ Il lui faut un habit sur mesure,/ Démesuré./ Voilà pourquoi/ Je dis la vérité sans la dire. (ÉLUARD, 1968, p.141]

Em 1922, em razão de um desentendimento ocorrido entre Breton e Tzara, o grupo Dadá se rompeu. Essa ruptura foi ocasionada não apenas por uma divergência de personalidades, mas principalmente por uma insatisfação com o caráter puramente negativista do movimento e por um anseio de construção ainda incerto, conforme Breton declara na revista Littérature:

Não será dito que o dadaísmo terá servido à outra coisa que a manter-nos neste estado de disponibilidade perfeita onde nós estamos e do qual agora nós vamos nos afastar com lucidez em direção a isto que nos reclama8 (PERCHE, 1963, p.16).

Esta direção, podemos dizer que foi o Surrealismo.

Surgido oficialmente em 1924 com a publicação do Manifeste, escrito por André Breton, o Surrealismo, termo criado em 1917 pelo poeta Guillaume Apollinaire e adotado por André Breton e Philippe Soupault, designava uma escrita baseada no...

...automatismo psíquico em estado puro mediante o qual se propõe exprimir, verbalmente, por escrito ou por qualquer outro meio, o funcionamento do pensamento. Ditado do pensamento, suspenso qualquer controle exercido pela razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral (BRETON, 2001, p.40).

8 Il ne sera pas dit que le dadaisme aura servi à autre chose qu'à nous maintenir dans cet état de disponibilité

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Tendo se desenvolvido a partir das descobertas de Freud sobre o inconsciente, ele visava um retorno às forças do imaginário, de forma que fosse possível sondar a parte mais secreta do homem e renovar profundamente sua maneira de ver e de sentir. Para isso, a escrita baseada no automatismo psíquico consistia em passar para o papel as frases que viessem ao pensamento, sem que houvesse um processamento de seu sentido “lógico”, ou mesmo uma preocupação com o seu caráter estético. Assim, o objetivo era deixar fluir algo além da mera realidade, ou seja, buscava-se entrar em contato com a profundeza da mente, onde “estranhas forças se albergavam” (BRETON, 2001, p.40).

Outra característica fundamental do Surrealismo, que Raymond Jean (1968) menciona, é que ele foi uma aventura comum entre os pintores e os poetas. O próprio Éluard conviveu com muitos pintores de sua época, como De Chirico, Dali, Lhote, Magritte, e o próprio Picasso, e a identidade de convicções políticas entre eles só fez reforçar a amizade. E, é válido mencionar ainda que, para Paes (1988), a própria poesia de Éluard possui uma forte visualidade, que o tradutor acredita ser “menos no sentido de descrição de objetos que da constante presença deles, a um só tempo literal e metaforicamente” (p.15).

Neste percurso de aproximação entre a poesia e a pintura, contamos ainda com um texto escrito por Éluard em A evidência poética (L’évidence poétique), de 1937, no qual o poeta expressa sua consciência de que “os pintores surrealistas, que são os poetas” (p.516) pensam sempre em outra coisa, que o insólito lhes é familiar e que sabem que nada se reproduz literalmente, que é necessário empreender um esforço para liberar a visão, unindo a imaginação à natureza, e para considerar tudo o que é possível como real. Para ele, não existe dualismo entre a imaginação e a realidade, porque tudo que o espírito do homem pode conhecer e criar provém da mesma veia, e que o mundo que o circunda é da mesma matéria que a sua carne, que o seu sangue.

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2.2.1 A imagem surrealista

Segundo Gerard Dessons (1991), a imagem é um componente essencial na linguagem poética e representa para a poesia moderna o mesmo que o verso para a poesia clássica. O autor destaca que a imagem é um elemento constitutivo da linguagem tão importante quanto o ritmo e a prosódia, porém, sua forma de apreensão é um pouco mais delicada, pois ela não revela apenas o domínio lingüístico, mas um processo de representação onde elementos de fundos psicológicos misturam a teoria da percepção e da imaginação para gerar um novo significado poético. É o que ocorre no surrealismo que, para Dessons (1991), além de fazer da imagem o principal elemento da escrita do poema, busca restituir o poder de significação que o mundo perdeu.

Marcel Raymond (1997) afirma que, para os surrealistas absolutos, tudo é possível no domínio das imagens e que “o erro estaria precisamente em se perguntar se há meio de perceber uma relação que a razão justificaria de algum modo entre os termos associados” (p.249), pois ao que parece os surrealistas adotaram o conceito de imagem dada por Pierre Reverdy, para quem:

A imagem é uma criação pura do espírito. Ela não pode nascer de uma comparação, mas da aproximação de duas realidades mais ou menos afastadas. Quanto mais as relações das duas realidades aproximadas forem longínquas e justas, mais a imagem será forte, mais força emotiva e realidade poética ela terá (apud, BRETON, 2001, p.35),

Referências

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