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Academic year: 2019

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A dependência da América Latina

Almiro Petry1 (2008)2

O capitalismo só tem êxito quando começa a ser identificado com o Estado, quando é ele o próprio Estado. Fernand Braudel Quando o consenso se impõe a uma sociedade, é porque ela atravessa uma era pouco criativa.

Celso Furtado (2002)

1 Introdução

A temática do subdesenvolvimento e desenvolvimento vem sendo abordada há décadas com vistas aos problemas econômicos, políticos, sociais e culturais gerados neste processo histórico recente. Desde as “décadas do desenvolvimento” (década de 1960, a primeira), proclamadas pela ONU, aumentam os interesses acadêmicos pelo tema, tentando compreender a profundidade das relações entre as nações e descobrir as causas desta imensa defasagem entre as nações ditas desenvolvidas e as subdesenvolvidas, evidenciando-se a condenação de umas à pobreza e à miséria e outras elevadas à opulência. Entre as nações “condenadas à pobreza” estão as latino-americanas.

Objetiva-se abordar, rapidamente, alguns aspectos deste processo, dando ênfase às explicações deste processo e as relações de dependência que o sistema-mundo gera e mantém.

2 As interpretações do processo

No plano acadêmico consolidam-se posições interpretativas que têm como referência os processos de desenvolvimento dos países europeus ocidentais e dos EUA e querem induzir, politicamente, as nações pobres a seguirem a mesma trajetória, sinalizando com a esperança de, caso adotassem as mesmas políticas, atingirem os níveis sócio-econômicos alcançados pelos primeiros. Entretanto, há diferenças históricas muito importantes que determinam a saga de cada país, de modo particular os latino-americanos. Dentre as diferenças podem ser destacadas: a) a industrialização tardia e controlada, frente ao processo europeu; b) a

1 Mestre em Sociologia Rural (UFRGS) e Doutor em Ciências Sociais (Unisinos); Professor do Curso de

Ciências Sociais da Unisinos e do Departamento de Sociologia da UFRGS (almiro.petry@gmail.com). 2 Versão ampliada da publicada em 2007.

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colonização pelas potências européias que transformaram as colônias em “entrepostos comerciais”; c) o prolongamento do período de ausência de investimentos em educação, ciência e tecnologia, imposto pelos colonizadores; d) a dependência econômica e a exploração daí decorrentes; e) a exportação de produtos primários, extraídos dos recursos naturais ou produzidos para “abastecer” a voracidade do mercado internacional; f) mais recentemente, a rapidez da urbanização e as seqüelas daí decorrentes; etc. etc.

Apresenta-se a seguir, os principais enfoques3 que tentaram interpretar o fenômeno do subdesenvolvimento/desenvolvimento.

1º - O enfoque linear descreve, baseado na análise de Rostow4, o fenômeno como um continuum de países de baixa renda per capita e de alta renda per capita que se encontram em diferentes estágios (alguns mais avançados e outros mais atrasados) do mesmo processo. Os mais avançados têm uma estrutura econômica moderna e diversificada e os atrasados estão nos estágios iniciais do processo. Nesta ótica, os países subdesenvolvidos têm, do lado do consumo, em decorrência da baixa renda per capita, baixo consumo de bens e serviços e, do lado da produção, uma estrutura produtiva pouco diversificada. Da mesma forma, acompanhando o baixo consumo, há precárias condições de escolarização, de habitação, de alimentação e de saúde. E, do outro lado, há baixa produção e produtividade e baixa taxa de investimento.

Oculta este enfoque a idéia de que as diferenças são apenas quantitativas, ou seja, diferenças de grau e não de espécie. E que estas diferenças podem ser reduzidas com um adequado crescimento econômico mediante a injeção de capital, um adequado aproveitamento dos recursos naturais e humanos, a inovação tecnológica e certa visão política. Fazendo isso, invariavelmente os subdesenvolvidos galgariam as etapas do desenvolvimento.

2º - O enfoque dual-estrutural5 explicita as peculiaridades do subdesenvolvimento pelo dualismo estrutural interno do país. O dualismo econômico caracteriza-se por duas economias, uma moderna e dinâmica e a outra tradicional e atrasada. Isto se reflete no dualismo territorial, tendo de um lado áreas com crescimento econômico intenso – regiões avançadas, ricas e industrializadas -, e do outro, áreas com crescimento econômico lento, mantendo regiões atrasadas, pobres e agrícolas de subsistência. Aí ocorre o dualismo funcional, inerente ao anterior, que se caracteriza pela coexistência de dois sistemas econômicos, o

3 PETRY, Almiro; SCHNEIDER, José; LENZ, Martinho. Realidade Brasileira. 10ª ed. Porto Alegre: Sulina,

1990, p.29-36.

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capitalista: onde predomina a economia de subsistência; o capitalista: onde a acumulação e a diferenciação do sistema produtivo se processam nos moldes do capitalismo industrial. Do dualismo econômico, do territorial e do funcional decorre o dualismo social que se caracteriza, por um lado, pelo atraso cultural, pela dicotomia das camadas sociais e da organização política; por outro lado, viceja uma cultura urbano-industrial moderna com significativos segmentos sociais intermediários com a devida representação política.

O estruturalismo tem por base a caracterização das economias periféricas em contraste com as economias centrais. Mendes e Teixeira (2004)6 apontam a:

baixa diversidade produtiva; reduzida integração horizontal e vertical; insuficiente infra-estrutura; especialização em bens primários; heterogeneidade tecnológica; oferta ilimitada de mão-de-obra desqualificada; e estrutura institucional incompatível com a acumulação de capital e progresso técnico. A partir dessa contextualização, realiza-se a análise da forma de inserção das economias subdesenvolvidas no ambiente internacional e das condições para a superação das situações adversas das economias periféricas por meio de um processo de industrialização conduzido por um planejamento estratégico, tendo o Estado como agente principal (Mendes e Teixeira, 2004, p.9).

Celso Furtado, no entanto, contribui à abordagem estruturalista em três aspectos importantes: “a inclusão da dimensão histórica; a análise das relações entre crescimento e distribuição de renda; e a ênfase do sistema cultural como característica específica do subdesenvolvimento das economias periféricas” (idem, p.9). Em texto recente7 afirma que o Brasil contemporâneo é uma sociedade criada pela expansão do capitalismo industrial e “não é herdeiro de nenhuma velha civilização como são outras grandes nações hoje denominadas subdesenvolvidas” (p.8). Simplificando o quadro histórico brasileiro, ele destaca duas tendências estruturais: “1) a propensão ao endividamento externo; e 2) a propensão à concentração social da renda,”8 que considera perversas. Atribui a manutenção histórica destes processos ao “comportamento das elites tradicionais” que “imitam os padrões de consumo dos países de elevado nível de desenvolvimento”, da qual decorre a forte propensão a importar, deixando de gerar poupanças internas para novos investimentos. Por isso considera que o desafio do futuro e dos próximos governos é:

1) como elevar a taxa de poupança interna?; e 2) como reduzir a propensão a importar dos grupos de alto nível de vida? Assim, se pretendermos recuperar o dinamismo que conhecemos no passado, o país terá de retornar ao controle de câmbio e ao planejamento indicativo dos investimentos básicos (idem, p. 9).

6 MENDES, Constantino e TEIXWEIRA, Joanílio. Desenvolvimento econômico brasileiro: uma releitura da

contribuição de Celso Furtado. Braília: IPEA, 2004.

7 FURTADO, Celso. Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea. São Paulo: Paz e

Terra, 2002.

8 Sobre estas duas tendências, pode-se afirmar que a primeira, a partir do Presidente Lula, foi substituída pelo

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Na medida em que Furtado foi avançando em suas análises ele aponta novas variáveis não contempladas pelo dual-estruturalismo. Podemos sinalizar com as seguintes, destacadas pelo próprio autor, para as quais ele exige uma atenção especial:

1) A aceitação de riscos tende a ser apresentada como principal fonte de legitimação do poder econômico.

2) O processo de globalização torna inevitável o avanço da concentração do poder nas mãos de poucos.

3) A evolução das estruturas de poder no capitalismo avançado escapa aos esquemas teóricos que herdamos do passado.

4) Durante muito tempo a sociedade civil, particularmente ali onde floresceram as organizações sindicais, desempenhou o papel de contrapeso do poder do capital, o qual foi se metamorfoseando em poder financeiro.

5) Esse processo evolutivo, baseado num equilíbrio de forças, levou a modificações importantes na distribuição da renda social, sem contudo afetar de forma significativa o conteúdo das estruturas produtivas.

6) Foi de grande importância o papel desempenhado pelo Estado nacional na configuração das sociedades capitalistas modernas. Esse processo evolutivo abriu espaço para a concentração do poder econômico e para a emergência das estruturas transnacionais.

7) As estruturas transnacionais debilitam progressivamente os Estados nacionais, suporte das forças que operam no sentido de reduzir as desigualdades sociais.

8) Prevalece a doutrina de que a estrutura social é legitimada pela aceitação de riscos,

9) Presenciamos um processo de concentração de renda e poder sob o comando de grandes empresas desligadas de compromissos com a sociedade civil.

10) O agravamento das tensões sociais leva a pensar que pode estar se preparando uma crise de grandes dimensões, cuja natureza nos escapa. Ainda não sabemos como enfrentá-la (Furtado, 2002, p. 9-10).

Segundo abordagem dual-estruturalista, a saída do subdesenvolvimento dar-se-ia pela superação dos diversos dualismos através da implantação de pólos de desenvolvimento que irradiariam seus efeitos positivos, provocando uma regressão das dicotomias através dos estímulos propulsivos que diminuiriam as distâncias e os desequilíbrios econômicos, territoriais, funcionais e sociais. Tem este enfoque o pressuposto da necessidade do macro planejamento e de investimentos direcionados para estimular o crescimento econômico.

Limita-se este enfoque, no entanto, em analisar o capitalismo como um sistema econômico nacional e não transnacional; enfatiza a ótica do mercado nacional e não o intersocietário; entende o capitalismo como um sistema plenamente configurado no centro que gera a periferia no próprio país (e não entre países). Estas limitações analíticas restringem este enfoque à descrição e à análise da unidade territorial sem entender que este país subdesenvolvido é um subsistema capitalista periférico gerado pelo capitalismo central.

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3º - O enfoque da causalidade circular explica o subdesenvolvimento pela tipicidade do conjunto de indicadores de consumo da baixa renda per capita que se relaciona com o conjunto de indicadores de produção, mantendo um círculo vicioso de pobreza, de baixa produção e de baixo consumo. Estabelece-se um processo descensional de efeitos regressivos, tanto do lado da oferta – pequena capacidade de poupar, baixa produtividade, ausência de capital, etc. -, quanto da procura – baixo estímulo para investir, baixo poder aquisitivo, etc.

Myrdal e Nurkse propõem ser necessário romper a causação circular descendente do círculo vicioso da pobreza através do aumento da poupança e do investimento para gerar uma causação circular ascendente do lado da oferta e do lado da procura. Para tanto seria fundamental acionar mecanismos sócio-culturais – mudança nas estruturas mentais e de condutas – quanto no plano econômico com mudanças no sistema econômico e no tipo de organização política.

4º - O enfoque da dependência sustenta que a raiz do subdesenvolvimento está na relação de dependência entre as nações ricas e as nações pobres. É um complexo de relações econômicas, comerciais, políticas, financeiras e tecnológicas, gerado historicamente, que ultrapassa a ordem interna e se firma na ordem externa. Segundo os defensores desta tese9, o sistema capitalista realiza-se em âmbito intersocietário em que as formações subdesenvolvidas são periféricas às formações desenvolvidas e centrais. Para caracterizar bem estas relações, recorrem a analogia da metrópole e do satélite, configurando um único sistema. No sistema, a satelitização ocorre pela dependência e pela exploração. A dependência: a) a política (pode ser legal ou de fato) significa que as decisões são tomadas fora do país; b) a econômica ocorre no plano comercial – o país exporta mais matérias-primas e importa bens beneficiados e tecnologia – e no plano financeiro – os investidores são não-residentes; c) a tecnológica consiste no monopólio técnico-científico dos países centrais dos quais os periféricos a importam. Esta situação de dependência gera uma constante exploração. A exploração consiste: a) no plano financeiro (a alta remuneração pelos serviços do capital não-residente); b) no plano comercial (a constante deterioração da relação de preços nas relações de intercâmbio); c) no plano da tecnologia (o pagamento de royalties e a transferência de tecnologias obsoletas).

Nesta relação a metrópole se apropria do excedente econômico dos satélites, impedindo a formação do capital próprio. Disto decorre um circulo vicioso da pobreza com todas as mazelas possíveis. Assim, mantidas as atuais tendências, podem ser vistas três alternativas: a) aceitar um desenvolvimento sistêmico e hierarquizado, que se dá num

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contexto de economias dominantes e de dominadas, reduzindo as diferenças das periferias em relação aos centros, através de mecanismos de investimentos direcionados; b) partir para um desenvolvimento combinado em que as periferias utilizariam tecnologias avançadas – inadequadas no momento para a sua realidade – por pressão dos países centrais, visando a sustentação mais equilibrada do sistema; c) agravar o desenvolvimento desigual, aumentando as distâncias no próprio país periférico e em relação aos paises centrais. Esta última parece a que está em curso. Entretanto, para superar a situação de subdesenvolvimento dependente não há outra alternativa a não ser uma ruptura com estes mecanismos historicamente estabelecidos.

Para Cardoso10, historicamente, “o Estado sempre desempenhou papel importante na consolidação do capitalismo”, alterando seu papel conforme as intencionalidades políticas de quem está no poder. Assim por exemplo, no chamado modelo prussiano11 de capitalismo para reerguer a economia alemã,

o Estado não só interferiu abertamente na regulação econômica, mas também desempenhou papel de investidor importante. O mesmo se repetiu mais recentemente na Coréia por exemplo. Hoje em dia a China exibe fulgurante capitalismo de Estado, aliado, sob condições, ao capitalismo das multinacionais. Essa fusão entre poder e mercado abrigou formas autoritárias quando não ditatoriais de poder (Cardoso, idem, p.13).

Cardoso entende de que na história do Brasil houve alianças semelhantes como partes do “período varguista”; no regime militar, em especial no governo Geisel, que se tornou francamente “desenvolvimentista-autoritário”, inspirado na visão da doutrina da segurança nacional do “Brasil-potência”. Ele acredita que “certos setores da esquerda” também foram (ou são) “autoritário-desenvolvimentistas”. Por isso, ele vislumbra que na atualidade brasileira “o velho modelo monopolista de Estado ressurge das cinzas nos corações da velha direita e da ‘nova’ esquerda capitalista estatizante”, fomentada pela coalizão político-partidária que está no poder. Considera que “este amálgama espúrio entre interesses privados, interesses partidários e interesses corporativos pode dar sustentação a formas arbitrárias de exercício de poder”. De modo professoral Cardoso ensina que “todo modelo que tende ao monopólio e à concentração do poder é também concentrador de rendas e redutor de oportunidades”. Desta forma, a coligação partidária construída em torno do poder central pode elaborar o objetivo de se manter no poder, promovendo a aliança “entre o grande capital público e privado com os fundos estatais de pensão e com o sindicalismo dócil aos governos” (idem, p.13).

10 CARDOSO, Fernando H. Apenas nomes ou reais alternativas? Porto Alegre: Jornal Zero Hora, 03-02-2008,

p.13.

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Em relação à América Latina, historicamente, está ocorrendo um processo de subdesenvolvimento/desenvolvimento capitalista periférico e dependente, via industrialização e urbanização. Há um interesse especial dos países centrais pelas condições excepcionais do território, da população (mercado consumidor) e pelos abundantes recursos naturais. Este modelo caracteriza-se pela exportação (com ênfase nas matérias-primas), pela concentração da riqueza e das terras, pelos desequilíbrios regionais, pelas decisões políticas vinculadas aos grupos oligárquicos e pela intensa exclusão social.

Segundo Melo (2002)12, neste processo histórico latino-americano destacam-se: a) “Uma verdadeira revolução no modo de produção social capitalista, no sentido da incorporação cada vez maior e mais intensa da ciência e da tecnologia, como forças produtivas principais, nas diversas fases de realização do capital. O fordismo impulsionou décadas de mudanças, não só de progresso técnico, e de novas formas de organização de trabalho na indústria, mas também imprimindo novas qualidades ao processo interligado das fases de produção, distribuição e circulação de mercadorias e do próprio capital”. b) “A reprodução ampliada do capital se desdobra no fortalecimento do capital privado e no fortalecimento da esfera pública nos países. O crescimento dos investimentos externos diretos se traduz no aumento do número de multinacionais instaladas nos países dependentes, cujos governos também contribuem para facilitar o fortalecimento do capital privado, tanto nacional quanto internacional, em condições históricas específicas: tanto criando condições mais propícias para o envio de lucros para as matrizes das empresas multinacionais, quanto investindo em infra-estrutura pública, regulando a cobrança de impostos, no sentido de favorecê-lo e, mais ainda, emprestando e investindo dinheiro público para compor o capital das empresas privadas. A industrialização do pós-guerras nestes países, especificamente na América Latina, encontra também um entrave no próprio processo de substituição de importações, caracterizando estes países como exportadores de matéria-prima, o que contribui para manter antigas estruturas sociais de poder”. c) “A reprodução ampliada do trabalho também se fundamenta nas realizações do welfare state e, nos países dependentes, adquire características especiais, provocando mudanças nas relações de assalariamento. O desemprego começa a crescer, se tornando, nos anos 70, quase parte estrutural das relações sociais de produção capitalistas, e um exército industrial de reserva, cada vez mais desqualificado para enfrentar as exigências das sociedades urbanas industriais, se acumula na periferia dos grandes centros. A crescente diversificação da produção provoca necessidades de qualificação para o trabalho cada vez mais heterogêneas, a depender dos setores produtivos, da posição das

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empresas e, especificamente, da posição dos países na divisão internacional do trabalho e do capital”. d) No anos 70, “as barreiras, os limites nacionais começam a se dissolver, em ritmos históricos diferentes para os diversos países, em relação à sua posição na divisão internacional do trabalho e do capital”.

3 A abordagem sistêmica

Na sociedade globalizada em que vivemos as trocas econômicas, políticas e culturais se tornaram irreversíveis, ao menos assim pensam os detentores do poder sistema-mundo, que determinaram a nova ordem global. Em sintonia com este processo, a soberania dos Estados nacionais tem diminuído gradualmente, o que afeta a capacidade do Estado de regular o sistema produtivo, o financeiro, o tecnológico e o fluxo de pessoas e de bens.

A soberania declinante dos Estados-nação, e sua crescente incapacidade de regular as permutas econômicas e culturais, é certamente um dos sintomas primários da chegada do Império. A soberania do Estado-nação era a pedra angular do imperialismo que as potências européias construíram na idade média (Hardt e Negri, 2001,p.12).

O imperialismo e conseqüentemente o colonialismo, era uma extensão da soberania dos Estados-nação europeus para além de suas fronteiras, como entendem Hardt e Negri. A nova ordem expressa na globalização, não estabelece um centro territorial de poder e nem se baseia em fronteiras fixas, assim o sistema-mundo constitui “um aparelho de descentralização e desterritorialização do geral que incorpora gradualmente o mundo inteiro dentro de suas fronteiras abertas e em expansão”. Isto é tão evidente que os autores afirmam que as divisões espaciais dos três mundos – Primeiro, Segundo e Terceiro – “ficaram tão misturados que a qualquer momento nos deparamos com o Primeiro Mundo no Terceiro, o Terceiro no Primeiro, e o Segundo, a bem dizer, em parte alguma”, forçando ao abandono desta visão tripartite espacial para adotar a terminologia da centralidade e da periferização.

Para Hobsbawn,

as próprias unidades básicas da política – os “Estados nacionais” territoriais, soberanos e independentes, inclusive os mais antigos e estáveis entre eles – foram dilaceradas por forças da economia supranacional ou transnacional e por forças infranacionais das regiões e grupos étnicos separatistas. Alguns destes – eis a ironia da história – reivindicaram para si o status

ultrapassado e irreal de “Estados nacionais” soberanos em miniatura. O futuro da política era obscuro, mas sua crise, no fim do curto século XX, era patente (Hobsbawn, 1994, apud:

Arrighi e Silver, 2001, p.11).

Com a queda do muro de Berlim, o ocaso do regime soviético e o colapso do comunismo, Francis Fukuyama declarou que

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mundo que seja radicalmente melhor do que o nosso, ou um futuro que não seja essencialmente democrático e capitalista (Fukyama, 1992, apud: Arrighi e Silver, 2001, p.12)

No contexto da globalização e da consolidação do sistema-mundo, emerge o debate da hegemonia deste processo, se há ou não um Estado que desempenhará esse papel. Não há um consenso sobre esta possibilidade. Sugere-se que possa continuar sendo os EUA, pelo poder, a influência e o dinheiro que têm para exercer diversas pressões, ou a UE com sua posição mais elevada, escapando de seu declínio histórico, ou até o Japão, apesar de ter atingido o seu auge com a revitalização do iene, no final do século XX.

As transições hegemônicas históricas – declínio de um Estado nacional e ascensão de outro – do sistema capitalista não ocorreram com rupturas como ocorreu a globalização do sistema mundial. Com a constituição da China, como Estado moderno, afigura-se a percepção de que estejamos ultrapassando as hegemonias ocidentais, passando da ainda hegemonia norte-americana, que transformou parte do Leste asiático em periferia do sistema comercial centrado nos EUA para uma hegemonia sinocêntrica, como nos sinalizam Arrighi e Silver. A junção entre o capital transnacional e a imensa reserva de mão-de-obra competitiva, na divisão internacional do trabalho, foi facilitada pela “diáspora capitalista chinesa ultramarina” que se constituiu sob o regime da República Popular da China. A confiança de Pequim nos chineses ultramarinos para reincorporar a China Continental nos mercados regional e mundial estabeleceu a estreita aliança “entre o Partido comunista Chinês e os capitalistas chineses de além-mar” que deu a estes

oportunidades extraordinários para tirar proveito da intermediação comercial e financeira, ao mesmo tempo dando ao Partido Comunista Chinês um meio eficaz de matar dois coelhos de uma só cajadada: melhorar a economia interna da China Continental e promover a unificação nacional de acordo com o modelo de “uma nação, dois sistemas” (Arrighi e Silver, 2001, p. 276).

Daí emerge como ironia da história, um poderoso instrumento da emancipação da China em relação à dominação ocidental. Os EUA “usaram” a diáspora, durante a guerra fria, para sufocar pelo embargo o comércio externo da China e o próprio governo comunista chinês impôs restrições ao comércio interno e externo com estes empresários capitalistas.

Não obstante, a expansão das redes norte-americanas de poder e das redes japonesas de comércio, nas regiões marítimas do Leste da Ásia, deu à diáspora uma profusão de oportunidades para exercer novas formas de intermediação comercial entre essas redes e as redes locais que ela controlava. Quando foram relaxadas as restrições ao comércio com e dentre da China, a diáspora não tardou a despontar como agente mais poderoso da reunificação econômica da economia regional do Leste da Ásia (Arrighi e Silver, 2001, p. 277).

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mundial.. Esta pode ser vista como o fim de um longo processo de dominação ocidental na Ásia que dá sinais da “provável trajetória futura, bem como de suas implicações para a economia global”. A primeira década do século XXI já revela a possível hegemonia que o sistema está consolidando naquela região, deixando para um plano inferior a América Latina e outras regiões planetárias.

Esta é a lógica da dinâmica do sistema-mundo: buscar diuturnamente as taxas mais elevadas de lucro a partir do trabalho vivo humano, da abundância de matérias-primas e dos estímulos e proteção do Estado. A novidade está na geopolítica e na geoeconomia na formação hegemônica do sistema capitalista que “migra” impulsionado pelas vantagens auferidas. Ao se esgotarem, a dinâmica redirecionará o sistema para aquela região onde elas novamente são possíveis, seja a África ou a América Latina. É aceito de que no sistema capitalista as estruturas mais importantes de poder são as empresas e o mercado que se sustentam pela ação consumidora dos cidadãos. Está, portanto, nas mãos dos cidadãos o redirecionamento do mercado e, conseqüentemente, das empresas.

O Estado como ator importante desta relação não tem perdido tanto espaço na sociedade globalizada e o exercício do poder vem mudando de direção. As tradicionais concepções de “poder estatal” estão sendo substituídas por novas estratégias de governo e de governança, através das agências reguladoras, organizações intergovernamentais, agências supranacionais, que marcam a presença do Estado na vida dos cidadãos. Assim, o capital age numa racionalidade adaptativa buscando apoio logístico na reconfiguração do papel do Estado para impulsionar as empresas e redinamizar o mercado para atender as novas demandas.

Esta tendência sistêmica reforça a concepção da interdependência entre o centro hegemônico, as semiperiferias e as periferias, sejam mercados ou países. No entanto, as forças de dominação permanecem e se reproduzem para manter as vantagens historicamente acumuladas.

4 Conclusão

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equilíbrio, com um crescimento econômico que seja ecoamigável e socialmente mais justo. O desafio é construir o desenvolvimento sustentável. Sabe-se que o crescimento econômico não é suficiente para o desenvolvimento, no entanto, o desenvolvimento necessita de crescimento; para o crescimento econômico os mercados são indispensáveis, que por sua vez, imporão custos e gerarão desigualdades. Como sair desta equação, uma armação de aço?

Na América Latina, as elites locais têm usufruído destes mecanismos ao levarem a maioria dos países a privatizar e liberalizar suas economias, abrindo espaços para o capital transnacional. Estas elites no poder ou próximo a ele, aceitam a globalização para serem partícipes do domínio do mercado, buscando, constantemente, a legitimação de suas posições, sem manifestarem em decisões a escolha pela redução das desigualdades. Por conseqüência, as nações latino-americanas estão condenadas a “perene pobreza”.

Referências

ARRIGHI, Giovanni e SILVER, Beverly. Caos e governabilidade no moderno sistema mundial. Rio de Janeiro: Contrapono; Editora UFRJ, 2001.

CARDOSO, Fernando H. Apenas nomes ou reais alternativas? Porto Alegre: Jornal Zero Hora, 03-02-2008, p.13.

FURTADO, Celso. Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964. _______. Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Império. São Paulo/Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.

MELO, Adriana. Apontamentos para a crítica do projeto neoliberal de sociedade e de educação: a realização. Educação Temática Digital, Campinas, v.3, n.2, p.55-70, jun. 2002. MENDES, Constantino e TEIXWEIRA, Joanílio. Desenvolvimento econômico brasileiro:

uma releitura da contribuição de Celso Furtado. Braília: IPEA, 2004.

PETRY, Almiro; SCHNEIDER, José; LENZ, Martinho. Realidade Brasileira. 10ª ed. Porto Alegre: Sulina, 1990.

ROSTOW, Walt. As etapas do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. Visitar: 1 http://www.ipea.gov.br/pub/td/2004/td_1051.pdf

2 http://www.ipea.gov.br/pub/td/2004/td_1016.pdf

3 http://www.ipea.gov.br/pub/td/2001/td_0847.pdf

4 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1254.pdf

5 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1244.pdf

6 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1231.pdf

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