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POLÍTICAS EDUCACIONAIS E DIVERSIDADE: O PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA

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Academic year: 2021

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Categoria: Trabalho completo (ensaio).

POLÍTICAS EDUCACIONAIS E DIVERSIDADE: O PACTO NACIONAL PELA

ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA

RESUMO:

O presente ensaio visa refletir sobre as noções de cultura, diversidade sociocultural, diferença e identidade, no sentido da importância de problematizar preconceitos e discriminações que têm sustentado e justificado o processo de produção-reprodução das desigualdades escolares e sociais em nosso país. A partir dessa reflexão, destacamos também a pertinência de conceitos afetos à discussão do multiculturalismo e da interculturalidade como aportes para esta discussão, no contexto da importância das políticas públicas de reconhecimento das diferenças, por meio de ações afirmativas. Como um exemplo destas ações, apresentaremos o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), enfatizando aspectos deste programa no que tange à prática pedagógica junto aos alunos com deficiência. Esse recorte no estudo (alunos com deficiência) é devido à compreensão de que estes alunos representam de forma peculiar a contradição entre a democratização do acesso à educação escolar e os processos de seleção e exclusão produzidos pelo sistema educacional. Por meio de uma breve análise deste programa, conclui-se que os espaços educativos têm papel fundamental no trabalho de desenvolver ações educativas interculturais, viabilizando mudanças que venham ao encontro de uma sociedade multicultural. Postula-se também, pela importância de continuar os estudos sobre o PNAIC no sentido de problematizar as desigualdades sociais e escolares a partir de uma concepção crítica acerca das políticas educacionais.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas educacionais. Diversidade. Educação especial. PNAIC. Alfabetização.

INTRODUÇÃO

A relação entre educação e desigualdades têm sido um campo de luta de movi-mentos sociais, pesquisadores e governos que atuam no sentido da superação das desigual-dades escolares e sociais. Nesse sentido, Arroyo (2010, p. 1382) refere que as políticas educa-cionais têm concentrado esforços no sentido da superação das desigualdades, sendo que: “Na década de 1990, o destaque passou a ser as desigualdades de acesso e de permanência. Toda criança na escola. Mais recentemente, se avança para as desigualdades de aprendizagem, de qualidade dos percursos.” Este autor aponta ainda, que as políticas e suas análises são empo-brecidas quando se concentram nas “desigualdades intraescolares”, porém “[...] se enriquecem na medida em que avançam na compreensão dos processos históricos de produção-reprodução das desigualdades sociais” (p. 1381).

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Desde a década anterior, políticas educacionais relacionadas às diversidades sociocultu-rais vêm sendo implementadas com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais e escolares, em direção à construção de uma sociedade mais justa, nos sentidos que Moehlecke (2009) iden-tifica como de inclusão social, de ações afirmativas e de políticas de diferença. Percebe-se que estas políticas são significativas para a superação do caráter monocultural que historicamente a escola tem assumido, mas o sistema educacional necessita avançar em relação às ações peda-gógicas descomprometidas com o respeito e valorização das diferenças presentes nos espaços educativos.

Nesse contexto, o presente ensaio visa refletir sobre as noções de cultura, diversidade sociocultural, diferença e identidade, no sentido da importância de problematizar preconcei-tos e discriminações que têm sustentado e justificado o processo de produção-reprodução das desigualdades escolares e sociais em nosso país. A partir dessa reflexão, destacamos também a pertinência de conceitos afetos à discussão do multiculturalismo e da interculturalidade como aportes para esta discussão, no contexto da importância das políticas públicas de reconheci-mento das diferenças, por meio de ações afirmativas. Como um exemplo destas ações, apre-sentaremos o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), enfatizando aspectos deste programa no que tange à prática pedagógica junto aos alunos com deficiência.

O PNAIC foi instituído no ano de 2012 pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2012a; 2012b; 2012c) e é implementado por todo o país por meio de acordo formal feito entre governo federal, estados, municípios e entidades, com o objetivo de alfabetizar todas as crianças até oito anos de idade. Entendemos que este programa se inspira na constatação de que a alfabetiza-ção/letramento é um processo fundamental na escolarização das crianças brasileiras e seria uma estratégia para enfrentar o problema da distorção idade-série, que é um dos aspectos que denunciam como a escola participa do ciclo de produção-reprodução das desigualdades, visto que são os sujeitos das camadas populares que engrossam os índices de fracasso escolar, como bem denunciou Patto (1987; 2008) ao fazer uma análise profunda sobre o caráter ideológico, no marco da sociedade capitalista, do fenômeno da retenção e evasão escolar.

Este artigo está assim estruturado: na próxima parte serão tratadas as noções de cultura e diversidade sociocultural, identidade e diferença no sentido de problematizar a relação entre cultura e educação e a importância das instituições formativas, entre elas as escolas, de traba-lharem pela visibilização e valorização, na perspectiva da afirmação das diferenças, da multipli-cidade identitária presente em seus espaços.

Em seguida, são trabalhados os conceitos de multiculturalismo e interculturalidade, cujas formulações surgiram da necessidade de enfrentar a desqualificação entre as culturas e, portanto, de opor-se aos preconceitos e discriminações e também, à pretensão de homogenei-zação da sociedade. Nesse âmbito, os espaços educativos têm papel fundamental no trabalho de desenvolver ações educativas interculturais, viabilizando mudanças que venham ao encontro de uma sociedade multicultural.

Por fim, postula-se que as políticas educacionais precisam efetivar ações que estejam de acordo com uma educação pública que garanta o acesso à escola, respeitando a identidade

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cultural e possibilitando a aprendizagem como direito de todos os alunos e também prevenir ações de discriminação, preconceito e desigualdades. Faz-se breves análises sobre o PNAIC, no sentido de problematizar as desigualdades sociais e escolares a partir de uma concepção crítica acerca das políticas educacionais, estabelecendo relações com a prática pedagógica junto aos alunos com deficiência.

CULTURA E EDUCAÇÃO

Os preconceitos e discriminações resistem e são reinventados no cotidiano da sociedade. Os ambientes formativos formais e informais são reveladores desta realidade social e, portanto, é imprescindível que trabalhem os conflitos presentes nas relações humanas como expressão das relações de poder que permeiam a sociedade e que também, privilegiem as diversas epis-temes, posto a diversidade de conhecimentos que as compõem. Nesse contexto, a escola, ao reproduzir em suas práticas a homogeneização dos alunos, está contribuindo para a negação das diferenças em nome de padrões estabelecidos pelos interesses dominantes na sociedade.

Assim, é necessário o reconhecimento da multiplicidade identitária, pois cada aluno, professor e qualquer outro cidadão é constituído através das relações sociais estabelecidas e se singulariza tomando por base referências que são multifacetadas. A partir dessa compreen-são pode-se considerar que as identidades compreen-são híbridas, pois cada um de nós, interagindo com outras identidades, outras culturas, é influenciado por elas, ao mesmo tempo que as influencia. Hall (1992), na discussão sobre cultura e identidade, afirma que a identidade, numa perspectiva pós-moderna, passa a ser compreendida como mutável, posto que “[...] é formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou inter-pelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (p. 12-13). Dessa maneira, o autor considera uma “fantasia” fixar uma identidade, pois somos confrontados por uma multiplicidade de iden-tidades possíveis. Assim sendo, faz-se necessário problematizar a naturalização e os sentidos atribuídos às identidades colocadas como referências pela sociedade e de como as identidades são hierarquizadas, contribuindo para a perpetuação das desigualdades.

A diversidade cultural muitas vezes é vista como um problema na sociedade em geral e nos ambientes formativos. Na sociedade porque a classe dominante prima pela construção de uma unidade social em torno da qual se tamponam os conflitos, e nos ambientes formativos porque muitas vezes se reproduz, através das práticas educativas, o que é imposto, favorecen-do a ideia de unidade cultural e identitária e neganfavorecen-do-se as diferenças, o que contribui para a perpetuação dos preconceitos e discriminações. Diante disso, torna-se fundamental discutir o conceito de cultura para que construamos relações sociais que contemplem e valorizem as di-versidades socioculturais.

Além da cultura expressar os hábitos, costumes, alimentação, formas de vestir-se, de festejar, dentre outros, expressa também sua forma de compreender e intervir no mundo. Con-cordamos com Kadlubitski (2010, p. 34) quando afirma que a “cultura diz respeito às vivências concretas dos sujeitos de uma determinada cultura e por meio dela, estipulam regras, conven-cionam valores e significações que possibilitam a comunicação dos indivíduos e dos grupos”.

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Nesse sentido, podemos dizer que a cultura é o modo de interpretar e transformar o mundo à nossa volta e, portanto, é histórica e socialmente mediada.

Nessa direção, é importante considerar o conceito estabelecido por Geertz (1989, p. 15): “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como essas teias e a sua análise”. Assim, a cultura de um grupo ou de um povo é construída a par-tir das conexões estabelecidas, dos conhecimentos e costumes socializados pela humanidade. As diferenças entre as culturas são formas peculiares de expressão da compreensão do mundo e por isso não podem ser comparadas e concebidas como produções de desigualdades socioculturais. Ou seja, não há cultura mais ou menos desenvolvida, grupo ou povo superior ou inferior, o que existem são relações de saber e poder que promovem hierarquizações que colocam algumas cul-turas e identidades no centro e outras na periferia das representações dominantes.

Partilhando do conceito de diversidade cultural de Kadlubitski (2010, p. 39), que se fundamenta em Geertz, na perspectiva de um “emaranhado complexo de significados que se entrecruzam na sociedade brasileira, por meio de costumes, usos e as mais diversas práticas criadas pelos homens que vivem em nosso país”, consideramos fundamental os espaços educa-tivos desenvolverem práticas de ensino embasadas na compreensão da importância da hetero-geneidade, possibilitando a interação social entre os alunos com base nos valores do respeito, solidariedade, troca e aprendizagem mútua.

Aprendemos a ser mais humanos quando convivemos com os outros e com eles apren-demos. Para isso, as diferenças nos espaços educativos não podem ser concebidas como produ-to de desigualdades de qualquer natureza. Como bem nos aponta Arroyo (2010), precisamos tomar o cuidado para que os diferentes não sejam tomados como desiguais, por isso, as relações sociais na escola, ao carecerem de um olhar crítico acerca dos mecanismos que reproduzem as desigualdades, acabam por tornar inerente aos diferentes as desigualdades que são fruto de processos históricos, sociais e econômicos.

Na perspectiva de afirmação das diferenças, os espaços educativos, ao engendrarem pro-cessos de ensino e aprendizagem que se utilizam de metodologias e recursos homogêneos para educandos considerados iguais entre si, acabam por torná-los abstratos e universais. É a partir dessa visão universalizante dos educandos que as políticas educacionais, num lastro neolibe-ral, procuram garantir igualdade de oportunidades, perpetuando-se as desigualdades, mesmo quando as propostas se apresentam como inclusivas. Ou seja, propostas genéricas e abstratas de inclusão, posto não considerarem as diferenças, acabam por manter e até aprofundar as de-sigualdades.

Santos (2002) participa da discussão sobre a problemática da igualdade e da diferença, com sua clássica afirmação de que “temos o direito de ser iguais quando a diferença nos infe-rioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”. Dessa forma, as instituições escolares necessitam rever suas práticas, principalmente referentes ao modo de selecionar e organizar os currículos, dada a necessidade de refletir sobre o que se escolhe e o que não se escolhe ensinar e como se abordam os conhecimentos, visto que o currículo faz parte

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da “política cultural” (COSTA, 1999), à medida que faz um recorte da cultura e sobre ela incide, produzindo assim cultura e subjetividade.

Para isso, é preciso reconhecer a escola e outros contextos não escolares como espaços permeados de contradições sociais e diversidades socioculturais. Neles, se encontram pessoas que trazem marcas de sua etnia, raça, gênero, orientação sexual, classe social, condição física e mental etc. São pessoas com histórias de vida, expectativas e necessidades peculiares. Essas diferenças presentes nos espaços educativos são imprescindíveis para a troca de experiências de conhecimentos e para o enriquecimento do ensino e da aprendizagem, possibilitando de fato desenvolvimento integral de todos os membros dos coletivos de educação.

Para tanto, a escola necessita discutir, problematizar e desenvolver ações pedagógicas que enfatizem conhecimentos relacionados às diferenças, às múltiplas identidades e às diver-sidades socioculturais, promovendo ações concretas contra os preconceitos, discriminações ou qualquer outra atitude que caracterize sentimento de menos-valia de um em relação ao outro.

Sabe-se que muitos dos temas relacionados a diversidades e diferenças devem ser traba-lhados nas escolas como temas transversais, perpassando todas as disciplinas, porém, percebe--se na prática cotidiana de muitas escolas que estes temas são poucos ou nada trabalhados. Isso nos leva a postular que esse “descaso” é decorrente, entre outros fatores, de falta de conheci-mento, de formação inicial e continuada e também, dos sentidos atribuídos pelos profissionais à importância do trabalho sobre estes temas para uma educação democrática e humanizadora. Cabe aos profissionais da educação refletirem sobre o que pensam e sentem em relação à temática em questão e sobre qual é o seu papel para a transformação da sociedade, mediante a construção de um sistema educacional que reconheça e visibilize as diversas formas de existên-cia humana. A formação iniexistên-cial e continuada poderá contribuir de forma efetiva para a formação de profissionais da educação fundamentados na diversidade sociocultural, considerando as di-ferenças como primordiais para o avanço no ensino e na aprendizagem.

EDUCAÇÃO, MULTICULTURALISMO E INTERCULTURALIDADE

No Brasil, os termos multiculturalismo e interculturalidade ficaram conhecidos e ganha-ram destaque a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que adotaganha-ram a plurali-dade cultural como um dos temas transversais (BRASIL, 1997). Assim, o tema da diversiplurali-dade ganhou espaço nas políticas educacionais, porém, Moehlecke (2009) alerta que a diversidade tem sido compreendida e utilizada por muitos autores como sinônimo de multiculturalismo. Em seu artigo “As políticas de diversidade na educação no governo Lula”, a autora identifica, como afirmado na introdução deste ensaio, que ao termo diversidade são atribuídos vários sen-tidos pelo Ministério da Educação (MEC), nos quatro primeiros anos do referido presidente. Ressalta três sentidos distintos: o de inclusão social, de ações afirmativas e de políticas de di-ferença, demonstrando a polissemia que o termo diversidade adquire no campo das políticas educacionais.

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No entanto, consideramos que a importância da reflexão sobre a pluralidade/diversida-de sociocultural no campo da educação resipluralidade/diversida-de no fato pluralidade/diversida-dela ter favorecido discussões e análises de temas e questões em torno dos conceitos de multiculturalismo e interculturalidade, uma vez que estes instrumentalizam a compreensão e atuação dos atores coletivos na luta contra as desigualdades escolares e sociais.

A sociedade é multicultural, pois é composta por muitas culturas. No entanto, são muitas as perspectivas de multiculturalismo. Uma delas e com a qual compartilhamos é denominada por McLaren (2000, p. 123) de “multiculturalismo crítico e de resistência”, que

compreende a representação de raça, classe e gênero como o resultado de lutas sociais mais amplas sobre signos e significações e, neste sentido, enfatiza não apenas o jogo textual e o deslocamento metafórico como forma de resistência (como no caso do multiculturalismo liberal de esquerda), mas enfatiza a tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e institucionais nas quais os significados são gerados.

Ou seja, a perspectiva defendida pelo autor nos possibilita pensar de que não se trata da escola fazer mera apologia à diversidade, mas de agir de modo ativo e transformador sobre as relações que sustentam os preconceitos e discriminações e produzem/reproduzem, em suas práticas cotidianas, as desigualdades escolares e sociais. Engendram-se, assim, novos modos de existência e de convivência dos atores por meio dos processos educativos.

Sobre o conceito de interculturalidade, entendemos que ele possibilita a problematiza-ção e o redimensionamento de diferentes aspectos da cultura da escola e do sistema de ensino, pelo fato de postular pelo diálogo entre as diferentes culturas, apoiado na ideia de que elas se enriquecem mutuamente quando as diferentes identidades que interatuam no processo dia-lógico são respeitadas. Nesse sentido, a educação precisa estar articulada com a problemáti-ca sociopolítiproblemáti-ca, especialmente em tempos de crescente exclusão, que se expressa de diversas maneiras em praticamente todo o mundo. Isto é, a interculturalidade carrega em si um projeto ético e político de construir um mundo onde caibam todos os mundos.

Constata-se, na literatura, que o termo multiculturalismo muitas vezes é utilizado como sinônimo de interculturalismo e vice-versa. São termos complexos e polissêmicos, que mere-cem estudos aprofundados. Diante dessa premissa, compreendemos o multiculturalismo como conceito-ferramenta que facilita o reconhecimento e a compreensão das diferentes culturas existentes em nosso país, já o interculturalismo como outro conceito-ferramenta que favorece a interação e o diálogo estabelecido entre essas culturas, reconhecendo o outro como sujeito de direito da/na história.

Tanto o multiculturalismo como o interculturalismo surgiram da necessidade de enfren-tar a desqualificação de uma cultura pela outra e também, de se opor aos preconceitos, discri-minações e pretensão de homogeneização da sociedade. Sendo assim, os espaços educativos formais e informais têm papel fundamental no trabalho de problematizar e desenvolver ações educativas interculturais, viabilizando mudanças que venham ao encontro de uma sociedade multicultural.

Em síntese, o que nos cabe é considerar a importância dessas duas perspectivas – multicul-turalismo e interculturalidade –, cujas terminologias e perspectivas muitas vezes se confundem,

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para ressignificação de práticas sociais que produziram e ainda produzem, no convívio das di-versidades socioculturais, exclusão e desigualdades. Nesses termos, Fleuri (2002, p. 119) postula que: “O multiculturalismo reconhece a existência de diferentes identidades culturais e defende o respeito à especificidade de cada uma. O interculturalismo, além disso, propõe o desenvolvimento de processos de interação entre os sujeitos e entre os grupos de diferentes culturas.”

A partir desse aspectos, a escola e outros ambientes formativos não podem privilegiar conhecimentos correspondentes a determinadas culturas consideradas superiores pela classe dominante, porque seria referendar a ideia de que existe apenas uma cultura; nem tão pouco mediar conhecimentos desvinculados da totalidade da sociedade, ignorando os aspectos políti-cos e sociais que são fundamentais para a compreensão e interação com o mundo que cerca os educandos, visando sua transformação.

Tendo em vista que nossa sociedade é multicultural e que, portanto, os ambientes formati-vos também o são, torna-se imprescindível uma educação intercultural para a interação de sabe-res e conhecimentos entre as culturas. Assim, o currículo embasado numa educação intercultural necessita ganhar destaque nos ambientes formativos. Nessa direção, Moreira e Candau (2007, p. 31) defendem, apoiados em Stoer e Cortesão (1999), a superação do “daltonismo cultural”.

Elaborar currículos culturalmente orientados demanda uma nova postura, por parte da comunidade escolar, de abertura às distintas manifestações culturais. Faz-se indispensável superar o “daltonismo cultural”, ainda bastante presente nas escolas. O professor “daltônico cultural” é aquele que não valoriza o “arco-íris de culturas” que encontra nas salas de aulas e com que precisa trabalhar, não tirando, portanto, proveito da riqueza que marca esse panorama. É aquele que vê todos os estudantes como idênticos, não levando em conta a necessidade de estabelecer diferenças nas atividades pedagógicas que promove.

Nesse contexto, a diversidade sociocultural é uma marca em nosso país, por isso, co-nhecer e valorizar esta diversidade nos possibilita uma maior compreensão da importância da atuação da educação para avançar em práticas sociais que promovam o acesso igualitário aos bens materiais e simbólicos acumulados pela humanidade, mas com a característica de que esse processo seja permeado pelas diferenças presentes na sociedade multicultural em que vivemos. DIVERSIDADES SOCIOCULTURAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE O PNAIC

Mediante o contexto histórico e político, sabe-se que o tema da diversidade cultu-ral se tornou relevante no campo social e acadêmico e também uma demanda para as políticas públicas a partir de iniciativas de grupos de pessoas marginalizadas, no processo de reivindica-ção de direitos, como o acesso à educareivindica-ção e ao mundo do trabalho.

Na contemporaneidade, existe um movimento mundial em relação às conquistas dos direitos humanos. A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural expressa que:

A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade humana. Ela implica o compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem a minorias e os dos povos autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar seu alcance. (UNESCO, 2002, artigo 4º).

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Também no artigo 5º fica estabelecido que a diversidade cultural é “parte integrante dos direitos humanos, que são universais, indissociáveis e interdependentes” e que:

Toda pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda pessoa tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias práticas culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. (UNESCO, 2002, artigo 5º).

Desse modo, percebe-se que as políticas educacionais precisam efetivar ações que es-tejam de acordo com uma educação pública que garanta o acesso à escola, respeitando a iden-tidade cultural e possibilitando a aprendizagem como direito de todos os alunos. Para isso, as políticas da diversidade cultural na educação são fundamentais para corrigir e principalmente prevenir ações de discriminação, preconceito e desigualdades.

Desde 2004, o MEC, através da secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diver-sidade e Inclusão (SECADI), e outros órgãos do governo federal, desenvolvem vários programas e ações enfatizando a importância e necessidade de uma “educação com qualidade para todos”. Isso posto, temos que nesta última década tem estado cada vez mais em pauta a importância dos direitos, das ações afirmativas e de políticas de diferença. Assim, ganharam destaque nas ações do governo brasileiro programas como Bolsa Família, Educar na Diversidade, Lei das Co-tas, PROUNI, Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, que são alguns exemplos de ações concretas que objetivam a igualdade de oportunidades e a justiça social, nos limites do mundo globalizado neoliberal.

Muitas destas iniciativas são compensatórias, temporárias, mas necessárias e de grande valia para possibilitar às pessoas, que foram/são historicamente discriminadas e vítimas de preconceitos, o acesso à educação em todos os seus níveis e modalidades, ao trabalho e renda e outras instâncias políticas e sociais. Nessa direção, Moehlecke (2002, p. 203) ressalta a ação afirmativa como “uma ação reparatória/compensatória e/ou preventiva, que busca corrigir uma situação de discriminação e desigualdade infringida a certos grupos no passado, presente ou futuro, através da valorização social, econômica, e/ou cultural desses grupos.”

Com base nessa compreensão, a participação de diversos grupos sociais e coletivos de organização política, a partir de sua multiplicidade identitária, na elaboração de políticas públi-cas voltadas às diversidades socioculturais torna-se imprescindível, como expressa o lema da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (SECRETARIA ESPECIAL DE DIREI-TOS HUMANOS, 2008): “Nada Sobre Nós, Sem Nós”.

Arretche (1998, p. 30) ressalta que análises de políticas públicas possibilitam “dar sen-tido e entendimento ao caráter errático da ação pública”. Assim, as pesquisas possibilitam uma maior clareza de como as políticas estão sendo efetivadas e as suas implicações e contribuições para as práticas sociais e educacionais. Como também, a análise de políticas públicas, através de pesquisas, proporciona subsídios para elaboração e efetivação de novas políticas, condizentes com as necessidades apresentadas nos estudos.

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Nesse contexto é que são importantes análises de políticas educacionais em vigor, como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, o PNAIC, como apresentado na introdução do presente ensaio. Este programa está vinculado à Secretaria de Educação Básica do MEC. O principal eixo do Pacto é a formação de professores alfabetizadores, que fazem cursos presen-ciais com duração de dois anos, visando garantir que todas as crianças até os oito anos de idade ao fim do terceiro ano do ensino fundamental estejam alfabetizadas/letradas. No primeiro ano (2013) foi enfatizada a Língua Portuguesa e no segundo (2014) a Matemática (BRASIL, 2012c). Dentre os aspectos relevantes da promoção do PNAIC, consiste em que a sua aplicação está provocando discussões e incertezas na sua ação/prática pedagógica no contexto da sala de aula e com base na inclusão escolar. Discussões em âmbito nacional demonstram a angústia que os professores sentem ao se depararem com o compromisso que o Pacto propõe em alfabetizar todas as crianças até o 3º ano do ensino fundamental (MANDELLI, 2012). As preocupações quanto à cobrança em mudar as estatísticas alarmantes no índice de analfabetismo no Brasil, bem como a necessidade de suas práticas estarem pautadas numa concepção inclusiva, também estão presentes na fala dos professores participantes do programa.

No cotidiano dos espaços escolares com os quais convivemos, professores também mani-festam suas dificuldades e angústias quanto ao compromisso assumido na formação proporcio-nada pelo PNAIC, expressando, de modo especial, suas dúvidas em relação à inclusão dos alunos com deficiência neste processo. Demonstram também em seus diálogos, dúvidas e incertezas quanto ao seu engajamento ou não, de modo ativo nesta formação, principalmente quanto ao trabalho a ser desenvolvido com alunos com deficiência.

Outro aspecto relevante se refere ao discurso de que o PNAIC, a exemplo de outras políti-cas educacionais foi elaborado e concretizado na tentativa de corrigir as desigualdades sociais. Por isso, é imprescindível problematizar, discutir as desigualdades sociais e escolares a partir de uma concepção crítica de políticas educacionais, estabelecendo relações com a prática pe-dagógica junto aos alunos com deficiência. Esse recorte no estudo (alunos com deficiência) é devido à compreensão de que estes alunos representam de forma peculiar a contradição entre a democratização do acesso à educação escolar e os processos de seleção e exclusão produzidos pelo sistema educacional.

Podemos também postular pela importância do acompanhamento da implementação do PNAIC por meio de avaliações coletivas que possam propugnar por outros e novos encaminha-mentos. Assim, a avaliação é considerada um processo que subsidia a análise do processo de formação continuada de professores alfabetizadores, na direção de potencializar a escola como espaço de promoção do caráter multi e intercultural dos coletivos escolares via, neste caso, o processo de alfabetização/letramento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que as políticas educacionais precisam estar embasadas na compreensão de que os processos de desigualdades são gerados pela produção e reprodução estabelecida na sociedade, indo além das desigualdades afetas às escolas, como aponta Arroyo (2010, p. 1382),

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que enfatiza que “os estudos, as pesquisas e os debates sobre a relação entre educação e desi-gualdades têm sido um dos campos mais fecundos e instigantes no pensamento educacional progressista e na formulação e gestão, na análise e avaliação de políticas educativas”.

Por isso, análises sobre propostas de inclusão escolar e redução das desigualdades edu-cacionais precisam ter um olhar crítico e atento aos mecanismos que mantêm na condição de inferiores e desqualificados os coletivos historicamente marginalizados, mesmo quando se ad-voga pelo sucesso escolar deles. Sendo assim, discussões, análises e reflexões acerca das po-líticas que buscam contemplar as diversidades socioculturais na educação, como é o caso do PNAIC, especificamente ao prever atenção aos alunos com deficiência no processo de formação continuada dos professores alfabetizadores, tornam-se importantes como dispositivos de pro-blematização dos modos como a escola efetiva políticas que visam à redução das desigualdades. Acreditamos que a realização de pesquisas junto ao PNAIC, com foco no processo de formação continuada de docentes, na perspectiva da diversidade, é significativa, original e ino-vadora para a educação brasileira. Assim, pesquisar um programa ao tempo que está sendo implantado possibilita uma reflexão sobre a realidade, conhecendo-a e compreendendo-a para poder relacioná-la com a prática pedagógica junto aos alunos com deficiência e, em contraparti-da, trazer à tona algumas reflexões para possíveis contribuições a essa política educacional que objetiva a “superação das desigualdades sociais através da alfabetização”.

Os conhecimentos abordados na discussão sobre educação e diversidades socioculturais são complexos. Por isso, as pesquisas na educação voltadas a estes temas serão sempre de gran-de relevância, no sentido gran-de que pogran-dem contribuir para a mudança das estruturas dominantes da sociedade. Afinal, embora a diversidade sociocultural esteja mais presente nas discussões atuais sobre as políticas educacionais, ainda vemos nos espaços formativos a ausência ou insu-ficiência de debates e práticas comprometidas com a reorganização curricular, tendo em vista a diversidade como estruturante da sociedade e a necessidade do diálogo intercultural em todos os espaços sociais. Por isso, propomo-nos a continuar a estudar o programa em questão na perspectiva do multiculturalismo e da interculturalidade, a partir das ideias ensaiadas no pre-sente artigo.

REFERÊNCIAS

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Referências

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