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O dever de revelação do árbitro no direito comparado – Portugal e Brasil – e a responsabilidade civil pelo exercício de sua função

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DEPARTAMENTO DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

ESPECIALIDADE EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA

“LUÍS DE CAMÕES”

O DEVER DE REVELAÇÃO DO ÁRBITRO NO DIREITO

COMPARADO – PORTUGAL E BRASIL – E A RESPONSABILIDADE

CIVIL PELO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO

Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Autor: Renato Chagas Corrêa da Silva

Orientador: Professor Doutor Ricardo Lopes Dinis Pedro Número do candidato: 20151931

Junho de 2019

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Christiana, minha esposa, e aos meus filhos Maria Beatriz e Luiz Felipe, bem como à minha mãe Eloisa e ao meu amigo Ernesto Borges Neto, que me incentivaram a enfrentar o desafio do Mestrado em Portugal.

Externo também minha gratidão ao Professor Doutor Ricardo Pedro, orientador desta dissertação.

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RESUMO

A presente dissertação tem como intuito apresentar, inicialmente, a arbitragem em si, bem como a figura do árbitro e sua importância para o procedimento arbitral, em especial, os deveres que esse assume quando aceita participar deste certame. Este trabalho traz maior ênfase ao dever de revelação, conferindo-lhe especial atenção por se tratar de regra de cuidado que deve ser respeitada pelo árbitro antes, durante e após o encerramento da arbitragem, pois reflete na sua imparcialidade e independência. Esta dissertação busca, também, definir a extensão do dever de revelação, apresentando o enfoque que os códigos de éticas e regimentos internos das instituições arbitrais dão a essa obrigação, destacando também os deveres do árbitro, principalmente, os da imparcialidade e independência. Ademais, são apresentadas as guidelines da International Bar Association, explicando-se a sua natureza e aplicabilidade nas arbitragens internacionais e nacionais. Na segunda parte do trabalho é exposta a teoria da responsabilidade civil de modo geral e, em seguida, de forma exclusiva, do árbitro, explicitando-se a sua relação e suas diferenças para com o processo judicial. Com isso, busca-se definir a extensão da responsabilidade civil do árbitro em caso de descumprimento de seus deveres, com foco principal nos casos em que há violação do dever de revelação e as sanções e penalidades aplicadas ao árbitro infrator, seja de seara ética-disciplinar ou cível. Por fim, demonstra-se as consequências da violação do dever de revelação para com o processo arbitral em que esse descumprimento ocorre.

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ABSTRACT

The purpose of this dissertation is to present, initially, the arbitration itself, as well as the figure of the arbitrator and its importance for the arbitration procedure, especially the duties that the arbitrator takes when accept to participate in this procedure. This study places greater emphasis on the duty of disclosure, giving it special attention because it is a rule of care that must be respected by the arbitrator before, during and after the conclusion of the arbitration, as it reflects in its impartiality and independence. This dissertation also seeks to define the extent of the duty of disclosure, presenting the approach that the ethics codes and internal regulations of the arbitration institutions give to this obligation, also highlighting the duties of the arbitrator, especially, the impartiality and independence. Also, are presented the guidelines of the International Bar Association, explaining its nature and applicability in international and national arbitrations. In the second part of the paper, the theory of civil liability is exposed in general, and then exclusively, by the arbitrator, explaining their relationship and their differences to the judicial process. Therefore, it is sought to define the extent of the civil liability of the arbitrator in case of non-compliance with his duties, with a primary focus in cases where there is a violation of the duty of disclosure and the sanctions and penalties applied to the offending arbitrator, disciplinary or civil. Finally, the consequences of the violation of the duty of disclosure are demonstrated concerning the arbitration process in which such non-compliance occurs.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 7

2 ARBITRAGEM ... 10

2.1 CONCEITO E FINALIDADE DE ARBITRAGEM NO DIREITO COMPARADO – BRASIL E PORTUGAL ... 10

2.2 PANORAMA GERAL E APRECIAÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA ARBITRAGEM NO BRASIL E EM PORTUGAL ... 13

2.3 NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM ... 20

2.3.1 Natureza jurídica da convenção de arbitragem ... 21

2.3.2 Teorias sobre a Natureza Jurídica da Arbitragem ... 22

3 O ÁRBITRO ... 30 3.1 PERFIL E CAPACITAÇÃO ... 30 3.2 CARACTERÍSTICAS ... 34 3.2.1 Imparcialidade ... 35 3.2.2 Independência ... 36 3.2.3 Competência ... 37 3.2.4 Diligência ... 38 3.2.5 Discrição ... 39

3.3 DESIGNAÇÃO, ACEITAÇÃO, SUBSTITUIÇÃO E RECUSA ... 40

3.4 O DEVER DE REVELAÇÃO DO ÁRBITRO ... 47

3.5 NATUREZA JURÍDICA DA ATIVIDADE DO ÁRBITRO ... 61

4 RESPONSABILIDADE CIVIL ... 68

4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA – BREVES APONTAMENTOS ... 68

4.2 CONCEITOS GERAIS E FUNÇÃO ... 70

4.3 ESPÉCIES DA RESPONSABILIDADE CIVIL ... 72

4.3.1 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva ... 72

4.3.2 Responsabilidade civil contratual e extracontratual ... 74

4.4 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL ... 77

5 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ÁRBITRO ... 79

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5.2 RESPONSABILIDADE CIVIL NA ATIVIDADE JURISDICIONAL: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO JUIZ DE DIREITO E SUA RELAÇÃO

COM A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ÁRBITRO ... 80 5.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ÁRBITRO À LUZ DO DIREITO

COMPARADO: BRASIL E PORTUGAL ... 86 5.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DAS

OBRIGAÇÕES DO ÁRBITRO E A POSSIBILIDADE, OU NÃO, DE

ANULAÇÃO DE SUA DECISÃO ... 93

6 A RESPONSABILIDADE DO ÁRBITRO POR VIOLAÇÃO DO DEVER DE

REVELAÇÃO ... 102

6.1 A VIOLAÇÃO DO DEVER DE REVELAÇÃO ... 102 6.2 A RESPONSABILIZAÇÃO DO ÁRBITRO PELA VIOLAÇÃO AO DEVER

DE REVELAÇÃO: SANÇÕES E PENALIDADES ... 103 6.3 AS CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS EM RAZÃO DA VIOLAÇÃO AO

DEVER DE REVELAÇÃO PELO ÁRBITRO ... 107

7 CONCLUSÃO ... 111

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1 INTRODUÇÃO

Atualmente, a escolha pela arbitragem tem se destacado nas mais variadas disputas que envolvem direitos disponíveis, ao passo em que se observa, também, uma crescente demanda de discussões, principalmente contratuais e reparatórias, aliado ao abarrotamento e, consequente, morosidade do Poder Judiciário.

Embora praticado há muito tempo pela humanidade, o procedimento arbitral recebeu atenção legislativa há poucos anos, razão pela qual ainda não está livre de questionamentos e divergências.

O árbitro, por exemplo, assume tanto a função desempenhada na condução de um procedimento arbitral, quanto o exercício cognitivo que dá voz à decisão proferida no referido procedimento. E como toda atividade onde a natureza humana se faz presente, está sujeita à desvios e inconsistências, sejam referentes às disposições legais aplicáveis ao tema, ou àquelas definidas pelas próprias partes.

Assim, também, as câmaras arbitrais desempenham, por não poucas vezes, um papel relevante na condução do procedimento, na medida em que as partes depositam nelas sua confiança, seja para gerenciar o andamento, no que tange às atividades administrativas, seja para indicar, por meio de listas internas, os árbitros que irão decidir o litígio. E, tal como as atividades acima, também estão sujeitas a desvios por parte dos seus integrantes.

É a responsabilização por esses desvios, em especial, pela violação ao dever de revelação, que se pretende investigar no presente trabalho, em que se buscará, mediante análise da legislação comparada (Portugal e Brasil) e intepretação da legislação vigente, verificar a existência de elementos aptos a gerar o dever de indenizar.

Dentro desse contexto, esta dissertação propõe-se a discutir, como foco principal, qual a extensão do dever de revelação do árbitro, que, nada mais é do que um dos deveres que deve obrigatoriamente ser respeitado para que seja garantida a confiança depositada pela parte na arbitragem, bem como se incidente a teoria da responsabilidade civil sobre o árbitro na hipótese de violação dessa obrigação.

Valendo-se desse objetivo, o presente trabalho foi estruturado em cinco capítulos. O primeiro capítulo foi está destinado à arbitragem, oportunidade em que, além de discorrer sobre sua conceituação e finalidade, aborda-se o seu panorama geral, tanto em

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Portugal, quando no Brasil. Ademais, discorre-se quanto a natureza jurídica da arbitragem, demonstrando-se suas três correntes doutrinárias (contratual, jurisdicional e mista), concluindo-se pelo maior reconhecimento da corrente mista, vez que a origem da relação entre as partes decorre de um contrato, porém, o árbitro exerce função jurisdicional, tal qual o juiz de direito, ressalvadas as especificidades atreladas à arbitral.

Já o segundo capítulo trata-se da figura do árbitro, figura central da arbitragem, o qual exerce, como mencionado acima, função jurisdicional de administrar e conduzir o procedimento arbitral e, ao final, prolatar sua sentença arbitral. Ainda nesse capítulo apresenta-se a natureza jurídica da figura do árbitro, bem como as características atreladas ao mesmo, em especial, o seu dever de imparcialidade e independência, vez que estritamente ligadas a um dos focos do presente estudo, que é o dever de revelação.

O dever de revelação do árbitro ganhou especial atenção no presente estudo, oportunidade em que trata-se da sua definição e delimitação, valendo-se dos mais diversos códigos de conduta e ética, como, por exemplo, as Diretrizes da IBA sobre Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional (doravante Diretrizes da IBA) emitidas pela International Bar Association, as quais delineiam os casos concretos que devem ser objeto de cautela por parte do árbitro e das partes, de acordo com o nível de risco e gravidade a ser oferecido ao procedimento arbitral.

Na sequência, no terceiro capítulo, aborda-se, de forma geral e sintética, o instituto da responsabilidade civil. Trazendo sua evolução histórica, conceituação e função, bem como as espécies de responsabilidade, tudo com o intuito de esclarecer o mesmo, bem como preparar o terreno para o quarto capítulo, no qual trata-se, aí sim de forma específica, da responsabilidade civil do árbitro. Nesse capítulo, primeiramente e com o intuito de explicar a responsabilidade civil do árbitro, demonstra-se a relação entre a função jurisdicional do árbitro e do juiz de direito, suas similitudes e diferenças. Em seguida, adentra-se no instituto da responsabilidade do árbitro propriamente dito, tudo no direito comparado Portugal – Brasil. Por fim, depois de estabelecido e definido tal instituto, aventa-se quanto a responsabilidade civil decorrente da violação das obrigações do árbitro, bem como a possibilidade, ou não, de anulação de sua decisão, de acordo com o grau e consequência do dano.

Enfim, o quinto e último capítulo está dedicado a abordar a responsabilidade civil do árbitro no caso exclusivo de violação ao dever de revelação. Partindo-se das premissas apresentadas ao longo do presente estudo, alcança-se a definição da extensão do dever de

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revelação e as consequências incidentes sobre o árbitro na hipótese de sua violação, citando-se as sanções possíveis, tanto na esfera disciplinar, quanto cível, bem como as consequências de tal violação para com o procedimento arbitral em que tal violação ocorreu.

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2 ARBITRAGEM

2.1 CONCEITO E FINALIDADE DE ARBITRAGEM NO DIREITO COMPARADO – BRASIL E PORTUGAL

Inicialmente, cumpre mencionar a importância do Direito Comparado para o instituto da arbitragem diante de sua evolução e eficiência na atualidade. À frente disso, o papel do Direito Comparado é, no Direito da arbitragem, muito superior ao que assume na Ciência do Direito em geral.1

De acordo com a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional, mais de 93% dos contratos comerciais internacionais contêm cláusulas compromissórias de arbitragem. A arbitragem é, portanto, a forma por excelência pela qual se resolvem as disputas comerciais envolvendo partes de diferentes países.2

Considera-se que cerca de 90% dos contratos do comércio internacional contêm cláusulas arbitrais.3 Ainda que os diversos contratos não contenham cláusula compromissória,

é notadamente presumível que as partes optem pelo instituto da arbitragem quando estiverem diante de um determinado litígio inerente ao comércio internacional.

No mesmo sentido, a arbitragem é incontornável. Mais de 80% dos contratos internacionais comportam convenções de arbitragem: os litígios subsequentes ocupam, por todo o mundo, dezenas de milhares de juristas.4

Com base nesse raciocínio,

A arbitragem pode ser definida, assim, como o meio privado, jurisdicional e alternativo de solução de conflitos decorrentes de direitos patrimoniais e disponíveis por sentença arbitral, definida como título executivo judicial e prolatada pelo árbitro, juiz de fato e de direito, normalmente especialista na matéria controvertida.5

A arbitragem é um artifício notado pela liberdade das partes de preferir uma forma privada de resolução de conflitos à jurisdição estatal, e através do qual as partes têm a

1 CORDEIRO, António Menezes – Tratado da arbitragem: comentários à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, p. 25. 2 RANZOLIN, Ricardo – Capítulo 1 [capítulo sem nome], p. 3.

3 PINHEIRO, Luís de Lima – Arbitragem transnacional: a determinação do Estatuto da Arbitragem, p. 23. 4 CORDEIRO, António Menezes – Op. cit., p. 5.

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independência de escolher seu juiz, de moldar o procedimento na forma que lhes parece mais apropriada e de determinar as regras de direito aplicáveis ao direito.6 A arbitragem tem origem

na faculdade que ambas as partes têm em optarem pela contratação de um ou mais solucionadores de conflitos para dar fim ao litígio que não conseguiram resolver sozinhas.7

Nessa sequência, existem quatro elementos cruciais para a definição de arbitragem, quais sejam: a sua função jurisdicional (resolução de litígios), a fonte de que resultam (a convenção da arbitragem), os titulares da função arbitral (os árbitros) e o reconhecimento legal.8

A arbitragem institui o modo normal de resolução de diferendos no comércio internacional, ante o qual o recurso aos tribunais estaduais se apresenta como um meio secundário e subsidiário.9

Válido ainda destacar que a arbitragem pode ser delineada como o meio privado, jurisdicional e alternativo de solução de conflitos decorrentes de direitos patrimoniais e disponíveis, sendo considerado um meio de resolução de litígios de gênese milenar, o qual aprimorou-se com o passar dos anos e principalmente, com a promulgação Lei n. 9.307, em 23 de setembro de 1996 (Lei Brasileira de Arbitragem), em conformidade com o padrão internacional de arbitragem.10

Ademais, existe uma fórmula para a definição da arbitragem, sendo a noção desse instituto a situação jurídica decorrente da remissão, pelas partes, da composição de um litígio, para decisão de terceiros e que tal fórmula deve ser dividida em, basicamente, seis etapas/elementos: situação jurídica, remissão, partes, composição, litígio e decisão de terceiros.11

No elemento da situação jurídica, tem-se uma ocorrência relevante para o Direito. O procedimento arbitral é repleto de disposições, princípios e normas, sendo tal procedimento contínuo e complexo.12

6 GAILLARD, Emmanuel – Teoria Jurídica da Arbitragem Internacional, p. 2.

7 BLACKABY, Nigel [et al.] – Redfern and Hunter on international commercial arbitration, p. 4-5. 8 BARROCAS, Manuel Pereira – Manual de arbitragem, p. 32.

9 PINHEIRO, Luís de Lima – Arbitragem transnacional: a determinação do Estatuto da Arbitragem, p. 23. 10 CASELLA, Paulo Borba – Ratificação pelo Brasil da Convenção de Nova Iorque de 1958 – Internacionalização

do direito e relações entre internacional e direito interno, p. 26.; SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 2.

11 CORDEIRO, António Menezes – Tratado da arbitragem: comentários à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, p.

16.

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A remissão se traduz em um acordo livremente concluído já que no procedimento arbitral tem-se a emissão de uma decisão para o conflito de interesses das partes, realizada por um árbitro.13

Já no elemento pelas partes, no procedimento arbitral devem estar presentes, pelo menos, duas pessoas contrapostas, com posições distintas.14 Logo, ocorrendo uma situação em

que unilateralmente uma pessoa indaga um terceiro, existirá, então, uma consulta. A qual poderá ser de fato, juridicamente relevante, mas não poderá ser considerada arbitragem, já que o caso apresentado, não possui duas pessoas distintas.

A composição é a resolução de um caso controverso.15 Tal resolução evidencia-se

através de uma decisão proferida por um terceiro, a qual decidirá o litígio apresentado pelas partes.

Litígio é todo o caso no qual as partes tenham opiniões diversas, onde há controvérsia sobre uma situação. Litígio não envolve confronto: pode-se admitir situações nas quais ambas as partes tenham dúvidas, sem se defrontarem; tais dúvidas, todavia, não encontram uma saída consensual, o que nos habilita a falar em litígio.16

Por fim, a decisão de terceiros é aquela em que é entregue a um ou mais árbitros e comunicada às partes. Trata-se de uma entidade exterior às partes, designada por estas ou por um esquema cuja aplicabilidade resulta da convenção de arbitragem.17

A arbitragem busca, via de regra, constituir um modo de resolver litígios através da administração de uma justiça melhor; da obtenção de harmonia nos julgados; da continuação de uma justiça diferente; enfim, da resolução de controvérsias não essencialmente jurídicas, embora com efeitos jurídicos.18

Sendo que a sua finalidade pode ser, também, dividida em: “[...] resolução de litígios, interpretação de contratos, integração de lacunas contratuais e actualização de contratos [...]”.19 É evidente que a resolução de litígios seja o principal escopo desse instituto. Sendo que

as partes procuram a arbitragem a fim de solucionarem seus conflitos.

13 CORDEIRO, António Menezes – Tratado da arbitragem: comentários à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, p.

16.

14 Ibidem. 15 Ibidem. 16 Ibidem. 17 Ibidem.

18 BARROCAS, Manuel Pereira – Manual de arbitragem, p. 49. 19 Idem – Manual de arbitragem, p. 50.

(13)

2.2 PANORAMA GERAL E APRECIAÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA ARBITRAGEM NO BRASIL E EM PORTUGAL

Delineado o conceito e finalidade sobre a arbitragem, é necessário abordar breves considerações sobre a evolução e análise prospectiva do instituto. Nesse sentido, em que pese o processo de acomodação do instituto da arbitragem no Brasil, em seu sistema e cultura jurídica, tenha ocorrido de forma prolongada, a rapidez e a consistência com que tal instituto vem tomando forma é digna de ser notada. Em pouco mais de 20 anos, a arbitragem saiu do quase absoluto desconhecimento para um considerável estágio de desenvolvimento.

Frente ao Direito brasileiro, certo é que a arbitragem estava prevista no Código Civil brasileiro (Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916) entre os meios indiretos de pagamento, sob o título de compromisso (arts. 1.037 a 1.048), mas não encontrou larga utilização como meio de solução de conflitos, tendo em vista que, nos artigos 1.085 a 1.102, o antigo Código de Processo Civil brasileiro (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973) exigia a homologação do então denominado laudo arbitral (hoje, equivalente à sentença arbitral), por sentença judicial com todos os recursos inerentes.20

Logo, por mais que o instituto estivesse relativamente previsto no Código Civil brasileiro de 1916, não era utilizado como um meio alternativo de solução de conflitos, já que o Poder Judiciário se tornava um segundo grau de jurisdição da arbitragem. A arbitragem foi, de fato, concretizada, com o advento da Lei n. 9.307/1996.21

A Lei n. 9.307/1996 acabou com a necessidade de homologação judicial da sentença arbitral e equiparou o árbitro ao juiz togado no desempenho da arbitragem (art. 18), esclarecendo que a sua decisão é sentença e, como tal, constitui título executivo judicial (art. 515, inc. VII, do Código de Processo Civil brasileiro de 1973), fazendo coisa julgada material ao decidir o mérito do conflito.22

Além disso, dá-se ênfase na importância do Direito Comparado para o instituto da arbitragem e que, no Brasil, o Código de Processo Civil brasileiro de 1939 (Decreto-lei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939) regulou a arbitragem (arts. 1.031 a 1.046). A matéria passou para

20 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 2.

21 BRASIL. Presidência da República – Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos

do Brasil.; BRASIL. Presidência da República – Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem.

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os 1.702 a 1.102 do Código de Processo Civil brasileiro de 1973.23 Esses preceitos foram

revogados e substituídos pela Lei n. 9.307/1996.

Cita-se, também, em tópico de evolução histórica do instituto da arbitragem no Brasil, que a arbitragem tem tradições especiais, na Terra Brasileira. Desde logo, o dispositivo constante das ordenações aplicou-se, durante séculos, no Brasil. Teve, aí, aplicações interessantes, como modo de dirimir conflitos de terras. A Constituição do Império, datada de 1824, trazia em seu artigo 160 a afirmação de que nas causas cíveis e penais civilmente planejadas, poderão as partes nomear árbitros, cujas decisões/sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem estas convencionarem.24

Já em relação ao instituto da arbitragem perante o Direito Português, destaca-se que:

Não podemos, porém, deixar de concluir que a arbitragem em Portugal remonta à Idade Média e manteve, ao longo dos séculos, um regime permanente sobre os aspectos principais da função dos árbitros, a obediência ao princípio da vontade das partes expressa no compromisso, ao respeito da arbitragem pelos tribunais do Estado, ao apoio desde ao processo arbitral, designadamente na execução do laudo arbitral e, também, à diversidade dos critérios arbitrais de julgamento, isto é, a lei escrita na maioria dos casos e a equidade, quando as partes nisso acordassem, neste último caso com renúncia ao recurso.25

Nesse seguimento, a Revolução Francesa foi, de princípio, favorável à arbitragem. Nas linhas por ela traçadas, as Constituições portuguesas do século XIX – as Constituições de 1822 e 1838 e a Carta Constitucional de 1826 – consagraram a arbitragem. A Carta Constitucional portuguesa permitiu mesmo, aos particulares, renunciar ao recurso para os tribunais do Estado e informa que as sucessivas reformas judiciárias do século XIX reportaram-se à arbitragem, numa orientação que culminou nos artigos 44 a 58 do Código de Processo Civil português de 1876.26

No mesmo sentido, é válido destacar que à medida que o desenvolvimento econômico subsequente aos anos 1970, a intensificação das relações internacionais e as crescentes necessidades de especialização e de celeridade nas soluções de litígios conduziram ao incremento das arbitragens. Foi nessa ambiência que surgiram as versões portuguesas das

23 CORDEIRO, António Menezes – Tratado da arbitragem: comentários à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, p.

45.

24 Idem – Tratado da arbitragem: comentários à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, p. 44. 25 BARROCAS, Manuel Pereira – Manual de arbitragem, p. 55.

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Leis da Arbitragem Voluntária: Decreto-lei n. 243, de 17 de julho de 1984; Lei n. 31, de 29 de agosto de 1986; e a Lei n. 63, de 14 de dezembro de 2011.27

Logo, antes da substituição em Portugal da pela Lei n. 63/2011, a arbitragem voluntária encontrava-se regulada pela Lei n. 31/1986. E que por seu turno, a arbitragem institucionalizada – realizada através de centros de arbitragem de carácter permanente e pré-existentes ao litígio, reconhecidos e certificados pelo Ministério da Justiça – encontra-se regulada pela Lei n. 31/1986, bem assim, pelo Decreto-lei n. 425, de 27 de dezembro de 1986.28

Pode-se concluir, então, que a arbitragem no Direito Português foi instituída e concretizada pela legislação antes mesmo do Brasil e que atualmente, Portugal conta com a Lei n. 63/2011, restando acrescentar que a Lei n. 31/1986 vigorou durante 25 anos antes, até à sua modificação pela lei atual.

Ademais, em se tratando de análise prospectiva, segundo o ranking da Internacional Chamber of Commerce – a principal câmara de arbitragem comercial internacional –, o Brasil, em 2018, foi o quarto país do mundo em número de partes com procedimentos arbitrais.

A constitucionalidade de toda legislação conveniente à arbitragem brasileira se consagrou em julgamento do Pleno no Supremo Tribunal Federal, em 12 de dezembro de 2001, o qual julgou, por maioria dos votos, recurso em processo de homologação de sentença estrangeira (SE 5.206; relator Ministro Sepúlveda Pertence), consolidando, assim, jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça e nos tribunais estaduais e federais, a qual garantiu bases confiáveis para a evolução social do instituto.29

Logo, entende-se que os dizeres do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, “[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito [...]”, se traduz no princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional na negativa de uma obrigação imposta a um sujeito em ingressar com uma ação judicial ou na obrigação da escolha do instituto da arbitragem, mas sim, em uma opção e direito que este possui.30 Isto é, nenhuma

lei pode impor a aplicação compulsória da arbitragem.

27 CORDEIRO, António Menezes – Tratado da arbitragem: comentários à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, p.

24.

28 ABREU, Miguel Cancella de [et al.] – A arbitragem voluntária e a mediação de conflitos: legislação comentada

dos espaços de língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor), p. 237.

29 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 22. 30 Idem – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 23.

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Ainda nesse sentido, se assim o é, as partes podem ingressar no Judiciário e, se não quiserem, em razão do princípio da autonomia da vontade, podem optar pela via arbitral para dirimir os litígios decorrentes de direitos passíveis de transação (patrimoniais disponíveis).31

O instituto da arbitragem, no Brasil, ratificou-se como um meio salvo e eficaz para a obtenção de justiça e paz social. De fato, é um avanço institucional de grande valia, já que vivencia-se atualmente, tempos de obstrução da via judicial estatal. Nesse sentido, “O tratamento eficiente das disputas mostra-se essencial, visto que a multiplicação de sua ocorrência é uma realidade inegável e inexorável [...]”.32

A presente sociedade, tão hiperdinâmica, requer, imperiosamente, a existência de um sistema jurídico e de métodos de resolver controvérsias que sejam igualmente ágeis, atualizados e idôneos para pacificar uma sociedade convulsionada. Sendo cada vez maior o número de transações efetuadas, têm sido potenciados os conflitos que delas emergem, bem como as formas de sua solução.33

Ademais, 102 milhões de ações tramitaram no Judiciário brasileiro em 2016. Não obstante tal análise, ainda que em 2017 tenha ocorrido uma queda para 80 milhões de processos, a projeção realizada pelo próprio Conselho Nacional de Justiça brasileiro é de que deve chegar à marca de 114,5 milhões o número de processos em tramitação na justiça brasileira em 2020, se a quantidade de ações continuarem superando a capacidade do Poder Judiciário de julgar.34

Nessa perspectiva, ainda que tenha ocorrido uma melhora em relação ao tempo de tramitação dos processos, o qual ingressou em ritmo de declínio em 2017, passando de cinco anos e sete meses, em média, em todo o Poder Judiciário brasileiro em 2016, para cinco anos e um mês em 2017, a morosidade na tramitação dos processos no Poder Judiciário ainda é um fato que conduz tanto pessoas físicas, quanto pessoas jurídicas a optarem pelo instituto da arbitragem.35

Nesse sentido, o instituto da arbitragem é de utilidade para as partes, que evitam perdas ou demora na solução da lide mediante composição, principalmente ante a pletora de feitos que assoberba o Poder Judiciário.36

31 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 22. 32 TARTUCE, Fernanda – Mediação nos conflitos civis, p. 9.

33 Ibidem.

34 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça – Justiça em números 2017: ano-base 2016. 35 Ibidem.

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A necessidade de um meio alternativo de resolução de conflitos foi, também, efeito de uma influência mundial, que há uma robusta tendência percebida nos ordenamentos alienígenas ocidentais, com clara inspiração anglo-saxã, no estabelecimento e desenvolvimento de instrumentos pré-processuais.37

Nessa vertente, a proposta de Sander consistia na inserção dos meios alternativos de resolução de conflitos no próprio sistema de justiça estatal, de molde a efetivar o modelo “multiportas”. A partir do desenvolvimento de tal arquétipo, os Tribunais passariam a contar com Centros de Soluções de Conflitos anexos, por meio dos quais os cidadãos acessariam meios distintos de resolução de conflitos (mediação, arbitragem, factfinding, dentre outros).38

Esse novo período estabelece o desestímulo à litigância e fomento à conciliação e um desapego à tradicional visão de que só o Poder Judiciário português pode tutelar direitos.39

Na ordem jurídica portuguesa, a institucionalização de modos não jurisdicionais de resolução de conflitos tem assento constitucional (art. 202.º/4, da Constituição da República Portuguesa de 1976).40

O Ministério da Justiça português fez uma consulta pública sobre a resolução alternativa de conflitos que conduziu à Lei n. 78, de 13 de julho de 2001, sobre os julgados de paz. Posteriormente, a Resolução do Conselho de Ministros n. 175, de 28 de dezembro 2001, reafirmou o firme propósito de promover e incentivar a resolução de litígios por meios alternativos, como a mediação e a arbitragem, vez que possuem procedimentos mais céleres, informais, econômicos e justos de administração e realização de justiça.41

Logo, as vantagens existentes no instituto da arbitragem sobrepõem às existentes ao ingresso de uma ação judicial no Poder Judiciário. Na arbitragem, subsiste a especialidade: enquanto magistrados são generalistas, os árbitros podem ser nomeados pelas partes por suas qualidades técnicas, o que dispensa nomeação de peritos (nem sempre de confiança dos interessados).

37 CAVACO, Bruno de Sá Barcelos – Desjudicialização e resolução de conflitos: a participação procedimental

e o protagonismo do cidadão na pós-modernidade, p. 223.

38 Idem – Desjudicialização e resolução de conflitos: a participação procedimental e o protagonismo do cidadão

na pós-modernidade, p. 130.

39 Idem – Desjudicialização e resolução de conflitos: a participação procedimental e o protagonismo do cidadão

na pós-modernidade, p. 135 e 232.

40 PINHEIRO, Luís de Lima – Arbitragem transnacional: a determinação do Estatuto da Arbitragem, p. 48. 41 Ibidem.

(18)

Dessa forma, na arbitragem, é possível nomear um árbitro especialista na matéria controvertida ou no objeto do contrato entre as partes. A solução judicial de questões técnicas impõe a necessária perícia que, além do tempo que demanda, muitas vezes não conta com especialista de confiança das partes do ponto de vista técnico.42

Sendo que a exclusão da publicidade e a procura dos melhores e mais competentes julgadores, a melhor compreensão por estes das regras próprias do comércio e do modo como é exercido, dos seus usos e da sua tecnicidade constituem, igualmente, argumentos tradicionalmente invocados em favor da arbitragem.43

Quanto à rapidez; os árbitros tendem a atuar de forma objetiva, precisa e célere, dentro do prazo fixado pelas partes. Caso não exista previsão contratual, deverão concluir o procedimento em seis meses. Ao contrário, o processo judicial tende a morosidade decorrente das inúmeras fases processuais e meios protelatórios de que as partes poderão se utilizar.

Na arbitragem, o procedimento adotado pelas partes é abissalmente mais célere que o procedimento judicial.44 Tal objetivo, se consegue reduzindo o formalismo e as

especiosidades dos tribunais, evitando uma jurisprudência viciada pelo peso do julgado precedente e pelo distanciamento à realidade subjacente ao litígio.45

No que se refere à irrecorribilidade; a sentença arbitral equivale à sentença judicial transitada em julgado. A sentença arbitral vale o mesmo que uma sentença judicial transitada em julgado e não é passível de recurso.46

Já no Direito Português, conforme a Lei n. 31/1986, em seu artigo 26:

- 1. A decisão arbitral, notificada às partes e, se for caso disso, depositada no tribunal judicial nos termos do art. 24.º, considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário;

- 2. A decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de 1.ª instância.47

42 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 7. 43 BARROCAS, Manuel Pereira – Manual de arbitragem, p. 49.

44 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Op. cit., p. 7. 45 BARROCAS, Manuel Pereira – Op. cit., p. 49. 46 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Op. cit., p. 7.

47 ABREU, Miguel Cancella de [et al.] – A arbitragem voluntária e a mediação de conflitos: legislação comentada

dos espaços de língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor), p. 222.

(19)

Ainda no mesmo sentido, no Direito Português, em se tratando de matéria de arbitragem voluntária, tópico de impugnação de decisões arbitrais, prevalece uma corrente dualista, em que existe a ação de anulação e os recursos ordinários – lembrando que as partes podem abdicar de ambos. Logo, em seus dizeres, temos que “[...] há, assim, uma solução dualista assente, por um lado, na acção de anulação intentada no tribunal de comarca e, por outro, na interposição de recurso para o tribunal da Relação.”48 Sendo que tal corrente dualista

deve ser ajustada da seguinte forma:

(i) Com a inversão da regra de recurso – uniformizando também, nesta matéria, o regime da arbitragem nacional com o regime da arbitragem internacional – prevendo-se, eventualmente, a regra da irrecorribilidade, salvo disposição em contrário das partes.

(ii) Com a uniformização de regimes aplicáveis à acção de anulação e ao recuso da decisão arbitral. Não nos parece fazer sentido que a acção de anulação possa ser intentada junto ao Tribunal de comarca e que o recurso da mesma decisão seja interposto no Tribunal da Relação.49

Outra vantagem da arbitragem é a informalidade que esse instituto possui, sendo possíveis às partes as escolhas do procedimento e do direito material a ser utilizado.

Quanto à confidencialidade; a arbitragem é sigilosa em razão do dever de discrição do árbitro, enquanto o procedimento judicial é, em regra, público. Nesse sentido, o artigo 13, da brasileira Lei n. 9.307/1996 informa que: “Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. [...] § 6º No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.”50

No mesmo sentido, se as partes convencionarem o sigilo quer na convenção de arbitragem, quer por ocasião do início do procedimento arbitral na assinatura do termo inicial de arbitragem, o procedimento deverá ser sigiloso e manterá essa característica durante eventual fase de execução perante o Poder Judiciário, obrigando o árbitro em razão do dever de discrição insculpido no artigo 13, § 6º, da brasileira Lei n. 9.307/1996, o que não ocorre no procedimento judicial que, em regra, é público.51

48 ABREU, Miguel Cancella de [et al.] – A arbitragem voluntária e a mediação de conflitos: legislação comentada

dos espaços de língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor), p. 240.

49 Idem – A arbitragem voluntária e a mediação de conflitos: legislação comentada dos espaços de língua

portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor), p. 241.

50 BRASIL. Presidência da República – Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. 51 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 8.

(20)

Enfim, sabe-se que a sociedade é culturalmente litigante. Principalmente no Brasil, onde constata-se um abarrotamento do judiciário com o ajuizamento de demandas que discutem os mais diversos assuntos. Logo, é evidente que a progressão de instituições jurídicas informais e eficazes retratam a principal mudança e base para o desenvolvimento socioeconômico. Tal constatação rendeu até mesmo o prêmio Nobel de Economia para Douglass Cecil North (1920-2015) em 1993.52

Tal celeuma está ratificada no Novo Código de Processo Civil brasileiro, instrumentalizado pela Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, entrou em vigência em 18 de março de 2016, o qual nos trouxe a sensação de pacificação, especialmente no tocante ao descongestionamento dos Tribunais, com o intuito de viabilizar uma transformação cultural que se deseja alcançar futuramente.53 Sendo assim, é de extrema importância compreender,

inicialmente, os breves pilares do instituto da arbitragem antes de adentrarmos aos tópicos seguintes da presente dissertação.

2.3 NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM

É certo que o tema “natureza jurídica da arbitragem” nunca foi unânime diante das diversas discordâncias entre doutrinas no que diz respeito às suas teses. E justamente pela falta de consensualidade, é que ocorrem intensos debates sobre o assunto desde a primeira metade do século XX.

O estudo do tema é de extrema relevância diante do foco que a dissertação propõe. Isto porque, ao analisar as principais teses da natureza jurídica desse instituto, tal estudo nos conduzirá, necessariamente, à compreensão da atividade, atribuições e deveres do árbitro. E, também, a uma importante análise da natureza jurídica da convenção de arbitragem, condição sine qua non do instituto da arbitragem.

52 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 8.

(21)

2.3.1 Natureza jurídica da convenção de arbitragem

Considera-se o estudo da natureza jurídica da convenção de arbitragem a fonte principal para entender a natureza jurídica do instituto.54 A vista disso, observa-se que é

praticamente unânime a doutrina que considera a convenção de arbitragem um negócio jurídico: A convenção de arbitragem é um negócio jurídico. As partes podem livremente celebrar ou não a convenção de arbitragem e, respeitando os limites da lei, podem também livremente modelar o seu conteúdo. É, assim, um acto de autonomia privada, para o qual as partes têm liberdade de celebração e de estipulação e a que se aplica o regime geral do negócio jurídico, com as especialidades ditadas pela sua natureza e pela existência de uma regulação legal especial, de origem nacional ou internacional.55

O negócio jurídico é assim caracterizado pela sua finalidade de resolver um litígio, podendo dar lugar a uma exceção de preterição de tribunal arbitral, pois retira competência ao tribunal judicial.56

Em seus ensinamentos, Scavone57 não afirma com palavras que a convenção de

arbitragem seja um negócio jurídico. Entretanto, esse autor deixa suficientemente claro que corrobora com a ideia de Barrocas58 ao informar que:

Ninguém é obrigado a se submeter a qualquer solução alternativa de conflitos. Isto porque a solução arbitral somente pode ser adotada em razão da vontade das partes. Em outras palavras, somente se houver um acordo de vontades. Assim ocorrendo, em razão do princípio da autonomia da vontade e, consequentemente, da obrigatoriedade das convenções, caso uma das partes resolva acessar a via judicial, o juiz será obrigado a extinguir o processo sem julgamento do mérito.59

Ao delimitar o tema para “natureza jurídica da convenção de arbitragem”, duas correntes são discutidas nas doutrinas: se se trata de um negócio jurídico substantivo ou de um negócio jurídico-processual.

54 BARROCAS, Manuel Pereira – Manual de arbitragem, p. 40. 55 Idem – Manual de arbitragem, p. 143-144.

56 Idem – Manual de arbitragem, p. 40.

57 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 83-84. 58 BARROCAS, Manuel Pereira – Op. cit., p. 40.

(22)

Na corrente da natureza jurídico-processual, a convenção de arbitragem produz essencialmente efeitos processuais (atribuição de competência ao tribunal arbitral e exceção processual perante os tribunais estaduais). Já quando este constitui-se de um negócio autônomo possuirá, portanto, natureza jurídico-processual.60

Entende-se que a convenção de arbitragem vai além da perspectiva puramente processual de resolução de conflitos, de modo que

A opção pela sentença arbitral como meio de resolução do litígio, em lugar de uma sentença judicial, constitui um interesse que entra igualmente no conjunto de interesses auto-regulados pelas partes, que no caso da opção pela arbitragem é efectuado na convenção de arbitragem. Ao contrário do que sustenta a doutrina processualista, o interesse relevante não constitui, assim, a mera resolução do litígio, mas sim a resolução do litígio segundo certo modo – a arbitragem no seu todo.61

Logo, após concluir-se que a natureza jurídica da convenção de arbitragem se caracteriza em um negócio jurídico, é perfeitamente claro que as partes somente submeterão um litígio ao instituto se assim estiverem de acordo.

Ademais, ao se analisa, a seguir, as teorias mais comuns da natureza jurídica do instituto, poder-se-á compreender além das atividades e deveres do árbitro, a função e soberania do Tribunal Arbitral.

2.3.2 Teorias sobre a Natureza Jurídica da Arbitragem

Conforme explanado anteriormente, não existe consensualidade na doutrina sobre as teses da natureza jurídica do instituto da arbitragem. Sobretudo, são fundamentalmente três as teorias sobre a natureza jurídica da arbitragem: a teoria Contratual, a Jurisdicional e a Mista ou Híbrida.

A teoria Contratual como o propriamente dita, assegura que a arbitragem possui natureza contratual. À vista de tal teoria, “[...] o Estado não tem qualquer controlo sobre a arbitragem [...]”.62 Ou seja, já que a convenção de arbitragem é caracterizada como um negócio

jurídico (conforme demonstrado no tópico anterior), o instituto da arbitragem, obrigatoriamente, terá que resultar da vontade das partes.

60 PINHEIRO, Luís de Lima – Arbitragem transnacional: a determinação do Estatuto da Arbitragem, p. 86. 61 BARROCAS, Manuel Pereira – Manual de arbitragem, p. 40.

(23)

Nesse seguimento:

A intervenção do Estado, nomeadamente para conferir eficácia ao processo arbitral e, sobretudo, para assegurar a exequibilidade da sentença arbitral, é meramente auxiliar, por ser ele que detém o jus imperii, mas isso nada tem a ver com a essência da arbitragem. Todo o processo, a sua razão de ser, a sua fonte ou origem, bem como a nomeação do árbitro, as próprias regras do processo e o direito aplicável, se as partes assim o desejarem, bem como o impulso processual, tudo reside ou tem origem e razão de ser na vontade das partes.63

Ademais, como o Estado não tem qualquer interferência na decisão proferida pelo árbitro, tal teoria é caracterizada, também, como teoria privatista.

Para o Direito português, as divergências jurisprudenciais são claras, já que tal corrente é visivelmente incompatível com o regime jurídico a que a arbitragem está submetida nos sistemas aqui considerados, uma vez que os árbitros não estão sujeitos às instruções das partes quando à decisão são do mérito da causa (salvo quanto à possibilidade de uma decisão de equidade e, na arbitragem transacional, quanto ao Direito aplicável) e que a decisão arbitral goza de eficácia jurisdicional independentemente de homologação judicial.64

A teoria Contratual, conferindo autonomia, na arbitragem (ritual), à parcela arbitral, reconduzi-a ao Direito privado. Essa natureza não seria perdida pelo fato de se exigir, ao juiz do Estado, um decreto para conferir eficácia executiva à decisão arbitral, uma vez que ele teria de se limitar a sancionar ou a recusar, sem poderes de alteração, a opção dos árbitros.

Frente ao Direito brasileiro, com o advento da Lei n. 9.307/1996, a teoria Contratual foi praticamente extinta, já que a legislação concedeu à sentença arbitral condição de título executivo judicial, dispensando-se, assim, homologação do Poder Judiciário.

Dessa forma,

A lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, acabou com a necessidade de homologação judicial da sentença arbitral e equiparou o árbitro ao juiz togado no desempenho da arbitragem (art.18), esclarecendo que a sua decisão é sentença e, como tal, constitui título executivo judicial (CPC, art. 515, VII), fazendo coisa julgada material ao decidir o mérito do conflito.65

Confrontando a teoria Contratual, temos a teoria Jurisdicional.

Para o Direito brasileiro, é inquestionável a natureza jurisdicional da arbitragem. Isto porque após a promulgação e publicação da Lei Brasileira de Arbitragem, Lei n.

63 BARROCAS, Manuel Pereira – Manual de arbitragem, p. 43.

64 PINHEIRO, Luís de Lima – Arbitragem transnacional: a determinação do Estatuto da Arbitragem, p. 183. 65 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 2.

(24)

9.307/1996, a sentença proferida pelo árbitro não institui apenas um parecer ou laudo, mas sim sentença, tendo robustez e soberania própria, constituindo um título executivo judicial, independente de homologação do Poder Público: “Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”66

O antigo Código de Processo Civil (Lei n. 5.869/1973) foi alterado pela Lei n. 13.105/2015, instituindo o Novo Código de Processo Civil, ratificando, assim, os dizeres do artigo mencionado, ao incluir a sentença arbitral no elenco dos títulos executivos judiciais: “Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: [...] VII - a sentença arbitral.”67

Além disso, o mesmo Novo Código nos traz os seguintes dizeres:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.68

Dessa forma, a arbitragem hoje possui a mesma força de uma sentença judicial transitada em julgado, até porque o Novo Código de Processo Civil coloca a decisão arbitral (sentença) no rol dos títulos executivos judiciais. Destaca-se ainda que a natureza jurídica da arbitragem trata-se, a toda evidência, de atividade jurisdicional.69

Em outras palavras; quando os árbitros examinam e decidem um litígio, nos limites que lhe são atribuídos na convenção arbitral, a sua atividade é, em tudo e por todo, de idêntica natureza àquela atribuída aos juízes oficiais. O seu dever é pronunciar-se de acordo com a justiça, abstraindo-se de qualquer consideração pessoal relativa às partes litigantes.70

Ainda, na mesma linha de pensamento:

[...] o novo procedimento arbitral, uma vez instaurado, em tudo se equipara à jurisdição oficial, já que nem mesmo o compromisso depende necessariamente de intervenção oficial, nem tampouco a sentença arbitral tem sua eficácia subordinada a qualquer crivo de aprovação em juízo [...].71

66 BRASIL. Presidência da República – Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. 67 Idem – Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

68 Ibidem.

69 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 3.

70 CARREIRA ALVIM, José Eduardo – Comentários à Lei de Arbitragem: Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996,

p. 41.

(25)

Percebe-se, então, que a jurisdição não seria um domínio do Estado. A tese jurisdicional deixa claro que os árbitros são independentes ao proferirem as suas decisões. O Estado, por meio de dispositivos legais, apenas concede poderes aos árbitros (escolhidos pelas partes) para solucionarem um litígio, assim como tal poder é delegado aos magistrados.

No mesmo sentido, pode-se encontrar no artigo 42, do Novo Código de Processo Civil, o amparo para tal lição: “[...] As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei.”72

Ademais, jurisdição significa dizer o direito, ou seja, é o poder conferido a alguém, imparcial, para aplicar a norma e solucionar o conflito por meio do processo, prolatando sentença capaz de produzir coisa julgada material e, nessa medida, pode ser imposta aos litigantes.73

E faz-se remissão, ainda, à doutrina de que:

A natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição. O árbitro exerce jurisdição porque aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existe entre as partes. A arbitragem é instrumento de pacificação social. Sua decisão é exteriorizada por meio de sentença, que tem qualidade de título executivo judicial, não havendo necessidade de ser homologada pela jurisdição estatal. A execução da sentença arbitral é aparelhada por título judicial [...].74

A natureza jurídica da arbitragem, via de regra, é de jurisdição. O árbitro pode exercer jurisdição porque aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existia, até então, entre as partes. A arbitragem é, portanto, instrumento de pacificação social. Sua decisão é exteriorizada por meio de sentença, que perfaz-se, inclusive, de título executivo judicial (art. 584, inc. III, do Novo Código de Processo Civil), não havendo necessidade de ser homologada pela jurisdição estatal. A execução da sentença arbitral é aparelhada por título judicial, sendo passível de embargos do devedor com fundamento no Novo Código artigo 741 (título judicial), segundo artigo 33, § 3°, da brasileira Lei n. 9.307/1996.75

72 BRASIL. Presidência da República – Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. 73 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 4.

74 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade – Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, p. 1.758.

75 BRASIL. Presidência da República – Op. cit.; BRASIL. Presidência da República – Lei n. 9.307, de 23 de

(26)

Já frente ao Direito Português, o conceito da teoria Jurisdicional está consolidado na tese de que pertence ao Estado controlar e regular a arbitragem. A arbitragem apenas existe e é reconhecida porque a lei assim o quer.76

Isto porque a jurisdição não é apenas a função estadual reservada aos órgãos estaduais do terceiro poder. Pelo contrário, a função jurisdicional inclui a jurisdição não estadual. É que a aceitação de uma jurisdição fora do Estado advém do princípio de que a resolução de conflitos pode ser obtida por particulares, através de outros meios de composição de forma priva. Assim, em conformidade com este conceito, diga-se, “jurisdição fora do Estado” e com a ideia de que essa jurisdição pode ser exercida por particulares, que estende-se à arbitral uma função jurisdicional.

Ademais, em relação aos tribunais arbitrais, vale salientar que no ordenamento jurídico português, o Estado intervém na implementação e mesmo na fiscalização do funcionamento de alguns centros de arbitragem institucionalizada, o que não pode ser esquecido no momento de determinar a responsabilidade civil do Estado.77

Diante da teoria Jurisdicional os árbitros desempenham, assim, uma função pública, recebem diretamente da lei o poder de julgar. A única diferença entre o juiz e o árbitro reside no facto de o primeiro receber o seu poder diretamente da soberania do Estado, enquanto o árbitro recebe o seu poder igualmente da soberania do Estado, mas sua nomeação é da competência das partes.78

Existem divergências a respeito de tal teoria perante as doutrinas do Direito Português. Isso porque, não se sustenta e se acredita que para os tempos modernos tal teoria está ultrapassada, à medida que esta concepção de arbitragem não corresponde ao que modernamente se considera arbitragem, sobretudo a arbitragem comercial internacional.79

Nesse sentido, a Professora Isabel Magalhães Colaço (1926-2004), autora da Lei de Arbitragem Voluntária Portuguesa, revestiu à data um carácter bastante inovador. Não só visava substituir o então muito criticado Decreto-lei n. 243/1984, como assumia na sua exposição de motivos a ideia fundamental de que a constituição e o funcionamento dos tribunais arbitrais devem desvincular-se de toda a desnecessária ou desrazoável intervenção dos tribunais

76 BARROCAS, Manuel Pereira – Manual de arbitragem, p. 42.

77 PEDRO, Ricardo – Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça:

fundamento, conceito e âmbito, p. 575.

78 BARROCAS, Manuel Pereira – Op. cit., p. 43. 79 Ibidem.

(27)

judiciais, reconhecendo-se às partes, dentro do s limites fixados na lei, o poder e o dever de forjar soluções requeridas para a correta atuação da instituição arbitral.80

Quanto aos tribunais arbitrais voluntários e sua função jurisdicional:

Os tribunais arbitrais apresentam-se como meios alternativos à administração da justiça clássica, exercem funções materialmente jurisdicionais, têm natureza privada e são competentes para a resolução de certos litígios de acordo com o critério de arbitrabilidade admitido por cada ordenamento jurídico.81

Ainda, os autores fazem uma crítica à doutrina Portuguesa, destacando que esta “[...] está directamente relacionada a excessiva judicialização dos Tribunais Arbitrais [...]” e faz remissão aos ensinamentos de Manuel Pereira Barrocas, citando que “[...] hoje, a intervenção judicial assume, em regra, duas vertentes essenciais: uma primeira de apoio ao processo arbitral e uma segunda de fiscalização da legalidade de sua actuação [...]”.82

A teoria Jurisdicional sustenta que:

Para quem recuse o dogma do monopólio estadual da actividade jurisdicional, nada obsta a que um processo privado seja jurisdicional e que uma decisão privada seja jurisdicional. Este modo de ver as coisas poderá permitir uma melhor compreensão de certos aspectos do regime jurídico da arbitragem que não sejam reconduzíveis a uma relação contratual.83

Ademais, antigamente a teoria Contratual era a mais aceita diante da realidade do instituto da arbitragem, entretanto, “[...] posteriormente, a matéria foi reconstruída reconhecendo-se, na arbitragem (ritual), uma estrutura jurídico-privada prevista na lei, à qual é conferido o atributo da judicialidade, de tal modo que está ainda em causa a função jurisdicional.”84

Diante do embate de ideias frente aos Direitos Português e Brasileiro no tocante às teses contratual e jurisdicional, surge, então, a teoria Mista ou Híbrida.

A teoria Mista pode ser conceituada, basicamente, na aplicação/benefício das ideias centrais das teses contratual e jurisdicional, sendo a origem da tese de natureza contratual e o

80 ABREU, Miguel Cancella de [et al.] – A arbitragem voluntária e a mediação de conflitos: legislação comentada

dos espaços de língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor), p. 237.

81 PEDRO, Ricardo – Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça:

fundamento, conceito e âmbito, p. 539-540.

82 ABREU, Miguel Cancella de [et al.] – Op. cit., p. 237.

83 PINHEIRO, Luís de Lima – Arbitragem transnacional: a determinação do Estatuto da Arbitragem, p. 184. 84 CORDEIRO, António Menezes – Tratado da arbitragem: comentários à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, p.

(28)

objeto de natureza judicial. No entanto, “[...] Its judicial object must not be confused with the purely contractual consequences to which it gives rise.”85

A teoria Mista foi criada em 1952, por Georges Sauser-Hall (1884-1966), autor do projeto A Arbitragem em Direito Internacional Privado. Sauser-Hall sustentando que a arbitragem, ainda que extraindo a sua eficácia de acordo das partes que se manifesta pelo contrato de arbitragem, tem um caráter jurisdicional implicando a aplicação de regras jurídicas processuais.86

A teoria Mista como a combinação das teses contratual e jurisdicional e que tal teoria confere à arbitragem uma percepção mais contemporânea com a sua realidade atual, em consonância com a lei modelo da United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL) que visa uniformizar, tanto quanto possível, as leis arbitrais do mundo.87

Importante ressaltar que sem a vontade contratual das partes não haveria arbitragem, porém, sem a vontade do sistema normativo, a arbitragem não seria mais do que um sistema de difíceis mediações, sem qualquer possibilidade de imposição das decisões às partes que as não quisessem respeitar.88

Para essa tese, a arbitragem aglutina elementos da tese jurisdicionalista e da tese contratualista. Da segunda, porque considera que, sem a convenção de arbitragem, não existe verdadeira arbitragem. Da primeira, porque, sem elementos do direito público, a arbitragem dificilmente funcionaria e seria eficaz, tais como a força de caso julgado da sentença arbitral, o reconhecimento de que os árbitros exercem uma função jurisdicional e que a sentença por eles proferida tem o mesmo valor jurídico de uma sentença de que um tribunal judicial.89

Diante das constatações a respeito da natureza jurídica da arbitragem, podemos concluir que a teoria mais plausível a ser aplicada seria a teoria Mista. Dado que, estamos à frente do poder que o Estado institui de controlar e delegar funções e atribuições aos árbitros e magistrados e, também, da autonomia da vontade que as partes possuem de instaurar o procedimento arbitral através da convenção de arbitragem. Logo, a presente dissertação é amparada e fundamentada na teoria Mista.

85 “O seu objeto judicial não pode ser confundido com as consequências contratuais a que dá origem.” (tradução

livre). GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John – Fouchard, Gaillard, Goldman on International Commercial Arbitration, p. 607.

86 PINHEIRO, Luís de Lima – Arbitragem transnacional: a determinação do Estatuto da Arbitragem, p. 186. 87 BARROCAS, Manuel Pereira – Manual de arbitragem, p. 44.

88 MENDES, Armindo Ribeiro [et al.] – Lei da Arbitragem Voluntária anotada, p. 108. 89 BARROCAS, Manuel Pereira – Op. cit., p. 44.

(29)

Nesse sentido, tal teoria à medida que ensina que a tese Mista coloca no seu lugar atual a arbitragem e dá conteúdo científico à sua realidade econômica e sociológica, verificável sobretudo no comércio internacional: a necessidade do comércio dispor de um modo rápido, desligado de peias dos sistemas judiciários nacionais, e seguro de resolução dos litígios que possam surgir.90

Ainda no mesmo sentido, tal teoria, acreditando que é a teoria Mista a que se ajusta melhor aos sistemas consultados. Enquanto processo, a arbitragem voluntária, tal como é configurada pelos principais sistemas, tem uma natureza mista contratual-jurisdicional, visto que, se tem um fundamento contratual, constitui uma atividade jurisdicional e conduz a uma decisão com eficácia jurisdicional.91

Se houver uma cláusula arbitral, significa que, previamente, as partes concordaram em levar o litígio à solução de um árbitro ou de um tribunal arbitral, de tal sorte que a solução será rápida, informal e virá em tempo abissalmente menor que aquele necessário para a solução judicial.92

Logo, estamos diante da tese de natureza jurídica contratual. Já que as partes, ao concordarem em levar o litígio à solução de um árbitro ou de um tribunal arbitral, optam por redigirem um contrato privado em que o foco principal será a autonomia da vontade das partes. Ainda, ao final, de qualquer forma, o resultado será um título executivo judicial. Sendo certo que as medidas de urgência (tutelas antecipadas e cautelares) deferidas pelo árbitro, bem como a execução da sentença, ainda são levadas a efeito junto ao Poder Judiciário, que as materializa.93 Ou seja, a intervenção do Poder Judiciário também se faz presente no instituto da

arbitragem. Logo, está-se diante da tese de natureza jurídica jurisdicional.

Verifica-se, então, que o árbitro recebe as mesmas atribuições e obrigações que um magistrado, exercendo, dessa forma, função jurisdicional. Do mesmo modo, a figura do árbitro no instituto da arbitragem somente se fará presente caso as partes decidam-se pela convenção de arbitragem, a qual, conforme explanado no tópico anterior, é caracterizada como um negócio jurídico privado.

90 BARROCAS, Manuel Pereira – Manual de arbitragem, p. 45.

91 PINHEIRO, Luís de Lima – Arbitragem transnacional: a determinação do Estatuto da Arbitragem, p. 187. 92 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio – Manual de arbitragem: mediação e conciliação, p. 6.

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3 O ÁRBITRO

3.1 PERFIL E CAPACITAÇÃO

O árbitro é a pessoa física designada para julgar eventual controvérsia, podendo ser eleito tanto pelas partes envolvidas no conflito ou, se elas assim preferirem, pela câmara de arbitragem. Trata-se, portanto, de um terceiro, estranho ao conflito estabelecidos entre os interessados, a quem se confia sua resolução.

A importância dos árbitros é tamanha para a arbitragem que leva inúmeros doutrinadores a afirmarem que a sua seleção é elemento crucial à qualidade do procedimento arbitral, pois a arbitragem é governada por uma regra de ouro “a arbitragem vale o que vale o árbitro”.94 Sendo que esse princípio é reconhecido pela doutrina majoritária.95 Considerando

assim ser o árbitro responsável pela condição sine qua non do processo arbitral, mas esse não pode ultrapassar a qualidade desse árbitro.96

Em virtude do que foi mencionado, em sua função exerce verdadeiro “múnus público”, sendo assim assume a responsabilidade de assegurar a Justiça aos casos que lhes são submetidos, análoga a função dos órgãos Jurisdicionais.

Segundo preconiza a brasileira Lei n. 9.307/1996 que regulamenta a arbitragem no Brasil, o árbitro poderá ser qualquer pessoa que tenha confiança das partes que seja capaz.97 Já em Portugal, segundo o artigo 9.º, da Lei n. 63/2011, constitui requisito para exercer a função de árbitro ser pessoa singular e plenamente capaz.98

As partes deverão, portanto, entrar em comum acordo para nomear um ou mais árbitros para resolver o litígio existente entre elas, convém destacar que sendo convencionada a nomeação de mais de um árbitro, estes deverão ser em número ímpar e, caso seja nomeado

94 CLAY, Thomas – L’arbitre, p. 10.

95 DRAHOZAL, Christopher R.; NAIMARK, Richard W – Towards a science of international arbitration:

collected empirical research, p. 147.; BERGER, Klaus Peter – Private dispute resolution in international business: Negotiation, mediation, arbitration, p. 133.

96 Conforme Robert von Mehren, em Concluding Remarks (2005). LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.;

KROL, Stefan Michael – Comparative International Commercial Arbitration, p. 223.

97 BRASIL. Presidência da República – Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. 98 PORTUGAL. Assembleia da República – Lei n. 63, de 14 de dezembro de 2011. Aprova a Lei da Arbitragem

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em número par, os árbitros já escolhidos deverão nomear outro para auxiliar na resolução do litígio. Caso as partes não cheguem a um consenso sobre a escolha do árbitro, requererão ao órgão do Poder Judiciário a que julgaria, originariamente, a resolução do impasse e a nomeação do árbitro.99

Dado o exposto, qualquer pessoa maior de idade, que tenha perfeito funcionamento mental, bem como a confiança das partes, pode ser indicada como árbitro. Em síntese, sua função é uma condição temporária de eleito para decidir o processo de arbitragem, diferentemente da profissão de juiz.

Importante frisar que somente poderá ser árbitro a pessoa física, jamais a pessoa jurídica ocupar-se-á de tal função, sendo que não há necessidade do profissional abandonar seu ofício de origem para assumir o papel de árbitro, pois esta incumbência pode ser concedida à pessoas capacitada nas mais variadas áreas. A legislação de arbitragem não apresenta empecilho para o exercício da função de árbitro, mas pressupõe-se que ele seja um especialista no assunto discutido.

O árbitro, ao desempenhar sua função deverá agir com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição, conforme dispõe o artigo 13, § 6º, da brasileira Lei n. 9.307/1996, e artigo 9º, da portuguesa Lei n. 63/2011.100

Em consequência disso, o árbitro para agir com imparcialidade deverá prezar pela resolução do conflito livre de qualquer intervenção externa, sem intencionar eventual interesse próprio ou benefício à umas partes envolvidas.

Logo, para o árbitro seja capaz de agir com independência é imprescindível que o mesmo não esteja “[...] subordinado a nenhuma das partes, seja por relação empregatícia, societária, política ou de qualquer outra ordem [...].101 Já, no tocante a competência, esta

característica possui relação direta com a aptidão do árbitro para resolver o litígio que lhe for apresentado, de modo que aplique os melhores recursos técnicos, sejam eles jurídicos ou não. O árbitro também deverá prezar pela diligência da arbitragem, procurando sempre a melhor solução para o litígio e zelando para que sejam cumpridos os prazos e procedimentos. A discrição é característica essencial para o desempenho da função de árbitro, haja vista que o

99 BRASIL. Presidência da República – Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. 100 BRASIL. Presidência da República – Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem.;

PORTUGAL. Assembleia da República – Lei n. 63, de 14 de dezembro de 2011. Aprova a Lei da Arbitragem Voluntária, p. 5.278.

Referências

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