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A ESCOLA DE BELAS ARTES DE PELOTAS (1949-1973)

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A ESCOLA DE BELAS ARTES DE PELOTAS

(1949-1973)

Trajetória institucional e papel na História da Arte

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – linha de pesquisa Filosofia e História da Educação, da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Ciências da Educação.

Orientador: Profª Dra. Giana Lange do Amaral

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Banca examinadora:

Profª Drª Giana Lange do Amaral Prof. Dr. Norberto Dallabrida

Profª. Drª. Luciane Sgarbi Grazziotin Prof. Dr. Elomar Callegaro Tambara Prof. Dr. Eduardo Arriada

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Agradecimentos

À minha orientadora, Profª Drª Giana Lange do Amaral, por ter acreditado neste trabalho, e pela condução segura nesta bela área que é a História.

À Ana Luiza Gerlach Barros, pelo gentil atendimento durante o mestrado e doutorado na secretaria do PPGE.

À comissão de bolsas do PPGE-UFPel e à CAPES, pela bolsa que possibilitou a dedicação exclusiva a esta pesquisa.

À minha mãe, Sandra, pelo apoio de sempre. Ao Oscar José.

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Resumo

MAGALHÃES, Clarice Rego. A ESCOLA DE BELAS ARTES DE PELOTAS

(1949-1973) - Trajetória institucional e papel na História da Arte. 2013. 316 f.

Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade

Federal de Pelotas, Pelotas.

Esta tese é um estudo sobre a Escola de Belas Artes de Pelotas (EBA ou EBAP), instituição de ensino de arte de nível superior que teve grande importância para o desenvolvimento das artes visuais da cidade de Pelotas, sendo a origem do atual Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas (CEARTE/UFPel). O trabalho se insere no campo de estudo da história das instituições educacionais, e está ancorado na proposta teórica da História Cultural e na Sociologia da Educação. A delimitação temporal é de 1949 a 1973, correspondendo às datas de sua fundação e de sua federalização, quando deixa de ser uma escola particular e passa a fazer parte da Universidade Federal de Pelotas. Os objetivos da tese são entender por que a EBA adota o academicismo como seu estilo e método pedagógico, em meados do século XX, época de adoção do modernismo, e o mantém até o final dos anos sessenta, e também descobrir como a Escola se manteve em funcionamento durante os seus 24 anos de existência, sendo particular e gratuita. O trabalho foi desenvolvido por meio da coleta e análise de documentos. As principais origens dos documentos são o acervo da Instituição, o acervo da família da fundadora, entrevistas realizadas com pessoas que viveram a gênese e a trajetória da Escola, matérias de jornais da época e o diário da fundadora. Conclui-se que a EBA foi não só fundada, como também sustentada, pelos esforços da elite cultural pelotense, que apoiou e participou efetivamente do projeto, sempre sob a liderança de D. Marina de Moraes Pires. Esta participação se deu de tal modo, em uma relação tão estreita, que a EBA se configurou como um reflexo desta elite, sendo construída à sua imagem e semelhança, com os mesmos valores, mentalidade e a partir do mesmo imaginário. Assim, o academicismo característico da Instituição, de sua forma de ensino e de sua produção artística, foi determinado por fatores existentes na sociedade em que surgiu e se desenvolveu, dentre os quais o conservadorismo. E a Escola, sendo uma instituição de nível superior de ensino de arte, legitima o academicismo, influindo assim na História da Arte em Pelotas.

Palavras-chave: Instituição de Ensino de Arte. Escola de Belas Artes. Academicismo. História da Educação. História da Arte.

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Abstract

MAGALHÃES, Clarice Rego. A ESCOLA DE BELAS ARTES DE PELOTAS

(1949-1973) - Trajetória institucional e papel na História da Arte. 2013. 316 f.

Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade

Federal de Pelotas, Pelotas.

This thesis is a study about the Fine Arts School of Pelotas – Escola de Belas Artes de Pelotas (EBA or EBAP) –, a higher education art teaching institution that had great importance to the visual arts development in the city of Pelotas, being at the origin of the present Centro de Artes of the Universidade Federal de Pelotas (CEARTE/UFPEL). The work inserts itself in the teaching institutions history field and is anchored to the theoretical proposal of Cultural History and Education Sociology. The time period examined runs from1949 to 1973, limits that correspond respectively to the year of the foundation and the year when the private school became a federal institution, being incorporated to the Universidade Federal de Pelotas. The thesis aims to understand why EBA embraces academicism as its art style and pedagogical method in the mid 20th century, when modern art is being generally embraced, and keeps this preference until the end of the sixties. It also seeks to ascertain how the School has been kept functioning during its 24 years of existence being private and free of charge. The work has been developed by means of collection and analysis of documents. The main source of the documents are the institution‟s archives, the founder‟s family records, interviews with people that lived the School‟s genesis and evolution, newspaper material of the period, and the founder‟s diary. We reached the conclusion that the EBA not only has been founded but also has been maintained thanks to the efforts of Pelotas‟ cultural elite which supported and effectively participated in the project, always under the leadership of “Dona” Marina de Moraes Pires. This participation occurred in such a way, in such a close relationship, that EBA configured itself as a reflection of that elite, being made in its image and likeness, with the same values, the same mentality and from the same imagination. Hence, the characteristic academicism of the institution, of its teaching form and artistic production has been determined by factors that existed in the society within which it arise and developed itself, such as conservatism. And the School, being a higher education art teaching institution, legitimates academicism, thus influencing the History of Art in Pelotas.

Keywords: Teaching Institution. Fine Arts School. Academicism. History of Education. Art History.

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Lista de Figuras

Figura 01 Obra em óleo sobre tela do pintor italiano Frederico Trebbi... 103 Figura 02 Obra em óleo sobre tela do pintor espanhol Guilherme Litran... 103 Figura 03 Fotografia da fundadora da Escola de Belas Artes de Pelotas, D. . Marina de Moraes Pires...113

Figura 04 Fotografia do pintor italiano Aldo Locatelli, primeiro professor de . desenho e pintura da EBA...121

Figura 05 Aldo Locatelli - “Deixai vir a mim os pequeninos”, Pintura Mural . Catedral São Francisco de Paula...121

Figura 06 Aldo Locatelli - “Anjos cantando na Entrada Triunfal de Jesus em . Jerusalém”, Pintura Mural – Catedral São Francisco de Paula...122

Figura 07 No dia da inauguração do Curso Preparatório para a Escola de Belas . Artes de Pelotas, a mesa das autoridades...127 Figura 08 Assistência atenta no dia da inauguração da EBA, no salão nobre da . Biblioteca Pública de Pelotas...129

Figura 09 Eleição e posse da primeira diretoria da EBA, no Salão Nobre da . Biblioteca Pública Pelotense...132

Figura 10 - Eleição e posse da primeira diretoria da EBA, no Salão Nobre da . Biblioteca Pública Pelotense... 133

Figura 11 - Eleição e posse da primeira diretoria da EBA, no Salão Nobre da . . Biblioteca Pública Pelotense...133 Figura 12 O patrono oferece a obra “A Espanhola” para a Escola...136 Figura 13 Alunos da EBA recepcionam o Patrono...136

Figura 14 O primeiro presidente da EBA, Francisco Simões, o segundo . presidente Guilherme Echenique Filho, além dos professores de

. escultura Antônio Caringi e o de pintura Nestor Rodrigues...141 Figura 15 Guilherme Echenique Filho, presidente da Escola em duas gestões, . entrega diploma a formanda... 143 Figura 16 Jayme Wetzel, seis gestões em doze anos à frente da EBA, como seu . presidente...146

Figura 17 Nas escadarias de mármore do prédio da Escola, no dia em que é . . oferecido o diploma de sócio benemérito...148

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Figura 19 D. Marina descerrando placa de bronze no dia da sua inauguração, . no prédio da Rua Marechal Floriano...190

Figura 20 Aluna profere discurso na inauguração de placa de bronze por . iniciativa do Grêmio Estudantil...190

Figura 21 Placa de bronze inaugurada na EBA, em homenagem a D. Marina . de Moraes Pires... 191

Figura 22 Placa de bronze em homenagem a D.Carmen Trápaga Simões...191 Figura 23 Placa de bronze inaugurada em 1968 no prédio da Rua Marechal . . Floriano nº 177 e 179...192

Figura 24 D. Marina na época da federalização da Escola, já com mais de . setenta anos...208

Figura 25 Fotografia atual do prédio da Biblioteca Pública Pelotense, onde a . EBA inicia suas atividades...214

Figura 26 Prédio do Clube Comercial de Pelotas, em cujas salas aconteciam . as primeiras reuniões de diretoria da EBA...215

Figura 27 Fotografia do prédio alugado pela EBA em 1951, situado à rua . General Osório, 819...218

Figura 28 Na fachada do prédio da Andrade Neves, calouros (de 1961)...220 Figura 29 Páteo interno do prédio da Andrade Neves...221

Figura 30 Sala de aula do prédio da rua Andrade Neves, equipada para aulas . de desenho e pintura.221

Figura 31 Sala interna do prédio da Rua Andrade Neves... 222 Figura 32 Notícia da Lei nº 574 ...223 Figura 33 Prédio doado pela Prefeitura Municipal de Pelotas para ser a sede da . EBA... 224 Figura 34 Manifestação dos alunos da EBA, consistindo em aula na rua... 228 Figura 35 Manifestação dos alunos da EBA...228 Figura 36 Mais uma fotografia, agora em outro dia, de manifestação dos alunos da EBA com o objetivo de forçar a desocupação do prédio doado pela família Maciel à prefeitura de Pelotas...229 Figura 37 Manifestação dos alunos da EBA pela desocupação do prédio pela Agronomia – passeata com as alunas vestidas de palhaço... 229

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Figura 38 - prédio doado por Dona Carmen Trápaga Simões à Escola de Belas

Artes no ano de 1963... 235

Figura 39 - doadora do prédio próprio para Escola de Belas Artes, Dona Carmen Trápaga Simões. O imóvel doado era a sua própria casa... 237

Figura 40 - Aula de pintura com o professor Aldo Locatelli, 1950...244

Figura 41 - Aula de pintura na Escola de Belas Artes, no ano de 1950...244

Figura 42 - Aula inaugural, com o professor Nestor Marques Rodrigues...248

Figura 43 - Aula de pintura, 1958, no prédio da Rua Andrade Neves...249

Figura 44 - Formatura da primeira turma da EBA, ano de 1953... 255

Figura 45 - O pintor e professor Aldo Locatelli com alunos da primeira turma da EBA no dia da formatura... 255

Figura 46 - Formatura, 1954...256

Figura 47 - Formatura, 1954...257

Figura 48 – Formatura da terceira turma, em 1955...258

Figura 49 - Formatura da quarta turma, em 1956... 258

Figura 50 – Formatura da quinta turma, em 1957... 259

Figura 51 – Formatura sétima turma, 1959... 259

Figura 52 - Paraninfo e os formandos da nona turma, em 1961...260

Figura 53 - Retrato de grupo da décima primeira turma (1960-1963)...260

Figura 54 - Paraninfos e formandos da décima terceira turma, em 1965...261

Figura 55 - Aula com modelo vivo em 195... 264

Figura 56 - Aula de modelagem na EBA em 1951...264

Figura 57 - Aula na EBA em 1951, com desenho de modelo vivo...265

Figura 58 - Aula na EBA em 1951, onde se pode verificar o ensino pelo método tradicional, acadêmico, com a reprodução mimética do natural...265

Figura 59 - foto publicada com destaque no Jornal “A Opinião”... 266

Figura 60 - Abertura da primeira exposição de trabalhos dos alunos da EBA, no Hall do Grande Hotel...273

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Figura 61 - Abertura da primeira exposição de trabalhos dos alunos da Escola de

Belas Artes de Pelotas, no Hall do Grande Hotel...274

Figura 62 – Discurso de aluna na abertura da primeira exposição da EBA, no Hall do Grande Hotel...274

Figura 63 – segunda exposição, em dezembro de 1950, ocorrida na Biblioteca Pública de Pelotas...276

Figura 64 - Exposição de 1950, na Biblioteca Pública de Pelotas... 276

Figura 65 – Alunos da Escola reunidos na exposição de 1950 ocorrida na Biblioteca Pública de Pelotas...277

Figura 66 –o professor de pintura Aldo Locatelli, a aluna Hilda Mattos e a professora e diretora da Escola, Marina de Moraes Pires, na segunda exposição de trabalhos, no final de 1950, na Biblioteca Pública de Pelotas...277

Figura 67 – Panorama da exposição de final de ano de 1951, na Biblioteca Pública de Pelotas... 279

Figura 68 – O Dr. Francisco Simões fala em nome da Escola de Belas Artes de Pelotas, na Expo ocorrida no auditório do jornal Correio do Povo, em 1953...284

Figura 69 – Um aspecto da assistência e de algumas obras expostas, no ato inaugural da Exposição da Escola de Belas Artes no auditório do jornal Correio do Povo, em Porto Alegre, em 1953...287

Figura 70 – O prefeito da cidade de Pelotas, Mário Meneghetti, descerra a fita simbólica na inauguração da exposição de trabalhos dos alunos da EBA do ano de 1953, no Clube Caixeiral... 289

Figura 71 – Discurso na abertura da exposição de 1955... 291

Figura 72 – exposição de final de ano de 1956... 291

Figura 73 - Expo 1959 Andrade Neves, 657... 292

Figura 74 - Exposição de final de ano, 1960 Andrade Neves, 657...292

Figura 75 - Expo 1960 Andrade Neves, 657...293

Figura 76 – Mesa com os salgadinhos e doces servidos na exposição de 1960. ...293

Figura 77 – Abertura da exposição de 1962, Andrade Neves, 657... 294

Figura 78 – Exposição de final de ano em 1962...294

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Lista de Abreviaturas e Siglas

CEARTE – Centro de Artes da UFPel

EBA – Escola de Belas Artes de Pelotas (de 1949 a 1966) ou

Escola de Belas Artes D. Carmen Trápaga Simões (de 1966 a 1973) IA – Instituto de Artes da UFPel

IAD – Instituto de Artes e Design

ILA – Instituto de Letras e Artes da UFPel MALG – Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo

RBHE – Revista Brasileira de História da Educação UFPel – Universidade Federal de Pelotas

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SUMÁRIO

Resumo...04

Abstract...05

Lista de Figuras...06

Introdução ...13

CAPÍTULO 1 - As bases da investigação histórica...27

1.1 Teoria e Metodologia para a construção da narrativa histórica...27

1.1.1 As fontes...27

1.1.2 O uso das fontes ...40

1.1.3 Referenciais teóricos, conceitos/categorias...42

1.2 Revisão Bibliográfica ...54

1.2.1 Trabalhos no GT História da Educação da Anped ...56

1.2.2 Artigos na RBHE ...58

1.2.3 Artigos na revista História da Educação...59

1.2.4 Dissertações e Teses ...59

1.2.5 Trabalhos que mencionam a EBA ...66

CAPÍTULO 2 - Situando a EBA no campo do ensino da arte...71

2.1 Histórico das instituições de ensino de arte...71

2.2 O Academicismo e o Modernismo no ensino da arte ...80

. 2.2.1 O academicismo ... 80

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CAPÍTULO 3 – O processo de gênese da EBA: Pelotas cultural, a dama

pelotense, o pintor italiano ... 96

3.1 “Princesa do Sul”, “Atenas do Rio Grande”: A cidade de Pelotas como contexto ...96

3.1.1 O ensino das artes plásticas em Pelotas ...102

3.2 D. Marina de Moraes Pires e o sonho de uma Escola de Belas Artes em Pelotas ...111

3.3 A participação do pintor italiano Aldo Locatelli ...118

CAPÍTULO 4 – A trajetória da EBA da fundação à federalização ... 124

4.1 A fundação e as diretorias da EBA...125

4.2 A manutenção e as verbas...153

4.3 Os trâmites burocráticos e conquistas políticas: a autorização de funcionamento, o reconhecimento, a agregação, a integração ao IA e a federalização da EBA...182

4.4 O curso de professorado na Escola de Belas Artes...209

4.5 A questão do prédio ...213

4.6 Os professores da EBA e os funcionários...242

4.7 Os alunos da EBA...253

4.8 O currículo da EBA e a cultura escolar ...262

4.9 As exposições da EBA...271 Conclusões...297 Referências ...316 Apêndices Anexos

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Introdução

A Escola de Belas Artes de Pelotas (EBA ou EBAP) foi uma instituição de ensino de arte de nível superior que teve grande importância para o desenvolvimento das artes visuais da cidade de Pelotas, sendo a origem do atual Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas (CEARTE/UFPel).

Este trabalho de pesquisa pretende se constituir em uma narrativa histórica a respeito da EBA, portanto se dá no campo de estudo da história das instituições educacionais, ou, mais especificamente, da história das instituições educacionais em arte, e está ancorado na proposta teórica da História Cultural e na Sociologia da Educação. A delimitação temporal é de 1949 a 1973, correspondendo às datas de sua fundação e de sua federalização, quando deixa de ser uma escola particular e passa a fazer parte da Universidade Federal de Pelotas.

Esta importante instituição de ensino ainda é pouco conhecida, pois, segundo foi constatado na revisão bibliográfica, a pesquisa que investiga a sua gênese, realizada como dissertação de mestrado1, é o único trabalho que tem a história da EBA como tema central, sendo a narrativa focada apenas em sua formação, não abarcando a trajetória de 24 anos de constante luta pela sobrevivência, que passa pela agregação e se estende até a absorção pela Universidade Federal de Pelotas. Foram encontrados, na pesquisa bibliográfica, alguns trabalhos que abordavam a Escola de Belas Artes de Pelotas, mas de modo muito breve e com o objetivo de elucidar outras questões, e não para conhecer a própria instituição.

Na pesquisa de mestrado por mim realizada, pude inferir que o surgimento da Escola, em 19 de março de 1949, se deu por uma combinação de fatores, os quais seriam o contexto (a cidade de Pelotas) e a atuação do que considero indivíduos-chave, como Dona Marina de Moraes Pires, cujo empenho em proporcionar à cidade um curso em nível superior de arte foi o que “fez a diferença”, e o pintor italiano Aldo Locatelli, com sua fundamental participação

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como professor. Já este trabalho de tese realiza estudo que abarca os vinte e quatro anos de trajetória da Instituição Educativa, preenchendo uma lacuna historiográfica.

A dissertação de mestrado citada trouxe elementos que contribuíram para a compreensão da gênese da Escola. Revela, em um primeiro momento, o papel importante que foi desempenhado pelo contexto. Destaca que a cidade de Pelotas, onde nasce a EBA, tem uma história peculiar dentro do Rio Grande do Sul, pois, diferentemente das outras cidades do estado, de características rurais, teve cedo uma sociedade urbana, com riqueza e tempo livre tais que proporcionaram especial desenvolvimento no campo da sociabilidade e da cultura. Formou-se, então, uma sociedade europeizada, em que as artes, assim como as ciências e as letras, eram cultivados e valorizados. Pelotas é conhecida até hoje como a “Atenas do Rio Grande”, e também a “Princesa do Sul”, por conta deste período - fins do século XIX, correspondente ao ciclo do charque - em que ela possuiu, realmente, riqueza ímpar em bens materiais e em bens culturais. A dissertação traz o argumento de que este período de opulência forjou um tipo de sociedade que estabeleceu valores que permaneceram vivos mesmo após sua decadência econômica, e perduram até os dias de hoje, como o valor dado à cultura e às artes.

Esta fase de pujança econômica e cultural teve grande importância no desenvolvimento das artes plásticas na cidade. Fez com que, já no século XIX, viessem para Pelotas retratar a sua “alta sociedade”, artistas estrangeiros como Frederico Trebbi, italiano, e Guilherme Litran, espanhol. Estes artistas fixaram residência na cidade e com seu trabalho influíram na cultura e na formação do gosto estético dos pelotenses, pois, além de pintar e comercializar suas obras, também ensinavam em aulas particulares. Dois alunos de Frederico Trebbi se destacaram e nos interessam especialmente: Leopoldo Gotuzzo e Marina de Moraes Pires. Leopoldo Gotuzzo será um pintor renomado nacional e até internacionalmente e futuro patrono do Museu de Arte da cidade de Pelotas, e Marina de Moraes Pires, será a fundadora da Escola de Belas Artes de Pelotas.

O trabalho de dissertação demonstra, também, que Dona Marina de Moraes Pires foi a pessoa que fez com que a EBA se tornasse realidade. Foi

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como resultado do seu empenho, de sua luta para a realização de um sonho - que era dar à cidade de Pelotas uma instituição de ensino de arte – que nasceu a Escola de Belas Artes. É claro que o apoio recebido de seu grupo social, que compartilhava os mesmos interesses e os mesmos valores foi fundamental e até imprescindível para um acontecimento de tal envergadura, mas a atuação de Dona Marina foi o diferencial que fez com que o seu desejo, que também era da cidade, se tornasse realidade. D. Marina era uma senhora pertencente à elite cultural pelotense, mãe de sete filhos, professora de Desenho da Escola Estadual Assis Brasil, que dedicou sua vida a tornar este sonho uma realidade.

Na sua luta pela implementação do curso, em um primeiro momento, Dona Marina, apoiada principalmente pelo prefeito da cidade e também por outros políticos pelotenses, tentou conseguir junto aos governos, federal e depois

estadual, a concessão de uma Escola de Belas Artes para Pelotas, “nos moldes

das escolas congêneres do país”, conforme constava no documento elaborado para tal fim2. A primeira tentativa, que a levou ao Rio de Janeiro ter audiência com o Ministro da Educação, foi em 1946. Sucessivas tentativas foram feitas, em outras instâncias, até 1949. Como não obteve resultado nesta pretensão, não conseguindo dos governos Federal e Estadual senão promessas e postergações, em 1949, com pequena ajuda da prefeitura municipal, inaugurou o curso em caráter particular. Chamamos a atenção para este fato3, que diferencia a implementação da Escola de Belas Artes de Pelotas das suas congêneres Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA – UFRJ) e Instituto de Artes da Universidade do Rio Grande do Sul (IA – UFRGS), frutos de iniciativas governamentais e interesses civilizatórios.

O outro elemento que concorreu para a fundação da EBA, como revelou a dissertação de mestrado, foi a participação de Aldo Locatelli que, foi constatado, foi muito importante para a fundação da EBA, e mais ainda para o seu grande sucesso. Este pintor italiano, que havia há pouco tempo chegado a Pelotas

2

Gabinete do Prefeito, Prefeitura Municipal de Pelotas, Ofício nº 601/66, 1º de julho de 1946. Ver Anexo 1.

3

Interessante notar que, segundo Peres (1995), também a Bibliotheca Pública de Pelotas foi implementada por iniciativa particular, após tentativas frustradas junto aos governos. E, ao que parece, isto aconteceu em muitos outros casos, sendo os próprios pelotenses responsáveis por muitas melhorias na cidade.

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contratado pelo Bispo D. Antônio Záttera para pintar os murais da Catedral São Francisco de Paula, aceitou, a convite de D. Marina, ser professor de pintura no curso, fazendo com que finalmente a Escola “acontecesse”. Segundo Bohns

(2005, p.248) foi um “elemento catalizador”. Isto sem dúvida aumentou

exponencialmente a importância do ensino que seria proporcionado pela Escola. Um professor europeu, do calibre de Locatelli, atraía interesse e agregava valor ao curso – especialmente em se tratando de pelotenses -, pois ele representava o “velho mundo” e sua cultura.

Pela análise das informações que foram trazidas pela dissertação, inferi que o fato de Pelotas ter sido, em um momento de sua história (1860/1890)4, uma cidade de opulência econômica e cultural ímpares, influiu na criação, em 1949, deste curso em nível superior de artes plásticas. Isto porque foi a época de opulência e cultura que trouxe a Pelotas os pintores europeus Frederico Trebbi e Guilherme Litran. Foi o fato de Pelotas ter uma cultura diferenciada, europeizada, que permitiu que Marina Pires fosse aluna de Trebbi e desenvolvesse o conhecimento e o gosto pela arte. Foi a vocação cultural da cidade, o valor que a cidade dava à cultura e às artes que influenciou no fato de o Bispo trazer diretamente da itália o pintor Aldo Locatelli para pintar a catedral da cidade. E foi a combinação destas condições e personagens que resultou na consubstanciação da Instituição Educacional tema deste estudo, conferindo a ela singularidades.

Estas informações trazidas pela pesquisa de mestrado, que revelam fatores que concorreram para a fundação da Instituição, acabaram por despertar inúmeros outros questionamentos e inquietações, que motivaram a busca por mais conhecimento a respeito desta instituição, o que se pretende fazer neste trabalho de doutorado.

É preciso, para que o presente estudo possa ser bem compreendido, esclarecer o meu lugar de pesquisadora (de onde estou falando, ou, como preferem alguns, os “óculos” com os quais vejo as coisas), porque isto vai influenciar no modo como o objeto de pesquisa é abordado. Para tal, faço a seguir um breve apanhado de minha trajetória pessoal, acadêmica e profissional, que pode ajudar a explicar os motivos da escolha do tema, do interesse em realizar

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esta pesquisa e das questões que são colocadas, que partem das minhas inquietações a respeito. Isto porque neste trabalho, assim como na pesquisa histórica de modo geral,

o historiador sabe que escolhe seus objetos no passado e os interroga a partir do presente. Ele não pretende se apagar na pesquisa, em nome da objetividade. Ao contrário, exatamente para ser mais objetivo, o historiador „aparece e confessa‟ seus pressupostos e conceitos, seus problemas e hipóteses, seus documentos e suas técnicas e os modos como as utilizou e, sobretudo, a partir de que lugar social e

institucional ele fala (REIS, 1996, p.38). grifos meus

O interesse em obter conhecimento a respeito desta instituição é grande, porque a EBA faz parte da minha história, da história da minha vida. Aos onze anos freqüentei um curso de extensão em pintura, que acontecia aos sábados no prédio da EBA, ministrado pelo professor de pintura à época, o conhecido Nesmaro5. Até hoje lembro muito bem da Escola de Belas Artes e da “mágica” que acontecia quando se transpunha suas portas. O edifício era antigo e lembrava a “nobreza” da cidade. Havia quadros por todos os lados, desenhos e esboços colados em painéis ou nas paredes, esculturas, cheiro de tinta e solvente... Freqüentemente, via a lendária figura de D. Judith Bacci6 trabalhando em suas esculturas. Parava para ver e, observando, aprender. Assim foi o meu primeiro contato com esta instituição de ensino, um mergulho no mundo das artes que marcou, que proporcionou profundo encantamento.

Já na formação acadêmica em nível superior, cursei Arquitetura e Urbanismo, que na época tinha algumas disciplinas ministradas no prédio e pelos

professores da EBA7. Depois, graduei-me em Escultura e também em Pintura, já

com o curso de Arte fazendo parte da UFPEL, como Instituto de Letras e Artes (ILA). Depois de formada, ministrei cursos de extensão e fui professora substituta no mesmo ILA. Então, existe, sem dúvida, neste caso, uma relação estreita da

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Nestor Marques Rodrigues, o Nesmaro, foi um pintor uruguaio que substituiu Locatelli como professor de pintura da EBA, após sua ida para Porto Alegre.

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D. Judith era funcionária da EBA, contratada por D. Marina, zeladora – morou na Escola - e encarregada da limpeza, e aprendeu escultura vendo o professor Antonio Caringi ensinar os alunos. Trabalhou como escultora, e recebia encomendas de clientes de Pelotas e de outras localidades. Mulher, negra e pobre, foi reconhecida como profissional talentosa.

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A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPEL nasceu a partir da Escola de Belas Artes, utilizando seu prédio e professores.

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pesquisadora com o tema de pesquisa, com as vantagens e desvantagens inerentes a esta situação. A ligação com a área das artes faz com que há bastante tempo eu tenha indagações e questionamentos a respeito da Instituição, e interesse pelas mudanças, ao longo do tempo, ocorridas na arte e no seu ensino.

Há ainda outro motivo que suscita interesse pela reflexão a respeito de uma instituição de ensino de arte e o seu funcionamento. Eu própria fundei uma escola de arte particular em 1997 e mantive a mesma durante 12 anos, e sei por experiência própria as dificuldades que existem para se manter um curso particular de arte. Esta experiência pessoal em um empreendimento análogo à EBA incitou o interesse em descobrir como ela se manteve financeiramente. Isto porque as questões que investigo ao historiar a EBA foram minhas próprias questões com relação à minha escola, como por exemplo a dificuldade de conseguir que a sociedade onde ela está inserida dê o suporte necessário para a sua manutenção, a luta permanente, e a (des)valorização da arte e seu ensino. Então, minha formação acadêmica e profissional faz com que historiar esta instituição de ensino de arte seja algo muito significativo, e o trabalho seja realizado com os conhecimentos do historiador, adquiridos na pós-graduação, somados à bagagem de conhecimento e experiências da artista, professora de arte e fundadora de escola de arte.

Pelo fato de não ter a graduação em História, foi muito importante ter encontrado, em minhas leituras como aprendiz de historiadora, inúmeros autores de trabalhos na área de História da Educação que não vinham de uma formação em História. E notar que isto pode proporcionar, inclusive, riqueza na área8. Jorge Nagle, por exemplo, autor do importante trabalho Educação e Sociedade na

Primeira República (tese e livro), esclarece em sua palestra no IV Seminário

Nacional de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil9”:

8

Acredito realmente que esta interdisciplinaridade pode arejar e enriquecer as reflexões em uma área. Noto isto na área das artes: freqüentemente, quando a reflexão sai do “gueto”, do grupo fechado, ganha.

9 O Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” surge em 1986

com a preocupação de investigar a História da Educação pela mediação da Sociedade, buscando uma compreensão global da educação e seu desenvolvimento, e tem o seu primeiro seminário em 1991.

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“Antes de começar a tese, eram poucos os meus conhecimentos sobre História, sobre História do Brasil, sobre História da Educação Brasileira” (SAVIANI, 2000, p.116). Elomar Tambara, neste mesmo seminário, comenta sobre a inserção de “cristãos novos” na investigação histórico-educacional:

muitos provêm de outras áreas do conhecimento que não a história e a pedagogia. Neste sentido, não têm a formação de historiador nem a de pedagogo, o que, em certos casos, é salutar. Mas, de todo jeito, não têm o domínio de determinados procedimentos metodológicos específicos da História e da Pedagogia, o que acarreta uma História da Educação muito peculiar. Obviamente, esta problemática é vista com muito mais intensidade crítica sob o olhar do historiador. Penso diferentemente. Estes novos olhares estão contribuindo para a construção de um caráter híbrido da História da Educação que, acredito, vai caracterizando um novo status acadêmico a esta área. (TAMBARA, in SAVIANI, 2000, p.86)

Então, com a ajuda das disciplinas cursadas no mestrado e doutorado e o auxílio dos professores, com muito empenho e muita leitura, adquiri conhecimentos teóricos e metodológicos que me permitiram realizar este estudo na área da História10.

Os motivos para a realização deste estudo são vários, e justificar este trabalho não deixa de ser propugnar a importância do conhecimento histórico, a importância da historiografia. Uma Instituição precisa “apropriar-se de sua historicidade” (Saviani, 2000, p.8) para ter identidade, e acredito que muitas inquietações e questões que se colocam hoje na instituição que se originou da EBA – o Centro de Artes da UFPEL, poderiam ser melhor equacionadas com este legado que é o conhecimento do passado. Barbosa (2006 p.12), importante pesquisadora brasileira em ensino da arte e sua história, acredita que “a função da história é explicar o presente”.

Portanto, reitero que o fato de ter realizado trabalho de mestrado, defendido em 2008, sobre a Escola de Belas Artes de Pelotas, que versou sobre uma parte desta história, privilegiando a sua gênese, motivou-me a continuar a pesquisa, com o fim de alargar e aprofundar o conhecimento a respeito do mesmo objeto. No processo de qualificação da pesquisa de mestrado, houve indicações da banca no sentido de que algumas discussões propostas seriam mais

10

Como a linha de pesquisa é História da Educação, as disciplinas oferecidas proporcionam boa base de conhecimento nesta área.

(20)

adequadas para o nível de doutorado, e não naquele momento de dissertação. Segui o conselho, e, então, desde aquela época, nutria o desejo de continuar o estudo dentro da mesma temática, o que significa, tendo na ocasião tratado da gênese da EBA, abarcar agora os 24 anos de existência da instituição, incluindo a sua incorporação à UFPel em 1973.

O assunto da pesquisa é oportuno porque o que não falta na atualidade são questionamentos a respeito da arte, sua produção e seu ensino. A área das artes está em conhecida crise já há alguns anos, pela própria distância que a arte contemporânea mantém da sociedade, sendo, inclusive, questionada a validade de instituições de ensino de arte. Esta pesquisa poderia contribuir, também, com o debate neste campo.

Outro motivo para a realização deste trabalho é o entendimento de que a falta de conhecimento sobre a EBA não permite a sua devida valorização. A relevância maior deste estudo é preencher uma lacuna historiográfica, comprovada pela revisão bibliográfica, que colabora para que esta importante instituição da cidade de Pelotas esteja esquecida. Não há um só trabalho de narrativa histórica dedicado à Escola e às pessoas que participaram da sua criação e desenvolvimento, que são os agentes que fizeram esta história. Nas entrevistas que foram realizadas para a obtenção de fontes orais para este trabalho, houve inúmeras manifestações, por parte dos entrevistados, a respeito da falta de valorização da Escola e de seus principais “atores”, pela comunidade pelotense, na qual a Escola atuou como importante fomentadora da cultura. Este trabalho teria o papel de, pelo estudo da história, valorizar a instituição, pois é impossível dar valor ao que não se conhece. A história da educação e cultura pelotenses, a História da Arte pelotense e a própria história da cidade de Pelotas não podem prescindir da história da sua Escola de Belas Artes como parte constituinte, pois, para conhecermos uma cidade certamente temos que conhecer as suas instituições importantes. Reitero a afirmação feita na dissertação, de que “conhecer a história da Escola de Belas Artes contribuirá, também, para que conheçamos melhor a história da cidade de Pelotas” (MAGALHÃES, 2008, p.13).

A EBA é a origem do atual Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas, que segue sendo referência em artes visuais na cidade e região. E o

(21)

Centro de Artes conhece muito pouco as suas origens11. Acredito que o estudo a respeito da EBA colabora para que haja posicionamentos com verdadeiro conhecimento de causa frente às questões que se colocam no presente, nos campos da produção e do ensino da arte locais, pois o conhecimento histórico amplia os horizontes dos sujeitos, ao mesmo tempo em que, por comparação, permite relativizar as situações. Pevsner (2005, p. 33), em seu trabalho sobre história de instituições de ensino de arte, destaca que “a função da história é iluminar o passado a fim de permitir que o presente opere suas escolhas com conhecimento de causa”.

A afirmativa de Magalhães (2004, p.62), de que “a historiografia das instituições é uma condição básica para a sua intelecção e tomada de decisões”, justifica este trabalho. A afirmação nos indica que o autor acredita que as questões colocadas hoje serão melhor equacionadas com o conhecimento histórico, que ajuda a dar sentido às decisões tomadas no presente. Buscamos no passado subsídios para encontrar respostas para questões postas pelo presente, e não faltam, hoje, questões no campo da arte, sabidamente em crise, e do ensino da arte. Não se quer dizer que a escola deva seguir os passos de seus predecessores. Pelo contrário, o conhecimento do passado pode ser importante para que se queira e possa fazer diferente, e não incorrer nos erros já cometidos. A história pode auxiliar a compreensão do nosso tema de estudo no presente, através do encontro com o “outro”, pelas semelhanças e diferenças. Pode ampliar a nossa visão das coisas, ajudando na tomada de posições e de decisões, no presente (Lopes e Galvão, 2005).

O olhar de um ponto de vista histórico sobre a EBA traz, também, elementos para a construção de sua identidade, compreendida aqui como o conjunto de características e circunstâncias que distinguem a instituição, e graças às quais é possível individualizá-la. E um maior conhecimento das origens e da trajetória da instituição auxiliará, além da composição de sua identidade, na valorização de sua singularidade, fator especialmente importante em um curso que lida com criatividade. Isto porque

11

Magalhães (2008), dissertação de mestrado, é o único trabalho que trata especificamente da história da instituição, e se restringe ao processo de gênese da Escola de Belas Artes de Pelotas.

(22)

em nosso mundo, onde muda a memória coletiva, onde o homem, o homem qualquer, diante da aceleração da história, quer escapar da

angústia de tornar-se órfão do passado, sem raízes, onde os homens buscam apaixonadamente sua identidade, onde procura-se por toda

parte inventariar e preservar os patrimônios, constituir bancos de dados, tanto para o passado como para o presente [...] Essa história, que trata do homem por inteiro, em sua duração secular, que o esclarece sobre

as permanências e as mudanças, propõe-lhe opções sem impô-las.

Sempre coube à história desempenhar um grande papel social, no mais amplo sentido (LE GOFF, 2005, p. 51). grifos meus

Cabe salientar que, tendo freqüentado, em diferentes momentos, a Escola, tenho conhecimento que me proporciona acesso a pessoas como professores, funcionários e alunos que viveram a EBA e que me proporcionaram, com suas contribuições (seis entrevistas, mais fotos e documentos), possibilidades de conhecimento a respeito de tema, para além dos arquivos da instituição. O fato de ser pelotense e ter ligações familiares com a fundadora da Escola proporcionou o acesso ao acervo da família através de Janice, sua neta, que permitiu o acesso a ele12. Estes documentos estavam “esperando” para ser utilizados, para que pudessem “falar”. Utilizar estes documentos para construir uma narrativa histórica sobre a EBA, que se consubstanciasse em uma base para a compreensão da Instituição e incitasse outros trabalhos com diferentes enfoques sobre o tema, de outros pontos de vista e com interesse em diferentes aspectos, foi mais um motivo para a realização deste trabalho.

Pelo que foi pesquisado a respeito do tema, se pode asseverar que a EBA foi fundada em um gesto arrojado, até temerário, sem que estivessem garantidas as condições de sua sobrevivência. Era a realização de um sonho, que a realidade iria confirmar ou não. É importante lembrar que uma instituição congênere fundada em Pelotas em 1927, fracassara. Sabemos também que a EBA adotou como seu estilo de produção em arte, e método de ensino, o

12

Posteriormente, percebendo a importância dos trabalhos de pesquisa a respeito da Instituição para a valorização desta e do trabalho de sua avó, doou todo o acervo da família que estava em sua posse para a Instituição, na época o Instituto de Artes e Design - atual Centro de Artes da UFPEL. O material foi recebido pela chefe do Malg Raquel Santos Schwonke e pelo Diretor do IA Lauer Alves Nunes dos Santos. Este arquivo está sob a Guarda do Malg.

(23)

academicismo13, em uma época na qual o modernismo já se fazia presente em muitas instituições de ensino de arte do país.

Então,

...considerando que a Escola de Belas Artes de Pelotas, pelo modo como se deu o seu processo de fundação, investigado na pesquisa de mestrado, nasceu particular e gratuita;

...considerando as dificuldades que enfrenta o ensino da arte dentro de uma sociedade, como desvalorização e preconceito;

...considerando as reiteradas manifestações de pedido de auxílio para a manutenção do curso presentes nos discursos da fundação, que revelam grande preocupação a este respeito14;

e considerando a adoção e manutenção do estilo acadêmico pela Escola Lançamos as seguintes perguntas, que são os problemas de pesquisa, e constituem os dois principais eixos da investigação.

Pergunta 1: Por que a EBA adota o academicismo como seu estilo e método

pedagógico, em meados do século XX, época de adoção do modernismo, e o mantém até o final dos anos sessenta?

Para responder a esta questão, foi preciso:

13

Diniz (1996) afirma que a Escola de Belas Artes de Pelotas foi um dos fatores que influíram na preservação do academicismo na cidade de Pelotas, porém não estuda a Escola, mas sim o Sistema de Artes da cidade.

14

Como por exemplo: na cerimônia de inauguração da Escola, o discurso do orador oficial, Dr. Hipólito Amaral Ribeiro conclama: “Agora resta, somente, que todos os pelotenses amparem material e moralmente este empreendimento” além de “dizer a todos os pelotenses e a todos que trabalham pelo engrandecimento de nossa terra que não podemos deixar morrer o início da fundação e organização de uma Escola de Belas Artes de Pelotas”, assumindo o “compromisso solene de não deixar morrer tão bela iniciativa”. Consta na ata nº 1, da sessão inaugural, que o orador oficial, ao finalizar seu discurso, “externou sua esperança no auxílio geral para a manutenção da instituição”. A vereadora D. Osmânia Campos, ao fim de sua fala também apela ao povo para a manutenção do novel curso. A preocupação em relação aos recursos materiais e financeiros para a manutenção do curso se dava por ser a escola particular, porém gratuita. Na eleição e posse da primeira diretoria da Escola de Belas Artes de Pelotas (ata nº2), um mês depois da inauguração, fez uso da palavra a Profª Osmania Campos acentuando a sua disposição e interesse de, como vereadora municipal, trabalhar pela consecução de auxílio do município à escola.

(24)

1. Conhecer a instituição.

2. Verificar por que a EBA se configurou de determinada maneira, e não de outra (com relação a diretoria, corpo docente, currículo, corpo discente, cultura escolar, direção, funcionários, prédio).

3. Analisar os discursos sobre arte e ensino da arte desta época e deste lugar, buscando desvelar a mentalidade e o imaginário da sociedade da época.

4. Analisar as relações escola-sociedade.

Pergunta 2: Como a EBA se manteve em funcionamento durante os seus 24

anos de existência, sendo particular e gratuita? O que a sustentou?

Para responder a esta questão, busquei:

1. Descobrir de onde vieram os recursos, os meios materiais, para manter a EBA durante 24 anos, sendo particular e gratuita.

2. Descobrir por que motivo vieram estes recursos para manter a EBA.

4. Descobrir quais motivos fizeram com que os agentes conferissem valor a uma escola de arte e assim contribuíssem para a sua existência.

5. Analisar o papel dos recursos públicos para esta instituição particular. 6. Verificar a quem interessava a existência da Instituição.

7. Verificar o papel de D. Marina na manutenção da Escola.

Levando em conta estas questões, para a elaboração da hipótese de trabalho partiu-se do princípio de que uma instituição de ensino particular só se mantém se tiver apoio e valorização por parte da sociedade onde está inserida, diferentemente de instituições públicas, que têm a sua manutenção garantida pelos governos. Foi importante ter presente o fato de que não é qualquer sociedade nem qualquer momento histórico que mantém uma escola de arte particular, pois a arte não tem uma utilidade prática, como outras disciplinas, e é freqüentemente desvalorizada, sendo inclusive considerada uma futilidade. A arte

(25)

se situa no campo do simbólico, seu valor é simbólico, e lugares e épocas diferentes dão diferente importância à arte, e, por conseguinte, ao seu ensino.

Ao que parece, na época da EBA, em Pelotas, apoiar uma instituição cultural, participar do seu êxito, funcionaria para os sujeitos como uma espécie de avalista da sua posição de destaque na sociedade, sendo um elemento de distinção. Assim, a Escola teria se mantido por ter o apoio da sociedade, começando por sua elite. Esta mesma elite, que por muitos é acusada de não ter sabido investir nos negócios para manter o capital econômico que cidade possuiu na época da indústria saladeiril, desempenharia papel importante na manutenção da riqueza cultural, ao se empenhar na manutenção do capital simbólico.

Então, a partir destes pressupostos, nos parece que o caminho para responder às questões de pesquisa e alcançar o sentido desta instituição seria pensar nela em relação à sociedade pelotense.

A hipótese é de que a EBA teria sido não só fundada, mas também sustentada, na sua trajetória de 24 anos, pelos esforços da elite cultural pelotense. As relações de poder que agiram na configuração da instituição de ensino teriam definido suas características.

As características da Instituição, como seu método de ensino e sua produção artística – o academicismo – teriam sido determinadas por fatores oriundos do campo da sociedade, mais do que do campo da arte. Valores como orgulho, auto-suficiência intelectual e uma forte ligação à tradição, características da elite cultural pelotense da época, juntamente com uma nostalgia de seu passado, teriam sido os motivos do academicismo ser adotado e ter permanecido por tanto tempo.

O processo de constituição da EBA foi marcadamente de âmbito municipal, de pelotenses para pelotenses, conferindo à Escola características únicas. E a escola legitima o academicismo, influindo assim na História da Arte em Pelotas.

O trabalho está organizado em uma estrutura de quatro capítulos, além da introdução e da conclusão.

(26)

O primeiro capítulo aborda as bases da investigação histórica, e traz as teorias e metodologias utilizadas para a construção da narrativa, e também uma extensa revisão bibliográfica a respeito do tema da pesquisa.

O capítulo dois pretende situar a Escola de Belas Artes de Pelotas, tema do estudo, no campo do ensino da arte, e para isto traz um histórico das instituições de ensino de arte, com ênfase nas academias. Aborda também dois conceitos fundamentais para este trabalho de pesquisa, que são o de academicismo e o de modernismo, e seus modos de implementação nas sociedades.

O terceiro capítulo fala do processo de gênese da Escola, assunto que foi estudado na dissertação de mestrado e é imprescindível para o entendimento da EBA e suas características. São estudados o contexto pelotense, D. Marina de Moraes Pires e Aldo Locatelli – fatores que, juntos, proporcionaram o nascimento da Escola.

No capítulo quatro estão os achados da investigação a respeito da trajetória de vinte e quatro anos da instituição, da sua fundação em 1949 à federalização em 1973, trazendo informações no sentido de permitir a reflexão e compreensão da Instituição e o entendimento dos motivos de ela ter adotado e mantido o academicismo, assim como da maneira como ela conseguiu se manter em funcionamento sendo particular e gratuita. Nesta etapa do estudo há uma quantidade grande de dados pelo motivo de que, como não havia uma narrativa histórica a respeito da EBA na qual eu pudesse me basear para responder às questões de pesquisa, tive que construí-la diretamente a partir das fontes.

(27)

CAPÍTULO 1 – As bases da investigação histórica

1.1 Teoria e Metodologia para a construção da narrativa histórica

Metodologicamente, o trabalho do historiador tem duas dimensões fundamentais: a dimensão empírica (recolha das fontes) e a dimensão de análise (interpretação das fontes), que é realizada segundo referenciais teóricos. Neste capítulo, será explicado como foram realizados estes procedimentos, tendo como meta a construção de narrativa histórica acerca da Escola de Belas Artes de Pelotas.

Uma opção metodológica que é importante desde já ser esclarecida é o uso proposital, nesta narrativa, da apresentação de um grande número de extratos relativamente brutos de registro histórico. Isto foi aprendido com Price (2005, p. 19), e realizado dentro de um esforço consciente de evocar a época em vez de simplesmente representá-la. Deste modo, o leitor é deliberadamente convidado a participar do ato da imaginação histórica.

1.1.1 As Fontes

O material empírico – fontes - é obtido em pesquisa de campo e/ou em pesquisa bibliográfica. O primeiro passo para a realização deste trabalho foi começar a busca pelo maior número possível de documentos a respeito da Escola de Belas Artes de Pelotas, já que a proposta era abarcar a sua gênese e trajetória histórica de 24 anos. Como se sabe, a fonte é a matéria-prima do historiador. E, de acordo com o que propõe a História Cultural, as fontes não se resumem aos dados e documentos oficiais, pois fonte histórica é “tudo aquilo que coloca o historiador diretamente em contato com o seu problema” (Barros, 2005, p.63). O conjunto de fontes é o material através do qual se vai conhecer – na medida do possível - a EBA, a sociedade que a manteve (o contexto) e suas

(28)

relações. Algumas fontes funcionam como informações sobre o passado, outras, como por exemplo as matérias de jornal, além de trazerem informações, já se configuram como “discurso” da época, a ser decifrado como representação desta época.

Com relação às fontes que foram obtidas para a realização deste trabalho, a situação pode ser considerada privilegiada. O conjunto se constitui, além de bibliografia sobre a EBA, em: acervo da Instituição, acervo da família da fundadora, entrevistas com pessoas que viveram a gênese e a trajetória da EBA, matérias de jornais da época e o diário da fundadora.

O acervo da Escola de Belas Artes de Pelotas provém da própria instituição, e pertence ao atual Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas (CEARTE/UFPel), do qual a EBA é a origem, e se encontra sob a guarda

do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG/UFPel)15. Este acervo é o resultado

de seleções feitas pela própria Instituição, desde o seu início, pelo tempo e pelas perdas. Certamente muito material já se extraviou desde 1949 até hoje, por diversos motivos, como as várias mudanças de prédio, ações de insetos e inundações, e é muito importante que a instituição não perca mais tempo e dê o devido valor a este acervo, preservando-o. Ressalta-se que a história das instituições escolares lida com documentos que são “elementos pré-textuais, considerados no processo de acreditação” (WERLE, 2002, p.3). Neste arquivo institucional, há documentos institucionais oficiais que, sendo

de natureza eminentemente descritivo-interpretativa que, por terem sido elaborados por uma autoridade instituída para tanto, adquirem um poder de construção da história institucional na dimensão de presentificação do passado ausente, com autoridade inquestionada e diferenciada, funcionando quase como a instituição em si, a verdade, a história que realmente foi, a expressão real da história daquela instituição escolar. Werle (2002, p.3)

15

Este acervo foi sistematizado pela mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural Kátia Helena Rodrigues Dias, tendo sido esta sistematização o tema de sua dissertação (o levantamento dessa coleção indicou a existência de 2116 documentos textuais, dentre eles ofícios, livros de atas, correspondências, notícias de jornal, regimentos internos, estatutos, currículos, fichas, documentos de professores, de funcionários e outros. Indicou também a existência de 235 documentos fotográficos que, em sua maioria, retratam eventos tais como exposições, formaturas, aulas, retratos e confraternizações). O conjunto de documentos foi denominado “Coleção Escola de Belas Artes”, ou “Coleção EBA” e faz parte da FOTOTECA UFPel, estando disponível online para consulta em <http://www.ufpel.edu.br/ich/arquivofotografico/>

(29)

Estes documentos, porém, como quaisquer outros, devem ser devidamente avaliados pelo pesquisador, pois é preciso considerá-los pelo que são, ou seja, como representações do passado. O acervo institucional é bem diversificado, sendo constituído também por bilhetes manuscritos, fotografias, recortes de jornais, documentos datilografados em “papel bíblia”, mimeografados, planos de aula de professores e muitos outros. Atualmente este material está organizado na

FOTOTECA UFPel, com o nome de “Coleção Escola de Belas Artes”, ou

“Coleção EBA”, e está disponível para consulta pela internet.

Além deste material, pertencente à própria instituição, temos o que é proveniente do acervo particular da fundadora da EBA, D. Marina de Moraes Pires. É constituído por dois álbuns organizados pela própria fundadora, contendo documentos que abarcam desde os antecedentes da fundação da escola até a sua federalização, correspondendo exatamente ao período que este estudo se propõe a abarcar. São ao todo 247 folhas de papel tamanho ofício onde estão colados com fita adesiva pela própria Dona Marina documentos, recortes de jornal, fotografias, bilhetes, discursos manuscritos, assinaturas por ocasião de aniversário do pintor italiano e professor Aldo Locatelli e outros. Este acervo se encontra atualmente também sob a guarda do Malg, pois quem tinha a sua posse, a médica Janice Pires Corrêa Franco, neta da fundadora, doou, a meu pedido, este material para o então Instituto de Artes e Design, hoje Centro de Artes da

UFPel. Está guardado sob a denominação “Coleção Marina de Moraes Pires”,

ou “Coleção MMP” 16.

Outras fontes utilizadas são jornais da época, entrevistas, e o diário da fundadora, além de alguns documentos cedidos por particulares que se interessaram em contribuir com a pesquisa - documentos escritos e iconográficos que me foram cedidos pelas pessoas entrevistadas. Pude constatar, neste processo de coleta de fontes, o apreço que as pessoas que passaram pela EBA têm pela Escola, pelo entusiasmo com que lembram a instituição.

Na presente pesquisa, a decisão de utilizar fontes orais (entrevistas) deveu-se ao fato de que pessoas muito importantes nos primórdios da instituição estavam em idade avançada, mas ainda poderiam dar os seus depoimentos a

16

(30)

respeito do tema, com informações preciosas. Salienta-se, também, que as fontes documentais pertencentes aos arquivos supracitados possuem lacunas, que poderiam ser preenchidas pelas entrevistas.

As entrevistas também são importantes para fazer cruzamento de dados. Delgado (2006) afirma que História Oral e pesquisa documental caminham juntas e se auxiliam de forma mútua: “A relação história oral e pesquisa documental é bidirecional e complementar” (DELGADO, 2006, p. 25). No caso específico desta pesquisa, que se propõe a estudar a fase germinal e inicial de uma escola fundada em 1949, a possibilidade de as entrevistas esclarecerem lacunas deixadas pelos documentos ainda é grande, por estarem em condições de falar sobre o tema algumas pessoas que estiveram presentes e participaram do processo desde o seu início. Quando me propus a realizar esta pesquisa, a fundadora da escola já havia falecido há algum tempo, portanto não pude contar com o seu depoimento, mas pessoas que a acompanharam neste processo puderam fazê-lo17.

As entrevistas foram realizadas por mim, e os entrevistados foram alunos e professores que participaram da gênese e/ou trajetória da Escola de Belas Artes de Pelotas no período estudado e se dispuseram a colaborar. A tarefa foi facilitada pelo fato de eu ser pelotense e ter sido aluna da instituição em mais de uma ocasião, e por este motivo ter proximidade com estas pessoas. Como a fundadora já era falecida, procurei sua neta Janice Pires Corrêa Franco, durante o trabalho de mestrado, quando estabelecemos uma relação de confiança e amizade, que acabou proporcionando a doação do acervo da família ao Centro de Artes. A escolha dos entrevistados foi relativamente simples, ou melhor, nem foi uma escolha. Foram entrevistadas todas as pessoas que participaram da gênese e trajetória da Escola com as quais conseguimos contato e estavam em condições de saúde e memória que permitissem dar o seu depoimento. Isto porque pessoas que viveram o ano de 1949 na juventude estão hoje com idade

17

Durante a pesquisa de campo, fiquei impressionada quando descobri que a pessoa que „movia céus e terras‟, ia a Porto Alegre e ao Rio de Janeiro sem pestanejar para tratar de questões relativas à fundação do Curso era uma senhora com cinqüenta anos e sete filhos. Uma curiosidade bem ilustrativa: Janice (neta de D. Marina) contou-me que certa ocasião, em Porto Alegre, ela esqueceu-se do aniversário do filho, em cuja casa estava hospedada, por estar tratando de questões relativas à Escola.

(31)

avançada. A entrevista foi aberta, sem roteiro. Era solicitado ao entrevistado discorrer sobre suas lembranças a respeito dos tempos da Escola de Belas Artes de Pelotas, as pessoas e eventos importantes – para o entrevistado – a sua vivência na Instituição. Também foi solicitado que o entrevistado falasse a respeito da importância da EBA. Foram realizadas seis entrevistas com ex-alunos e ex-professores, que já estão transcritas.

Entrevistei Therezinha Röhrig, que, sendo bem mais jovem que a fundadora, acompanhou-a em várias ocasiões na época da fundação da EBA, tendo participado inclusive do momento em que, em grupo, foram à Catedral pedir ao pintor italiano Aldo Locatelli para ensinar no curso que D. Marina pretendia criar. Foram realizadas também duas entrevistas com D. Yedda Machado Luz, aluna da primeira turma e depois professora do curso. Ela foi muito importante na história da EBA porque foi secretária das reuniões de diretoria durante muitos anos. Outra entrevistada foi Maria Luiza Pereira Lima, também aluna, da segunda turma, e depois professora. Foi entrevistada duas vezes Luciana Renck Reis, aluna e professora da EBA, casada com um sobrinho de D. Marina e fundadora do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, pertencente à UFPel. Foram entrevistadas também Flora Bendjouya, aluna na década de 1950 e futura professora de cerâmica da Escola, e Arlinda Magalhães Nunes, aluna da primeira turma e artista com carreira de sucesso, além de professora de arte na rede estadual de ensino.

Conforme foi dito, as entrevistas foram abertas. Não havia um roteiro, mas sim um tema: a Escola de Belas Artes de Pelotas, e a orientação aos entrevistados no sentido de falarem sobre suas vivências como alunas e/ou professoras da Instituição, para que se pudesse conseguir informações que ajudassem a compor este quebra-cabeças que é uma reconstituição histórica de uma instituição, sendo realizada mais de sessenta anos depois de sua fundação18. Queria entender o que o entrevistado tinha a trazer, em seus próprios termos, e segundo a sua escala de importância, o que não se consegue se lhe apresentamos um roteiro pré-estabelecido (e menos ainda nas respostas a

18

As entrevistas feitas para este trabalho foram realizadas bem no início, foram “exploratórias”, pois ainda não estavam definidas as questões de pesquisa, e as pessoas das primeiras turmas da Escola já estavam com idade avançada. Quando me interessei pelo tema, D. Yedda Luz, que foi, além de aluna e depois professora da EBA, muito amiga de D. Marina e secretária na diretoria da EBA, o que fazia com que acompanhasse as reuniões de diretoria, tinha noventa e dois anos.

(32)

perguntas de uma entrevista). Quando alegavam não ter nada de importante para dizer, esclarecíamos que qualquer pecinha deste quebra-cabeças era muito importante, e fazia com que se pudesse apreender melhor a “obra” que é a história da Instituição. Com esse espírito, as entrevistadas colaboraram com entusiasmo. Todas as entrevistadas também colaboraram, espontaneamente, relacionando os fatos relativos à EBA com o contexto da época na cidade de Pelotas, que elas conheciam bem. Nesse sentido, Delgado (2006) diz que a história oral é um processo de recordação realizado por um sujeito individual, mas socialmente integrado: “Dessa forma, os relatos e os testemunhos contêm em si um amálgama maior, o da inserção em uma comunidade específica” (DELGADO, 2006, p.27).

As entrevistas foram gravadas19 e posteriormente transcritas. Todas as entrevistadas permitiram o uso de seus nomes no trabalho e assinaram carta de cessão dos direitos para uso das entrevistas. O material escrito resultante das entrevistas está arquivado, e parte dele foi utilizada neste trabalho. O que não dizia respeito especificamente ao tema da pesquisa poderá ser utilizado posteriormente para outras pesquisas que pretendam elucidar distintas questões a respeito da EBA, temas relacionados ao ensino das artes visuais ou outros20.

A História Oral, segundo Thompson (2002) e Delgado (2006) é um procedimento metodológico que registra uma narrativa. Cabe ao pesquisador atuar de maneira a garantir a cientificidade desta opção metodológica, para que ela possa integrar um trabalho acadêmico. A narrativa registrada a partir de fonte oral está alicerçada na memória. De acordo com Delgado:

a história oral é um procedimento metodológico que busca, pela construção de fontes e documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre história em suas múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais. (DELGADO, 2006, p. 15)

19

As datas de realização das entrevistas são: Maria Luiza Pereira Lima Caruccio: 02 de junho de 2006; Maria Luiza Caruccio e Yeda Machado Luz: 04 de junho de 2007; Yeda Machado Luz: 22 de junho de 2007 e 03 de março de 2008; Luciana Renck Reis, 15 de junho de 2007 e 29 de outubro de 2007; Therezinha Röhrig: 4 de agosto de 2007. A transcrição e a digitação destas entrevistas foi realizada na primeira semana de junho de 2008.

20

Estas entrevistas serão disponibilizadas para outros pesquisadores no CEDOC – Centro de Documentação do PPGE-UFPel.

(33)

Memória e identidade estão indissoluvelmente ligadas, como afirma Candau (2011) em seu ensaio que trata destes dois conceitos fundamentais no campo das ciências humanas e sociais, e se apóiam uma na outra no momento de produzir uma narrativa. A memória seria “geradora” de identidade, por participar de sua construção, tanto no nível individual como no coletivo, e as narrativas das pessoas entrevistadas para este trabalho sem dúvida desempenham o papel de matéria-prima para a construção de identidade da Escola de Belas Artes de Pelotas enquanto uma instituição de ensino singular.

Finalizando os comentários sobre as entrevistas, trazemos Thompson (1992), que, ao abordar o uso de fontes orais pelo historiador (história oral como instrumento de pesquisa e como fonte documental), esclarece que a utilização de entrevistas como fonte por historiadores profissionais vem de muito longe e é perfeitamente compatível com os padrões acadêmicos.

Outra fonte utilizada nesta pesquisa são os periódicos. Foram muito importantes para este trabalho os jornais que circulavam à época na cidade e região: o Diário Popular, A Palavra, A Opinião Pública, Diário de Notícias, Folha da Tarde, A Hora e Jornal da Tarde. Isto porque eles permitiram, além da pesquisa sobre a instituição em si, conhecer melhor o contexto social, cultural, econômico e político que proporcionou o nascimento e desenvolvimento desta Instituição, e as relações deste contexto com a Escola. Os periódicos trazem todo um “discurso”, representações a respeito da arte e seu ensino e revelam um imaginário que enriquecem a possibilidade de alcançar o “espírito da época” na cidade. A pesquisa nos jornais possibilitou perceber como a imprensa escrita representava a Escola de Belas Artes de Pelotas e como eram as relações desta imprensa com as elites locais.

Os periódicos são, de fato, uma fonte fundamental, importantes documentos históricos. Através das notícias veiculadas, conseguimos, além de tomar conhecimento de inúmeros aspectos que os documentos dos arquivos institucionais não trazem, avaliar a importância que tinha a instituição para a comunidade pelotense. Lembramos que até a década de 1970 era pequeno o número de trabalhos da área da história que se valiam de jornais e revistas como fontes, ou seja, como matéria-prima para a operação historiográfica. A tradição do

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