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Academic year: 2021

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! UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Artes

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NARA DE MORAES CÁLIPO DILLY !

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PARA QUEM VOCÊ DANÇA? A CRIAÇÃO E A RECEPÇÃO DA DANÇA NO MÉTODO BAILARINO-PESQUISADOR-INTÉRPRETE (BPI): UMA EXPERIÊNCIA COM AS

MULHERES QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU E COM O TERECÔ

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CAMPINAS

2016

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PARA QUEM VOCÊ DANÇA? A CRIAÇÃO E A RECEPÇÃO DA DANÇA NO MÉTODO !

BAILARINO-PESQUISADOR-INTÉRPRETE (BPI): UMA EXPERIÊNCIA COM AS MULHERES QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU E COM O TERECÔ

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! Tese apresentada ao Instituto de Artes da

Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Artes da Cena, na área de concentração Teatro, Dança e Performance.

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Orientadora: Prof.

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Dr.

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Graziela Estela Fonseca Rodrigues !

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ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA NARA DE MORAES CÁLIPO DILLY, ORIENTADA PELA PROFA. DRA. GRAZIELA ESTELA FONSECA RODRIGUES.

CAMPINAS !

2016

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Cálipo, Nara, 1987-

C129p C_aPara quem você dança? A criação e a recepção da dança no método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) : uma experiência com as mulheres quebradeiras de coco babaçu e com o Terecô / Nara de Moraes Cálipo Dilly. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

C_aOrientador: Graziela Estela Fonseca Rodrigues.

C_aTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

C_a1. Bailarino-Pesquisador-Intérprete. 2. Terecô - Culto. 3. Processo criativo.

4. Platéias de artes. I. Rodrigues, Graziela,1954-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Who do you dance for? Creation and reception in the Dancer- Researcher-Performer (BPI) method : an experience with the female babassu coconut breakers and with Tereco

Palavras-chave em inglês:

Dancer-Researcher-Performer Terecô (Cult)

Creative process Arts audiences

Área de concentração: Teatro, Dança e Performance Titulação: Doutora em Artes da Cena

Banca examinadora:

Graziela Estela Fonseca Rodrigues [Orientador]

Paula Caruso Teixeira Daniela Gatti

Isaira Maria Garcia de Oliveira Carla Andrea Silva Lima Data de defesa: 28-07-2016

Programa de Pós-Graduação: Artes da Cena

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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NARA DE MORAES CÁLIPO

ORIENTADOR(A): PROFA. DRA. GRAZIELA ESTELA FONSECA RODRIGUES

MEMBROS:

1. PROFA. DRA. GRAZIELA ESTELA FONSECA RODRIGUES 2. PROF(A). DR(A). DANIELA GATTI

3. PROF(A). DR(A). PAULA CARUSO TEIXEIRA

4. PROF(A). DR(A). ISAIRA MARIA GARCIA DE OLIVEIRA 5. PROF(A). DR(A). CARLA ANDREA SILVA LIMA

Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena na área de concentração Teatro, Dança e Performance do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

DATA: 28.07.2016

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Àqueles(as) que optam por um “baiar” em plenitude e persistem nesta busca. !

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À Prof.ª Dr.

a

Graziela Rodrigues, pelo rigor e precisão em sua orientação e direção. Por me proporcionar a formação no método BPI ao longo desses onze anos. Por me fazer dançar.

Ao Núcleo BPI, pelo apoio em várias instâncias, permitindo a realização de muitas etapas desta pesquisa.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por conceder a bolsa de doutorado, proporcionando o desenvolvimento desta tese de doutorado.

À Prof.ª Dr.

a

Paula Caruso Teixeira e à Prof.ª Dr.

a

Larissa Sato Turtelli, pelas contribuições nesta pesquisa.

À minha companheira de vida acadêmica, Elisa Massariolli da Costa, por cada conversa e ajuda ao longo desses onze anos.

Às mulheres quebradeiras de coco babaçu e terecozeiras do Bico do Papagaio, que abriram suas eiras permitindo minha imersão em seu universo.

À comunidade Olho D’Água, que me acolheu durante as pesquisas de campo.

Ao meu marido, Bruno Dilly, pelo incentivo, suporte e compreensão tão importantes neste percurso.

À minha mãe, Fátima, e à minha irmã, Laura, pelo apoio incondicional e todo afeto.

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Esta pesquisa aborda um exercício de recepção a partir do método Bailarino-Pesquisador- Intérprete (BPI), sendo que a criação artística esteve centralizada na comunicação com os espectadores os quais também foram a fonte coabitada. Essa experiência propiciou a ampliação da área de investigação, uma vez que o referido exercício desencadeou um desenvolvimento muito peculiar para o processo criativo que o sucedeu. Isso porque, após a realização da experiência de criar e dançar para a fonte coabitada, o desenvolvimento da pesquisa continuou ocorrendo no corpo da autora, tornando-se importante parte deste estudo. Foi constatado nesta pesquisa que a questão da recepção não excluiu a discussão e o desenvolvimento sobre o processo criativo, uma vez que se tornaram complementares. A tese traz descrições acerca do terecô, manifestação proveniente do campo coabitado no processo de criação, realizado junto às mulheres quebradeiras de coco babaçu; do processo de criação e recepção dessas mulheres frente à obra apresentada; e do desenvolvimento do processo após a experiência, culminando na incorporação da personagem Rosinha/Margarida.

Palavras-chaves: Bailarino-Pesquisador-Intérprete; Terecô - Culto; Processo criativo; Platéias de artes.

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ABSTRACT

! This research approaches a reception exercise from the Dancer-Researcher-Performer Method

(BPI), whereas the artistic creation was centralized on the communication with the audience which was also the cohabited source. This experience provided the enlargement of the investigation´s area, since the referred exercise has begun a very peculiar development to the ulterior creative process. Simply because, after the fulfillment of the creating and dancing to the cohabited source experience, the research was still happening at the author´s body, becoming important to this study. It was found that the reception´s issue did not exclude the creative process discussion and development, for both of them have become complementary. The thesis brings descriptions concerning the terecô, a manifestation from the research field cohabited during the creative process, conducted among babaçu coconut-breaking women; the creative process and the women´s reception of the presented artistic work; and the development of the ulterior process that culminated with the incorporation of the character Rosinha/Margarida.

! Keywords: Dancer-Researcher-Performer; Terecô (cult); Creative process; Arts audiences.

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Lista de Figuras

Figura 1 – Altar da Tenda Santo Antônio...46

Figura 2 – Guna da Tenda Santo Antônio ….………47

Figura 3 – “Complexo” construído pela mestra Moura em meio à mata amazônica...48

Figura 4 – Salão de Moura enfeitado para o festejo de Santa Luzia……….……….49

Figura 5 – O mastro de Santa Luzia decorado com banana verde e folhas, sendo benzido antes de seu hasteamento………...……49

Figura 6 – Mestra Moura firmando uma vela em seu altar……….……50

Figura 7 – Altar da tenda São Francisco………..……….…..51

Figura 8 – Tenda São Francisco em dia de tambor. Ao centro, revestida em branco e verde, a guna………52

Figura 9 – Segundo altar na Tenda São Francisco, junto da mãe-boa (onde são proferidos castigos físicos)...52

Figura 10 – Altar da Tenta Padre Cícero...53

Figura 11 – Chica Preta e seu altar...55

Figura 12 – Médium faz uma pausa na dança e se relaciona com o altar no tambor da Tenda Santo Antonio………..……….57

Figura 13 – Corpo do pé do tambor. Festejo na Tenda São Francisco, município de Carrasco Bonito...58

Figura 14 – Mestra Nezinha, cega, baia com um encantado em seu corpo (momento de fruição). Festejo de Santa Luzia. Tenda Padre Cícero...60

Figura 15 – Mestra ampara uma médium que necessita de ajuda. Tenda Padre Cícero...61

Figura 16 – Médium no chão em ausência de tônus, levando à imobilidade. Tenda Padre Cícero………..61

Figura 17 – Corpo de passagem - o mestre toca o topo de sua cabeça (croa), com a da médium

que passa pelo momento de aflição, o objetivo é que ele receba em seu corpo aquele “mal” para

então dissipá-lo. Tenda Padre Cícero...62

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Figura 19 – Exemplo de momento de cura. Mestra Nézinha tira algo do corpo de sua médium para dar passagem através do próprio corpo. Festejo de Santa Luzia. Tenda Padre Cícero……..67 Figura 20 – Mulher segurando uma bacia com utensílios domésticos para serem lavados no rio.

Comunidade Olho D’água………..…82 Figura 21 – Mulher quebradeira de coco babaçu lavando louça no rio. Comunidade Olho

D’água...83 Figura 22 – Meninas e mulheres se organizando para realizar uma brincadeira em grupo.

Comunidade Olho D’água………...84 Figura 23 – Mulher quebradeira de coco babaçu. Comunidade Olho D’água...84 Figura 24 – Mulher brincando com a filha em uma pausa na lavagem de roupas no rio.

Comunidade Olho D'água...85 Figura 25 – Mestra Liciene. Tenda Santo Antonio. Sitio Novo do Tocantins...85 Figura 26 – Mulher baiando terecô no festejo de Sábado de Aleluinha. Eira Padre Cícero, Grota do Meio………...86 Figura 27 – Mulher quebradeira de coco babaçu. Comunidade Olho D’Água...87 Figura 28 – Mulher baiando terecô no festejo sábado de Aleluinha. Tenda Padre Cícero. Grota do Meio, São Miguel do Tocantins...88 Figura 29 – Mulher colhendo coentro. Comunidade Olho D’Água………...89 Figura 30 – Mulher baiando terecô no festejo de Sábado de Aleluinha. Tenda Padre Cícero. Grota do Meio, São Miguel do Tocantins………90 Figura 31 – Altar cenográfico no início do roteiro coreográfico, ainda sem as imagens das

mulheres. Apresentação na Tenda Padre Cícero. Grota do Meio - TO, janeiro de 2014...93 Figura 32 – Altar cenográfico já composto pelas imagens das mulheres. Apresentação na Tenda Padre Cícero. Grota do Meio - TO, janeiro de 2014...93 Figura 33 – Bailarina durante a cena “O chamado”. Apresentação na Comunidade Olho D’Água.

São Miguel do Tocantins, TO. Janeiro de 2014………...97

Figura 34 – Bailarina com o bulbo. Apresentação na comunidade Olho D’Água, São Miguel do

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Figura 35 – Mulher com bacia de “sangue”. Apresentação na Tenta Padre Cícero, Grota do Meio - TO, janeiro de 2014...100 Figura 36 – Local onde ocorreu a apresentação durante a montagem do espaço cênico……….110 Figura 37 – Local onde foi realizada a apresentação no momento em que ocorria a montagem do cenário………..111 Figura 38 – Durante a apresentação. A demarcação do espaço cênico com coco babaçu...112 Figura 39 – Espaço cênico na Tenda Santo Antonio...134 Figura 40 – A autora durante a instalação performativa realizada no Intituto de Artes

Unicamp………...157 Figura 41 – A autora em cena na instalação performativa realizada da praça Marco Zero da Unicamp………....159 Figura 42 – Laboratório dirigido. Rosinha em momento de “peleja”, o esterno em direção ao chão e uma das pernas para cima………...…166 Figura 43 – Laboratório. Postura altiva de Margarida ao falar de suas roupas bonitas………....166 Figura 44 - Rosinha em interação com Margarida através do vestido………169 Figura 45 – Altar cenográfico em formato de saia, contendo a imagem de Santa Luzia em seu interior……….….170 Figura 46 – Rosinha realizando sua dança. Apresentação no IV Seminário do PPGAdC……...170 Figura 47 – Margarida realizando sua dança. Apresentação no IV Seminário do PPGAdC....…171 Figura 48 – Margarida realizando sua dança. Apresentação no IV Seminário do PPGAdC..…..171

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1. Introdução……….………….……….13

2. Metodologia……….………..……25

2.1. Materiais…………..……….………..…25

2.2. Sujeitos……....………..…….……….25

2.3. Procedimentos……….………26

3. O Terecô……….……… 36

3.1 Terminologia do Terecô……….……….………….……….42

3.2. O Co-habitar com a Fonte……….………..…………..……….…….45

3.2.1 Os espaços: descrição das eiras pesquisadas..……….………….……46

3.2.2 O corpo do terecô: desequilíbrio e equilíbrio……..………..55

3.2.3 O processo de cura do terecô: alívio do corpo………..………65

3.3. Os encantados…..……….………..…..……….. 69

4. Dançar para quem? Questões de criação e recepção……….……….…73

4.1. Laboratórios Dirigidos e elaboração do roteiro………..…..…….….73

4.2. Dançando para Fonte Coabitada….…….……….……….102

4.3. Reflexões sobre a recepção da obra pela fonte coabitada……….140

5. Desdobramentos de Criação e Interlocução……….……….……..….……151

5.1. Instalações Performativas………...…152

5.2. Dançar o nome: incorporação da personagem Rosinha/Margarida………...159

6. Considerações Finais………..……….180

7. Referências Bibliográficas………187

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1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa nasceu de uma vontade de, com o tempo dilatado permitido pelo doutorado, analisar mais demoradamente os corpos e os movimentos das mulheres quebradeiras de coco babaçu e praticantes de terecô através do método de pesquisa e criação Bailarino- Pesquisador-Intérprete (BPI), desenvolvido pela Prof. ª Dr. ª Graziela Rodrigues, orientadora deste trabalho. Dessa maneira, a pesquisadora pôde observar a beleza do movimento que transcende um difícil contexto caracterizado pela violência, pela falta de saneamento básico e outros difíceis aspectos da vida na área rural do Bico do Papagaio, norte do estado do Tocantins.

O corpo, bruto ao quebrar o coco para garantir a subsistência, torna-se maleável durante a dança na eira, vestido de princesa ou rainha.

Sendo assim, a pesquisadora realizou a pesquisa de campo, prevista no eixo Co-habitar com a Fonte do método BPI, pelo período total de 21 dias, nos quais teve a oportunidade de ficar hospedada na casa das pessoas com as quais coabitou, o que permitiu uma maior imersão no universo do terecô.

Entretanto, o percurso que culminou nesta pesquisa de doutorado teve início há muito tempo, no curso de Graduação em Dança do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde a pesquisadora teve a oportunidade de um contato inicial com os conteúdos e experimentações referentes ao método BPI. Nesse período, foram cursadas as disciplinas Dança do Brasil I, II, III, IV, V e VI, todas ministradas por diretoras do método e sob a abordagem do mesmo. Ainda durante a graduação, a pesquisadora tornou-se membro do Grupo de Pesquisa Bailarino-Pesquisador-Intérprete e Dança do Brasil, inscrito no diretório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sob a coordenação da profª. Dra. Graziela Rodrigues.

A partir da vivência proporcionada por dois projetos de Iniciação Científica

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, também orientados por Graziela, intitulados Experienciando o BPI (Bailarino-Pesquisador-Intérprete):

colhendo a dança com as mulheres do café e Estruturação da Personagem, método BPI (Bailarino-Pesquisador-Intérprete): a dança colhida nas mulheres do café, a pesquisadora teve a

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Projetos financiados pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do CNPq.

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oportunidade de vivenciar todas as fases do processo criativo no método BPI. Ao longo dessas experiências, o eixo Co-habitar com a Fonte se deu no estado de Minas Gerais, com mulheres colhedoras de café. Os conteúdos apreendidos corporalmente pela pesquisadora durante o coabitar, ao serem trabalhados e desenvolvidos em laboratórios dirigidos pela orientadora, nuclearam-se na personagem Jura, demarcando, assim, o eixo Estruturação da Personagem. Este foi extensamente trabalhado no Trabalho de Graduação Integrado (TGI), orinetado pela mesma professora, e que culminou na elaboração de uma obra cênica.

Dessa forma, as experiências vividas tanto nos projetos de iniciação científica quanto no TGI resultaram no espetáculo cênico A Flor do Café. Este, por sua vez, foi de vital importância para a formação da pesquisadora no método BPI, viabilizando a imersão no processo artístico amparado pela experiente direção de Graziela Rodrigues e assistência de Larissa Turtelli. O espetáculo foi apresentado 16 vezes em locais diversos.

Tendo isso em vista, instauraram-se questionamentos acerca de como os processos no método BPI se encadeiam, isto é, em que momento o bailarino deixa de dançar uma personagem para dar início à história de uma outra. Por conta disso, a pesquisadora deu início à pesquisa de mestrado, tendo como principal objetivo investigar esses questionamentos a partir de um novo processo criativo no método em questão.

Sob o título Confluindo Co-habitares no corpo do intérprete formado no método BPI (Bailarino- Pesquisador-Intérprete): as mulheres quebradeiras de coco babaçu e seu terecô, a pesquisa propôs a confluência entre conteúdos já vivenciados no corpo da pesquisadora e aqueles experimentados a partir de uma nova ida à campo. Para tanto, foram realizadas quatro visitas em dois locais diferentes, cada um com suas especificidades em termos de qualidade corporal. O primeiro local visitado foi a região do Jalapão no Tocantins, onde as mulheres artesãs do Capim Dourado foram observadas; já o segundo foi a região do Bico do Papagaio, também no Tocantins, onde o olhar da pesquisadora esteve, pela primeira vez, em contato com as mulheres terecozeiras e quebradeiras de coco-babaçu.

Totalizando quase dois meses de permanência em campo, a experiência de maior

aderência ao corpo da pesquisadora no processo criativo, trazendo importantes informações para

a pesquisa em dança, foi aquela realizada com as mulheres quebradeiras de coco babaçu. No

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contato com esse universo, o qual durou 35 dias, percebeu-se apurada técnica de movimento utilizada no manejo do coco, material manipulado, muitas vezes, por diversas gerações de uma mesma família. Aos poucos, a pesquisadora percebeu que a lida com o coco babaçu estava entranhada em níveis profundos naquela comunidade: mulheres, mesmo gestantes, quebravam coco em meio aos filhos, todos imersos e permeáveis à paisagem do lugar. O som e o ritmo do coco sendo quebrado, a vibração do corpo no momento em que o porrete atinge a fruta, as dinâmicas de movimento, o formato e peso do babaçu, do porrete e do machado são vivenciados desde muito cedo. São corpos lapidados no coco. Dessa forma, os corpos dessas mulheres foram sendo descritos e desvendados ao longo da pesquisa de mestrado.

As experiências em campo realizadas nesse período fizeram com que a pesquisadora fosse, aos poucos, ganhando a confiança daquelas mulheres, um importante passo o qual possibilitou a descoberta do terecô. Este é um culto às entidades espirituais denominadas encantados, no qual a cura é sua principal função e se dá através das dinâmicas corporais proporcionadas por rituais de incorporação.

Assim, o fato de a pesquisadora ter desenvolvido a pesquisa de doutorado dentro desse mesmo campo, com as mesmas mulheres quebradeiras de coco babaçu, fez com que pudesse aprofundar muito a qualidade de apreensão dos dados objetivos e, principalmente, subjetivos com os quais entrou em contato, enriquecendo o material disponível. Dessa maneira, a Prof.

a

. Dr.

a

. Graziela Rodrigues propôs a elaboração de uma obra coreográfica a qual seria apresentada às quebradeira de coco, proporcionando aos pesquisados vivenciar e receber o resultado de todo esse processo.

No espetáculo elaborado através do método BPI, a relação que o bailarino estabelece com os espectadores é um aspecto sobre o qual se dirige uma atenção especial tanto antes da estreia quanto depois de terminadas as apresentações. Por esse motivo, investigar a recepção de uma criação do método em questão é pertinente.

Retornar ao campo de pesquisa a fim de apresentar uma obra coreográfica fruto do

coabitar com o mesmo é um procedimento já realizado no método BPI. Entretanto, a obra cênica,

nesta pesquisa, foi criada especial e exclusivamente para esse fim. A partir disso, as

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reverberações e as particularidades da recepção da criação artística pela fonte coabitada foram analisadas.

A pesquisadora percebeu, todavia, que os espectadores-fonte desta pesquisa estavam inseridos em um contexto sociocultural no qual assistir a uma obra de dança como a que foi apresentada era, até então, impossível. Ao levar em consideração esse fator, o processo de criação resultou em uma obra de caráter extremamente versátil, que buscava lidar com situações inusitadas. Além disso, adaptações específicas relativas ao espaço foram necessárias, uma vez que a obra cênica foi apresentada dentro das eiras de terecô e em uma comunidade rural.

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O Bico do Papagaio nasceu do encontro entre a mata e uma população que fugia de uma das piores secas já registradas no Maranhão. Ao longo do tempo em que realizou pesquisas de campo nessa região, a pesquisadora presenciou um período de transição significativo em relação aos hábitos culturais e corporais da população. As casas, antes com paredes de barro e telhado de palha de buriti, sem tratamento de esgoto e acesso à água encanada, passaram à alvenaria.

Além disso, o acesso a determinados bens, como telefone, transporte próprio e máquinas de lavar roupas foi ampliado. Apesar disso, o cotidiano continua duro e difícil. As mulheres ainda enfrentam desafios para comprar mesmo o básico para a sobrevivência. Muitas crianças são alimentadas apenas com farinha de mandioca e suco de buriti.

Dentro desse contexto, habita o terecô.

Esta é uma manifestação mágico-religiosa originária do Tambor de Mina do Maranhão (FERRETI, 2001), também muito encontrado nas cidades e comunidades do Bico do Papagaio.

Sua principal função é a cura, mas também atua como importante ferramenta para o equilíbrio

psicológico de seus praticantes. Os terreiros do terecô são denominados eiras ou tendas, nas

quais ocorrem os festejos e rituais onde há a incorporação de entidades denominadas

encantados. Cada eira de terecô é única, pois detém particularidades de acordo com a mestra,

sinônimo de mãe de santo, que o lidera. Os rituais e festejos ocorrem sob a liderança da mestra,

ao toque de tambores da mata, confeccionados a partir de troncos de árvores e pedaços de

couro, maracás, agogôs e mesmo latas de tinta tocadas com varetas.

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O motivo do uso do feminino na denominação “mestra” acontece devido ao fato da manifestação, na região observada, ser majoritariamente feminina

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. A participação masculina se limita, basicamente, ao toque dos instrumentos, sendo limitada no que diz respeito à incorporação dos encantados.

Entretanto, o terecô, como evidenciado pela presente pesquisa, ainda carece de literatura acadêmica específica. Nesse sentido, buscou-se preencher essa lacuna no que diz respeito aos dados sobre a manifestação no estado do Tocantins. O material disponível sobre o assunto aborda somente a origem do terecô, detendo-se à cidade de Codó, no Maranhão, e à sua ocorrência no estado do Pará. Sendo assim, a bibliografia utilizada nesta tese concentra-se nos escritos de Mundicarmo Ferreti a respeito do terecô e do tambor de Mina e da pajelança no estado do Maranhão.

Assim, a tese proporciona um dimensionamento do terecô da região do Bico do Papagaio sob a perspectiva da dança, utilizando, para isso, ferramentas do método BPI, Estrutura Física e Anatomia Simbólica, para realizar as descrições e análises dos locais, dinâmicas e corpos os quais perfazem o terecô. Além disso, a tese também busca aprofundar a experiência de recepção vivenciada pelos pesquisados ao assistirem à obra cênica a eles apresentada pela pesquisadora dentro das eiras de terecô. Embora o tema da recepção conte com um vasto referencial bibliográfico, este não contempla esse tipo de experiência. Isso aponta a importância desta pesquisa no que diz respeito ao enriquecimento das informações relativas à recepção do espetáculo de dança por parte de espectadores alvo da pesquisa em si; a presente pesqusia também reafirma os dados disponíveis a respeito da experiência de retorno ao campo no método BPI.

Os materiais utilizados para a realização dessas análises e descrições foram os registros em vídeo e fotografias das pesquisas de campo

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e da experiência de dançar para os pesquisados.

Sendo o terecô originário do Tambor de Mina do Maranhão, identifica-se essa característica como sendo comum a

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ambos, uma vez que o “Tambor de Mina é participado predominantemente por mulheres. Nas casas mais antigas e tradicionais, a liderança é sempre feminina e, em algumas, só mulheres podem receber e dançar com as entidades.

Atualmente há muitos terreiros dirigidos e com a participação de homens, embora com predomínio do número de mulheres”. (FERRETTI, 2013, p. 3-4.)

Todas as imagens que ilustram esta tese foram captadas em campo pela autora desta pesquisa.

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Nesta última, foram captadas as reações físicas dos espectadores durante a apresentação da obra através de vídeo, bem como seus relatos depois da execução da mesma. Também foram levadas em consideração as impressões vivenciadas tanto pela pesquisadora, enquanto bailarina nas apresentações de dança, quanto pela diretora da obra e orientadora desta pesquisa, que esteve presente em todos os eventos. Os diários de campo e de laboratórios dirigidos, contendo as impressões da pesquisadora, também serviram de objeto de análise. Assim, a reflexão acerca da recepção da dança nesta tese é tecida no entranhamento das diferentes perspectivas obtidas sobre a mesma.

Como um recurso para direcionar e conectar a pesquisadora às pessoas para as quais criava, a diretora colocou o seguinte questionamento: para quem você quer dançar? Essa conexão era essencial, uma vez que o objetivo principal da obra cênica era, justamente, o de estabelecer, através da dança, uma comunicação com as mulheres coabitadas. Além disso, para que isso ocorresse, a diretora enfatizou ser necessária a abertura por parte da pesquisadora.

O levantamento da bibliografia a respeito da recepção foi realizado antes das apresentações com o intuito de auxiliar na metodologia de análise. Nesse sentido, a pesquisadora observou que havia uma discrepância entre os espectadores observados por Pavis e Desgranges e aqueles com os quais ela estava em contato. Nas obras dos autores citados, fala- se de um espectador anestesiado, com suas percepções e sentidos defasados em virtude do meio urbano e globalizado no qual está inserido.

Pavis (2008) salienta a pluralidade de métodos de análise disponíveis atualmente, cujas particularidades não permitem que se afirme a existência de um método universal para isso, demonstrando a necessidade de se fazer escolhas de acordo com o foco da pesquisa. Dessa maneira, a presente análise se pautou sobre as experiências preexistentes de retorno ao campo do método Bailarino-Pesquisador-Intérprete. A respeito da forma como se dá a relação entre a criação artística no BPI e os espectadores, Turtelli (2010, p. 01) define:

O BPI procura possibilitar a criação de um produto artístico que esteja próximo do público (estabelecendo uma relação direta entre intérpretes e público), que tenha os intérpretes como sujeitos da criação (tocando em questões humanas como autonomia e relações de poder) e que traga uma realidade social para a arte (que do específico chegue a alcançar dimensões mais amplas).

(TURTELLI, 2010, p. 01)

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Portanto, a metodologia adotada para analisar a recepção e para a realização da apresentação no campo de pesquisa foi traçada, principalmente, a partir dos conhecimentos adquiridos de experiências de retorno ao campo anteriormente realizadas por pesquisadores do método BPI. Essas experiências ocorrem desde 1980 e têm demonstrado proporcionar aos seus espectadores um processo de espelhamento, no qual a obra devolve a eles algo de sua própria identidade que foi incorporado pelo intérprete. Ao se identificar na obra apresentada, as reações desses espectadores transitam entre a empatia e a rejeição, sendo a empatia centralizadora das experiências. Esse processo atua, para o intérprete, como uma validação de sua criação por aqueles com quem coabitou. Em alguns casos, os espectadores-fonte acabam, inclusive, por influenciar a obra cênica, dando sugestões e levantando novos questionamentos.

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O método de pesquisa e criação em dança Bailarino-Pesquisador-Intérprete nasceu na década de 1980 da inquietação da bailarina e coreógrafa Graziela Rodrigues a respeito do trabalho com as emoções na dança. Com uma carreira nacional e internacional, o fato das emoções sempre serem um tabu e, por isso, não serem conduzidas de forma adequada dentro da sala de aula, levou Graziela a buscar um trabalho que integrasse a pessoa do artista à sua prática (RODRIGUES, 2003).

Dessa maneira, o BPI se desenvolveu, primeiramente, no corpo de sua criadora e, a partir de 1987, nos corpos dos alunos do curso de Graduação em Dança da Unicamp (ano em que Graziela Rodrigues iniciou sua atuação docente nesta Universidade) e em companhias de dança.

Nesse percurso de criação e desenvolvimento do método, sua prática validou o trabalho das emoções na dança. Além disso, desenvolveu questões relativas à identidade corporal do bailarino, sua relação com o outro e expressão do movimento interior

 4

.

O movimento do corpo no método BPI ocorre também através de uma perspectiva interior do intérprete.

4

Ao mover-se, ele observa quais sensações, emoções e imagens se fazem presentes junto ao movimento

que ocorre externamente. Esse percurso interno resulta em um movimento que ocorre tanto externa

quanto internamente enquanto o bailarino dança.

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Essa lida com o corpo físico e emocional do intérprete de forma integrativa foi o principal ponto para que a pesquisadora seguisse sua busca no referido método. Antes de iniciar sua trajetória no método BPI, a pesquisadora enfrentou dificuldades no seu desenvolvimento como bailarina devido a questões emocionais. Viu, na proposta do método BPI, no entanto, uma oportunidade, pois o desenvolvimento artístico está atrelado ao desenvolvimento pessoal.

As obras de referência a respeito do BPI são o livro Bailarino-Pesquisador-Intérprete:

Processo de Formação (RODRIGUES, 1997), no qual Graziela Rodrigues apresenta o método juntamente com a síntese de suas pesquisas com manifestações populares brasileiras através da Estrutura Física e Anatomia Simbólica (RODRIGUES, 1997), e a tese O método BPI (Bailarino-Pesquisador-Intérprete) e o desenvolvimento da imagem corporal: reflexões que consideram o discurso de bailarinas que vivenciaram um processo criativo baseado neste método (RODRIGUES, 2003), onde a autora aprofunda o referencial teórico para lidar com as questões relativas ao desenvolvimento da imagem corporal do bailarino. Nesse texto em particular, os aspectos psicodinâmicos da imagem corporal são explicitados, aprimorados e investigados de forma mais acurada.

Assim, de forma geral, o método BPI se estrutura em três eixos: Inventário no Corpo, Co- habitar com a Fonte e Estruturação da Personagem. Estes se entrecruzam de forma dinâmica ao longo do processo, não se constituindo como estrturuas estáticas e enrigecidas.

No primeiro eixo, Inventário no Corpo, o objetivo é que o intérprete entre em contato com sua realidade gestual. Nos laboratórios dirigidos, fragmentos de história “pessoal, cultural e social [do bailarino] são trazidos à tona” (RODRIGUES, 2003) através do movimento. Trata-se de um mergulho em si mesmo, no qual o contato do bailarino com o próprio corpo é ampliado, uma vez que passa a vivenciar metamorfoses.

Já no que diz respeito ao segundo eixo, Co-habitar com a Fonte, este se dá quando o

intérprete, tendo reconhecido e assumido questões relativas à sua história pessoal e, portanto,

tomando ciência de seus preconceitos e julgamentos, vai ao encontro do outro através da

pesquisa de campo. Assim, o bailarino vai ao encontro de uma realidade diferente daquela onde

está inserido e pela qual sente-se mobilizado à pesquisar (RODRIGUES, 2003). Essa realidade

pode configurar um segmento social ou uma manifestação popular específica. O verdadeiro

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coabitar, entretanto, se dá somente quando o pesquisador se vê inserido naquele contexto. Ele

“vive aquela paisagem da pesquisa de campo como se pertencesse a ele” (RODRIGUES, 2003, p. 107).

Esse eixo se desenvolve tanto no espaço da pesquisa de campo quanto na sala de aula, sendo que, no segundo caso, se enquadram os laboratórios preliminares, os quais têm como função preparar o bailarino para a ida ao campo, e os laboratórios dirigidos, iniciados após o retorno do intérprete. Existe, portanto, toda uma conjuntura para que o eixo se deflagre, a qual requer “grande preparação e envolve o antes, o durante e o depois do campo” (TEIXEIRA, 2006, p.07). Nesta pesquisa, o co-habitar com a fonte foi realizado através de duas ida ao campo, junto às mulheres quebradeiras de coco babaçu e terecozeiras, e em laboratórios dirigidos pela orientadora Graziela Rodrigues.

O terceiro eixo, Estruturação da Personagem, prevê a nucleação de um corpo, fruto do embate entre as experiências vivenciadas pelo intérprete na pesquisa de campo e suas próprias vivências anteriores. Para isso, também são realizados laboratórios dirigidos nessa fase, onde a direção auxilia o intérprete a enxergar e delinear os conteúdos presentes em seu corpo. Em um dado momento, depois de depurados e trabalhados os conteúdos trazidos pelo intérprete, acontece a incorporação da personagem. Segundo Rodrigues (2003, p. 124), pode-se dizer que a etapa de incorporação da personagem é o momento de integração de sensações, emoções e imagens até então desconectadas. “ [...] Trata- se de um fechamento de gestalten, onde emanam novas imagens, sentidas com intensidade e vistas como tendo características bem delineadas, constituindo-se no enunciado de uma personagem” (RODRIGUES, 2003, p. 124).

Após a incorporação da personagem, é necessário desenvolvê-la, dando espaço para que seus conteúdos, histórias e linguagem de movimento emerjam. É gerada uma gama de materiais para dar início à criação do espetáculo propriamente dito.

No processo criativo vivenciado pela pesquisadora no desenrolar desta tese, a

incorporação da personagem ocorreu quando faltavam apenas cinco meses para a conclusão da

pesquisa, de forma que a obra criada e apresentada para as quebradeira de coco foi elaborada

sem que houvesse uma personagem. Assim, o que foi levado para cena foram os conteúdos

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apreendidos a partir da convivência com essas mulheres, incorporados e processados pela pesquisadora.

O processo criativo, no entanto, não parou depois das apresentações em campo e, nos laboratórios dirigidos que se seguiram, observou-se que o experimento de recepção atuou como uma espécie de campo. Isso porque as interações ocorridas na ocasião reverberaram criativamente no processo, auxiliando na posterior incorporação da personagem.

A personagem incorporada trouxe a dualidade vivenciada neste processo e no contato com os conteúdos do campo, pois trata-se de uma mulher quebradeira de coco babaçu, de corpo muito velho e desgastado, chamada Rosinha. Mas também se trata de uma encantada de nome Margarida, que diz ser uma “linda rainha” da coroa portuguesa. Margarida incorpora em Rosinha e uma supre as necessidades da outra: Rosinha precisa do não-corpo de encantado de Margarida para sobreviver às suas mazelas, e Margarida necessita do corpo velho e gasto de Rosinha para que possa existir.

A elaboração do roteiro no método BPI permanece em aberto até que os sentidos estejam completamente elaborados e minuciosamente trabalhados, apresentado aderência ao corpo do intérprete. A respeito dessa etapa, Melchert (2007, p. 24) afirma que “a criação está na originalidade de cada corpo, fruto do coabitar. O roteiro é fruto do que o corpo escreve.

Trabalha-se com o que o corpo deixa escapar, com a realidade possível do intérprete e com sua singularidade”. Em outras palavras, sua elaboração independe de uma estética delimitada pelo gosto do diretor ou do intérprete. A criação do roteiro está a serviço daquilo que se mostra mais coerente com a personagem e com o corpo do bailarino.

Já no caso específico da obra elaborada para as mulheres quebradeiras de coco, o foco

estava em estabelecer uma comunicação com as espectadoras. Isso determinou as escolhas que

foram tomadas ao longo do processo. Essas decisões são feitas pela diretora, que participa da

criação artística de forma atenta para que os conteúdos relativos às questões pessoas do

intérprete possam ser distinguidos daqueles que, de fato, fazem parte do processo criativo. Nas

descrições deste processo esse aspecto é evidenciado, uma vez que essa atuação da diretora

permitiu que tudo viesse a cabo.

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Dessa maneira, a criação a partir do método BPI baseia-se em seus três eixos. Todos são trabalhados com ferramentas próprias usadas em todas as fases: a Técnica de Dança, com a Estrutura Física e Anatomia Simbólica; a Técnica dos Sentidos; os Laboratórios Dirigidos; as Pesquisas de Campo; e os registros (RODRIGUES, 2010). A partir disso, a pesquisadora optou por trabalhar três momentos: o primeiro baseou-se no eixo Co-habitar com a Fonte, estando nele inserida a elaboração do roteiro da obra coreográfica e sua apresentação; o segundo abrangeu a análise de materiais e dados obtidos na experiência de apresentação no Bico do Papagaio; e o terceiro incluiu o desenvolvimento do corpo no processo de criação da pesquisadora.

Sendo assim, no primeiro capítulo desta tese, os procedimentos metodológicos utilizados para a construção do presente trabalho são explicitados. No segundo, intitulado O Terecô, inicia- se a contextualização da manifestação pesquisada, sendo apresentada a terminologia utilizada nos terecôs do recorte estudado. Em seguida, o trabalho descreve os espaços de cada local visitado com o objetivo de tornar mais claro ao leitor as características peculiares do terecô que, embora tenha elementos confluentes com rituais de origem africana, possui características bastante particulares. O segundo capítulo é finalizado com a análise do corpo do terecô a partir da Estrutura Física e da Anatomia Simbólica por meio da descrição das especificidades responsáveis pelo equilíbrio e desequilíbrio físico e emocional, explicitando as dinâmicas do movimento em diversas partes do corpo, como pés, cintura pélvica, cintura escapular e cabeça.

Já no terceiro capítulo, Dançar para quem? Questões de criação e recepção, a pesquisadora, inicialmente, aborda experimentações laboratoriais do processo criativo e a criação artística do roteiro, explicitando o mote “Para quem você quer dançar?” trazido à tona pela diretora Graziela Rodrigues. Em seguida, se debruça sobre a interação entre seu próprio universo e o das mulheres quebradeiras de coco e praticantes do terecô através dos laboratórios dirigidos.

Nesse capítulo, a dinâmica da recepção dos espectadores nas apresentações realizadas em campo

é analisada a partir de aspectos como a relação de pesquisa construída no Co-habitar com a

Fonte, o ponto de vista da pesquisadora em cena, além de aspectos técnicos, como a montagem

do espaço e o posicionamento dos sujeitos. O capítulo se encerra com o diálogo entre o que foi

experienciado em campo, no que diz respeito à recepção, e os escritos de Pavis e Desgranges.

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No capítulo seguinte, Desdobramentos de Criação e Interlocução, é descrito o caminho percorrido pela pesquisadora no processo criativo do método BPI até a incorporação da personagem Rosinha/Margarida. O percurso de criação, que inclui as instalações performativas no Instituto de Artes da Unicamp e na praça Marco Zero da mesma Universidade, é descrito.

Também são enfatizadas as peculiaridades do desenvolvimento do corpo neste processo criativo.

Nesse ponto, a pesquisadora percebeu a necessidade de problematizar questões relativas à realização da dança com e sem a personagem, compreendendo as implicações processuais do papel do intérprete que passa pelo processo no método Bailarino-Pesquisador-Intérprete.

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2. METODOLOGIA

No tocante aos procedimentos metodológicos, o presente trabalho utilizou o método qualitativo baseado, principalmente, na pesquisa de campo do eixo Co-habitar com a Fonte e nos laboratórios dirigidos. Dessa forma, o método de pesquisa e criação em dança Bailarino- Pesquisador-Intérprete (BPI), desenvolvido por Graziela Rodrigues, é a ferramenta principal deste trabalho.

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2.1. Materiais

Para a realização deste trabalho, a pesquisadora contou com duas idas ao campo, comparecendo a sete diferentes eiras de terecô. Também valeu-se de registros em fotografia e vídeo captados em campo e das próprias apresentações de dança realizadas para as mulheres coabitadas.

Os registros audiovisuais tiveram como principal objetivo captar as reações visíveis dos espectadores, sendo que, para isso, foram necessárias duas câmeras: uma móvel, operada pela prof. ª Dr.

a

Larissa Turtelli, que captou o momento da montagem do espaço, a interação inicial da intérprete com as mulheres espectadoras, a apresentação do trabalho e os feedbacks dados pelos espectadores; e uma câmera fixa, atrás do “palco”, voltada para aqueles que estavam assistindo. Além disso, também foram utilizados, como fonte subsidiária de pesquisa, os diários de campo e de laboratório, nos quais foram registradas suas observações e impressões.

A bibliografia utilizada se detém, principalmente, no método BPI. No entanto, escritos a respeito da recepção da arte, bem como a respeito do terecô e manifestações religiosas adjacentes foram incluídos como fontes teóricas desta pesquisa.

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2.2. Sujeitos

Os sujeitos desta pesquisa são as mulheres quebradeiras de coco babaçu e praticantes do

terecô na região do Bico do Papagaio. Além disso, pode-se afirmar que a própria pesquisadora

também é um sujeito da pesquisa, uma vez que seu processo criativo é um dos temas abordados

no presente trabalho. A interação entre as mulheres do campo e a pesquisadora foi fundamental

para a construção desta tese: o eixo Co-habitar com a Fonte promoveu acessos (não somente

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geográficos, mas também emocionais) ao espaço do terecô e à própria realidade de vida das mulheres quebradeiras de coco. Essa imersão provocou alterações no percurso deste trabalho e na avaliação da criação em dança, não somente no tocante à recepção.

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2.3. Procedimentos

Em relação aos procedimentos de pesquisa, foi utilizado o método BPI com seus eixos e ferramentas. O eixo de entrada, o Inventário no Corpo, no qual o bailarino é levado a pesquisar sua própria história, foi realizado pela pesquisadora em 2005, inicialmente, quando iniciou seus estudos no método BPI. Na presente pesquisa, ao iniciar os laboratórios dirigidos, o eixo em questão foi reavivado, de forma que, em movimento, a bailarina entrou em contato com suas sensações corporais, emoções e imagens os quais proporcionaram um aprofundamento em seu inventário. Salienta-se que, embora o trabalho no método se inicie pelo inventário, o mesmo permeia todo o processo, sendo retomado quando o diretor identifica a necessidade de aprofundamentos e elaborações de conteúdos nesse sentido (RODRIGUES, 2003).

Os laboratórios dirigidos do eixo Inventário no Corpo proporcionam ao bailarino- pesquisador situar-se em sua realidade gestual (Ibid.). O contato com suas origens é reestabelecido em alguns momentos do processo, na busca pela história corporal. Rodrigues (2003, p. 80) esclarece que

No processo do BPI objetiva-se realizar pequenas escavações em nossa história pessoal, cultural, social…recuperando fragmentos, pedaços de história que ficam incrustados inconscientemente nos músculos, nos ossos, na pele, no entorno do corpo e no “miolo do corpo”. (RODRIGUES, 2003, p. 80)

Neste eixo, questões pessoais que dizem respeito à identidade do indivíduo são desdobradas, principalmente no corpo em movimento. Essa espécie de “limpeza” permite que o bailarino-pesquisador, com o auxílio do diretor, tome consciência de seus mecanismos de defesa, preconceitos e outros conteúdos de cunho pessoal. Isso enriquece a vivência dos outros dois eixos, pois, ao coabitar com a fonte, por exemplo, o intérprete está apto a perceber suas possíveis projeções no pesquisado.

Sendo assim, para o processo criativo aqui discutido, o trabalho no eixo Inventário no

Corpo foi de primordial importância, tendo sido necessário retornar a ele repetidas vezes. Pode-

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se afirmar que os avanços conquistados se deram em virtude das elaborações proporcionadas pelos “mergulhos” no inventário da intérprete. A necessidade desses “mergulhos” foi sinalizada pela diretora nos momentos em que ocorria alguma estagnação da movimentação, cuja a origem se concentrava nos conteúdos do eixo em questão.

Já no que diz respeito ao eixo Co-habitar com a Fonte, este propõe que o bailarino saia dos espaços da dança institucionalizada para coabitar com corpos das manifestações populares e/

ou de determinados nichos sociais do Brasil (RODRIGUES, 2003). Trata-se de uma escolha do bailarino-pesquisador, que se dá pela empatia do intérprete em relação ao campo pretendido.

Sendo assim, a pesquisadora optou por dar continuidade à pesquisa de campo iniciada anos antes em seu mestrado: a região do Bico do Papagaio, norte do Tocantins, junto às mulheres quebradeiras de coco babaçu e terecozeiras.

A preparação para a pesquisa de campo, no método BPI, diz respeito à conquista de uma disponibilidade interna do pesquisador para receber o outro em si, bem como estar com o seu corpo perceptível para a apreensão dos conteúdos os quais serão vivenciados. Tendo realizado diversos coabitares a partir do método BPI

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, a pesquisadora adquiriu certa fluência nesse eixo específico, tornando-se capaz de identificar quando o coabitar está ocorrendo de verdade, bem como de lidar com os possíveis problemas que advêm dessas interações. Como a pesquisadora já havia iniciado uma relação com as mulheres pesquisadas, esse eixo em particular pôde ser mais aprofundado. Apesar disso, a fim de manter a qualidade de corpo adequada à pesquisa, ampliando a percepção do mesmo, a pesquisadora manteve-se em trabalho de dança, utilizando, para isso, a Técnica de Dança do BPI, codificada na Estrutura Física e Anatomia Simbólica (RODRIGUES, 1997).

No método em questão, a relação com o pesquisado é o termômetro que mede a qualidade da coabitação proposta. Na relação entre pesquisador e pesquisado, o afeto é cuidado desde o primeiro contato: ter sensibilidade para a percepção dos limites do outro e de si mesmo ajuda na apreensão dos corpos e conteúdos, pois coabitar envolve o ato de doar-se para receber o outro (RODRIGUES, 2003). Para ter essa percepção, é essencial que o pesquisador esteja em contato

Mulheres colhedoras de café (2007-2008, Minas Gerais); artesãs do capim dourado (2009-2010, Jalapão,

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Tocantins); quebradeiras de coco (a partir de 2010, Bico do Papagaio, Tocantins).

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consigo mesmo, isso quer dizer saber reconhecer através das suas sensações corporais e emoções a possível atuação de mecanismos de defesa, de rejeições e mesmo de preconceitos.

Dessa forma, em campo, é importante que as dinâmicas do ambiente, as relações de poder e os papéis desempenhados por cada pessoa sejam observados, como meio de inserção sutil, o que pode evitar situações de risco. A partir disso, os corpos dos indivíduos com os quais o pesquisador sentiu maior empatia, atraído pela qualidade expressiva e de movimento, são escolhidos e, então, passa-se a acompanhá-los mais de perto (RODRIGUES, 2003). Como a pesquisadora teve a oportunidade de se relacionar com pessoas de diferentes eiras e comunidades ao longo da sua pesquisa, diversos corpos foram escolhidos. Em alguns desses casos, a bailarina- pesquisadora teve a oportunidade de observá-los tanto em seus cotidianos (na quebra do coco babaçu e nos trabalhos domésticos) quanto nos momentos dos rituais de terecô. Por conta da pluralidade de indivíduos com a qual se teve contato, muitos dados e análises puderam ser reafirmados por pessoas de locais diferentes.

Dessa forma, a leitura desses corpos foi efetuada através da Estrutura Física e Anatomia Simbólica do método BPI, onde é observado o eixo-mastro, a relação dos pés com a terra, a bacia, a tração do sacro, a movimentação das escápulas e como esse corpo se movimenta no espaço (RODRIGUES, 1997). Embora a leitura corporal seja essencial, o principal aspecto da pesquisa de campo é a apreensão do corpo do outro, o que não equivale a uma tentativa de copiar gestos, falas ou posturas. Consiste, antes de tudo, em uma troca dinâmica das imagens corporais.

Ao retornar de cada imersão no campo, a pesquisadora realizou laboratórios dirigidos sob

a direção de Graziela Rodrigues, tendo como objetivo trabalhar no corpo através dos

movimentos os conteúdos apreendidos. Assim como é determinado pelo método BPI, os

laboratórios não seguiam um padrão preestabelecido; sua estrutura era modificada

constantemente conforme as necessidades apresentadas pela pesquisadora. Dessa forma, a partir

do momento em que os conteúdos trabalhados nesses laboratórios dirigidos se nucleiam, ocorre a

Incorporação da Personagem. Passa a existir, no corpo do intérprete, uma dança com maior

potência, uma vez que se aproxima da essência do bailarino. Passa-se a atuar dentro do eixo

Estruturação da Personagem, o qual represente, segundo Rodrigues (2003, p. 124), “[...] o

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momento – dentro do Processo – em que a pessoa alcança uma integração das suas sensações, das suas emoções e das suas imagens, vindas até então soltas e desconectadas”.

A personagem no BPI não é uma elaboração cognitiva e cristalizada, ela não pode ser forjada. Sua incorporação é uma conquista do intérprete, junto do diretor. Nesse sentido, a personagem emanada do processo aqui discutido, Rosinha/Margarida, não foi nucleada no período em que se elaborou o roteiro apresentado às mulheres coabitadas. No entanto, para a defesa desta tese, foi possível chegar à uma estrutura fruto dos seus conteúdos.

Dado o fato de a personagem, no método BPI, não ser uma entidade fixa e imutável, quando a mesma é incorporada, os laboratórios dirigidos são elaborados no sentido de lhe dar

“voz”. Isso possibilita o desenvolvimento dos seus conteúdos, sua própria evolução e a geração de material que será utilizado na criação cênica (Ibid.). A estruturação dessa criação se dá na feitura de um roteiro de movimentos, imagens e sensações, o qual será vivenciado pelo intérprete.

O roteiro do BPI se sustenta sobre o circuito interno (RODRIGUES, 2010), ou seja, trata- se de um roteiro de imagens internas, sensações, emoções e movimentos suscitados pela personagem incorporada. Em alguns casos, como o deste processo, a incorporação não acontece antes do momento em que seria necessário fechar um roteiro. Dessa maneira, os procedimentos do método viabilizam uma criação pautada em seus princípios mesmo sob esse tipo de circunstância. Na obra apresentada às mulheres quebradeiras de coco babaçu, por exemplo, o roteiro foi desenvolvido a partir da interação da bailarina com fotografias das fontes coabitadas.

Nessa etapa de elaboração do roteiro, o intérprete busca materializar suas imagens e

sensações, levando para o espaço de trabalho objetos da paisagem, acessórios e roupas da

modelagem ou personagem incorporada. Para a criação do roteiro apresentado no experimento

de recepção aqui abordado, muitos elementos do campo foram explorados, como o próprio coco

babaçu e o som dele sendo quebrado, cestos, gravações de músicas dos rituais de terecô e,

principalmente, fotografias das mulheres coabitadas captadas pela própria pesquisadora. Estas

foram utilizadas para mobilizar o corpo que, ao abrir-se para receber impressões suscitadas pelas

mesmas, incorporou os sentidos das mulheres nelas retratadas. Essa foi a principal dinâmica

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trabalhada na etapa de criação do roteiro e que, posteriormente, se mostrou importante para o desenrolar do processo.

Esse trabalho realizado com os objetos e a materialização das imagens internas do intérprete possuem um papel importante na dinâmica da imagem corporal, uma vez que “os objetos que estiveram, em algum momento, ligados ao corpo, sempre retêm algo da qualidade da imagem corporal” (SCHILDER, 1999, p. 235).

Os elementos da cena começam a ser elaborados antes mesmo de o roteiro estar concluído, pois fazem parte da construção do corpo da personagem. Segundo Rodrigues (2003, p. 125), “a relação da pessoa com o espaço criado por ela possibilita um fluir de movimento, de onde irá surgir a sua dança. As sensações, os significados da pessoa invadem o espaço e o espaço vem na pessoa”. Assim, a projeção das paisagens da personagem no espaço é um exercício amplamente utilizado pelos diretores do método. Ele ultrapassa o palco, toma a plateia, atravessa o teto e as paredes (TURTELLI, 2009), fazendo com que tudo fique impregnado pelas paisagens da personagem; tudo passa a ser parte do seu espaço simbólico. Tendo isso em vista, nas experiências de retorno ao campo, o espaço alimenta o corpo do intérprete; dançar nas eiras de terecô e mesmo no local onde se quebra o coco, o corpo da intérprete se preencheu com essas imagens, sons e cheiros os quais, durante os ensaios e laboratórios, existiam apenas internamente.

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O processo do BPI conta com ferramentas e procedimentos desenvolvidos por sua criadora e que propiciam uma base para que o intérprete obtenha fruição nos eixos propostos e nas etapas que se apresentam. Essas ferramentas foram amplamente utilizadas nesta pesquisa e são apresentadas a seguir.

Os Laboratórios Dirigidos são utilizados durante todo o processo e são o instrumento para

reconhecimento e desenvolvimento dos conteúdos pertinentes a cada um dos três eixos

(RODRIGUES, 2010). Neles, a “plasticidade, a mutabilidade e a flexibilidade da imagem

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corporal são fortemente vividas pelo Intérprete” (RODRIGUES, 2010, p. 03). O espaço físico do laboratório, normalmente caracterizado por um círculo delimitado no chão com giz, é denominado dojo e é onde o intérprete projeta seus conteúdos internos, isto é, as imagens e sensações internas que emergem do corpo são exteriorizadas pelo bailarino e, portanto, ganham representação (Ibid.). A palavra é um recurso muito utilizado pelo diretor que, ao estabelecer um diálogo com o intérprete, auxilia “as novas organizações corporais que se apresentam” (RODRIGUES, 2010, p. 3-4).

Dessa forma, os laboratórios vão sendo elaborados pelo diretor, que proporciona ao intérprete dinâmicas as quais visam dar fluxo ao processo e clareza aos conteúdos que emergem do corpo, o que desencadeia um melhor delineamento daquilo que o bailarino produz. Nesse espaço, surgem modelagens que apresentam uma determinada postura, sentimentos, sensações e dinâmica de movimento próprios. Cada vez mais aprofundadas, as características dessas modelagens nucleiam-se, culminando na incorporação da personagem, como já mencionado.

Outra ferramenta essencial do método BPI é a Técnica de Dança, a qual fundamenta-se na Estrutura Física e sua Anatomia Simbólica. Estas são a decodificação de uma “organização física e sensível do corpo” (Ibid., p. 01) identificada em estudos pautados em extensas pesquisas de campo realizadas em festividades e rituais de origem afro-brasileira, indígena, bem como segmentos sociais que expressam um forte sentido de resistência cultural (Ibid.). Essa técnica é utilizada como preparação tanto física quanto emocional em todas as etapas do método, pois propicia maior fluência no corpo do intérprete (Ibid.). A partir dela, o corpo atinge um estado de alta disponibilidade e percepção, tornando-se apto a estar em campo, por exemplo, percebendo a si mesmo e ao outro, ler os corpos com os quais entra em contato ou mesmo estar preparado para uma apresentação artística.

A Pesquisa de Campo também faz parte do rol de ferramentas disponibilizadas pelo

método em questão e pode, assim como as demais, ser utilizada em qualquer um de seus três

eixos constituintes, entretanto, é o ponto central do eixo Co-habitar com a Fonte. Elas

possibilitam “muito dinamismo, alocando a dramaturgia na vida” (Ibid., p. 03). As idas ao campo

são realizadas sob uma perspectiva ética e só se efetuam quando existe uma abertura recíproca

por parte do pesquisador e do pesquisado.

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A última ferramenta do método BPI é, na verdade, um instrumento que auxilia o intérprete e o diretor ao longo de todo o percurso: os registros (RODRIGUES, 2010). Podem ser registros escritos, como os diários de campo e os de dojo, e de áudio/vídeo, como as captações realizadas em campo ou durante os laboratórios. Na pesquisa de campo, os registros guardam as impressões pessoais do intérprete, bem como suas análises dos movimentos e dinâmicas presenciados. Já nos laboratórios dirigidos, o bailarino irá anotar o fluxo dos sentidos, ou seja, suas sensações, emoções, movimentos, imagens internas e eventuais modelagens. Neste último caso, os desenhos e a escultura em argila também podem ser utilizados com a mesma finalidade.

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Como já foi mencionado, retornar ao campo para apresentar uma obra cênica fruto do coabitar com aquela determinada população é um procedimento amplamente vivenciado dentro do método BPI. Nesta pesquisa, no entanto, a criação foi elaborada especialmente para as pessoas coabitadas, sendo que o intuito foi conseguir estabelecer uma comunicação com os espectadores-fonte e pormenorizar a recepção da obra nessas circunstâncias. Costa (2012, p. 11), baseada nos conteúdos transmitidos oralmente por Graziela Rodrigues, ilumina a questão:

A prática de levar ao campo coabitado o espetáculo de dança, dentro do BPI, é comum, e deve ser realizada sempre que possível. O Retorno ao Campo constitui uma importante fase do Método, pois propõe um espelhamento no qual o interlocutor tem a possibilidade de encontrar, no bailarino, aspectos de sua identidade.

Como completa Rodrigues (2010, p. 03), o “retorno ao campo é uma etapa que está

presente no método BPI desde o seu início”. Alguns exemplos dessa prática, pontuados por Costa

(2012), são Graça bailarina de Jesus ou 7 Linhas de Umbanda Salvem o Brasil (1980), de

Graziela Rodrigues, apresentado no terreiro de Candomblé Tenda de Xangô Airá do Caboclo

Itajací; o trabalho cênico resultante do processo criativo desenvolvido no mestrado de Teixeira

(2007), orientado por Graziela e apresentado para os colhedores de uva coabitados; A Flor do

Café, de autoria da pesquisadora e dirigido também por Graziela, tendo sido apresentado no

campo durante o evento V Encontro da Mulher, realizado em Cabo Verde, MG, e destinado às

mulheres que trabalhavam na lida com a terra; Nascedouro, de Elisa Costa, dirigido por Graziela

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Rodrigues e apresentado em aldeias da etnia Xavante; Fina Flor, Divino Amor – Yaba, Legba, Hey!, de Larissa Turtelli, também dirigido por Graziela e apresentado em um terreiro de Umbanda na cidade de São Paulo; e, por fim, Coraci Mirongá, de Mariana Jorge, dirigido por Graziela Rodrigues e apresentado às mulheres da ala das baianas na escola de samba Nenê de Vila Matilde.

No caso desta tese, o retorno ao campo foi realizado nas etapas iniciais. Dessa forma, a criação de uma dança direcionada às mulheres coabitadas, bem como o exercício das apresentações em si, desencadearam questões peculiares. Ficou evidente que a recepção foi tão importante quanto a criação da obra e que possibilitou o desvelamento de questões importantes para o processo criativo que aconteceu em seguida.

Para que isso fosse possível, entretanto, a presença constante do diretor foi imprescindível. Por ter uma longa e específica formação no método BPI e, por isso, ter experienciado o processo integralmente e realizado estudos práticos e teóricos dos seus eixos e ferramentas (RODRIGUES, 2014, p.02), o diretor possibilita que o bailarino viva o método de forma integral. Trata-se de uma pessoa com aprofundado trabalho de autoconhecimento e que se encontra em um “estado de disponibilidade e abertura para estar com o outro” (Ibid. p. 02).

Nesse sentido, “está-se falando de capacidades para amparar o outro e de receber o corpo do outro dentro de uma criação artística” (Ibid. p. 02).

Por tudo isso, o diretor é o segundo autor da obra cênica criada a partir do método. Dentre suas ações e obrigações para com o processo que dirige, constam: “gerar condições favoráveis para que o corpo se expresse” (RODRIGUES, 2003, p. 133), decodificar o que é expressado pelo corpo do bailarino, ter ciência de suas limitações e estar preparado para o inesperado, favorecendo o fluxo dos movimentos (Ibid., p.132). Além disso, o diretor não deve desistir da pessoa em processo.

Dessa maneira, a relação entre bailarino e diretor deve ser de muito respeito e

cumplicidade, pois acontece em meio a um turbilhão de complexos conteúdos emocionais. Por

esse motivo, antes de tudo, é necessário firmar um contrato entre ambas as partes, no qual fica

estabelecido a rotina do trabalho. Trata-se de um contrato verbal, no qual o diretor acolhe o

bailarino-pesquisador por inteiro, ou seja, com suas limitações e qualidades. O bailarino deve,

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