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Admissibilidade da prova ilícita em processo civil

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Academic year: 2022

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ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA EM PROCESSO CIVIL

SARA FERREIRA DE OLIVEIRA

DISSERTAÇÃO

MESTRADO EM DIREITO CIÊNCIAS JURÍDICO-FORENSES

2014

(2)

ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA EM PROCESSO CIVIL

SARA FERREIRA DE OLIVEIRA

DISSERTAÇÃO ORIENTADA

PELO PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS

MESTRADO EM DIREITO CIÊNCIAS JURÍDICO-FORENSES

2014

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Gostaria de deixar algumas palavras de agradecimento a todos aqueles que me ajudaram na concretização deste trabalho, que directa ou indirectamente tornaram possível o meu bem-estar e que sempre me apoiaram.

Aos meus pais e irmão, patrocinadores do meu percurso académico e que me incentivaram a completar mais esta etapa da minha vida. Desde o primeiro segundo que são essenciais na minha vida e na construção da pessoa que sou hoje. Em particular à minha mãe pela preciosa ajuda na revisão do texto.

Agradeço, também aos meus avós, que me educaram e me transmitiram os valores essenciais da vida. Apesar do meu avô não ter oportunidade de presenciar a conclusão do mestrado, a força que sempre me transmitiu foi essencial para essa mesma conclusão. À minha avó pelo incansável esforço para que tudo esteja sempre bem.

Ao meu querido Ricardo, companheiro e melhor amigo, por todos os sacrifícios, palavras de carinho e incentivo que todos os dias ecoavam enquanto trabalhava, que conseguiu que me focásse e definisse objectivos para a bonança depois de toda a tormenta.

Aos meus amigos que acompanharam o esforço e me ajudaram a descontrair, que durante um tempo só ouviam falar de provas.

Agradeço a todos por tudo, o esforço também foi vosso!

(4)

O princípio geral de admissibilidade da prova, por um lado, e a ausência de regulação que proiba a prova ilícita na lei processual civil por outro, apresentam o dilema de saber se são ou não admissíveis no processo as provas obtidas por meio ilícito ou cuja produção viole direito material. Dito de outra forma, saber em que medida releva processualmente a ilicitude material no âmbito do direito probatório, para concluirmos pela sua admissibilidade ou inadmissibilidade.

O presente estudo visa propor uma solução, tendo em conta os traços orientadores do ordenamento jurídico.

(5)

The principle of admissibility of evidence, on the one hand, and no regulation prohibiting the illicit evidence in civil procedural law on the other, let us with the dilemma of whether or not are admissible in civil court evidence obtained by illegal means or whose production violates substantive law. In another way, the question is to know if the illegality of the evidence under substantive law will or not have effects in the trial, to deduce if it’s admissible or not.

This study aims to propose a solution, based on guiding principles of the legal system.

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ÍNDICE

Advertências...7

Abreviaturas...8

Modo de citação...9

Introdução...11

1 - ENQUADRAMENTO TERMINOLÓGICO ... 13

1.1 O conceito de prova ... 13

1.1.1 Prova directa e prova indirecta ... 16

1.1.2 Prova pré-constituída e prova constituenda ... 17

1.2 O conceito de prova ilícita ... 18

1.2.1 Determinação do conceito de prova ilícita ... 18

1.2.2 Ilicitude na obtenção da prova ... 20

1.2.3 Ilicitude na produção da prova ... 21

1.2.4 Proibições de prova ... 22

2 - PROVA ILÍCITA E O ORDENAMENTO PROCESSUAL CIVIL ... 24

2.1 Princípios processuais relevantes ... 24

2.1.1 Princípio da boa-fé processual ... 25

2.1.2 Princípio da cooperação para a descoberta da verdade ... 27

2.2 Escopo do processo: a busca da verdade ... 29

2.3 Princípio geral de admissibilidade - artigo 413º ... 31

3 - PROVA ILÍCITA NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ... 34

3.1 Direitos fundamentais em confronto ... 34

3.1.1 Direito à prova ... 34

3.1.2 Direito à vida e à integridade pessoal ... 36

3.1.3 Direito à intimidade da vida privada ... 37

(7)

3.1.4 Direito à inviolabilidade do domicílio, correspondência e telecomunicações 39

3.1.5 Vinculação do tribunal à lei e à CRP ... 40

3.2 Colisão de direitos ... 41

3.3 Proibições de prova na CRP ... 45

3.3.1 Análise do art. 32º nº8 da CRP ... 46

3.3.2 Possibilidade de aplicação analógica do art. 32º nº 8 da CRP ao processo civil 48 4 - Soluções antagónicas: a admissibilidade e a inadmissibilidade ... 50

4.1 Teorias de admissibilidade da prova ilícita ... 50

4.2 Teorias da inadmissibilidade da prova ilícita ... 51

5 - Solução adpotada ... 53

5.1 Importância dos direitos fundamentais na criação de um regime ... 53

5.2 A prova ilícita enquanto única prova relevante no caso ... 54

5.3 Aplicação do princípio da proporcionalidade e sua importância ... 55

5.4 Enquadramento do problema quando estão em causa direitos não fundamentais 56 Conclusões...57

Bibliografia...59

(8)

ADVERTÊNCIAS

O presente estudo encontra-se redigido de acordo com as regras tradicionais da Língua Portuguesa, não se adoptando o novo Acordo Ortográfico celebrado pelos países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, excepto quando são feitas citações de obras ou legislação redigidas de acordo com essas novas regras.

As disposições legais não acompanhadas de referência relativa à respectiva fonte pertencem ao Código de Processo Civil, aprovado pelo Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, alterada pela Declaração de Rectificação nº36/2013, salvo se o contexto indicar que pertencem a outro diploma legal.

O presente trabalho encontra-se actualizado com referência à legislação em vigor e à bibliografia acedida até ao mês de Agosto de 2014.

(9)

ABREVIATURAS

A./AA./AA.VV. – Autor / Autores / Autores vários

AAFDL – Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Ac./acs. – Acórdão / acórdãos Al. – Alínea

Art./arts. – Artigo / artigos Cap. – Capítulo

CC – Código Civil Coord. – Coordenação

CPC – Código de Processo Civil em vigor (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho)

CPP – Código de Processo Penal em vigor (aprovado pelo DL Nº78/87, de 17 de Fevereiro, com todas as alterações desde essa data até à Rectificação nº21/2013, de 19 de Abril)

Dir. – Direcção / directores DL – Decreto-Lei

ed./Ed. – Edição / editora i.e. – Id est (isto é)

n. – Nota n.º – Número

Org. – Organização / organizadores p./pp. – Página / páginas

Proc. – Processo ss. – Seguintes

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MODO DE CITAÇÃO

Ao longo do trabalho, as obras são citadas da seguinte forma: a primeira citação inclui a referência ao autor; título da obra completo; referência à obra colectiva ou publicação periódica, se aplicável; o número da edição, quando houver mais do que uma edição; local de publicação; editora; ano da publicação; e número de página ou de páginas e das notas pé de página, se for o caso. As citações subsequentes apenas incluem uma referência ao autor e ao título que, ainda que abreviada, permite uma clara identificação da obra em questão.

A bibliografia final contém a referência completa de todas as obras citadas ao longo do trabalho e a outras apenas consultadas.

As transcrições de doutrina, jurisprudência e de diplomas legais estrangeiros são feitas na sua língua original, de forma a não se perder o seu conteúdo através de uma sua tradução.

(11)

À memória do meu querido avô Jerónimo, um homem justo e bom.

(12)

Introdução

Os conceitos de Direito e Justiça variam em função do tempo, lugar e cultura, dando origem a variados ordenamentos jurídicos. Em qualquer deles, assume sempre grande importância, na aplicação prática do Direito, a actividade probatória.

Contudo, o direito probatório é muitas vezes esquecido e pouco desenvolvido pela doutrina, por se encontrar num limbo entre o direito material e o processual, embora a sua definição e correcta aplicação sejam fundamentais para a obtenção de decisões justas. A definição dos factos provados e não provados, de que provas podem ou não ser admitidas no processo e em que termos, irão condicionar a descoberta da verdade e definir a situação fáctica a partir da qual se aplica a norma, condicionando, assim, irremediavelmente, a justiça da decisão.

O presente estudo incide sobre admissibilidade da prova ilícita no âmbito do processo civil. Da ausência de regulação sobre a admissibilidade da prova ilícita em processo civil, ao contrário do que acontece em processo penal, surge a importância do estudo, que procura determinar em que termos deve a prova ilícita ser admitida e rejeitada. O estudo cinge-se à questão da admissibilidade, não se efectuando considerações sobre a valoração da prova, que entendemos dever ser efectuada consoante o meio de prova em apreço.

A recente reforma do Código de Processo Civil, apesar de introduzir algumas modificações na actividade probatória, não logrou resolver a questão da admissibilidade da prova ilícita.

Do dilema entre a descoberta da verdade fáctica do caso em concreto, a qualquer custo para que possa ser resolvido com justiça, e do enquadramento da prova no ordenamento, não devendo ser contrária a este e portanto rejeitada, nasce a necessidade de ponderação de todas as questões envolvidas.

No primeiro capítulo procuramos estabelecer os conceitos de prova e prova ilícita, desenvolvendo os conceitos de ilicitude na obtenção da prova e de ilicitude na sua produção.

De seguida, efectuaremos uma enumeração dos princípios orientadores do processo civil relevantes para o tema e que poderão servir de guia para uma resolução.

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Procuraremos, também, encontrar na Constituição da República Portuguesa orientações a partir dos direitos fundamentais e discutiremos a possibilidade de aplicação analógica do art. 32º, nº8 ao processo civil, preceito que contém proibições de prova, redigido no âmbito do processo penal. Como iremos demonstrar, no que ao tema diz respeito, uma vez que estão em causa direitos fundamentais, analisaremos a questão do ponto de vista da colisão de direitos, como procura de solução.

Segue-se uma síntese dos argumentos usados em teses que defendem a admissibilidade sem restrições e de outras que, pelo contrário, consideram que a prova ilícita deverá, em qualquer caso, ser sempre inadmissível.

Por fim, apresentaremos a nossa solução.

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1 - ENQUADRAMENTO TERMINOLÓGICO

1.1 O conceito de prova

Do latim “proba”, o conceito de prova sempre se apresentou como polissémico1, quer na linguagem corrente, quer na linguagem jurídica. Em sentido jurídico, o conceito de prova é tipicamente utilizado em três acepções: enquanto actividade, ou seja, alguém quer provar algo; enquanto resultado, alguém provou e enquanto meio, a forma através da qual se vai realizar a prova23. Falamos da actividade probatória, do resultado dessa actividade e da forma como foi desenvolvida.

O que é afinal provar? Provar, quer seja em sentido comum ou jurídico, é criar em alguém a convicção da verdade das afirmações que fazemos. O que significa que em processo civil, provar é apresentar ao juiz elementos que permitam que ele forme um juízo de convicção de verdade dos factos que alegámos ou contestámos. A actividade probatória é uma actividade de convencimento4.

1 MICHELE TARUFFO, “La prova nel processo civile”, Milano, Giuffrè, 2012, p.55, Para MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Estudos sobre o novo processo civil”, Lisboa, Lex, 2ª ed, 1997, p.56 “a prova é a actividade destinada à formação da convicção do tribunal da realidade dos factos controvertidos, (artigo 341º CC), isto é dos que constituem a chamada base instrutória”.

2 JOÃO DE CASTRO MENDES, “Direito processual civil” , Lisboa, AAFDL, 1986-1989, P. 661, o autor define as três acepções do termo prova: “como actividade destinada a demonstrar a verdade de factos alegados em juízo – melhor se dirá como actividade probatória”; “como resultado final consistente em a verdade de factos alegada em juízo ficar demonstrada – esse o sentido mais curial do termo, em doutrina, e aquele em que este é usado em expressões como “fez-se prova” e “como cada um dos meios, de natureza diversa que se usam para investigar da verdade ou falsidade de factos alegados em juízo”. Ao contrário, LEBRE DE FREITAS, “Acção declarativa comum à luz do código revisto”, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, p. 178, prefere reduzir o termo prova a dois sentidos: “a prova pode ser tomada como meio ou resultado”, indicando que enquanto “meio a prova pode ser considerada em duas perspectivas: na perspectiva estática da fonte de prova e na perspectiva dinâmica do acto de produção, em que se manifesta o factor probatório”.

3 FRANCESCO CARNELUTTI, “La prova civile : parte generale, il concetto giuridico della prova”, Roma, Athenaeum, 1915, p. 86, “(...) chiamo mezzo di prova l’ attività del guidice, mediante la quale ricerca la verità del fatto da provare, e fonte di prova il fatto, del quale si serve per dedurre la verità stessa”.

4 Ressalva os os casos de prova legal.

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O artigo 2404º do Código de Seabra definia a prova como a “demonstração da verdade dos factos alegados em juízo”, já o actual Código Civil estabelece, no seu artigo 341º, que “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”.

Quanto a esta questão parece-nos importante fazer referência ao problema do objecto da prova. Muitos autores referem, tal como o CC que o objecto da prova são os factos, contudo, e sem querermos entrar numa discussão filosófica, gostaríamos de salientar que discordamos desta premissa. Os factos acontecem num tempo e lugar e são irrepetíveis, são a verdade. Quando as partes recorrem ao processo, apresentam afirmações sobre os factos a partir dos quais desejam retirar uma consequência jurídica.

A prova irá ter por objecto não os factos em si, porque esses aconteceram de certa forma independentemente daquilo que venha efectivamente a ser dado como provado no processo, mas a demonstração da veracidade das afirmações alegadas pelas partes ao tribunal. Tal como indica Carnelutti, fazendo referência ao uso do termo na linguagem comum, a prova usa-se para controlo da veracidade de uma preposição5. Ou seja, temos para nós que o objecto da prova são afirmações relativas aos factos, teoria que se adapta melhor a considerações sobre verdade material e verdade formal e sobre teorias de valoração da prova.

Para Castro Mendes, o regime da prova apresenta-se como figura de fronteira entre o direito processual e o substantivo6. A distinção entre os dois e o reconhecimento de que o regime probatório pode e deve conter referências processuais e substantivas é muito importante para o tema em questão, pois como veremos, apesar da sua função e aplicação no campo do processo, a ilicitude da prova, em discussão, é de aferir no campo substantivo, sendo o objecto do estudo precisamente a questão de saber se a ilicitude substantiva pode fundamentar a inadmissibilidade processual da prova.

5 Um exemplo prático para compreensão desta formulação é apresentado por FRANCESCO CARNELUTTI, “La prova civile...”, p.53: “Force l’exempio più calzante per porre in luce questo contenuto comune del concetto si ha nella antitesi tra la operazione aritmetica e la prova della operazione; alla prova non si pensa prima che la operazione sia compiuta e ci si pensa solo per controllare il risultato nuovo, che quella porta ad affermare.” Conclui o autor que “le affermazione non si conoscono ma si controllano, i fattti non si controllano ma si conoscono”.

6 JOÃO DE CASTRO MENDES “Do conceito de prova em processo civil”, Lisboa, Edições Ática, 1961, p. 12 e 13, “Figura de fronteira, antes de mais, entre o direito processual e o substantivo (...).

Quando desempenha uma função processual, a prova situa-se naquele obscuro e quase inexplorado terreno que liga o processo ao direito material.”

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O Código Civil regula o chamado direito probatório material, nomeadamente questões sobre o ónus da prova7, convenções sobre prova8, a contraprova9, presunções10, modalidades admitidas de confissão11, fazendo referência a três meios de prova: a prova documental12, a prova por inspecção13 e a prova testemunhal14. O Código de Processo Civil, que contém o chamado direito probatório formal, regulando enquanto prova típica a prova por documentos15; por confissão e por declarações das partes16; a prova pericial17; a inspecção judicial18, e a prova testemunhal19. Contudo está hoje em dia ultrapassada a questão da inadmissibilidade da prova atípica, sendo aceites meios de prova para além dos elencados no Código de Processo Civil.

Apenas uma breve referência ao direito anglo-americano, que distingue os conceitos de evidence e proof20. Utiliza-se o termo evidence para tratar tudo aquilo que serve para demonstrar a verdade de um facto, o que corresponde em linguagem jurídica continental aos chamados meios de prova, reservando-se a expressão proof para a prova adquirida que demonstrou a verdade de um facto ou seja enquanto resultado. Assim, enquanto a Law of Evidence tem por objecto a admissibilidade e a assunção da prova, a expressão burden of proof corresponde ao ónus de demonstração da verdade dos factos alegados.

7 Arts. 342º a 344º do CC.

8 Arts. 345º do CC.

9 Arts. 346º do CC.

10 Arts. 349º a 351º do CC.

11 Arts. 352º a 361º do CC.

12 Arts. 362º a 387º do CC.

13 Arts. 390º e 391º do CC.

14 Arts. 392ºa 396º do CC.

15 Arts. 423º a 451º do CPC

16 Arts.452º a 466º do CPC.

17 Arts.467º a 489º do CPC.

18 Arts. 490 a 494º do CPC.

19 Arts. 495º a 526º do CPC.

20 Rule 102, of Federal Rules of Evidence.

(17)

1.1.1 Prova directa e prova indirecta

Quanto às categorias da prova, a doutrina divide-a em vários tipos, podendo falar-se de prova directa e indirecta21, prova típica e atípica, prova negativa e prova positiva, etc. De facto, devido ao carácter polissémico da palavra, consoante a perspectiva sob a qual se analisa a prova obteremos variadas categorias.

Quando analisamos a relação que se estabelece entre a alegação sobre o facto que se pretende provar e a prova em si mesma estamos a caracterizá-la como directa ou indirecta.

Assim, a prova será directa quando se referir a um facto principal, quando tiver por objecto a demonstração da veracidade da alegação de um facto principal e indirecta quando discorre sobre um facto secundário, do qual se podem retirar indícios referentes a factos principais22.

Para CARNELUTTI, a diferença entre a prova directa e indirecta encontra-se na coincidência ou divergência entre o objecto da prova e o objecto da percepção do julgador.23 A prova directa é apresentada directamente e imediatamente ao juiz e indirecta quando existe um distanciamento entre o objecto da prova e a percepção que o juiz irá ter dela, ou seja o juiz não pode perceptir directamente da veracidade sobre o facto a provar.

Também CASTRO MENDES, aponta no mesmo sentido, partindo da ideia de que a prova se dá mediante operações de percepção do julgador, define como directa a prova cujos “factos caem directamente sob os sentidos do juiz”, acrescentando que “o mecanismo da prova directa é, pois, uma percepção sensorial do julgador”, contrapondo-a à prova indirecta que “compreende como seu elemento necessário a prova directa de certo facto (...) para dele se poder deduzir, mediante a aplicação de uma

21FRANCESCO CARNELUTTI, “La prova civile....”, p.68; MICHELE TARUFFO, “La prova nel processo civile”, p. 57, JOÃO DE CASTRO MENDES “Do conceito de prova em processo civil”, p.

177.

22 MICHELE TARUFFO, “La prova nel processo civile”, Milano, Giuffrè, 2012, p.57 “Quando la prova verte su un fatto principale, ossia quando l’enunciato che si pone ad oggetto della prova (...) coincide con l’enunciato che descrive un fatto principale, allora la prova è diretta. Quando invece la prova verte su un fatto secondario, che è rilevante in quanto da esso– si dimonstrato – possono trarsi inferenze intorno alla verità o falsità di un enunciato che descrive un fatto principale, allora la prova è indiretta.”

23 FRANCESCO CARNELUTTI, “La prova civile....”, p.68.

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máxima de experiência, outro facto, que, este sim, interessa por si próprio para condicionar a decisão judicial”24.

Assim, será exemplo de prova directa a inspecção judicial, constante dos art.

490º e ss. e art. 390º do CC, que enquadra a definição de prova directa ao estabelecer

“A prova por inspecção tem por fim a percepção directa de factos pelo tribunal”. O exemplo clássico de prova indirecta será a prova testemunhal, constante dos art. 495º e ss. e 392º e ss. do CC.

1.1.2 Prova pré-constituída e prova constituenda

Quanto ao momento em que a prova é formada, a doutrina divide entre prova pré constituída e prova constituenda.

A prova pré constituída é formada antes do início do processo, ou seja, antes de se verificar a necessidade de provar a veracidade de afirmações, será o caso típico dos documentos. Estes têm, normalmente, uma função de representação da realidade, podendo ser escrita, fonográfica ou fotográfica. As partes servem-se de provas que já existem no momento em que é interposta a acção, e que devem ser apresentadas com os articulados, nos termos do art. 423º.

A prova constituenda, ao contrário, é formada durante o decorrer do processo, ou seja, o meio de prova apenas é formado depois de verificada a necessidade de se provar certo facto, até esse momento não se encontrava exposto processualmente. O caso paradigmático da prova constituenda será o da prova testemunhal, cuja produção só se verifica com o testemunho, até lá não existe prova mas apenas um meio de prova.

A principal classificação para o objecto do presente estudo é a que distingue a prova lícita da ilícita, que trataremos a seguir, embora existam muitas outras classificações25, enumeramos apenas as que consideramos relevantes para a nossa discussão.

24JOÃO DE CASTRO MENDES, “Do conceito de prova em processo civil”, Lisboa, Edições Ática, 1961, p. 176 e 177.

25 MICHELE TARUFFO, “La prova nel processo civile”, p. 59 distingue a prova positiva da prova negativa, podemos também classificar a prova como típica ou atípica, consoante venha ou não prevista na legislação processual, etc.

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1.2 O conceito de prova ilícita

1.2.1 Determinação do conceito de prova ilícita

Após termos determinado, sucintamente, o que se entende por prova no âmbito do processo civil, cumpre agora efectuar a concretização do que se entende por prova ilícita para podermos discutir os termos da sua admissibilidade.

Cumpre distinguir a prova ilícita, objecto do estudo, de outros tipos de prova, nomeadamente da prova nula, da prova falsa e da prova atípica.

M. Taruffo distingue a prova nula da prova ilícita em sentido estrito, sendo que o primeiro termo é aplicado aos casos em que a prova foi admitida mediante violação de regras que regulam a própria admissão no processo ou os termos em que deve ser admitida26, ou seja, mediante violação de normas processuais.

De facto o problema da ilicitude da prova em análise não se confunde com o da prova nula ou inadmissível por violação de regras processuais, para as quais existe regime no CPC27.

A prova ilícita também se distingue dos casos em que o conteúdo da prova é falso28, por exemplo ou porque se encontra viciado de alguma forma o conteúdo de um documento ou através do perjúrio cometido por testemunha. A arguição da falsidade da prova encontra-se regulada29, tal como os efeitos do perjúrio30. Embora sejam figuras conceptualmente distintas, estaremos perante problemas com tratamento autónomo que evidentemente poderão sobrepor-se.

O conceito de prova ilícita é definido por J. J. Abrantes como “a que está afectada por ilicitude no que respeita ao seu modo de obtenção”31; Isabel Alexandre vai

26 Idem p.75, “La prova è nulla quando è stata ammessa in violazione di una norma che ne stabilisce l’inammissibilità, oppure quando è stata assunta violando norme che ne regolano le modalità di assunzione in guidizio”.

27 Quanto à nulidade dos actos processuais, arts. 186º e ss.

28 Neste sentido ISABEL ALEXANDRE, “Provas ilícitas...”, p.33: “A prova viciada corresponde à prova falsa, no sentido amplo de falsidade (...)”; JOSÉ JOÃO ABRANTES, “Prova ilícita (Da sua relevância em processo civil)”, In: Revista Jurídica da Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa Nova Série, nº7 (Jul.-Set. 1986), p.12: “A prova ilícita não se confunde com a prova viciada, que é o meio de prova afectado quanto á veracidade do seu conteúdo, ou seja, aquele cujo conteúdo é falso, não corresponde à realidade objectiva”.

29 Art. 444º e art. 372º nº 2 e 3 do CC.

30 Desde logo, o perjúrio constitui crime, nos termos do art. 360º do Código Penal.

31 JOSÉ JOÃO ABRANTES, “Prova ilícita...” p. 12.

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um pouco mais longe na concretização do conceito, definindo como prova ilícita aquela

“cujo modo de obtenção o direito material reprova, quer essa ilicitude se verifique dentro ou fora da órbita processual”32.

Concordamos com as definições anteriormente apresentadas, embora fiquem de fora situações que se enquadram na questão da prova ilícita, nomeadamente as situações em que a prova foi obtida de forma lícita, mas cuja produção implicará uma violação de direito material, nomeadamente de direitos subjectivos de personalidade das partes ou de terceiros33. Daí a expressão usada por Isabel Alexandre “cujo modo de obtenção o direito material reprova” não abarque todos os casos34.

Taruffo fazendo referência a Comoglio, apresenta uma definição de prova ilícita que colmata o anteriormente referido considerando como ilícita a prova que foi formada fora do processo ou entrou para o mesmo com o uso de meios ilegais ou ilegítimos, com métodos penalmente ilícitos ou com actos que comportam uma violação de direitos subjectivos constitucionalmente protegidos35.

Por esta razão decidimos distinguir as situações de ilicitude na obtenção da prova e ilicitude na produção da prova, autonomizando o segundo grupo pelas razões apontadas anteriormente, mas não colocando de parte a hipótese óbvia de situações de ilicitude na obtenção da prova poderem consubstanciar, igualmente, situações de ilicitude na produção dessa mesma prova.

Propomo-nos, então, apresentar a nossa definição de prova ilícita como sendo a prova cujo modo de obtenção o direito material reprova ou cuja produção em juízo consubstancia violação de direito material.

32 ISABEL ALEXANDRE, “Provas ilícitas...”, p.21.

33 O que poderá acontecer quando alguém obtém de forma lícita conhecimentos ou documentos, cuja revelação irá violar normas de direito material, exemplo típico desta situação será o caso dos diários íntimos ou correspondência cujo modo de obtenção não foi ilícito, tal como indicado por ISABEL ALEXANDRE, “Provas ilícitas...”, p.24.

34 Embora a autora considere na obra os casos em que a prova foi obtida, no sentido de ter chegado à posse da parte ou de terceiro de forma lícita, mas cuja produção no processo viola os direitos elencados supra, referimo-nos à questão dos diários íntimos, tratada pela doutrina e jurisprudência portuguesa e estrangeira.

35 MICHELE TARUFFO, “La prova nel processo civile”, p.76: “La prova è illecita in senso proprio quando é stata formata al di fuori del guidizio o acquisita in guidizio “con mezzi illegali o illegitimi, con metodi penalmente illeciti o con atti che comunque comportino una violazione dei diritti individuali costituzionalmente protetti.”

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1.2.2 Ilicitude na obtenção da prova

A prova é obtida de forma ilícita36 sempre que a conduta, através da qual essa mesma prova foi adquirida por um sujeito, parte ou não no processo, o direito reprova.

São abrangidos por esta expressão diferentes tipos de prova, ou seja, tanto nos referimos à obtenção através de conduta ilícita de prova pré-constituída como de prova constituenda, no primeiro caso englobando documentos (cartas, fotografias, gravações fonográficas e de vídeo37, escrituras, documentos particulares, etc.), e no segundo conhecimentos adquiridos por testemunha ou pela parte38 através de forma ilícita (intromissão não autorizada num domicílio para ouvir certa conversa, gravação de uma conversa não autorizada pelos intervenientes, abusiva intromissão nos meios de telecomunicações, tais como E-mails, SMS39, MMS40, redes sociais, etc).

Relativamente às provas constituendas, o problema poderá, ainda, colocar-se sobre outra perspectiva, nomeadamente a testemunha pode ter obtido os conhecimentos através do acesso ao conteúdo de prova ilícita obtida por outro sujeito. Devemos questionar-nos se se deverá aplicar a teoria dos frutos da árvore proibida41 a este tipo de prova constituenda e considerá-la também como prova ilícita, na medida em que esses conhecimentos não teriam sido obtidos se o não tivesse sido, em primeiro lugar, o documento que os revelou; ou se, ao invés, deveremos rejeitar a aplicação desta teoria ao processo civil na medida em que o modo em si através do qual a testemunha obteve tais conhecimentos foi lícito, uma vez que se tratam de meios de prova diversos (o documento obtido ilicitamente e o testemunho de alguém que adquiriu aqueles conhecimentos de forma lícita)?

Em última génese a questão descrita terá uma ou outra resposta, consoante sejam admitidas ou não as provas ilícitas em processo civil. Se o forem na realidade o problema nem se colocará, se nos pronunciarmos pela não admissibilidade da prova ilícita, ou pela sua admissibilidade apenas mediante certos requisitos, aí sim teremos de

36 CARNELUTTI prefere prova obtida por meio ilícito à expressão prova ilícita, sublinhando que a ilicitude é atributo de um acto e não de uma coisa.

37 FRANCESCO CARNELUTTI, “La prova civile...”, p.188 e ss. reconhece como documentos os registos fotográficos e fonográficos pois representam factos e manifestam vontade.

38 Na modalidade de testemunho de parte previsto no art. 452º.

39 Short Message Service

40 Multimedia Messaging Service

41 Amplamente referida pela doutrina em direito processual penal, consiste sucintamente em estender os efeitos decorrentes da ilicitude de uma prova às provas obtidas por meio daquela.

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discutir a aplicação da teoria doa frutos da árvore proibida no contexto de uma situação como a apresentada.

Todas as condutas elencadas anteriormente constituem casos de responsabilidade civil e/ou penal, devendo evidentemente o autor desses factos responsabilizado pela sua actuação anti-jurídica. Damos como assente este aspecto, independentemente de considerações finais acerca do aproveitamento ou não do resultado dessas condutas, ou seja, da prova no processo civil.

Exactamente por não existirem na lei processual civil, ao contrário do que acontece em processo penal42 proibições de prova relativamente aos casos acima elencados é que se coloca o problema de saber se deverão ou não ser admitidas em processo.

1.2.3 Ilicitude na produção da prova

Começaremos por indicar o sentido da expressão produção da prova. Os termos produção e prova produzida são referidos várias vezes pela legislação civil e processual civil43. Entendemos como produção de prova o momento em que a prova é aditada ao processo ou em que o seu conteúdo é efectivamente revelado44. O procedimento probatório, em regra, distingue-se em quatro etapas: a apresentação, a admissão, a produção e a valoração da prova45. Se bem repararmos a apresentação e a produção são

42 Art. 126º CPP.

43 Nos arts. 413º, 415º, 419º quanto à prova documental (pré-constituída); nos arts. 423º, 445º, 449, quanto à prova testemunhal; a produção da prova é o que se irá regular pelo que a expressão é título da Secção II do Capítulo VI do Título V do Livro II, todos do CPC.

44 Arts. 413º, 415º, 445º, entre outros.

45 GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO, “Direito à prova e dignidade humana”, São Paulo, 2007, p. 78 e 79, distingue três momentos fundamentais: “A prova (...) compreende três momentos fundamentais do iter probatório: o da constituição (ou obtenção), o da produção (stricto sensu) e o da valoração. A constituição ou obtenção da prova corresponde ao momento lógico e cronológico em que o meio de prova adquiriu entidade no mundo das coisas reais. Nesse sentido fala-se em prova constituída e em prova preconstituída. (...) A constituição não se confunde com a produção da prova em sentido estrito.

Em boa técnica diz-se produzido o meio de prova quando se consuma a sua revelação processual, i.e., quando a prova é dada a conhecer, no processo, à contraparte e ao juiz. Nessa acepção, não se concebe

“produção de prova” fora do processo. (...) Em alguns casos, o momento da constituição confunde-se com o momento da produção (como, p. ex., no caso das provas testemunhais). Segue-se à produção da prova um juízo prévio de sua admissibilidade”; ISABEL ALEXANDRE, “Provas ilícitas...”, p.122 seguindo Antunes Varela – J. Miguel Bezerra – Sampaio Nora e Antunes Varela, distingue quatro fases do procedimento probatório: 1)preposição da prova, 2)admissão da prova, 3)produção da prova e d) assunção da prova.

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etapas do procedimento probatório em que a actividade das partes terá maior preponderância46, enquanto o juízo de admissibilidade e valoração da prova caberá ao juiz47. Consoante a prova seja pré-constituída ou constituenda, a ordem cronológica das etapas apresentadas poderá divergir, por exemplo a prova documental que chega ao processo juntamente com a petição inicial, poderá ter um juízo de admissibilidade (em razões de ilicitude, relevância e utilidade) e só depois ser efectivamente produzida (lida na audiência, ouvida ou visionada), posteriormente o juiz irá valorá-la. No caso da prova testemunhal, a parte indica-a, de seguida existirá um juízo de admissibilidade (primeiramente de acordo com as regras processuais em razão da idade da testemunha, de impedimentos ou recusa), a parte posteriormente apresenta-a em audiência, dá-se o testemunho (produção da prova em sentido estrito), novo juízo de admissibilidade (aqui relativamente à questão em análise do modo de obtenção de conhecimentos, violação de deveres de sigilo, violação de direitos subjectivos, etc.) e de seguida a prova será valorada.

Por estas razões, entendemos que o termo produção de prova não deverá ser usado apenas relativamente à prova constituenda em que a prova (testemunho) é revelada pela primeira vez no processo, mas também relativamente à prova pré constituída, quando o seu conteúdo é exposto/exibido.

Sempre que a produção da prova implique a violação do direito material a prova será igualmente ilícita, independentemente da licitude ou ilicitude na sua obtenção48.

1.2.4 Proibições de prova

As proibições de prova são definidas como limites à descoberta da verdade, tendo sido desenvolvidas para assegurar que os direitos fundamentais não sejam completamente e em qualquer circunstância ultrapassados pela necessidade de prova e para garantir que a estrutura processual não se degenera ao ponto de os fins justificarem os meios. A doutrina das proibições de prova foi desenvolvida no âmbito do processo

46 Sem desconsiderar a liberdade de actuação do juiz no procedimento probatório, nomeadamente os poderes de inspecção.

47 Com as faculdades dadas às partes de impugnar e contraditar.

48 Como referido as duas situações podem cruzar-se a haver uma prova ilícita quanto à sua obtenção e produção.

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penal, contudo as justificações inerentes aplicam-se, também, ao processo civil49, pelo que nos interessa a sua explicação.

As proibições podem ser absolutas ou relativas, consoante restrinjam a prova de certos factos ou configurem como inadmissíveis certos meios de prova50. De acordo com a classificação efectuada por Nuvolone, as proibições podem ser de valoração ou de produção.

49 ISABEL ALEXANDRE, “Provas ilícitas...”, p.48.

50 Idem, p. 47

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2 - PROVA ILÍCITA E O ORDENAMENTO PROCESSUAL CIVIL

2.1 Princípios processuais relevantes

Os princípios que regulam o processo civil apresentam-se importantes na tentativa de obtenção de resposta ao objecto do estudo, uma vez que se verifica uma ausência de regulação no CPC quanto à admissibilidade ou não da prova ilícita.

Enquanto princípios, são pilares fundamentais pelos quais se deve reger todo o processo e também todo o procedimento probatório. Importa nesse sentido averiguar se a utilização de provas ilícitas viola algum princípio fundamental de processo civil, podendo ser rejeitada com fundamento nessa violação.

As provas ilícitas poderão encontrar razão de ser da sua admissibilidade ou não, consoante se relevem de maior importância uns princípios que outros, nomeadamente o princípio da cooperação para a descoberta da verdade, o princípio da aquisição processual, na sua vertente probatória e o princípio da boa-fé. Com efeito, a hierarquização dos valores em causa, colocando em enfâse a verdade material, mais depressa admitirá a prova ilícita enquanto forma de atingir essa dita verdade, por outro lado se for mais valorizado o formalismo processual que a sua substância, tenderemos a não admitir a prova obtida mediante violação do ordenamento.

A tentativa de inclusão no processo de prova ilícita ou a produção de prova testemunhal de conhecimentos ilicitamente obtidos por uma das partes, poderá ser visto como má-fé, uma vez que a parte, ou terceiro, estaria a beneficiar de uma conduta que o ordenamento jurídico reprova, usando-a para recorrer à tutela jurídica, através do processo. Contudo, poderemos também contrapor que se a parte agiu dessa forma para poder sustentar que tem razão no pleito, provavelmente a contraparte estará a violar o dever de cooperação para a descoberta da verdade no processo.

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Iremos tentar esclarecer se existe hierarquia entre os princípios orientadores do processo civil, para podermos concluir pelo seu carácter mais ou menos permissivo à admissibilidade da prova ilícita.

Miguel Teixeira de Sousa distingue entre os princípios estruturantes dos instrumentais51, admitindo desta forma existirem duas categorias de princípios com diferentes graus de importância. Assim os princípios estruturantes serão muito menos flexíveis que os princípios instrumentais.

2.1.1 Princípio da boa-fé processual

As relações entre particulares, ou entre o Estado e os particulares devem pautar- se por um critério de boa-fé, devendo agir de forma correcta, leal e honesta para tutela da confiança necessária à convivência social. Como sabemos a boa-fé é um princípio vastíssimo, do ponto de vista do seu conteúdo52.

No âmbito do processo civil, o dever de boa-fé processual encontra-se consagrado no artigo 8º e existe em estreita conexão com o dever de cooperação.

Poderemos, também, reconduzir o conceito de boa-fé, retirando-o à contrário sensu do de litigância de má-fé53, traduzindo-se esta na violação do dever de boa-fé consagrado no artigo 8º. O artigo 542º nº2 indica ser litigante de má-fé quem “tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não deveria ignorar”; quem

“tiver alterado a verdade dos factos ou omitindo factos relevantes para a decisão da causa”; quem “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação” e quem “tiver

51 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Introdução ao Processo Civil”, 2ª edição, Lex, Lisboa, 2000, p.51 define os princípios estruturantes como “aqueles que são conaturais ao processo civil e que, por isso, lhe são indispensáveis” e inclui entre eles o princípio da auto-suficiência, o princípio da igualdade das partes, o princípio do contraditório e o princípio da legalidade da decisão. Quanto aos princípios instrumentais define-os como “aqueles que procuram a optimização dos resultados do processo”, distinguindo-se dos primeiros por poderem “ser consagrados com uma maior ou menor amplitude, pois que aceitam várias graduações consoante as circunstâncias concretas e as finalidades prosseguidas e admitem uma ponderação pelo legislador das suas vantagens e inconvenientes”, indica como instrumentais o princípio da cooperação, o princípio do dispositivo (comportando este o princípio do impulso processual, da disponibilidade privada, do inquisitório, da oficiosidade), o princípio da oralidade e o princípio da legalidade do processo.

52 Para maior compreensão do princípio da boa-fé em Direito Civil ver ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Da boa-fé no direito civil”, Coimbra, Almedina, 1984.

53 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Introdução ao Processo Civil”, pp.72 e ss.

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feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

Quanto ao primeiro fundamento não se oferece discuti-lo no âmbito do procedimento probatório, sendo que o mesmo não acontece relativamente aos restantes.

Alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes implica já um juízo de valor entre a acção deduzida ou contestada e os factos que se apresentaram. Do ponto de vista da prova desses factos estaríamos a litigar de má-fé se, com dolo ou negligência grave, fossem apresentados documentos com conteúdo viciado, o que não se discute na prova ilícita54. Também o dever de cooperação não é violado se a parte quiser fazer uso de uma prova ilícita no processo, uma vez que o que se pretende é trazer ao processo todos os elementos relevantes para a justa composição do litígio.

Quanto ao último fundamento de má-fé apresentado, entendemos que o uso da prova ilícita não consubstancia um uso reprovável do processo, embora se possa discutir se a tutela jurisdicional deve incorporar elementos afectados de ilicitude55, uma vez que não estão em causa situações dilatórias, nem a utilização de figuras processuais descabidas, mas o uso da prova para demonstrar a veracidade das alegações deduzidas.

Não se trata de conseguir um objectivo ilegal, pois o objectivo da prova é essa mesma demonstração; nem tão pouco de impedir a descoberta da verdade sobre a demanda em questão56.

O uso da prova ilícita não consubstancia litigância de má-fé, e ainda que se discorde, a sua consequência não seria a inadmissibilidade desta, mas a condenação da parte em multa e, eventualmente, numa indemnização à parte contrária57. A consequência que se retira da litigância de má-fé não envolve questões sobre a decisão

54 Partindo do pressuposto que a prova ilícita em questão não padece de vícios quanto à veracidade do seu conteúdo, como referido anteriormente.

55 Iremos fazer referência a este tema no enquadramento da figura do abuso de direito como possível limite à utilização da prova ilícita.

56 Que como se analisará de seguida, poderá ser melhor alcançada através do uso da prova ilícita, pois ficarão à disposição do juiz mais elementos probatórios.

57 Segundo o Ac. Nº315/92 do TC “as sanções processuais são cominadas para ilícitos praticados no processo, cujo adequado desenvolvimento visam promover. Com a sua estatuição pretende-se, conforme os casos, obter a cooperação dos particulares com os serviços judiciais, impor aos litigantes uma conduta que não prejudique a acção da justiça ou ainda assegurar o respeito pelos Tribunais”.

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da causa em si, mas sim incidentes autónomos, podendo o litigante de má-fé, inclusive, ganhar a causa58.

Devemos colocar outra hipótese relativa à boa-fé, que se prende com a questão de saber se impende sobre a parte que irá utilizar prova ilicitamente obtida algum dever de comunicar ao tribunal a proveniência ilícita da prova, inserido no dever de dizer a verdade. A resposta deverá ser negativa desde logo porque se estivesse em causa um ilícito que se reconduza a um tipo penal59 e tivesse sido praticado pela parte, esta tem direito a não se incriminar de acordo com o princípio nemo tenetur se ipso accusare.

O argumento da litigância de má-fé não deverá ser usado pela parte contra a qual é apresentada a prova ilícita, porque tal conduta não se enquadra na previsão do artigo 542º nº2 e porque essa parte também poderá beneficiar da produção da prova ilícita nos termos do artigo 413º.

2.1.2 Princípio da cooperação para a descoberta da verdade

Talvez o princípio processual com maior relevância no âmbito da prova ilícita seja o princípio da cooperação, consagrado no art. 7º, segundo o qual todos os intervenientes no processo devem cooperar entre si para que com brevidade e eficácia se atinja a justa composição do litígio. No âmbito da instrução, encontramos expressa referência a este princípio no artº 417º, nº1 sob a epígrafe “Dever de cooperação para a descoberta da verdade”, o qual submete todas as pessoas, partes ou não na causa, na busca da verdade60. Estão ambas as partes sujeitas ao princípio, independentemente da

58 A este respeito MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Introdução ao Processo Civil” p. 73 e ss., distingue a má-fé substancial da má-fé instrumental, verificando-se a primeira “quando é infringido o dever de não formular pedidos ilegais, bem como o dever de dizer a verdade” que diz ser violado “quando a parte alega factos que sabe serem falsos”; a má-fé instrumental, segundo o autor, “decorre da violação do dever de cooperação com o tribunal e do dever de não requerer diligências inúteis ou dilatórias”. O autor indica que as duas modalidades produzem consequências diferentes indicando não ser a má-fé substancial “compatível com a procedência da acção a favor da parte que litiga de má fé, porque não pode proceder um pedido ilegal ou baseado em factos não verdadeiros. Pelo contrário, a má fé instrumental pode conjugar-se com a procedência da causa a favor da parte que litiga de má-fé”.

59 O que acontecerá na maior parte dos casos.

60 Abordaremos no próximo ponto considerações sobre o conceito de verdade e a dicotomia doutrinária entre verdade material e verdade formal.

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repartição do ónus da prova, ou seja, é indiferente para a vinculação ao dever de cooperação sobre quem recai o ónus da prova de certo facto61.

De acordo com o mesmo preceito, a recusa, que consubstancia uma violação do dever de cooperação tem as seguintes consequências: condenação em multa, aplicação de meios coercitivos que possibilitem uma cooperação forçada, se o recusante for parte no processo, a apreciação livre pelo juiz do valor da recusa para efeitos probatórios e uma inversão do ónus da prova, se a parte tiver culposamente tornado impossível a prova à contraparte nos termos do art. 344º nº2 do CC62.

Importante é fazer referência a um preceito que muitas vezes é invocado para fundamentar a inadmissibilidade da prova ilícita, embora quanto a nós não tenha qualquer semelhança. Falamos do nº 3 do art. 417º, que estabelece que a recusa na cooperação para a descoberta da verdade é legítima se a obediência importar: a) violação da integridade física ou moral das pessoas; b) intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações ou c) violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado. Ora, de facto ninguém pode ser compelido a obedecer a ordens que impliquem a prática de ilícitos, daí a existência do preceito. Contudo, não podemos retirar nada daqui relativamente à inadmissibilidade da prova ilícita. Em primeiro lugar, a norma apenas indica casos de legítima recusa, não referindo nada acerca da admissibilidade ou inadmissibilidade da prova obtida mediante tais acções. Ou seja, se pensarmos no caso académico63 em que a parte não recusa obedecer e obtém prova, por exemplo, através de intromissão no domicílio de alguém, não encontramos nenhuma referência à inadmissibilidade dessa prova64. Não existe nenhuma referência no artigo que proíba a utilização dessa prova, pelo que quanto a nós, não é de aceitar o argumento segundo o qual o art. 417º nº3 é uma referência quanto ao problema que nos propomos analisar, no sentido da inadmissibilidade da prova ilícita. “A recusa é legítima” não é o mesmo que “a prova

61 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Estudos sobre o novo processo civil”, p.64.

62 Art. 344º nº2 CC. “Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.”

63 Académico porque, à partida, a parte terá mais motivos para recusar a colaboração e procurar meios de não colaborar do que proceder à prática de ilícitos que iriam contrariar os seus interesses no processo.

64 Daí o objecto de estudo desta tese.

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será proibida se”, pelo que, segundo o artº 9º nº 3 do CC, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Apesar de constituir um instrumento importante, muitas vezes os meios coercitivos, ou mesmo a inversão do ónus da prova não são suficientes para coagir a parte a apresentar prova favorável à outra parte, pelo que muitas vezes a utilização de prova ilícita será o único meio de que se dispõe para defesa dos interesses no processo quando existe violação do dever de cooperação. Por outro lado, o dever de cooperação para a descoberta da verdade é um óptimo, muitas vezes, completamente platónico, que deveria ser prosseguido por ambas as partes mas que na realidade não é. Isto porque, no processo, cada parte procura a defesa dos seus interesses e não da verdade em abstracto.

2.2 Escopo do processo: a busca da verdade

Ao descrever os princípios relevantes para o tema em questão, usámos muitas vezes o vocábulo verdade. O que é a verdade? O processo busca a verdade ou compõe uma verdade?

A maior parte da doutrina processualista distingue a chamada verdade material da verdade processual, sendo a primeira a verdade do mundo real e a segunda a verdade a que se obtém no processo, depois de estabelecidos os factos provados e não provados, ou seja, a verdade que vai fundamentar a aplicação do direito e a decisão final. Apesar de compreendermos o sentido útil da distinção, não a podemos aceitar. Segundo Ferrer Beltrán65, a distinção apareceu como resposta a um dilema intrínseco ao próprio processo que passamos a explicar: muitas vezes no processo dão-se como provadas alegações falsas, ou seja, sem correspondência fáctica com o que realmente aconteceu, pelo que, segundo o autor, ou se abandonava a ideia da relação de dependência engtre prova e verdade ou se admitia que quando reconhecemos um enunciado falso como provado, na realidade não está provado. Daí que a resposta a este dilema tenha sido a postulação de dois tipos de verdade: a material e a formal. O que segundo o autor citado, é uma falsa saída para o dilema, uma vez que se coloca a tónica na autoridade

65 FERRER BELTRÁN, “Prueba y verdad en el derecho”, Madrid, Marcial Pons, 2002, pp. 68 e 69.

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que se confere á declaração de factos provados realizada pelo juiz, ao mesmo tempo que se determina a irrelevância jurídica da verdade material, uma vez resolvido o caso66.

De facto, não podem existir dois tipos de verdade67. A verdade é só uma68 e corresponde aos factos de uma dada situação, num dado lugar e tempo. Não pode haver reprodução do que aconteceu, assim o que se busca será a prova elementos relevantes dessa realidade. A possibilidade de se darem como provados factos falsos, consubstancia um erro, muitas vezes, relacionado com os limites formais do processo.

O processo, enquanto conjunto de actos ordenados formalmente, tem de ter limites para ser possível a sua realização, mas é certo que esses limites tornam a concepção do que realmente aconteceu mais difícil. A verdade absoluta nunca poderá ser totalmente descoberta, nem no processo nem em qualquer outro contexto69, devido ao referido atrás. Ao limitarmos a busca da verdade, estamos a condicionar a sua descoberta70. Esses condicionalismos são, no entanto, necessários à existência do próprio processo. Sendo a verdade dos factos condição necessária para uma justa composição do litígio, uma vez que é a partir dos factos provados que se irá aplicar o direito que resolverá o caso, pode dizer-se a justiça da decisão é maior ou menor

66 JORDI FERRER BELTRÁN, “Prueba y verdad en el derecho”, p. 70: “la distionción entre verdad material y verdad formal pone el acento en la autoridad que se confiere a la declaración de hechos probados realizada por el juzgador y en irrelevancia jurídica de la verdad material una vez resuelto el caso.

67 Ao longo do estudo, usaremos várias vezes os termos verdade material e verdade formal para facilitar a contextualização, porém discordamos da distinção pelas razões enumeradas.

68 Assim, também FRANCESCO CARNELUTTI, “La prova civile...”, pp. 31 e 32: “(...) il risultato della ricerca guiridicamente limitata o disciplinata non è piú la veritá materiale, o, come si direbbe con un efficace truismo, la verità vera, ma una verità convenzionale, che si battezza per verità formale, in quanto ad essa conduce una indagine regolata nelle forme, o per verità giuridica, in quanto essa è ricercata mediante leggi giuridiche, non solo mediante leggi logiche, e solo per effetto di queste leggi giuridiche si sostituisce alla veritá materiale. Ma senza fallo non si trata qui che di una metafora; nella sostanza è affatto agevole osservare come la verità non possa essere che una, onde la verità formale o giuridica o coincide con la verità materiale, e non è che verità, o ne diverge e non è che una non verità (...)”, sendo que depois o autor termina com a caracterização do processo que “non può essere sinceramente considerato come un mezzo per la conoscenza della verità dei fatti, bensí per una fissazione o determinazione dei fatti medesimi, che può coincidere o non coincidere con la verità di questi e ne rimane affatto indipendente.”.

69 MICHELE TARUFFO, “La prova nel processo civile”, p. 59: “Nessuna sorpresa, dunque, se la verità assoluta non puó essere scoperta nel processo, come in nessun altro contesto.”

70 FRANCESCO CARNELUTTI, “La prova civile....”, p. 36, indica que qualquer limite à actividade probatória irá impedir a descoberta da verdade material: “Qui mi contento di insistere sul concetto che basta un minimo limite alla libertà di ricerca delguidice perchè il processo di ricerca della realtà degeneri in processo formale di fissazione (...) Quando la ricerca della verità materiale è limitata nel senso che questa non possa essere in ogni caso e con ogni mezzo conosciuta, sia il limite posto più o meno rigoroso,il risultato è sempre questo: che non si trata più di una ricerca della verità materiale, ma di un processo di fissazione formale dei fatti.”

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cosoante seja maior ou menor a capacidade do processo de estabelecer a verdade dos factos, ou seja, quantos mais limites existirem à actividade probatória, menor será a possibilidade de se apurar a verdade71, que é o escopo do processo.

A verdade que se busca é aquela que melhor irá resolver a situação de facto entre as partes, pelo que, ainda que tenham de ser seguidos procedimentos com vista à obtenção dessa decisão de forma ordenada.

No que às provas ilícitas diz respeito, esta é uma questão da maior importância, uma vez que se admitirmos a prova ilícita, o seu conhecimento irá possibilitar uma maior aproximação à verdade, pelo contrário, se a excluirmos com base em elementos que em nada afectam o seu conteúdo, iremos estar a negar o conhecimento de parte da situação fáctica, portanto a decisão não será tão justa como poderia ter sido.

Pensamos ser de extrema importância a ponderação do verdadeiro escopo do processo civil, e o compromisso entre o formalismo processual e a busca da verdade irá determinar o tipo de justiça existente nas decisões. Claro que têm de existir normas de modo a tornar possível e a regular a forma como se processa o litígio, mas em última ratio, a consideração da prova ilícita pode colocá-lo mais próximo de uma justa composição. Caberá ao legislador determinar quais os valores a que se dá mais importância na nossa sociedade e quais os factores preponderantes para se chegar à justa decisão e à busca da única verdade.

2.3 Princípio geral de admissibilidade - artigo 413º

O artigo 413º consagra o chamado princípio da aquisição processual ao indicar que “o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas”.

O primeiro tópico que se deverá ter em consideração prende-se com a questão da relevância da prova tendo em conta os factos alegados e contestados, isto é, a prova

71 MICHELE TARUFFO, “La prova nel processo civile”, p. 63: “se l’accertamento dei fatti non è veritiero non si può avere una correcta applicazione della norma, e quindi la decisione è irrimedabilmente errata e sostanzialmente ingiusta. La veridicità dell’accertamento dei fatti è dunque una condizione necessaria (ovviamente non è la condizione sufficiente) della giustizia della decisione. (...) si può anzio affermare che la giustizia della decisione è maggiore o minore anche in funzione della maggiore o minore capacità del processo di stabilire la verità dei fatti.”

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deverá estar sujeita a um juízo de relevância para a causa. Não deve por isso admitir-se prova totalmente descabida e irrelevante (prova que seria admitida para depois se chegar à conclusão de que não iria ter como objecto nenhum dos factos controvertidos) de acordo com o princípio da economia processual72 e até com as considerações efectuadas anteriormente acerca da intenção maliciosa de prolongar no tempo a tomada de decisão pelo tribunal.

Segundo Taruffo73, existe uma ordem lógica e cronológica entre a relevância e o juízo de admissibilidade que não deve ser preterida. Para este autor, a relevância da prova tem uma dupla função de excluir provas irrelevantes mas também de integrar todas as provas que são relevantes que podem e devem ser admitidas74.

Após a determinação da relevância da prova para a causa em questão e, de acordo com o artigo enunciado acima, entendemos encontrar-se aqui um princípio geral de admissibilidade da prova em processo civil. Isto significa que à partida toda a prova deve ser admitida e que a sua inadmissibilidade deve estar expressamente consagrada, sob a forma de proibição de prova75. Assim a inadmissibilidade da prova deverá também ser fundamentada76. Vimos anteriormente que o problema da prova ilícita se coloca aquando da violação não de normas processuais mas materiais, pelo que qualquer consideração acerca da mesma deverá ser colocada invertendo o tradicional mote de saber se a prova ilícita deverá ser admitida e considerando agora que a pergunta que se coloca é, na verdade, se a utilização da prova ilícita deverá, no caso concreto, ser vedada, ou seja se não deverá ser admitida. Parece inútil, ou até reconduzir-se a semântica o enunciado anterior, contudo parece-nos de extrema importância inverter o paradigma e procurarmos saber em que medida deve a prova ilícita não ser admitida ao invés de nos perguntarmos em que medida o deve ser.

72 Artigo 6º “Cumpre ao juiz (...) recusar tudo o que for impertinente ou meramente dilatório (...)”; outra manifestação deste princípio a propósito dos actos processuais no artigo 130º e no artigo 443º a propósito da junção de documentos (prova pré-constituída junta com os articulados).

73 MICHELE TARUFFO, “La prova nel processo civile”, p.69 “Anzitutto va sottolineato che esiste un ordine logico tra guidizio di rilevanza e guidizio de ammisibilità: sarebbe infatti inutile stabilire prima che una prova è guiridicamente ammisibile per scoprire dopo che essa è logicamente irrelevante.”

74 Idem “il principio di rilevanza serve ad escludere le prove irrilevanti, ma ha anche una funzione inclusiva, in quanto implica che tutte le prove rilevanti debbano essere ammesse, proprio perché sono utili per accertare la verità dei fatti.”

75 Idem p.69 e 70 “Tra rilevanza ed ammissibilità della prova esiste dunque un chiaro rapporto da regola ad eccezione: la regola è che ogni prova rilevante è per ciò stesso ammissibile; léccezione è determinata dalla presenza di norme che dichiarano inammissibile una certa prova benché essa sia rilevante.”

76 Neste sentido também ISABEL ALEXANDRE, “Provas ilícitas em processo civil”, p. 233.

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