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A responsabilidade internacional do estado pela violação dos direitos humanos em face da criminalidade interna: o custo da violência no Brasil

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Universidade

Católica de Brasília

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

STRICTU SENSO EM DIREITO

Mestrado

BRASÍLIA

2006

A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO PELA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM FACE DA CRIMINALIDADE INTERNA: O CUSTO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL

Autor: Mauro Faria de Lima

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A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO PELA

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM FACE DA

CRIMINALIDADE INTERNA: O CUSTO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL

Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação “Stricto Sensu” em Direito como requisito para conclusão do curso de Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília.

Orientador: Dr. Antônio Paulo Cachapuz

de Medeiros

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violência no Brasil / Mauro Faria de Lima – Brasília, 2006. 110 f.: il.; 30 cm.

Orientador: Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros.

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2006.

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Aos professores do curso de Mestrado em Direito de UCB, especialmente o Prof. André Carvalho e Profª. Flávia Piovesan, em cujas lições espelhou este trabalho, meus sinceros agradecimentos.

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A presente pesquisa buscou assentar a responsabilidade internacional do Estado no Sistema de Proteção dos Direitos Humanos no âmbito da OEA, principalmente nas Opiniões Consultivas e nos julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos. De fato, o art. 1 (1) da Convenção Interamericana de Direitos Humanos estabelece, para todos, o direito à segurança. Direito exigível desde logo, não estando sujeito à chamada “reserva do possível”, portanto, exeqüível, quer tenha a violência partido de agentes do Estado, quer de terceiros. Tradicionalmente o direito à segurança exige que o Estado se abstenha de praticar violência. No enfoque aqui dado, tanto faz tenha sido a lesão ao direito perpetrada por agentes públicos ou privados. No primeiro caso a responsabilidade advém da ação ilícita dos agentes públicos. No segundo, da omissão estatal. Pelas imensas dificuldades que a prova da culpa do Estado acarreta às vítimas, a Corte passou a estabelecer que é o Estado que tem que provar que não agiu culposamente, invertendo-se o ônus da prova. Na prática, como o Estado só se exonera da obrigação de indenizar se provar que não agiu ou deixou de agir com culpa, chega-se a uma situação de verdadeira responsabilidade objetiva. De outra feita, ordinariamente, se busca a tutela jurisdicional para casos concretos, objetivando a aplicação de comandos abstratos da norma a uma situação individualizada. Entretanto, em relação à proteção devida aos Direitos Humanos, vê-se que essa prática vê-se mostra muito limitada, já que, na maioria das vezes, a tutela requerida o é em relação a toda uma coletividade. Nesse último caso a proteção há de ser coletiva. As medidas protetivas hão de ter caráter erga omnes. O Professor A. A. Cançado Trindade, em seus votos concorrentes na Corte Interamericana de Direitos Humanos afirma que a obrigação geral de garantia por parte do Estado,

obrigação erga omnes, não se limita às relações deste com as pessoas sob sua

jurisdição, mas também, em determinadas circunstâncias, se estende às relações entre particulares. Descumprindo tais obrigações, a responsabilidade objetiva do Estado é inelutável, pois as mesmas, emanadas de jus cogens, englobam a todos os destinatários das normas jurídicas (omnes), tanto integrantes do poder público, quanto particulares em suas relações inter-individuais.

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the System of Human Rights Protection for the OEA, specially on Advisory Opinions and on the judgeship of the Inter-American Convention of Human Rights. It is a fact that the art. 1(1) of the mentioned Convention establishes the right to security to all, an exigible right which is not subject to the “reserve of the possibilities”, being therefore always available, whether or not the committed violence comes from an agent of the State. Traditionally the right to security requires that the State do not commit any violence. In the present approach it is irrelevant whether the lesion of the right was caused by public or private actors. In the first case the responsibility comes from the illicit action of public agents. In the second, it comes from omission of State agencies. Because of the insurmountable difficulties the victim has to overcome in order to prove the guilty of the State, the Court has now inverted the burden of the proof by establishing that it is the obligation of the state to prove its innocence. In practice, as the state is only exempt of the obligation to indemnity if it proves that the act or omission was carried out in guiltiness, it characterizes a situation of real objective responsibility. Otherwise, as usually, the jurisdictional guardianship for concrete cases is requested in order to apply the abstract instructions of the norm to a specific situation. However, concerning the due protection of the Human rights it is noted that this practice has already proved to be very limited as the guardianship requested concerns a whole collectivity. In this last case the protection will have to be a collective one. The protective measures shall have erga omnes implications. The Professor A. A. Cançado Trindade, in his concurrent votes in the Inter-American

Court of Human Rights says that the State’s general obligation, an erga omnes

obligation, is not restricted to the relation between the state and the people under its jurisdiction, but also, under certain circumstances, it is extended to the relation between private citizens. If the state does not comply with such obligations it is thus inputted with unquestionable objective responsibility for it, as these come from jus cogen and comprise all the receivers of legal norms (omnes), either public actors or private citizens in their interpersonal interactions.

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Quadro 1 – Sistema Global ...66

Quadro 2 – Sistema Regional Interamericano...66

Tabela 1 – Índice de Violência ...73

Tabela 2 – Pobreza & Violência...74

Tabela 3 – Desemprego & Violência ...75

Tabela 4 – Países Mais Violentos (Presos por 100 mil habitantes)...75

Tabela 5 – Países Menos Violentos ...76

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CAPÍTULO 1 O ESTADO MODERNO ...14

1.1 Aspectos Históricos ... 14

1.1.1 Gerais...14

1.1.2 A Revolução Francesa e a Assembléia Constituinte ...15

1.1.3 A Declaração Francesa ...16

1.1.4 Direitos Individuais ...18

1.2 A crise do Estado atual ...18

1.2.1 Direito a um Governo Adequado...18

1.2.2 Perspectivas dos Direitos Humanos na Atualidade ...21

1.2.3 Universalidade e Internacionalização dos Direitos Humanos ...22

1.3 Direito à Cidadania...24

1.3.1 Conceito de Cidadão...24

1.3.2 Cidadania: Concepção Histórica e Jurídica ...25

1.3.3 Crise da Representatividade ...27

1.3.4 Síntese...29

CAPÍTULO 2 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO...31

2.1 Considerações Gerais ...31

2.2 A Responsabilidade Civil ...32

2.3 A Responsabilidade Pública ...35

CAPÍTULO 3 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO ...37

3.1. Aspectos Gerais ...37

3.2 Natureza jurídica dos tratados internacionais...38

3.3 Natureza Jurídica dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos...42

3.4 O entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a natureza jurídica dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos ...44

CAPÍTULO 4 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO NO SISTEMA INTERAMERICANO ...46

4.1 Introdução...46

4.2 Origem da obrigação ...46

4.3 Posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos ...50

CAPÍTULO 5 SITUAÇÃO BRASILEIRA...54

5.1 Breves Considerações sobre os Direitos Humanos nas Constituições Brasileiras ...54

5.1.1 As Liberdades Públicas e a Constituição de 1824...55

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5.1.3 As Liberdades Públicas e as Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969 ...59

5.1.4 Restrições às Liberdades Públicas no Direito Brasileiro...59

5.1.5 As Liberdades Públicas e a Constituição de 1988...64

5.2 Adoção pelo Brasil de Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos ...66

5.3 A Convenção Americana de Direitos Humanos...67

5.4 Ratificação da Convenção Americana e Reconhecimento de sua Competência Obrigatória...69

CAPÍTULO 6 VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS PELA OMISSÃO DO ESTADO BRASILEIRO...70

6.1 Introdução...70

6.2 A Impunidade e Inoperância do Sistema...72

6.3 O preço da violência ... 76

CAPÍTULO 7 O DEVER DE INDENIZAR DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE ÀS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS...78

7.1 Introdução...78

7.2 Responsabilidade internacional objetiva e subjetiva do Estado e a Jurisprudência da Corte Interamericana ...79

7.3 Óbices internos à responsabilidade do Estado e a Jurisprudência da Corte Interamericana ...81

7.4 O Dever de indenizar...88

CAPÍTULO 8 AS INDENIZAÇÕES ...90

8.1 Introdução...90

8.2 Reparações...90

8.3 Execução...91

8.4 Execução Interna no Brasil...93

CAPÍTULO 9 O CASO “URSO BRANCO” ...95

9.1 O Caso Sub Judice...95

9.2 Voto Concorrente do Juiz A. A. Cançado Trindade...99

9.3 Importância do caso...101

CONCLUSÃO...104

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O crime é um fenômeno universal. De certo modo todos os povos trabalham na construção de mecanismos que, se não o elimina, o que é impossível, pelo menos o mantenha sob controle. Muitos países conseguiram manter a criminalidade relativamente baixa em seus domínios, outros não. O Brasil se situa no grupo dos que não conseguiram progresso nessa área. Aliás, a situação tem-se agravado nos últimas décadas. A criminalidade alcançou índices muito elevados. Com quarenta mil homicídios por ano e cerca de seiscentos e cinqüenta mil entre 1979 e 1989, o Brasil ocupa lugar pouco elogiável na estatística da violência no cenário mundial, só superado por países em conflito armado e os ultrapassando em alguns casos.

Os regimes de exceção a que fora submetido o País, principalmente a partir do período republicano, e mais recentemente o regime militar, criaram o ambiente social e político adequado ao desrespeito aos Direitos Humanos, sendo que muitas vezes a simples menção da expressão “Direitos Humanos” se afigura a muitos como algo pejorativo, negativo, indigno de consideração. O autoritarismo, pelas vicissitudes históricas brasileiras, se incorporou de tal modo a psique coletiva que o povo passou a ver nas promessas e propostas de homens pouco dados ao jogo democrático as soluções para os problemas públicos, mesmo após a democratização do País e sua reconstitucionalização em 1988.

Em contrapartida, os setores da sociedade afeitos à democracia, após 1985, passaram a ver com desconfiança as soluções dadas a partir do Direito Penal e Processual Penal. O resultado foi o gradativo afrouxamento do sistema punitivo, até chegar ao que é hoje, o sentimento coletivo de impunidade, e com ele a violência alarmante.

Em pioneira pesquisa, o Professor IB Teixeira buscou quantificar a violência. Em “A violência sem retoque”, IB Teixeira estima que a violência consome 10% do PIB brasileiro. Uma cifra de 112 bilhões de reais. O pior, sem resultados palpáveis.

Alguém pode ser responsabilizado por isso? Alguém pode interromper essa tragédia?

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elevadíssimos índices da criminalidade brasileira.

A pesquisa buscou assentar essa responsabilidade no Sistema de Proteção dos Direitos Humanos no âmbito da OEA, principalmente nos Opiniões Consultivas e nos julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos. De fato o art. 1(1) da Convenção Interamericana de Direitos Humanos estabelece, para todos, o direito à segurança. Direito exigível desde logo, não estando sujeito à chamada “reserva do possível”, exeqüível, portanto, quer tenha a violência partido de agentes do Estado, quer de terceiros. Tradicionalmente o direito à segurança de um modo geral, exige que o Estado se abstenha de praticar violência. No enfoque aqui dado, tanto faz tenha sido a lesão ao direito perpetrada por agentes públicos ou privados. No primeiro caso a responsabilidade advém da ação ilícita dos agentes públicos. No segundo, da omissão estatal. Diferentemente do direito interno em que a responsabilidade do Estado repousa no ato de seus agentes, no plano internacional, conforme estabelecido nos tratados de Direitos Humanos, a responsabilidade também ocorre em relação a atos de terceiros. Não se trata de responsabilidade imposta por tratados, cuja natureza seja meramente contratual, mas sim de responsabilidade imposta por normas cogentes, leis, se não pelo aspecto formal, pelos menos como normas de caráter consuetudinário, editados por um poder legislativo sui generis no plano internacional.

A responsabilidade do Estado, segundo os julgados da Corte, quando é oriunda da prática de atos ilícitos pelos agentes públicos, é objetiva. Porém, quando advém de atos de terceiros é subjetiva. No primeiro caso independe de culpa. No segundo, exige-se a comprovação do agir culposo. Entretanto, pelas imensas dificuldades que a prova da culpa do Estado acarreta às vítimas e seus familiares, normalmente pessoas pobres e desprovidos de recursos, a Corte passou a estabelecer que, nesses casos, é o Estado que tem que provar que não agiu culposamente, invertendo-se o ônus da prova. Tal expediente resultou no equilíbrio processual entre o Estado e as vítimas hipossuficientes. Na prática, como o Estado só se exonera da obrigação de indenizar se provar que não agiu ou deixou de agir com culpa, chega-se a uma situação de verdadeira responsabilidade objetiva.

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vezes, a tutela requerida, o é em relação a toda uma coletividade. A lesão, que pode advir de uma lei, de um ato do governo, de uma decisão judicial ou de qualquer ato de agentes públicos ou particulares, atinge tanto pessoas singularmente, quando a todos os membros de uma comunidade. Nesse caso a proteção há de ser coletiva. As medidas protetivas hão de ter caráter erga omnes.

O emérito Juiz e Professor A. A. Cançado Trindade, em seus votos concorrentes na Corte Interamericana de Direitos Humanos afirma que a obrigação geral de garantia por parte do Estado, obrigação erga omnes, não se limita às relações deste com as pessoas sob sua jurisdição, mas também, em determinadas circunstâncias, se estende às relações entre particulares. Descumprindo tais obrigações, a responsabilidade objetiva do Estado é inelutável, pois as mesmas, emanadas de jus cogens, englobam a todos os destinatários das normas jurídicas (omnes), tanto integrantes do poder público, quanto particulares em suas relações inter-individuais.

Referidas obrigações erga omnes de proteção da pessoa humana,

amparadas na Convenção Americana (art. 1(1)), têm tido como mecanismo de aplicação os métodos de supervisão da Corte em relação ao exercício da garantia coletiva dos direitos protegidos, previstos nos tratados de Direitos Humanos. A supervisão, dada em caráter provisional, portanto chamada de “medidas provisionais”, protege coletivamente os membros de toda uma comunidade, embora a base de ação seja a lesão, ou probabilidade de lesão, a direitos individuais. Tais medidas provisionais, oriundas do direito processual civil, salvaguardam mais que a eficácia da função e jurisdição da Corte, os próprios direitos fundamentais da pessoa humana, revestindo-se de caráter verdadeiramente tutelar.

Várias dessas medidas provisionais foram determinadas pela Corte ao Brasil, no primeiro caso brasileiro a ela levado, principalmente as medidas relacionadas à proteção da vida e da integridade física dos presos, visitantes e funcionários da Penitenciária Urso Branco.

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No presente capítulo busca-se enfatizar o momento histórico do surgimento do Estado Moderno, com ênfase no desenvolvimento dos Direitos Humanos, até a crise atual do modelo e da representatividade.

1.1 Aspectos Históricos

1.1.1 Gerais

O período compreendido entre os séculos XIV e XV caracteriza-se pelo fenômeno político da substituição gradual do sistema feudal pelas monarquias absolutas. Forma-se assim o Estado moderno resultante de um complexo de causas, merecendo-se destacar a necessidade de unidade da justiça, moeda, segurança e tributação. Tudo isso devido a dinamização do comércio. O absolutismo estabeleceu-se apoiado na burguesia mercantil e na realeza que havia dominado a nobreza feudal.

De início justificou-se o absolutismo com o argumento de que o poder dos soberanos era divino. Divino ou não, filósofos como Grotius, Jean Bodin, Hobbes e Maquiavel deram ao absolutismo sua justificação ideológica.

Hobbes (1588-1679) julgava ter o homem vivido primitivamente não sujeito à lei, mas sim ao seu próprio interesse, na luta de cada um contra todos pela sobrevivência (homo homini lupus). Daí o choque constante contra seus iguais, que só poderia ser atenuado com um contrato onde todos os seus direitos fossem submetidos a um organismo capaz de dar-lhe segurança. Concebe em o “Levitã” (monstro bíblico) que ao rei é permitido governar despoticamente, não por ser depositário de um direito divino, mas porque o próprio povo lhe outorgou o poder absoluto.

Esse antigo regime, caracterizado pelo absolutismo e eivado de influências feudais, fora incapaz de resolver e acomodar todos os interesses da época, sendo então, pouco a pouco, contestado por novas idéias. Tais idéias, de início veladas, por receio da opressão oficial, depois ganharam corpo em obras publicadas, as quais preconizavam uma nova ordenação social.

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Iluminismo foi um movimento filosófico, literário e político que objetivava combater o absolutismo, a influência da Igreja no Estado e a tradição. Considerava a razão como único processo para se atingir o conhecimento e a sabedoria. No Iluminismo destaca-se os nomes de Locke, Voltaire, Montesquieu e Rosseau.

Jonh Locke afirmava que os homens viviam primitivamente em absoluta liberdade com seus semelhantes. Para evitar choques, constituíram um governo e concederam-lhe um certo poder. Em caso de tirania, o governo deveria ser dissolvido pelo povo. Locke condenava o absolutismo e se preocupava com a proteção da liberdade individual.

Voltaire e Montesquieu foram influenciados por Locke. Voltaire tendia para uma monarquia esclarecida. Afirmava que todos os homens são adotados pela natureza de direitos iguais de liberdade, propriedade e proteção das leis. Montesquieu, além de afirmar que o despotismo era a forma de governo apropriada para os países de domínios vastos, a monarquia para os médios e a república para os de território limitado, apregoava a tripartição dos poderes como forma de garantir as liberdades individuais.

Jean-Jaques Rosseau (1712-1778), em “O Contrato Social”, fez apologia do liberalismo e estruturou o pensamento político que formaria a base ideológica da Revolução Francesa. Expôs a teoria do homem primitivo, selvagem e feliz. Para evitar a ambição de alguns, os homens teriam se associado voluntariamente e delegado poderes para que um deles dirigisse os interesses comuns. Nascia o Estado. O Estado é a expressão da vontade da maioria necessariamente, sendo a forma de governo mutável, de acordo com a vontade do povo, sendo a vontade deste ilimitada, inalienável e indivisível.

1.1.2 A Revolução Francesa e a Assembléia Constituinte

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segundo vivia pobremente. O “terceiro estado” era composto pela burguesia, pelos trabalhadores urbanos e pelos camponeses, constituindo a maioria da população.

O comércio era prejudicado pelas alfândegas interiores, de origem feudal, e pelos monopólios. A justiça, parcial e comprometida. Dois terços da produção do camponês eram para pagar impostos. Os cargos públicos eram venais.

A Revolução Francesa foi uma revolução burguesa. A burguesia detinha o capital, mas não detinha o poder político. Necessitava e queria o poder político. Os iluministas (Locke, Voltaire, Montesquieu, Rosseau e outros) ofereceram o suporte ideológico e filosófico necessário.

Pelo agravamento da crise, em 1788, Luis XVI convocou os Estados Gerais, assembléia constituída de representantes dos três “estados” para aconselhá-lo sobre o que deveria fazer. Nas deliberações, o “terceiro estado” queria votar “por cabeça”, o que não foi aceito pela nobreza e o clero.

Em face do impasse, o “terceiro estado” declarou-se em Assembléia Nacional, alegando que, somente ele, já representava 96% da nação. Comprometeram-se a não se separar antes de darem à França uma Constituição. Luis XVI foi obrigado a ceder, convidando a nobreza e o clero para se reunirem com o “terceiro estado”. Formaram assim a Assembléia Constituinte. Enquanto as reuniões se processavam, o povo atacava os símbolos do antigo regime e seus privilégios. Como resultado, a Assembléia promulgou a Declaração dos Direitos do Homem.

1.1.3 A Declaração Francesa

Às vésperas da Revolução Francesa era generalizada na França a reivindicação de que fossem solenemente reconhecidos os chamados direitos fundamentais. Nos “cadernos de queixas” (relação escrita de reivindicações que a comunidade eleitora incumbia ao eleito defender) preparados para a Assembléia dos Estados Gerais convocada para 1789, a qual se transformou na Assembléia Nacional revolucionária, registra-se com freqüência essa postulação. Além da burguesia, a nobreza e o próprio clero faziam essa reivindicação. Daí o próprio monarca ter prometido outorgar uma carta das liberdades.

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colaboradores de Mirabeau deram a mão final ao trabalho. Globalmente aprovado em 19 de agosto, por 505 votos contra 245 dados ao projeto de Sieyes e 45 dados ao de La Fayette. Os artigos foram votados um a um, terminando o trabalho em 26 de agosto. Em 5 de outubro, não querendo aceitar a declaração, Luis XVI “acedeu” a ela, numa vã sutileza.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, traz determinados direitos consagrados como liberdades, ou seja, poderes de agir, ou não agir, independentemente da ingerência do Estado. Tem-se aí a liberdade em geral (arts. 1.º, 2.º e 4.º), a segurança (art. 2.º), a liberdade de locomoção (art. 7.º), a liberdade de opinião (art. 10), a liberdade de expressão (art. 11) e o direito à propriedade (liberdade de usar e dispor dos bens – arts. 2.º e 17). Tem-se, ainda, a presunção de inocência (art. 9.º), a legalidade criminal (art. 8.º), e a legalidade processual (art. 7.º). Faltaram na Declaração de 1789 a liberdade econômica; a liberdade de comércio, indústria e profissão; e a liberdade de associação, as quais foram reconhecidas posteriormente.

Além das liberdades, a Declaração enumera alguns direitos políticos do cidadão como o direito de participação política (art. 6.º); o direito de consentir pagar tributo (art. 14); o direito de controlar gastos públicos (art. 14); e o direito de exigir contas da atuação de agentes públicos (art. 15). Enuncia, também, alguns princípios de organização política, como da igualdade (art. 1.º); a finalidade do Estado, concernentemente na “conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem” (art. 2.º); a soberania da nação (art. 3.º); a destinação da “força pública” (art. 12); e a separação dos poderes (art. 16). A Declaração enuncia, ainda, o papel da lei (evitar a colisão de direitos) e o princípio da isonomia (todos são iguais perante a lei).

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1.1.4 Direitos Individuais

Paulo Bonavides1 relata que as expressões direitos humanos e direitos do homem são usadas mais freqüentemente pelos autores anglo-americanos e latinos, por tradição histórica. Já direitos fundamentais, diz, parece circunscrever à preferência dos autores alemães. Nessa linha, Konrad Hesse, citado por Bonavides2, afirma, numa acepção lata, que os direitos fundamentais objetivam “criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana”. Em sentido estrito, direitos humanos, “são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais”.

Sem embargo, os direitos fundamentais são inerentes à liberdade e à dignidade humana, por isso universais. Tal universalidade foi estampada na célebre Declaração Francesa de 1789, que tinha como destinatário o gênero humano, conforme lapidarmente sintetizou Boutmy: “Foi para ensinar o mundo que os franceses escreveram; foi para o proveito e comodidade de seus concidadãos que os americanos redigiram suas Declarações”.3

Dentre esses direitos do homem, nosso trabalho dá especial atenção ao direito à segurança, cuja existência representa uma das razões primeiras de constituição do estado moderno.

1.2 A crise do Estado atual

1.2.1 Direito a um Governo Adequado

Os primeiros documentos que falam do direito a um governo adequado são as Declarações Norte-americanas. A Declaração Americana de 1776 enuncia que os governos são instituídos para garantir os direitos fundamentais. Se não cumprirem com essa finalidade, o povo tem o direito de mudar a forma de governo ou mesmo aboli-la. Do mesmo modo a Declaração de Direitos da Virgínia de 1787, de forma lapidar, anuncia:

1

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo : Malheiros, 1996, p. 514.

2

Ibidem.

3

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O governo é e deve ser instituído para comum benefício, proteção e segurança do povo, nação ou comunidade. De todas as formas de governo, a melhor é aquela capaz de produzir o maior grau de felicidade e segurança, e a que mais efetivamente ofereça garantia contra o perigo da má administração.

E conclui esse dispositivo oferecendo o remédio contra os maus governos:

Toda vez que algum governo foi considerado inepto ou contrário a esses fins, a maioria da comunidade tem o direito indubitável, inalienável e irrevogável de reformá-lo, modificá-lo, ou aboli-lo, da maneira que julgar mais proveitosa ao bem-estar geral.

Sobre as declarações de direito, o Prof. Fábio Konder Comparato,4 diz: Juntamente com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada pela Assembléia nacional francesa em 1789, as declarações de direitos norte-americanas constituem as cartas fundamentais de emancipação do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o estamento, as organizações religiosas”.

Aqui especificamente vemos o direito do povo de substituir governantes ou mudar a forma de governo, caso a organização estatal se revele incapaz de realizar os fins de toda a sociedade política.

Do mesmo teor é o art. 35 da Declaração de Direitos da Constituição Francesa de 1793: ”Art. 35 – Quando o governo viola os direitos do povo, a insurreição é para o povo inteiro e cada uma de suas parcelas, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensáveis dos deveres”.

Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. XXI, 3 estabelece que: “A vontade do povo será a base da autoridade do governo (...)”.

O que é complementado no plano interno pelo art. 1.º, parágrafo único, da Constituição Federal: “Todo poder emana do povo (...)”.

Ora, se a base do poder é o povo e o governo se funda nessa vontade, é lícito concluir que o povo pode, e tem o direito de, mudar, alterar, ou mesmo extinguir a forma de governo.

De notar que as declarações do século XIX eram mais explícitas quanto à possibilidade de o povo mudar, alterar ou suprimir as formas de governo.

Nesse ponto, cabe indagar: há ainda lugar para a democracia

4

(20)

representativa? Há. Joaquim Falcão,5 em “A Democracia Concomitante”, esclarece que são três os tipos de democracia: a direta, a representativa e a concomitante. Esses três tipos hão de conviver. A crise da democracia representativa não a esgota, mas modifica-lhe, os contornos. Diz o aludido professor, referindo-se ao poder das ONGs hoje:

Conhecemos a democracia dos cidadãos que se reuniam na praça e decidiam como governar as cidades. Essa era a democracia direta. As cidades cresceram muito, e sua administração se tornou complexa. Criou-se a democracia representativa. Políticos eleitos administram a cidade, a prefeitura, o estado e o país em nome dos cidadãos. As ONGs não estão presentes em nenhum desses dois tipos de democracia, mas num terceiro.

A democracia participativa nasce, está nascendo, aliás, como fórmula política intermediária entre a democracia direta e a representativa. Nela os cidadãos buscam também concretizar o ideal de participar da gestão pública. Só que nem direta nem apenas eleitoralmente. Por um lado, a sociedade civil se organiza; por outro, a administração pública se abre por intermédio de inúmeros conselhos, audiências públicas, parcerias, consultas técnicas e por aí vamos. Os diferentes conselhos da administração pública, de que participam inúmeros organismos da sociedade civil e cidadãos – empresários, trabalhadores, consumidores ou moradores –, nada mais são do que a prática da democracia participativa.

Democracia participativa. Essa parece ser a fórmula mágica para a subsistência da democracia representativa. Assim, teremos a democracia concomitante, formada pela convivência das três formas de democracia: a direta, a representativa e a participativa.

De onde vem a legitimidade na democracia participativa? Quem melhor representa o cidadão do mundo hoje, o Presidente Bush ou o Green Peace? Os cem mil ativistas ou os representantes do G-8 no Fórum Social de Gênova?

Seja qual for a resposta, uma realidade se impõe: ninguém contesta a legitimidade das ONGs ou dos que protestam. Essa legitimidade não vem do mandato conferido pelo voto. Vem da adesão voluntária e livre a uma idéia, a uma causa, considerada justa, “politicamente correta”. Di-lo o Professor Falcão.6

Não advém do voto a legitimidade das ONGs, das múltiplas associações, confederações, entidades e cidadãos que participam delas. Advém de seu compromisso com a causa pública. Advém da representatividade de seu objeto, de sua ação, de sua proposta, do

5

Opinião. Correio Braziliense. 19 jul. 2001, p. 5.

6

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caráter público sem fim lucrativo, nem, sobretudo corporativo, de sua finalidade. Não é o voto que legitima uma ONG de direitos humanos ou de defesa do meio ambiente. É a crescente adesão popular a ambos os temas.

Portanto, a sobrevivência da democracia representativa está a depender de sua capacidade de adaptação à coexistência com a democracia participativa.

1.2.2 Perspectivas dos Direitos Humanos na Atualidade

A cidadania e a representatividade estão em crise. Essa crise está sendo gerada ou alimentada pelo fenômeno da globalização. A globalização gerou a interdependência de todos. O tempo, as distâncias, pouco importam. Graças aos recursos técnicos, conhecimentos adquiridos, nossas ações abrangem enormes distâncias no espaço e no tempo, como afirma o Professor Zygmunt Bauman.7 Diz o aludido mestre que o “que fazemos (ou nos abstemos de fazer) pode influir nas condições de vida (ou de morte) de gente que vive em lugares que nunca visitaremos e gerações que jamais conheceremos”. Esse fenômeno produziu a mitigação, a relativização, do que seja soberania, território e Estado. Tudo isso tornou-se quase impotente frente à força da transnacionalização dos mercados. Daí Faria8 pergunta:

Se os direitos humanos nasceram ‘contra’ o Estado, ou seja, como forma de coibir a interferência arbitrária do poder público na esfera individual, o que pode acontecer com eles agora que o Estado-nação entra em refluxo com a transnacionalização dos mercados? Se os direitos humanos são inseparáveis de garantias fundamentais e se estas somente podem ser instrumentalizadas por meio do próprio poder público, como podem ser eles eficazes no momento em que esse mesmo poder é relativizado em sua capacidade de enforcement of law pelo fenômeno da globalização? Em que medida é possível um aparato judicial forte, ou seja, capaz de assegurar o reconhecimento e o cumprimento desses direitos, no âmbito de Estados enfraquecidos em sua soberania?

Deve-se esclarecer de início que as perguntas do eminente professor foram aqui repetidas pela sua oportunidade e clareza de raciocínio. Cabe, entretanto, considerar, que nem sempre os direitos humanos hoje são exercidos ‘contra’ o

7

Idem, 21 de julho de 2001. p. 5

8

(22)

Estado. Uma das características fundamentais dos direitos humanos é a ‘eficácia horizontal ou privada’, a qual significa que ao ‘lado de uma clássica eficácia vertical dos direitos fundamentais, que obriga ao respeito pelo Poder Público, insiste-se na eficácia horizontal ou privada (erga omnes), que cobra cumprimento dos direitos fundamentais nas relações entre particulares’.9

Assim, os direitos humanos, na perspectiva atual, não só se exercem ‘contra’ o Estado, ou em face do Estado, mas em face também de particulares, o que evidencia que, mesmo que a figura do Estado venha a sucumbir, qualquer ente que o vier a substituir será compelido a respeitar os direitos humanos. De notar que outra característica dos direitos humanos é sua ‘Projeção Positiva’ pela qual os mesmos reclamam tanto ação do Poder Público quando dos entes privados para a satisfação de necessidades e realização de valores, propiciando condições e estímulos para o desfrute de direitos fundamentais e não apenas garantias contra violações ou reparações. São direitos de participação e prestação.”10

Assim, qualquer que seja a organização social ou política que a humanidade tomar, a dignidade humana, como nota fundamental dos direitos humanos, é o norte, o timoneiro da sonhada realização plena dos seres humanos. E nenhum, nenhum mesmo, ente poderá opor-se à corrente inexorável da idéia-força dos direitos humanos. Os manifestantes de Davos, Seatle ou Gênova, e de outros centros, não nos representam porque lhes tenhamos confiado algum mandato. Nos representam porque defendem uma causa, a causa da humanidade, que é a nossa causa. Os “ricos” defendem a liberdade de enriquecer, poluir, e o fazer a guerra. Os “ativistas”, um mundo melhor. Entre um mundo opulento para poucos e a dignidade para todos, a causa escolhida é a última, a causa da humanidade, da dignidade humana.

1.2.3 Universalidade e Internacionalização dos Direitos Humanos

Mesmo fora da equação indivíduo X Estado. Mesmo com o enfraquecimento ou supressão do Estado, os direitos humanos subsistirão. Isso acontece pelo caráter universalista e internacionalista dos direitos humanos. Os direitos humanos não estão somente na perspectiva de um Estado. Não são dádivas ou concessão do Estado. Fazem parte da experiência social de todos os povos. Formam um

9

ROTHEMBURG, Walter Claudius. Direitos fundamentais e suas características. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n.º 29.

10

(23)

repertório que constitui patrimônio comum da humanidade. A Declaração de Viena, de 1993, é expressa quanto à universalidade como uma das características dos direitos humanos. Os direitos humanos são universais porque inerentes à condição humana, independentemente de particularidades ocasionais ou locais. Tais direitos são atributos do ser humano por sua mera condição existencial.

Essa é a idéia-força. Um ideário capaz de unir tendências ideológicas muito diferentes e até opostas: de comunistas, socialistas, cristãos, ateus, e até de capitalistas modernos. O vetor é a dignidade humana reconhecida por todos, o que leva a internacionalização dos direitos humanos. Com propriedade, Rothemburg,11 esclarece:

Além da universalidade, o que se percebe com destaque, nos tempos que correm, é uma internacionalização dos direitos fundamentais (internacionalizam-se os direitos fundamentais e internacionaliza-se a concepção universalista deles), seja através do reconhecimento desses direitos pelas comunidades de Estados (como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das nações Unidas, de 1948, e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, do mesmo ano; a Convenção Européia dos Direitos do Homem, de 1950; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica, de 1969), seja pela previsão de meios de proteção – especialmente a instituição de tribunais com jurisdição internacional (Corte de Haia, Corte de Estrasburgo, Corte de São José da Costa Rica), o estabelecimento de procedimentos pertinentes e a imposição eficaz de sanções. Essa preocupação internacional tem-se revelado inclusive em domínios específicos, como o da proteção dos refugiados (Convenção e Protocolo relativos ao Estatuto dos Refugiados, respectivamente de 1951 e 1966) e das mulheres (Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1979; Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, 1994; e Declaração de Pequim, 1995).

Se os cidadãos passarem a ter reconhecida a possibilidade de acesso direto às instâncias internacionais (sujeição ativa), são ainda os Estados sujeitos à responsabilidade pelas violações (sujeição passiva). A franca admissão de particulares também como destinatários de sanções internacionais talvez consista no próximo passo de desenvolvimento da jurisdição internacional de proteção aos direitos fundamentais, revelando um desdobramento da universalidade e uma dimensão supranacional da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

É a concepção de uma nova cidadania. A cidadania do Mundo. Essa cidadania rompe os paradigmas atuais.

11

(24)

1.3 Direito à Cidadania

1.3.1 Conceito de Cidadão

Para Silva,12 ‘cidadania’ é a expressão que identifica a qualidade da pessoa que, “estando na posse de plena capacidade civil, também se encontra investida no uso e gozo de seus direitos políticos”, e cidadão, “a pessoa que reside no território nacional”, ou seja, significa “a condição de habitantes do país, que adotou o sistema republicano, em oposição ao súdito, próprio dos regimes monárquicos”.

De observar, porém, que correntemente o termo cidadania se refere à qualidade daquele que é cidadão. Às vezes, os termos são usados indistintamente. A Constituição Federal utiliza os termos “cidadão” e “cidadania” em pelo menos dez dispositivos13 diferentes. Crê-se afirmar que cidadania é qualidade de cidadão. Mas cidadão é só quem tem ou exerce direitos políticos? Essa acepção restrita figura no art. 3.º da 4.717/65 (Lei da Ação Popular). Porém, parece não ser a mais adequada. Discorrendo sobre a extensão constitucional da igualdade, Cunha e Frisoni,14 ao abordar o assunto em relação à legitimidade ativa para a ação popular, enfatizam:

O caput do art. 5.º garante a qualquer pessoa os direitos e garantias contidos em seus incisos. Não faz qualquer restrição entre cidadão – eleitor e o cidadão não eleitor. É dentro desse contexto que devem ser interpretados seus respectivos incisos.

Como se observa, a compreensão dos incisos há de estar compassada à

regra expressa no caput do artigo, em rigoroso processo de conformação do

acessório ao principal e não o contrário. Tal raciocínio é válido para todo o texto constitucional, dando-se maior conteúdo aos termos “cidadão” e “cidadania”. Aliás, aludida interpretação está em perfeita consonância com o art. 1.º, II, da Constituição, que define a cidadania como um dos fundamentos do estado democrático de direito e da República Federativa do Brasil.

Enfim, cidadão é quem está apto ao exercício político na comunidade, seja de forma direta, seja indiretamente (via representação, que, aliás, está em crise.)

12

Vocabulário Jurídico. São Paulo : Forense, 1967.

13

Arts. 1.º, II; 5.º, LXXI, LXXIII, LXXVII; 58, § 2.º, 68, § 1.º, 74, § 2.º, 89, VII; 205 e 8.º, § 3.º do ADCT.

14

(25)

1.3.2 Cidadania: Concepção Histórica e Jurídica

As leis escritas mais antigas do mundo desconhecem o que hoje se chama cidadão. O Código de Hamurabi se refere a “homem livre”, “mulher” e denominações profissionais, como “oficial”, “sacerdote”, “mercador”, “taberneira”, “médico”, “barbeiro”, e etc., mas não a cidadão no sentido de pessoa com participação política, já que o poder emanava da divindade. Do mesmo modo o Código de Manu se refere a “homem”, “mulher”, “filho”, “pai”, “mãe” etc., como súditos de um rei escolhido pelo supremo.

A Lei das XII Tábuas, porém, não foi inspirada pela divindade, nem por ditame real, nem imposta pelos sacerdotes, mas invocada por patrícios e plebeus, atendendo às necessidades da época. Foi redigida pelos decênviros e adotada em Roma pelas Centúrias nos comícios entre 303 e 304 a.C. e editada em vistas das reclamações dos tribunos do povo, que pediam a codificação do direito.

Aqui vemos, não só pela participação do povo na feitura das leis, mas por dispositivos da própria lei, que havia uma idéia de cidadania. Na Tábua Nove, que tratava do Direito Público,15 estava expresso:

1. Que não se estabeleçam privilégios em leis. (Ou: que não se façam leis contra indivíduos);

(...)

4. Que os comícios por centúrias sejam os únicos a decidir sobre o estado de um cidadão (vida, liberdade, cidadania, família).

E na Tábua Décima Primeira: “1. Que a última vontade do povo tenha força de lei.”

Os dispositivos transcritos, aos menos avisados, poderiam soar como postulados ou declarações advindas das revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX. Ícones da modernidade, a igualdade de todos perante a lei, participação política e soberania popular, ainda a muitos embevecem no século XXI d.C. Porém, como se vê aqui, constituíam sustentáculos do poder em Roma.

(26)

julgamento criminal somente pelos pares. Não há maior referência à cidadania, tal qual a vemos hoje.

A legislação mosaica, por sua vez, tem caráter teocrático, se diz inspirada por Deus. Não tem preocupações com a participação política do povo, muito embora em determinadas situações, principalmente no julgamento de crimes, a participação popular é necessária para aplicação da pena, como nos apedrejamento públicos dos faltosos.

O Islamismo, a seu turno, tem sua base no Alcorão, código sagrado, inspirado por Deus. Não há preocupação com cidadania. O homem obedece e pronto. Tudo está selado pelo determinismo – MEC-TUB (“estava escrito”).

No alvorecer da época contemporânea, a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, de 1789 (Declaração Francesa), foi um marco por excelência das garantias da pessoa humana. A Declaração, já a partir do título, enfatizou a existência do homem e do cidadão. Em pelo menos cinco artigos fala em “cidadão”. Lendo-os, principalmente o artigo 6.º, “A Lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação”, vê-se que aí estão materializados alguns dogmas modernos, como a participação política no exercício do poder, a presunção de que a lei é feita pelo próprio cidadão e que encarna a vontade geral e a origem consensual do poder através da soberania popular.

Nos dispositivos da Declaração parece ficar evidente a distinção entre homem e cidadão. A idéia de cidadão está ligada ao exercício do poder, a aptidão política, ao passo que homem representa o gênero humano. Isto fica mais patente quando se compara o art. 12, “A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública”, com o art. 12, “Todos os cidadãos têm o direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública”, (...) para a manutenção da dita força pública. Veja: para usufruir da segurança pública TODOS, para fiscalizar a contribuição pública necessária para mantê-la, só os CIDADÃOS.

A Constituição Alemã de 1919, na segunda parte, que trata dos direitos fundamentais dos alemães, no Título I faz referência somente a alemão e no Título II, que trata da vida social, faz referência a alemães e cidadão – art. 128 (acesso aos

15

(27)

cargos públicos), art. 133 (prestação de serviço militar e outros ao Estado) e art. 134 (capacidade tributária passiva).

As Nações Unidas, porém, proclamou a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”. Não há referência a cidadão, mas sim ao gênero humano, inclusive quando fala da participação política: “Todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de seus representantes livremente escolhidos” – art. XXI, 1. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, entretanto, volta a diferenciar pessoa e cidadão, quando fala no art. 25 na participação política específica do cidadão.

A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, por sua vez, ao se referir à participação política – art. 7.º - faz alusão a “mulher” em igualdade com o “homem”. Do mesmo modo, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, em seu art. 5.º, letra c, genericamente refere a ser humano.

No âmbito do sistema regional de proteção dos direitos humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, ao referir-se aos direitos políticos fala em “cidadãos”. Já a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), expressamente refere a “toda mulher” como tendo direito à participação política – arts. 4.º, letra j e art. 5.º.

Como se nota, no plano internacional, embora haja documentos que dizem o contrário, a idéia, o conceito, de cidadão está sempre associado à aptidão para o exercício da política, seja direta ou indiretamente.

1.3.3 Crise da Representatividade

A Constituição nos arts. 14 e 17 tratam dos direitos políticos e da representação política. São ressaltados ali os postulados da soberania popular, sufrágio universal e voto direto e secreto. Embora tenham havido exceções à universalidade do sufrágio, pois nem todos podem ser eleitores ou eleitos, houve ampliação considerável no número de eleitores com a possibilidade de alistamento eleitoral dos analfabetos, dos maiores de dezesseis anos e menores de dezoito e dos praças militares.

(28)

Executivo e ao Parlamento. Há todo um discurso de deslegitimação principalmente do Parlamento, levado a efeito pelo pregação de membros do Executivo e do Judiciário.

Essa situação não é só brasileira. O mundo todo padece de tal enfermidade. Nas chamadas democracias, cada vez menos se nota a participação popular nas eleições, o número de filiados aos partidos é cada vez menor, há crescente desinteresse pelos temas políticos e os políticos são cada vez menos prestigiados.

Qual a razão dessa crise?

Para Faria16, em “O Futuro dos Direitos Humanos após a Globalização

Econômica”, esta tem substituído em progressão geométrica a política pelo mercado, como instância privilegiada de regulação e direção social, sentenciando:

Fundada na produtividade e na competitividade extremas, e perseguindo com obsessão taxas crescentes de lucratividade aos menores riscos e prazos possíveis, ela configura um amplo e veloz processo schumpeteriano de “destruição criadora”. Na dinâmica desse processo, o desempenho da economia passa a depender menos dos fatores de produção baseados no território, como riqueza mineral, qualidade de solo e disponibilidade de recursos naturais, e mais de fatores não-geográficos, como acesso à tecnologia, estratégias de marketing, produção informatizada, criatividade organizacional, gerenciamento de sistemas e capacidade de resposta às mudanças no mercado consumidor, em princípio todos eles baseados na empresa.

Por tornar os capitais financeiros muitas vezes imunes a fiscalizações governamentais, fragmentar as atividades produtivas em distintas nações, regiões e continentes e reduzir as sociedades a meros conjuntos de grupos e mercados unidos em rede, esse fenômeno vem esvaziando parte dos instrumentos de controle dos atores nacionais; debilitando o poder de taxação e regulamentação dos Estados-nação; e tornando suas normas e mecanismos processuais crescentemente obsoletos. Por favorecer a especulação cambial, a volatilidade dos capitais e o retorno de curto prazo, em detrimento de recursos em atividades produtivas, esse fenômeno também vai levandos as bolsas, os fundos de pensão, as companhias seguradoras e os bancos de investimento a se converterem em “árbitro final” das políticas monetária e fiscal.

À medida que o processo decisório está sendo transnacionalizado, as decisões políticas são cada vez mais condicionadas por equilíbrios macroeconômicos que passam a representar, mais do que uma simples sinalização ou um mero indicador, um princípio normativo efetivamente responsável pela imposição de determinados limites às intervenções reguladoras, controladoras e disciplinadoras dos governos. Sua autonomia decisória, como conseqüência, torna-se progressivamente vulnerável a opções feitas em outros lugares,

16

(29)

seja por empresas, governos ou agências internacionais. E, sobre essas opções, dirigentes, legisladores, magistrados e promotores têm uma reduzida capacidade de pressão e influência. Acima de tudo, ao gerar formas de poder novas, autônomas, desterritorializadas, funcionalmente diferenciadas e especializadas e ao provocar o surgimento de distintas ordens legais parciais coexistindo, competindo ou mesmo colidindo entre si, a transnacionalização dos mercados está debilitando o caráter essencial da soberania, fundado na presunção ‘superiorem non recognoscens’. Igualmente, está pondo em questão tanto a centralidade quanto a exclusividade das estruturas jurídico-políticas do Estado-Nação assentadas no monopólio do uso dos instrumentos de violência física e da positivação do direito.

Em termos práticos, o cidadão elege seus representantes (legisladores, administradores públicos), mas as decisões mais importantes, sobre sua vida e a vida de sua comunidade, são tomadas fora das fronteiras do Estado, gerando, à princípio, certa desconfiança do representado em relação ao representante. Falta sintonia entre a vontade do cidadão e o centro do poder mundial de fato. Daí a crescente desconfiança do cidadão nos políticos e na política. Afinal, para que eleger representantes se a economia é gerida pelo Fundo Monetário Internacional – FMI? Se a tarifa telefônica de São Paulo é decidida em Paris, Madri ou Lisboa, se o preço dos medicamentos são decididos na matriz dos laboratórios sediados na Suíça ou nos Estados Unidos?

Há um desencanto generalizado por parte do cidadão comum que não compreende bem o que está acontecendo.

Há ainda lugar para a democracia representativa, ou o sistema exauriu-se?

1.3.4 Síntese

As concepções de Estado, cidadão, cidadania, democracia representativa, da forma como tradicionalmente são aceitas, estão sendo superadas. Vislumbra-se por isso uma certa crise, quer quanto à cidadania, quer quanto à representação política e ao próprio Estado. Essa crise advém principalmente do arrefecimento dos conceitos de territorialidade e soberania dos estados, pelo fenômeno da chamada globalização.

(30)

e Estado.

Acontece, porém, que os direitos humanos, vistos por suas características fundamentais, as quais se impõem por força da Convenção de Viena, de 1993, principalmente pelos princípios da eficácia horizontal, projeção positiva, universalidade e internacionalização, exigem respeito, seja na ordem interna, seja na ordem internacional. O disparo que matou Carlo Giuliani, um genovês de 23 anos, durante os protestos contra a globalização em ocasião do Fórum Social de Gênova (reunião dos ricos do G-8 em 2001), não o atingiu somente. Atingiu a espécie humana. Feriu a humanidade. O jovem ingênuo e rebelde não protestava por si. Protestava pela humanidade. Pela dignidade humana. O que se viu em Gênova não foi um “protesto desvairado de minorias”,17 mas sim a luta pela dignidade humana, como bem sintetiza Beneyeto.18

O cinismo provocador dos senhores do mundo e a mentira depredadora a que querem nos submeter estão suscitando imensa reação mundial. Mais de cem mil homens e mulheres marcharam até Gênova para pedir, simplesmente, que se ponha fim ao descalabro e nos digam de verdade como podem e querem fazer.

Onde quer que haja existência humana, haverá reconhecimento dos direitos humanos. Onde quer que haja direitos humanos, haverá coerção jurídica e moral exigindo respeito a esses direitos. Pelo menos é o que esperam aqueles que acreditam no Direito como forma de convivência e solução dos conflitos de interesses existentes nas sociedades humanas. Porém, após os ataques ditos “terroristas” às torres do World Trade Center e ao Pentágono, em New York e Washington, respectivamente, parece que os argumentos da força passaram a substituir o Direito no plano internacional.19

17

PASSARINHO, Jarbas. Os protestos anti-globalizantes. Correio Braziliense. 24 jul.. 2001.

18

BENEYETO, José Vidal. O Clube da Mentira. Correio Braziliense. 24 jul. 2001

19

(31)

CAPÍTULO 2 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO

No capítulo anterior viu-se, sob o prisma dos Direitos Humanos, o surgimento, desenvolvimento e crise do Estado Moderno. Neste capítulo, especial atenção é dada a responsabilidade de um modo geral – a civil e a do Estado no âmbito interno.

2.1 Considerações Gerais

O Estado moderno nasceu da necessidade de ministrar justiça, cunhar e dar curso legal à moeda, tributar e dar segurança aos seus nacionais. Tal modelo parece ter-se exaurido, como evidencia a nova ordem mundial inaugurada no início dos anos 90 e assentada em definitivo após os acontecimentos de setembro de 2001. Nessa nova ordem, muitos dos estados nacionais têm sua vida afetada por decisões tomadas fora de seus domínios. Dessas decisões, as de cunho econômico interferem nas condições internas de cada país, agravando questões sociais particulares de cada qual. Segundo o Banco Mundial, o fenômeno da globalização produziu mais pobres no mundo, aprofundando-se as marcas da exclusão social e da pobreza absoluta. Relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), de 1999, enfatiza que, com a integração econômica mundial, a diferença de renda entre os 20% mais ricos da população mundial e os 20% mais pobres, aumentou de 30 para 1 em 1960, para 74 para 1 em 1997. Acresce ainda que, em face da globalização desigual, a parcela dos 20% da população mundial que vive nos países de renda mais alta, concentra 68% dos investimentos diretos estrangeiros e 74% das linhas telefônicas. Mas a parcela dos 20% mais pobres concentra 1% do PIB mundial, 1% das exportações, 1% dos investimentos diretos estrangeiros e 1,5% das linhas telefônicas.20

O Statement to the World Conference on Human Rights on Behalf of the

Comittee on Economic, Social and Cultural Rigths, enfatiza: “Com efeito,

20

(32)

democracia, estabilidade e paz não podem conviver com condições de pobreza crônica, miséria e negligência”.21

2.2 A Responsabilidade Civil

Responsabilidade origina-se de responder, “do latim respondere, tomado na significação de responsabilizar-se, visa garantir, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou”.22 No sentido jurídico, divide-se, em um primeiro momento, em responsabilidade penal ou civil. A penal é derivada do crime. A civil é derivada do contrato ou do ato ilícito, inclusive o criminoso, cuja conseqüência é a obrigação de indenizar.23 Indenizar significa tornar indene (do latim indemnis), que quer dizer íntegro, livre de perdas,24 reparado, recompensado. Desse modo, a responsabilidade civil conduz imediatamente à necessidade de indenização. A obrigação de indenizar advém do ato ilícito. A distinção é importante em matéria probatória, pois, enquanto que na responsabilidade por ato ilícito (aquiliana) cabe à vítima demonstrar a culpa do agente causador do dano, na responsabilidade contratual, demonstrado pelo credor que a prestação foi inadimplida, “o onus probandi se transfere para o devedor faltoso, que terá que evidenciar a inexistência de culpa sua, ou a presença da força maior, ou outra excludente de responsabilidade capaz de eximi-lo do dever de indenizar.”25

A responsabilidade civil tem como pressupostos a ação ou omissão do agente, sua culpa, a relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima. Pode-se, pois, dizer que a responsabilidade repousa sobre um fato ilícito civil, o qual tem como elementos ou requisitos uma conduta comissiva ou omissiva, a culpa do agente, um resultado danoso, relação de causalidade ou nexo causal, entre essa conduta e o resultado e tudo isso infringindo um dever legal, contratual ou social.

A conduta praticada por ação, portanto, comissiva, consiste no agir, no atuar positivamente no mundo exterior através de movimento perceptível pelos sentidos. Já a conduta omissiva pressupõe a ausência de movimento, a abstenção, o

21

PIOVESAN, 2000, p.180.

22

SILVA, Plácido. Vocabulário Jurídico. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1967, vol. IV. p. 1367.

23

RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil. São Paulo : Saraiva, 1983, vol. IV, p. 5.

24

SILVA, op. cit., vol. II, p. 815.

25

(33)

agir, e não-fazer o que era devido. Tanto na ação quanto na omissão, o dever infringido pode ser legal, contratual, ou social, compreendendo o último caso, a hipótese de abuso de direito.

Essa conduta comissiva ou omissiva geradora da responsabilidade civil pode ser praticada pelo próprio agente ou por terceiro por quem o agente responde. Assim respondem os pais pelos filhos menores; o tutor e o curador pelos pupilos e curatelados; o patrão ou o comitente pelos empregados, serviçais e prespostos; os donos de hospedagens e estabelecimentos educacionais pelos seus hóspedes, moradores e educandos, etc.26 Após alguma dissensão doutrinária, entende-se hoje que a idéia do risco é a que mais se aproxima da realidade. Se o pai põe filhos no mundo, se o patrão utiliza os serviços de seus empregados, evidente que correm o risco de que da atividade daqueles surja dano a outrem, que se advier, devem por ele responder.

A idéia que justifica essa espécie de responsabilidade é o anseio de assegurar e garantir a reparação do dano, protegendo a vítima.

Sobre a responsabilidade por atos de terceiro, respondem as pessoas jurídicas de direito privado semelhantemente ao patrão, amo ou comitente, por atos de seus empregados, serviçais ou prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir ou por ocasião dele. Igualmente as pessoas jurídicas de direito público.

Como pressuposto para a responsabilidade civil há ainda a culpa do agente, aqui entendida no seu sentido lato, compreendendo dolo e culpa. O dolo consiste na vontade e na consciência quanto ao ato que dá causa a um dano previsto. A culpa consiste em proceder o agente sem tomar os cuidados objetivos recomendados no caso, vindo a causar um dano previsível. Ambos se equivalem.

Embora a idéia de que a responsabilidade civil derivada da culpa fosse de grande justificativa moral, com o progresso da ciência, da técnica e desenvolvimento dos maquinismos à disposição do homem, tal idéia tornou-se inadequada para atender ao anseio de ressarcimento do dano experimentado pelas vítimas. Impor a estas o ônus de provar a culpa do agente, equivale muitas vezes a deixá-los irressarcidos pela barreira intransponível que no mais das vezes isso representa. Para remediar o rigorismo dessa situação, a doutrina preconizou alguns

26

(34)

expedientes, segundo Alvino Lima,27 que consistiam em propiciar maior facilidade à prova da culpa, na admissão do abuso de direito, na presunção de culpa, na admissão da responsabilidade contratual e na admissão em alguns casos da teoria do risco.

Desses mecanismos paliativos, dois merecem destaques: o reconhecimento da presunção da culpa e a admissão da teoria do risco.

A presunção de culpa ou presunção de responsabilidade, tem por finalidade principal a reversão do ônus da prova: ao invés da vítima ter que provar a culpa do agente, é este que tem que provar a sua não-culpa ou alguma excludente de responsabilidade.

Do mesmo modo, a admissão da teoria do risco facilita a situação da vítima porque se inspira na idéia de que o elemento culpa é desnecessário para caracterizar a responsabilidade. A obrigação de indenizar não se apóia em nenhum elemento subjetivo (dolo ou culpa), mas em elemento objetivo, representado pelo nexo causal entre o ato do agente e o dano. É a responsabilidade pela reparação do dano causado por uma atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle.28

Para que emirja a responsabilidade civil é necessário que exista ainda a relação de causalidade, o nexo causal, entre a ação ou omissão do agente e o resultado danoso.

A relação de causalidade é o liame que existe entre a ação ou omissão do agente e o resultado danoso. É a relação entre causa e efeito. Causa é tudo que

concorre para um resultado. É a conditio sine qua non para a existência do

resultado. Não se distingue entre causas e concausas, principais ou secundárias. Tudo é causa desde que dela dependa um resultado.

Quando se examina a relação de causalidade, tem-se procurado na doutrina especificar os eventos que a excluem. É evidente, porém, que a responsabilidade civil pode ser afastada não só pela quebra do liame de causalidade, mas, também, pelos excludentes de culpabilidade e de ilicitude.

Por derradeiro, cabe mencionar quanto ao tema, a questão do resultado

27

RODRIGUES, 1983, 5.º vol, p. 166.

28

(35)

danoso. O dano pode ser material ou moral. Dano material é a lesão perceptível no mundo dos fatos que atinge o patrimônio de alguém. Dano moral é a lesão ocorrida no “patrimônio ideal” de outrem, entendendo-se como tal “o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico”.29 Em síntese, dano material é prejuízo patrimonial e dano moral é a dor, a mágoa, a tristeza infligida injustamente a alguém. Ocasionado o dano, qualquer que seja, por ele responde o causador, ressarcindo o prejuízo e tornando indene a vítima.

2.3 A Responsabilidade Pública

A responsabilidade vista no tópico anterior é a chamada responsabilidade civilista ou civil comum.30 No que se refere ao Estado, a responsabilidade por seus atos passou por longa evolução doutrinária, indo da irresponsabilidade estatal, passando pela responsabilidade com culpa, até chegar à responsabilidade pública, sem culpa, de caráter objetivo, baseada na teoria do risco administrativo. Nesta, a obrigação de indenizar o dano emerge “do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração”,31 sem necessidade de se apurar a culpa dos agentes públicos.

Há de se ponderar, entretanto, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, admite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização.

O direito brasileiro acolheu a teoria do risco administrativo a partir da Constituição de 1946. Na atual, o art. 37, § 6.º, a consagra. Isto ocorre quanto aos atos da Administração Pública. Quanto aos atos legislativos e judiciais típicos é necessário a prova de culpa do Estado.

Assim, para os atos da Administração Pública, a responsabilidade é sem culpa, portanto, objetiva. Para os atos legislativos e judiciais típicos a responsabilidade é com culpa, portanto, subjetiva.

Essa responsabilidade, porém, é somente a aquiliana, derivada de ato ilícito e não a contratual.32 O dispositivo destaca os ‘danos que seus agentes, nessa

29

SILVA. Wilson Melo. O dano moral e a sua reparação. Rio, 1975, n.º 1 (citado por Rodrigues, 1983, p. 206)

30

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo : Malheiros, 1994, p. 556.

31

Idem, p. 557.

32

(36)

qualidade, causarem a terceiros’. É responsabilidade pública aquiliana. Já a contratual rege-se pelas normas apropriadas do direito privado33, observando-se o que foi pactuado pelas partes. No caso de inexecução das obrigações, fica o agente obrigado a indenizar, exceto ‘pela ocorrência de causa justificadora de inexecução, porquanto o fundamento normal da responsabilidade civil é a culpa, em sentido amplo.34

Portanto, os dois campos se distinguem: o da responsabilidade contratual, de um lado, e o da responsabilidade por ato ilícito, de outro.

palavras, ‘deriva da infração de cláusulas aceitas pelas partes’, responsabilidade na qual se incorre por inobservância de deveres particulares, derivados do vínculo contratual assumido por determinada pessoa (cf. Zanobini, Corso..., 6.ª ed., 1950, vol. 1, p. 270). À responsabilidade contratual contrapõe-se a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, resultante da violação do preceito geral do neminem laedere (cf. Zanobini, Corso..., 6.ª ed., 1950, vol. 1, p. 270; e Rivero, Droit Administratif, 8.ª ed., 1977, p. 263). (O estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro : Forense, 1988, p. 23 e 24).

33

MEIRELLES, 1994, p. 225.

34

(37)

CAPÍTULO 3 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO

Neste capítulo, em seqüência e particularizando o tema abordado no capítulo anterior, enfoca-se a responsabilidade internacional do Estado, com atenção especial à natureza jurídica dos tratados internacionais, ou seja, se são contratos ou se são leis, mesmo que consuetudinárias.

3.1. Aspectos Gerais

O princípio da responsabilidade internacional dos Estados é antigo, porém, pela ausência de um legislador e um juiz universal, seu desenvolvimento foi lento, baseado em regras consuetudinárias. Somente a partir da segunda metade do século XIX, graças ao recurso à arbitragem, é que as principais regras foram formuladas. Segundo N. Q. Dinh, P. Dailler e A Pellet35, até os dias atuais, “o direito da responsabilidade internacional permanece consuetudinário”, sendo “controverso e confuso” e “não cumpre senão imperfeitamente seu papel” Ainda segundo os autores, todas as tentativas de codificação resultaram frustradas em face da complexidade do tema. Desse modo, na ausência de um texto legal, buscam-se soluções convencionais para problemas particulares. Assim, dentre os tratados atinentes à questão, pode-se assinalar a IV Convenção de Haia, de 1907 (responsabilidade por danos causados por forças armadas em campanha); convenções sobre transporte de material nuclear (Bruxelas, de 1962 e Viena, de 1963); tratados sobre a responsabilidade pelos danos causados no lançamento de satélites, de 1972, e Convenção de Bruxelas de 1969 sobre responsabilidade por danos devidos à poluição do mar por hidrocarbonetos. N. Q. Dinh, P. Dailler e A. Pellet sustentam que a responsabilidade internacional apresenta a mesma complexidade que no direito interno. Para existir, pressupõe ela um “dano imputável a um sujeito de direito internacional e suportado por outro sujeito de direito.” Os mencionados escritores de direito afirmam que a responsabilidade internacional deriva de um fato ilícito internacional, sendo este a violação de uma obrigação internacional. Ao discorrerem sobre a origem dessa obrigação violada, falam em

35

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obrigação de meios e obrigação de resultados. Vale observar, violação de contratos.

Rosário Besné Mañero36 diz que a responsabilidade internacional dos Estados,

posto que é um dos princípios mais profundamente arraigados na prática e na jurisprudência internacional, é aquela segundo a qual todo comportamento de um Estado, que o Direito Internacional qualifica como juridicamente ilícito, origina a responsabilidade internacional do Estado em questão. Baseado no art. 19 do Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas sobre a responsabilidade internacional dos Estados, se estabelecem diferenças entre os ilícitos internacionais, classificando-os em crimes e delitos. Tal dispositivo projetado foi fonte de controvérsias por parte de muitas delegações, valendo anotar a objeção espanhola feita ao argumento de que, em espanhol, “delito” e “crime” são equivalentes, além de pertencerem ao domínio da terminologia própria do Direito Penal.37

Em verdade, o artigo 19 do dito Projeto faz essa distinção. Entretanto, não se compreende a razão para tal, vez que aparentemente disso nenhum proveito resulta. Entre nós, Raul Fernandes38 sustenta que a responsabilidade pressupõe uma ação ou inação, infringente de uma obrigação internacional, imediatamente para com outro Estado, ou mediatamente para com pessoa sob sua proteção, e imputável a órgão ou agente do infrator.

O traço comum entre os autores é que a responsabilidade nasce de um “ilícito”. Perquirir a natureza jurídica de onde provém esse “ilícito”, é a questão.

3.2 Natureza jurídica dos tratados internacionais

Nós nos propusemos, no início, a falar da responsabilidade do Estado Brasileiro em face de sua omissão em dar segurança a seus nacionais frente à elevada criminalidade interna. Para exame da questão, impõe-se saber qual a natureza jurídica dessa obrigação assumida pelo Estado.

Como sabemos, o dever de dar segurança aos seus nacionais, a par de constituir razão primeira da criação do estado moderno, está inserido como

36

MAÑERO, Rosário Besné. El crimen internacional – nuevos aspectos de la responsabilidad internacional de los estados. Universidad de Deusto, Bilbao, 1999, p. 19.

37

Idem, p. 43.

38

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Tabela 2 – Pobreza & Violência
Tabela 4 – Países Mais Violentos (Presos por 100 mil habitantes)
Tabela 5 – Países Menos Violentos

Referências

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